Agravo de instrumento. Antecipação dos efeitos da tutela. Determinação de não disponibilização de vídeo em website de provedor.
Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.
Número do processo: 1.0024.09.579146-3/001(1)
Relator: GUTEMBERG DA MOTA E SILVA
Relator do Acórdão: GUTEMBERG DA MOTA E SILVA
Data do Julgamento: 01/09/2009
Data da Publicação: 18/09/2009
Inteiro Teor:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA - DETERMINAÇÃO DE NÃO DISPONIBILIZAÇÃO DE VÍDEO EM WEBSITE DE PROVEDOR - IMPOSSIBILIDADE - DEVER DE EXCLUIR OS VÍDEOS PREVIAMENTE INDICADOS. Em ação de obrigação de fazer destinada a fazer cessar lesão a direito da personalidade causada por conteúdos disponibilizados por usuários em sites mantidos pelo provedor, preenchidos os requisitos do art. 273 do CPC, deve ser deferida a antecipação dos efeitos da tutela, determinando-se a exclusão dos conteúdos ofensivos previamente indicados pela parte ofendida. A determinação de impedir a inclusão, por usuários, de conteúdos ofensivos à moral de um indivíduo, é medida grave, que não deve ser deferida se a identificação do conteúdo ofensivo depender de critérios subjetivos do ofendido, cuja exata predeterminação não é possível a ponto de garantir que a lesão não continuará a se repetir. Recurso parcialmente provido.
AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 1.0024.09.579146-3/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - AGRAVANTE(S): GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA - AGRAVADO(A)(S): JULIO CESAR MONTEIRO DE CASTRO - RELATOR: EXMO. SR. DES. GUTEMBERG DA MOTA E SILVA
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO.
Belo Horizonte, 01 de setembro de 2009.
DES. GUTEMBERG DA MOTA E SILVA - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. GUTEMBERG DA MOTA E SILVA:
VOTO
GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. interpôs agravo de instrumento pleiteando a reforma da decisão do MM. Juiz da 25ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, que deferiu pedido de antecipação dos efeitos da tutela nos autos da ação cominatória c.c. indenização por danos morais que lhe move o agravado, JÚLIO CÉSAR MONTEIRO DE CASTRO, determinando que se abstenha de colocar à disposição dos internautas no website de hospedagem e compartilhamento de vídeos You Tube (www.youtube.com) qualquer vídeo que contenha menção ao nome dele ou à função pública que ocupa, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00.
Sustentou que é tecnicamente impossível, conforme prova pericial emprestada que junta, controlar a inserção de vídeos no website que mantém, pois a todo momento são inseridos milhares de novos vídeos, vídeos estes que são de responsabilidade dos internautas, conforme "termos de uso" ao qual assentem seus usuários. Alegou que não pode realizar censura prévia ao material colocado à disposição por terceiros, sob pena de violar a Constituição da República, mas que, tão logo identificados os vídeos e reclamada a sua exclusão, tem agido para evitar a ocorrência de mais danos à moral do agravado, conforme certificado pelo próprio juiz.
Alegou mais que o usuário que insere conteúdo que viole as condições estipuladas assume integral responsabilidade pelos danos que causar, inexistindo qualquer legislação que obrigue os provedores a exercerem o controle do conteúdo inserido na internet por terceiros, razão pela qual é imprescindível o apontamento prévio do endereço eletrônico em que se encontra o conteúdo ofensivo.
Por fim, pugnou pelo afastamento da multa diária arbitrada, pois se desvirtuaria o instituto das "astreintes", já que a multa não poderia tornar possível o que é impossível.
O pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso foi deferido às fls. 228 a 230.
O agravado apresentou contrarrazões alegando que a prova pericial juntada pelo agravante não se adequa à situação dos autos, além de ser desprovida do necessário rigor técnico. Alegou mais que é inverossímil a alegação de que não possui capacidade técnica para implementar um sistema de controle dos vídeos veiculados em seu website, o que deveria ser feito ainda que implicasse aumento de seus custos, o que não pode servir de escusa.
Afirmou que o agravante já sofreu condenação semelhante, sendo a multa muito superior à fixada na decisão, e que a decisão foi perfeitamente cumprida, de modo que é tecnicamente possível o seu cumprimento; e que, ainda que não fosse, a técnica não pode se sobrepor ao direito, tornando inócuos dispositivos constitucionais e legais.
Por fim, ressaltou que "pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade" (art. 12 do Código Civil), que o agravante é excessivamente permissivo com a criação de contas de usuário, dando guarida a criminosos, que o agravante é responsável pelos danos, pois se sujeita aos riscos de sua atividade, e que não se pode invocar a liberdade de expressão para defender o direito de ofender a moral de alguém (fls. 236 a 247).
É o relatório. DECIDO
Conheço do recurso, pois tempestivo e preparado.
O MM. Juiz deferiu pedido de antecipação dos efeitos da tutela de obrigação de fazer, a de impedir a disponibilização, no site do You Tube, de vídeos que contenham menção ao nome ou ao cargo do agravado, estipulando multa diária de R$ 5.000,00.
O mérito do recurso se restringe à análise da presença dos requisitos do art. 273 do CPC, quais sejam, a prova inequívoca da verossimilhança das alegações e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Quanto ao receio de dano, inexiste dúvida de que o prosseguimento da disponibilização de conteúdos considerados ofensivos à moral do agravado pode ampliar os danos que alega ter sofrido, havendo o agravante também atestado a ocorrência de ofensa à moral do agravado, pois já excluiu vários vídeos indicados.
Já o requisito da prova inequívoca da verossimilhança das alegações deve ser analisado de modo mais particularizado, em razão das especificidades da tutela pretendida pela parte. Devem ser verossímeis, para fins de deferimento da antecipação, as alegações que, comprovadas, levariam à procedência final do pedido de "condenação do Réu a se abster de lançar no site youtube quaisquer outros vídeos que façam menção ao autor, pelo nome ou pelo cargo que o mesmo ocupa" (fls. 38-TJ).
Aparentemente o pedido se trata de obrigação de não fazer, contudo, sabe-se que não é o Google quem lança vídeos no You Tube, de modo que, caso procedente o pedido, a condenação terá conteúdo de obrigação de fazer, qual seja a de impedir a inserção de vídeos dessa natureza.
O principal argumento em favor do deferimento do pedido de antecipação de tutela é o art. 12 do Código Civil, segundo o qual "pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade". Tal alegação não demanda a existência de qualquer prova, pois a questão é de direito e, a princípio, inexiste obstáculo à determinação de fazer cessar a lesão.
Entretanto, as particularidades do caso impedem o deferimento da medida nos moldes em que foi deferida. Como bem salientou o agravante, eventual impedimento a vídeos que contenham o nome do agravante ou o cargo que ocupa poderão levar à exclusão de vídeos outros, que não os vídeos ofensivos à moral do agravado, o que resultaria em violação de direitos de terceiros e até mesmo em prejuízo à circulação de informações. Do mesmo modo, não seria suficiente para fazer cessar a lesão o impedimento à inclusão de tais vídeos, pois os usuários que os estão incluindo poderão prosseguir em sua conduta ofensiva por meio de imagens, sem fazer qualquer menção a nomes ou cargos, tornando inócua a grave medida.
Sobre a impossibilidade de se deferir medida como a presente, já se manifestou o Tribunal de Justiça de Minas Gerais em caso semelhante, relativo ao Orkut, no qual são também os usuários que incluem o conteúdo:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXCLUSÃO DO NOME DA AGRAVADA EM TODAS AS PÁGINAS DO SITE DE RELACIONAMENTO ORKUT - IMPOSSIBILIDADE - INDICAÇÃO DAS URL's - MULTA - VALOR PROPORCIONAL E RAZOÁVEL. - Com a aquiescência da Google, são criados, por seus usuários, os mais diversos tipos de comunidades e páginas, no site de relacionamento da Orkut. - Sabe-se que é impossível fiscalizar todas as páginas criadas, e ainda, observando a garantia fundamental do livre pensamento, se torna impossível a exclusão do nome da agravada, sem que esta identifique a ofensa nas respectivas URL's. - A ação que tenha por objeto obrigação de fazer, o magistrado pode conceder a tutela específica da obrigação, determinando providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento, como a fixação de multa, no valor proporcional e razoável com o porte da empresa." (TJMG nº 1.0145.08.495306-9/001 - Rel. des. Nicolau Masseli, j. em 4-6-2009).
O que justifica deixar de compelir o provedor de armazenamento a fazê-lo não é a impossibilidade técnica de promover o monitoramento prévio do conteúdo inserido pelos usuários de seu serviço, pois, como se sabe, outros serviços disponibilizados pelo próprio agravante, como a ferramenta "Google Earth", apenas permitem a inclusão de conteúdos, como fotografias, por exemplo, após a verificação de sua adequação. Também não é a violação do art. 220 da Constituição da República, pela restrição à livre manifestação do pensamento, que impediria o provedor de promover o controle prévio do conteúdo, pois nada diferencia a censura prévia da censura a posteriori, e esta última o agravante já realiza sem qualquer impedimento, quando, por exemplo, identifica conteúdos em desacordo com suas normas de uso, retirando-os da rede imediatamente.
Entretanto, a impossibilidade de delimitação exata do conteúdo ofensivo, como, por exemplo, a descrição do vídeo que atenta contra a moral do agravado, impede a manutenção da decisão nos termos em que foi proferida. Como ficou demonstrado, vários vídeos já foram inseridos e excluídos, havendo sido armazenados sob diferentes títulos e diferentes endereços eletrônicos, de modo que não é possível determinar a censura prévia do conteúdo ofensivo ao agravado, o que demandaria a análise detalhada a partir de critérios subjetivos, o que somente pode ser feito pelo ofendido.
A medida que melhor atende ao objetivo do agravado, sem, contudo, levar a exageros que não teriam a repercussão desejada, é a determinação de que o agravante continue a excluir os vídeos devidamente identificados pelo agravado como ofensivos à sua moral, o que permitirá a cessação da lesão tão logo seja identificada, mantendo-se a penalidade de multa no valor arbitrado, pois não é exagerado, desde que limitado, conforme a decisão.
O Poder Judiciário deve ter redobrada atenção em casos como o presente, em que, a despeito de fazer cessar alegadas ofensas a direitos subjetivos, pode tratar igualmente situações diferentes, dando margem ao locupletamento por parte de pessoas inescrupulosas, que não teriam nenhuma dificuldade em, elas próprias, incluir conteúdos supostamente ofensivos à sua moral, e posteriormente demandar do provedor de armazenagem indenizações por atos que elas próprias tenham cometido. Daí a importância do desenvolvimento, pelo próprio provedor, de ferramentas de controle sobre a identidade de seus usuários, de modo a se precaver contra ações judiciais desta natureza e contribuir para a redução da má-utilização dos serviços prestados.
É certo que, se por um lado, os provedores de armazenamento de conteúdo desempenham um importante papel na democratização da mídia, assim como na viabilização de novas ferramentas, que incrementam o potencial produtivo da humanidade, por outro, não estão isentos de se valer de todos os meios possíveis para que sua atividade não provoque danos a terceiros e para que, caso ocorram, sejam os ofensores identificados.
Enquanto os provedores de armazenamento não promoverem controle efetivo sobre as identidades dos usuários de seus serviços, de modo a possibilitar a responsabilização destes pelos danos que causarem, são eles solidariamente responsáveis por tais danos, em razão da teoria do risco, prevista expressamente no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, segundo o qual:
"haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".
Diante disso, dou parcial provimento ao recurso para reformar a decisão de fls. 70-TJ, deferindo a antecipação dos efeitos da tutela apenas para determinar ao agravante que retire de seu provedor os vídeos que contenham alguma das imagens ofensivas à moral do agravado, no prazo de 24 horas da notificação realizada aos procuradores do agravante, indicando o endereço eletrônico do conteúdo, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00.
Custas recursais, pelo agravado.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): ALBERTO ALUÍZIO PACHECO DE ANDRADE e PEREIRA DA SILVA.
SÚMULA: DERAM PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO.
JURID - Agravo de instrumento. Antecipação dos efeitos da tutela. [30/09/09] - Jurisprudência
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