Apelação criminal. Crime contra a saúde pública. Tráfico.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.
Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2008.017101-1, de Araranguá
Relator: Des. Torres Marques
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. TRÁFICO. PLEITO ABSOLUTÓRIO CALCADO NA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DELAÇÃO DO CORRÉU NA FASE EXTRAJUDICIAL CORROBORADA PELAS DECLARAÇÕES DOS POLICIAIS NO SENTIDO DE QUE A DROGA SERIA DISTRIBUÍDA. PROVAS SUFICIENTES A FUNDAMENTAR A CONDENAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO (ART. 35 DA LEI N. 11.343/06). REQUERIDA A ABSOLVIÇÃO. ABSOLVIÇÃO DO APELANTE, QUANTO A ESSE DELITO, JÁ ALCANÇADA QUANDO DO JULGAMENTO DO RECURSO DO CORRÉU. APLICAÇÃO DO ART. 580 DO CPP. NÃO CONHECIMENTO. APELO CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2008.017101-1, da comarca de Araranguá (Vara Criminal), em que são apelantes Felipe da Rosa Silva e Deyvid Luiz Piazzolli, e apelada a Justiça, por seu Promotor:
ACORDAM, em Terceira Câmara Criminal, por unanimidade de votos, conhecer em parte do recurso e negar-lhe provimento. Custas na forma da lei.
RELATÓRIO
Perante o juízo da Vara Criminal, Infância e Juventude da comarca de Araranguá, o representante do Ministério Público ofertou denúncia em face de Deyvid Luiz Piazzolli e Felipe da Rosa Silva, dando-os como incursos nas sanções do art. 33 e 35, ambos da Lei n. 11.343/06, consoante se infere da exordial acusatória:
"Na noite do dia 27 de fevereiro, por volta das 22h00m, policiais militares em patrulhamento abordaram os denunciados DEYVID LUIZ PIAZZOLLI e FELIPE DA ROSA SILVA, ambos detentos fugitivos do Presídio Regional de Araranguá, nas proximidades deste e, após revista pessoal encontraram em suas posses um invólucro plástico contendo 23g de erva prensada, que após exame de constatação verificou-se tratar da substância entorpecente vulgarmente conhecida por maconha, capaz de causar dependência física e/ou psíquica (laudo de fl. 17), que os mesmos adquiriram momentos antes e traziam a consumo alheio sem autorização".
Finda a instrução criminal, os réus Felipe da Rosa Silva e Deyvid Luiz Piazzolli foram condenados, o primeiro à pena de 8 (oito) anos de reclusão, e o segundo à pena de 10 (dez) anos de reclusão, ambas a serem cumpridas em regime fechado, e 1.200 (mil e duzentos) dias-multa, cada um no mínimo legal, por infração aos arts. 33, caput, e 35, ambos da Lei n. 11.343/06.
Inconformado, Felipe recorreu da decisão. Esse apelo foi parcialmente provido tão-somente para absolvê-lo do crime de associação para o tráfico. Na oportunidade, os efeitos da decisão foram estendidos ao corréu Deyvid, tudo conforme se infere do acórdão de fls. 238/248.
Ocorre que após o julgamento do feito, foi acostada aos autos petição de interposição de recurso por parte de Deyvid, bem como renúncia de mandato por parte de seu procurador (fls. 250/251).
Diante disso, em correição (fls. 253/254), este signatário observou a tempestividade do apelo de Deyvid, determinando a baixa dos autos à comarca de origem para o seu processamento.
Cumprida a determinação, Deyvid apresentou suas razões de recurso, alegando (fls. 272/280) não ter ficado comprovado que a droga encontrada lhe pertencia e que estivesse associado ao corréu Felipe para a prática do tráfico de drogas. Pugnou, assim, por sua absolvição em razão da insuficiência de provas.
Contra-arrazoado o recurso (fls. 281/285), ascenderam novamente os autos a esta Superior Instância, opinando a Procuradoria Geral de Justiça (fls. 289/294) pelo conhecimento e desprovimento do apelo em relação ao delito de tráfico, bem como pelo seu não conhecimento quanto ao crime de associação para o tráfico, já que a absolvição do corréu quanto a esse delito foi estendida a Deyvid.
VOTO
Trata-se de apelação criminal interposta por Deyvid Luiz Piazzoli contra sentença que o condenou como incurso nas sanções dos arts. 33 e 35, ambos da Lei n. 11.343/06.
A materialidade delitiva ficou comprovada por meio do Auto de Prisão em Flagrante (fls. 4/8), do Termo de Exibição e Apreensão (fl. 15) e do Laudo Pericial (fls. 78/81).
A autoria delitiva, em que pese a negativa do apelante, restou comprovada pelas palavras dos policiais e pela delação extrajudicial de Felipe.
Os acusados Felipe e Deyvid estavam segregados no Presídio Regional de Araranguá, quando, no dia 27/2/2007, de lá escaparam por um buraco feito na parede. Quando retornaram para o estabelecimento penal, foram surpreendidos na posse de uma garrafa contendo cachaça e um invólucro com determinada quantidade da substância entorpecente conhecida por "maconha".
Os réus prestaram declarações nas duas etapas da instrução. O apelante Deyvid sempre negou a prática delitiva, asseverando que fugiu da prisão com intuito diverso daquele demonstrado por Felipe, uma vez que pretendia apenas "espairecer" (fl. 8).
Na fase do contraditório (fls. 138/140) atestou que saiu para encontrar com uma mulher chamada Mônica e que teria marcado o encontro com ela por meio de carta, mas acabou não a conseguindo encontrar. Acrescentou ainda:
"[...] que viu Felipe levar a cachaça; que não viu Felipe levando a droga. Que acha que ficou cerca de uma hora fora do presídio; que quando não encontrou Mônica foi até o posto e ficou aguardando Felipe até o mesmo retornar; [...] que viu Felipe saindo e resolveu sair junto; [...] Que Felipe saiu por um motivo e o interrogando por outro [...]".
Perante a autoridade policial (fl. 7), o corréu Felipe informou quais os detentos que estavam na cela. Disse que ao saírem do estabelecimento se dirigiram até os fundos de um posto de gasolina para adquirir a droga que levariam para o presídio. Relatou que a compra da droga foi acertada pelo detento chamado Eduardo, o qual estava usufruindo o benefício de saída temporária. Atestou, ainda, que trazia cachaça, enquanto Deyvid trazia a maconha.
Em juízo (fls. 114/116), retificou em parte suas asserções, confirmando ter saído do estabelecimento para adquirir a droga, mas negando que esta se destinava ao comércio no interior do presídio e que estivesse na posse de Deyvid. Extrai-se de suas declarações:
"que no dia dos fatos saiu pelo buraco existente juntamente com Deyvid; que foram até um pedaço juntos e depois Deyvid seguiu para 'fazer umas festas com mulheres'; [...] que um pouco mais a frente do restaurante comprou R$ 50,00 de maconha; que a pessoa estava em uma moto, entregou e saiu; que pretendia usar a droga com seus colegas; que esclarece que nenhum preso pediu para o interrogando comprar droga; [...] que em nenhum momento disse que a droga iria ser vendida e não falou que Deyvid estava junto; [...] que combinaram apenas para sair e voltarem juntos; que se conheceram dentro do presídio; que são amigos [...]".
Os agentes de segurança Paulino de Oliveira, Felipe Rodrigues Martins e Cláudio Cesar Pereira foram ouvidos nas duas fases da instrução processual.
Na etapa extrajudicial, o primeiro policial disse (fl. 4) que tomaram conhecimento que dois presos haviam fugido, mas que retornariam, razão por que aguardaram a volta deles e abordaram-nos quando tentavam escalar o muro. Relatou que próximo aos réus foi encontrada uma garrafa de cachaça e pequena quantidade de maconha. Na mesma ocasião, o segundo policial citado ratificou as informações anteriores, acrescentando que Felipe admitiu que trazia a bebida e a droga para o interior do estabelecimento prisional para distribuir entre os demais presos. Por sua vez, o terceiro agente de segurança pública salientou (fl. 6) que os réus foram encontrados quando tentavam retornar para o estabelecimento penal na posse de bebida alcoólica e determinada quantidade de droga.
Quando esses mesmos policiais foram oitivados na fase judicial prestaram declarações mais consistentes sobre os fatos. O agente Paulino de Oliveira retratou (fl. 111) em juízo:
"[...] que o depoente deu a volta e acabou surpreendendo primeiro os dois réus; que os réus estavam no chão próximo à parede; que efetuou a prisão dos réus e os conduziu para o interior do presídio; que como estava escuro aguardaram a chegada de reforço para que pudessem vasculhar o terreno; que próximo ao local onde ocorreu a detenção encontraram uma garrafa de dois litros, com um líquido que parecia cachaça e um pacote com substância que parecia maconha; [...] que entende que os réus estão sendo processados pela fuga e por supostamente terem confessado que estavam tentando ingressar com algo dentro do presídio [...]".
E extrai-se das declarações do policial Felipe Rodrigues Martins (fls. 112/113):
"[...] que no momento em que os réus estavam retornando foram surpreendidos pelo policial Paulino; que após detidos encontraram no local recipiente contendo líquido parecido com cachaça e pequena quantidade de erva parecida com maconha; que segundo informação que chegou ao depoente policiais encontraram a cachaça e a erva próximo ao local onde os réus foram detidos; que conduziu os réus para a Central de Polícia; que o depoente solicitou que os réus fossem retirados da sala, ato deferido pelo juiz; que o depoente confirmou ao Juízo que o réu Felipe confessou o delito da prática delituosa na frente do policial civil Cláudio; que o réu Felipe que soube da droga e da aquisição por intermédio de Edualdo; que o réu Felipe falou que da vez anterior saíram Richard e Edualdo; que conforme o réu Felipe um pouco seriam usado por eles e outro tanto para revenda; que com relação ao dinheiro foi feito uma 'vaquinha' dentro do presídio e a negociação teria sido feita por Edualdo que estava em saída temporária; [...] que segundo o réu Felipe os dois saíram para que pudessem adquirir droga; que Deyvid ficou colocando 'pilha' ns outros presos instigando-os; [...] que o réu Felipe vai na 'pilha' de Deyvid e possui bom comportamento [...]".
Por fim, as palavras do agente Claúdio César Pereira são no seguinte sentido (fls. 109/110):
"[...] que juntamente com os réus apresentaram uma garrafa com cachaça e cerca de vinte gramas de maconha; que o réu Felipe confessou para o depoente e para o agente Felipe que havia comprado a droga de um traficante nas proximidades do Restaurante Pica Pau; que os réus fugiram do presídio e segundo consta já haviam marcado hora com o traficante para adquirir a droga; que segundo o réu Felipe, Edualdo teria intermediado a compra da droga; [...] que o réu Felipe falou que iria dividir a droga entre os detentos; que os réus pagaram R$ 50,00 pela droga; que o réu Felipe afirmou que o numerário era advindo de uma cota entre presos; que com relação a Deyvid nada falou e com relação a sua saída disse apenas que estava acompanhando Felipe; que Deyvid negou a posse e propriedade da droga e disse que nada sabia sobre os fato; que o réu Felipe confirmou que ambos saíram para buscar a droga; [...] que Deyvid possui antecedentes pelo art. 12 da Lei n. 6.368/76 [...]".
Pela prova amealhada, não pairam dúvidas de que o apelante pretendia entrar com a droga no presídio com o intento de distribuí-la entre os demais detentos.
A questão referente ao rateio feito entre os detentos para a aquisição da droga não obsta o reconhecimento do tráfico, porquanto o togado bem assinalou que a conduta do acusado se amolda no núcleo do tipo representado pela expressão "trazer consigo". E como bem salientou o policial Felipe Martins, o corréu Felipe confessou que a droga se destinava, em parte, para a revenda no interior da prisão e que ambos os denunciados saíram do estabelecimento penal para adquirir droga.
Sobre a validade das declarações dos policiais é de se lembrar que não foi comprovado nenhum motivo que retire o crédito dos depoimentos por eles prestados, os quais, assim como os de quaisquer testemunhas, têm, em princípio, presunção de veracidade e boa-fé, cabendo à parte contrária demonstrar a existência de motivos para duvidar de tais assertivas. A respeito, deste relator:
"[...] MÉRITO - PLEITO ABSOLUTÓRIO EM RELAÇÃO AO TRÁFICO, FRENTE À INSUFICÊNCIA DE PROVAS DE AUTORIA - CONTEXTO PROBATÓRIO FIRME E SUFICIENTE A ENSEJAR A CONDENAÇÃO - CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL DE DOIS RÉUS, CORROBORADA PELAS DECLARAÇÕES DOS POLICIAIS EM AMBAS AS FASES DA INSTRUÇÃO - CONDENAÇÕES MANTIDAS [...]" (Apelação criminal n. 2007.022637-5, de Itapema, rel. 23/10/2007).
Ademais, como bem assinalou o magistrado sentenciante, a versão apresentada pelo apelante carece de credibilidade, principalmente frente à delação na fase extrajudicial por parte de Felipe, o qual, além de confessar sua responsabilidade, também discorreu sobre a conduta de Deyvid e o vínculo entre os dois existente.
Inviável, portanto, a pretendida absolvição quanto ao crime de tráfico de drogas.
Concernente ao crime de associação para o tráfico, o pleito não comporta conhecimento, haja vista que quando da absolvição do corréu Felipe em relação a esse delito, foram estendidos os efeitos da decisão ao ora apelante, com fulcro no art. 580 do CPP, ocasionando também sua absolvição em relação ao crime de associação (fls. 238/248). Por isso, não se conhece do apelo de Deyvid nesse ponto.
Dessa feita, mantém-se a condenação do réu como incurso nas sanções do art. 33, caput, do Código Penal à pena de 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime fechado, e 500 (quinhentos) dias-multa, no mínimo legal.
DECISÃO
Ante o exposto, conhece-se em parte do apelo e nega-se-lhe provimento.
Participaram do julgamento, realizado no dia 30 de junho de 2009, os Exmos. Srs. Des. Alexandre d'Ivanenko e Moacyr de Moraes Lima Filho. Lavrou parecer, pela Procuradoria Geral de Justiça, o Exmo. Dr. Jobél Braga de Araújo.
Florianópolis, 7 de agosto de 2009.
Torres Marques
Presidente e Relator
Publicado em 14/09/09
JURID - Apelação criminal. Crime contra a saúde pública. Tráfico. [28/09/09] - Jurisprudência
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