Estelionato. Crime contra o INSS. Pedido de aposentadoria amparado em documento ideologicamente falso.
Tribunal Regional Federal - TRF 3ª Região.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2002.61.08.003846-1/SP
RELATOR: Juiz Federal Convocado Roberto Jeuken
APELANTE: Justica Publica
APELADO: LAURA CRUZEIRO MEDOLA
ADVOGADO: VICENTE BENTO DE OLIVEIRA e outro
APELADO: APARECIDO CACIATORE
ADVOGADO: JOSE SILVINO PERANTONI e outro
EMENTA
PENAL. PROCESSO PENAL. ESTELIONATO. CRIME CONTRA O INSS. PEDIDO DE APOSENTADORIA AMPARADO EM DOCUMENTO IDEOLOGICAMENTE FALSO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA AMPARADA NO ARTIGO 386, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CRIME DE HERMENÊUTICA). RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA DENÚNCIA REJEITADA. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. ELEMENTOS INSUFICIENTES PARA CARACTERIZAR DOLO DOS AGENTES. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
I- Sentença em primeira instância que absolveu os acusados, entendendo que a denúncia apontou mero "crime de hermenêutica", porquanto teria ocorrido simples equívoco quanto ao significado do termo técnico-jurídico "trabalho em regime de economia familiar".
II- Não há vício na denúncia oferecida pelo Ministério Público, estando presentes todos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal. Não se cogita do cometimento do crime de hermenêutica por parte de leigos no preenchimento de formulários ou elaboração de declarações estereotipadas, posto que esta resulta da intelecção técnico-profissional implementada, de regra, a nível consultivo e que não poderia implicar na responsabilidade de seu emissor. Conclusão que merece ser afastada sob pena de se alastrar a inculpação criminal com base nesta conclusão, adotada excepcionalmente pela Suprema Corte em caso específico, em prestígio a impunidade.
III- No que se refere ao apelado Aparecido, ficou clara na narrativa a sua participação no conduta imputada, mediante auxílio à corré para obter documento ideologicamente falso, com fim de adquirir benefício previdenciário indevido.
III- Benefício da aposentadoria por idade concedida com base em Declaração de Exercício de Atividade Rural, expedido pelo Sindicato Rural de Lençóis Paulista/SP com informações ideologicamente falsas.
IV- A materialidade do delito ficou demonstrada pelo confronto entre as provas juntadas nos autos, como o comprovante da concessão do benefício, Declaração de Exercício de Atividade Rural, entrevista realizada pela acusada Laura no INSS e interrogatório judicial do acusados e declaração das testemunhas.
V- A autoria restou inconteste pelas provas juntadas aos autos, constante nos termos de declaração, oitiva de testemunhas e interrogatórios.
VI- O conjunto probatório, contudo, não demonstra o dolo dos acusados, em patamar suficiente para autorizar uma condenação. Sobretudo porque os depoimentos colhidos na fase policial não foram confirmados em juízo, donde a incerteza no tocante ao preenchimento da declaração emitida no sindicato por Francisco, embora a firmeza das testemunhas na fase do inquérito policial, não restando evidente destes documentos a afirmativa de Laura no tocante ao exercício diário das atividades em regime de economia familiar, não existente nas declarações de fls. 13 e 3/4 do apenso.
VII- Alia-se a este quadro a ausência de formal homologação da declaração e a confirmação de conteúdo e dos demais documentos junto à ré, quando do seu comparecimento ao instituto, por parente sua que depôs nos autos, não demonstrando atuação firme no sentido de aprofundar as indagações a respeito. Máxime porque a legislação exige, no tocante ao chamado regime de economia familiar, labor em mútua colaboração e dependência dos membros da família e obtenção de produtos para a subsistência, que decorre desta ocupação e não do exercício da atividade de motorista pelo marido, consoante indicado na escritura de doação exibida na ocasião. Prenúncio de conivência ou omissão que não foi objeto de qualquer apuração nos autos.
VIII- Recurso ministerial a que se dá parcial provimento, para afirmar a existência dos requisitos indicados no art. 41 do CPP e afastar o âmbito do inciso III do art. 386 do mesmo estatuto. Contudo, ausente o dolo em patamar necessário à condenação dos réus, impositiva a absolvição com lastro no inciso VII deste último cânone.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
São Paulo, 01 de setembro de 2009.
Roberto Jeuken
Juiz Federal Convocado
VOTO
O SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO ROBERTO JEUKEN:
Inicialmente, ratifico o relatório acostado aos autos.
Não há vício na denúncia oferecida pelo Ministério Público, estando presentes todos os requisitos processuais para o seu recebimento, apontados no artigo 41 do Código de Processo Penal. No que se refere ao apelado Aparecido, fica clara na narrativa a sua participação para a consumação do crime, no auxílio à corré para obter o documento ideologicamente falso, com fim de adquirir benefício previdenciário indevido.
Preliminar rejeitada, passa-se à discussão do mérito.
O recurso deve ser provido em parte.
Insurge-se o Ministério Público Federal contra a sentença que absolveu os acusados, com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, sob os seguintes fundamentos:
"(...) A acusação não procede, dado que o fato imputado aos réus revelou-se atípico.
A exordial imputa aos acusados a prática do crime de estelionato, afirmando ter o INSS sido induzido em erro, por meio de expediente fraudulento (declaração falsa emitida por sindicato rural), do que teria decorrido o recebimento de vantagem ilícita, pela denunciada Laura (a aposentadoria por idade).
(...) Ocorre que, da leitura da mencionada Declaração (fl.03, do apenso), não se infere presente a falsidade ideológica. E tal em razão de constar do documento, para o que interessa ao caso, apenas a afirmativa de ter a ré Laura "desenvolvido atividades em regime de economia familiar".
Ora, tal assertiva, por implicar a interpretação de um conceito jurídico, não esta sujeita a juízo de veracidade, mas sim de validade.
(...) Inadmissível, portanto, admitir-se a presença de fraude, dado que não se está diante de um fato, mas de um conceito.
(...) Não há, para o Direito Penal brasileiro, crime de hermenêutica. Dessarte, ausente o expediente fraudulento, tem-se por atípico o fato descrito na denúncia." (fls. 313/315).
Ocorre que, conforme apontado nas razões de apelação, a percepção da real intenção dos acusados na criação do documento inverídico é fundamental para saber se houve, ou não, falha na correta interpretação de conceitos jurídicos, ou se houve má-fé dos agentes, com objetivo de enganar o INSS para conceder um benefício indevido.
A materialidade delitiva está demonstrada pelo confronto entre a Declaração de Exercício de Atividade Rural (fls. 03/04 do apenso I), e entrevista da ré no INSS (fls. 02 do Apenso I), com as demais provas juntadas aos autos, como a oitiva das testemunhas (fls. 145/148, 187, 223/224, 247/256 e 273), interrogatórios dos réus no inquérito policial e em juízo (fls. 10/11, 36/37 e 92/97), assim como o próprio recebimento do benefício previdenciário (fls. 39/41 do Apenso I).
No tocante ao dolo, o arcabouço probatório sinalizaria o interesse da acusada Laura em enganar órgão público, diante das contradições entre os fatos alegados no momento de pleitear o benefício, e o narrado nas demais manifestações processuais.
Quando pleiteado o benefício, a ré afirma que trabalhou em regime de economia familiar, laborando em todos os dias no período em que já era casada, conforme documentos de folhas 2 e 3 do apenso I, verbis:
(Questionada a forma como explora a terra) "Em regime de economia familiar ela, o esposo e cunhados, que possui 5 alqueires de terras no sítio Etore Medola em Macatuba, que vai e volta todos os dias com o esposo." (fls. 02 do apenso I)
Ainda, ao ser questionada sua profissão, esta responde que é Agricultora (fls. 03, Apenso I). Posteriormente, já no inquérito policial, a apelada altera seu discurso, afirmando que sempre trabalhou como doméstica, exercendo sua profissão no lar (Boletim de Vida Pregressa, fls. 18/18v), e que chegou a trabalhar na lavoura depois de se mudar para Lençóis Paulista com a família, mas que não ia sempre, verbis:
"QUE, quando uma de suas duas filhas atingiu a idade escolar a interrogada e seu marido se mudaram para Lençóis Paulista/SP, sendo que já nessa época seu marido já não trabalhava na lavoura, mas sim como motorista de caminhão; QUE, mesmo morando na cidade a interrogada ia trabalhar na Fazenda, mas não todos os dias, indo às vezes nos finais de semana e na época de plantação;(...). QUE, hoje a Fazenda não existe mais, pois com a morte do pai de seu sogro, que era o dono da terra, a área foi dividida entre os herdeiros, todos os quais venderam suas partes para a Usina São José, com exceção de seu sogro, o qual permaneceu com cerca de seis alqueires da antiga fazenda;(...) QUE, a interrogada chegou a trabalhar na lavoura desses seis alqueires, plantando e colhendo para consumo próprio, o que fazia mais nos finais de semana e mesmo assim nem em todos os finais de semana." (fls. 15/16) (grifo nosso).
Reforçando a contradição existente, a testemunha de defesa Ademir Oliver, responde que a ora apelada e seu marido:
"(...) Moravam na cidade mas, todos os finais de semana, Laura e seu esposo iam trabalhar no sítio da família, situado em Macatuba/SP." (fls. 247).
Como se vê, num determinado momento, a acusada admite ter trabalhado somente aos finais de semana na lavoura, porém, quando vai pleitear o benefício previdenciário, alega que laborou todos os dias. Ora, se a apelada não tivesse conhecimento sobre qual o significado exato do conceito jurídico "trabalho em regime de economia familiar", não haveria porque alterar a versão dos fatos. Logo, poderia haver intenção de forjar um enquadramento no regime de economia familiar, a fim de levar o INSS a erro, e assim, obter vantagem indevida em prejuízo da Seguridade Social.
Quanto ao apelado Aparecido Caciatore, a sua participação no crime praticado vem sinalizada pelos documentos de folhas 2/3 e 13 do Apenso I, sendo o primeiro deles produzido com falsidade ideológica. Ambos teriam sido elaborados no sindicato onde o réu trabalha, conforme interrogatório do próprio acusado em folhas 93, e conforme interrogatório da corré, em folhas 96.
Neste passo, cabe termos presente que a declaração firmada no âmbito do Sindicato Rural de Lençóis Paulista (fls. 03/04 do apenso) indica a ré como residente à Avenida Brasil nº 1.368, em Lençois Paulista, sendo agricultora, laborando na Fazenda Etore Medola, de propriedade de Turíbio Medola, consoante escritura de doação lavrada em 1988, abrangendo seu trabalho o interregno de 01/07/88 à 09/98/99 e desempenhado como proprietária e no regime de economia familiar.
A certidão de regularidade fiscal de fls. 11 e a notificação de lançamento de fls. 08, do mesmo apenso, comprovam a denominação da propriedade em questão e a escritura de doação vem reproduzida às fls. 05/07, da qual sobreleva que um dos proprietário da mesma é o seu esposo, cujo nome indicou naquela declaração, havendo coincidência de endereços. Também merece destaque a profissão do cônjuge, motorista e a dela, indicada como sendo "do lar", sem embargo da certidão de casamento (fls. 15) indicá-lo como sendo lavrador, certo que as núpcias ocorreram em 29.07.1967, ou seja, mais de vinte anos da escritura, no Cartório de Macatuba.
Seguindo por esta senda, cabe reproduzir os termos das disposições versadas na Lei nº 8.213/91, acerca da condição de segurado especial quanto ao labor desempenhado sob o regime de economia familiar e a modalidade de sua comprovação através de certidão emitida por órgão sindical:
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
VII - como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o garimpeiro, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 (quatorze) anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo. (O garimpeiro está excluído por força da Lei nº 8.398, de 7.1.92, que alterou a redação do inciso VII do art. 12 da Lei nº 8.212 de 24.7.91)
§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados.
(...)
Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de: (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
I - contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
III - declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008) (grifamos)
Sem grandes intelecções, é possível afirmar com base nestes dispositivos que a declaração sindical há de ser fundamentada (art. 106, inciso III), e tomar em conta que o regime de economia familiar há de ser indispensável a própria subsistência do grupo familiar, sendo exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados, admitindo-se o auxílio de terceiros, em caráter individual (art. 11, inciso VII e § 1º).
Sob esta perspectiva, transparece a impertinência da aludida declaração vez que a ré e seu marido residiam na cidade, onde ele desempenhava a ocupação de motorista. Conquanto uma proximidade da residência com a propriedade rural (bairro limítrofe àquela), não retratada nestas evidências documentais, o certo é que o labor como motorista (não se sabe se nos limites da cidade ou em viagens para localidades distantes) desempenhado pelo marido, demandava aprofundamento de análise por parte do órgão sindical, ainda que a entrevista já viesse "pronta" do sindicato, pois não ensejaria a mútua colaboração e dependência, a sinalizar que o resultado da atividade não seria atingido pela falta de um dos membros da entidade familiar.
Contudo, também é certo que esta inconsistência seria perfeitamente passível de constatação pela autarquia, a quem incumbia homologar esta declaração, função que o legislador acometera inicialmente ao representante do Ministério Público (inc III, retro).
Não obstante o campo a tanto destinado esteja "em branco" o certo é que o benefício foi concedido.
Quanto aos depoimentos e interrogatórios colhidos, percebe-se que em todos os momentos durante a fase policial, quando a corré Laura busca por auxílio na organização de documentos para pleitear a aposentadoria por idade, ela sempre entra em contato com o acusado Aparecido, conhecido como "Pelé". A acusada, em termo de declaração de folhas 42 do Apenso I, confirma ainda que, quando vai ao Sindicato, busca diretamente a pessoa do corréu, para que ele lhe ajudasse a arrumar os papéis do pedido.
De tais constatações, conclui-se que o responsável pela confecção dos documentos ideologicamente falsos só poderia ser o próprio acusado.
Não procede a alegação de que a falsidade ideológica seria fruto de falta de conhecimento técnico-jurídico, tanto que a declaração firmada pela ré, fls. 13 do apenso) habilmente contorna a afirmativa de que a atividade era desenvolvida diariamente, pois silente quanto aos dias dedicados ao mister, remanescendo apenas a informação prestada na entrevista de fls. 02, ao que tudo indica, conferida por parente sua que trabalhava no instituto (depoimento de fls. 145).
O acusado, conforme alegado em juízo, prestou o serviço de preparar documentos para pleitear aposentadoria por longo período de tempo, chegando a cuidar de dezenas de casos (fls. 93), sendo inadmissível que, mesmo com experiência suficiente para cobrar pelo serviço, não tivesse a mínima noção dos requisitos para que um trabalhador se enquadre no regime de economia familiar, qualidade fundamental para que se possa pleitear o benefício.
Ao exercer de forma remunerada a atividade de auxílio na organização e preparação de documentos para se pleitear o benefício previdenciário, fornecendo ainda documentação do sindicato rural, necessária para tanto, atrairia para si responsabilidade pelos dados constantes na documentação. Reforçando tal idéia, a quantia cobrada não é irrisória (de um a três salários mínimos conforme documentos de folhas 36, 93, 97, 251, 252, 253 e 254), e tal atividade não foi realizada de forma esporádica, mas contínua, sendo uma fonte de renda secundária, mas ainda assim fixa.
Na mesma linha, é digno de observação que o apelado, apesar de não possuir antecedentes criminais, responde a diversas outras ações por motivos semelhantes ao desta.
O Termo de Declaração de folhas 40, seria de grande relevância para chegarmos ao dolo do agente. Segundo Catarina Alves Jordan, que trabalhou por seis anos no Sindicato Rural de Lençóis Paulista/SP como faxineira, o apelado Aparecido Caciatore teria interesse na concessão do benefício de aposentadoria aos seus clientes, cobrando os três primeiros salários da aposentadoria daquelas pessoas. Este depoimento corrobora de forma relevante o entendimento já percebido quanto ao dolo do agente, e justifica o por que do acusado ter emitido de forma consciente documento ideologicamente falso, sendo este a Declaração de Exercício de Atividade Rural de folhas 02/03 do Apenso I. 42.
Contudo, ao ser ouvida em juízo (fls. 146) a testemunha não confirmou tais assertivas, sendo também escassos os depoimentos colhidos na ocasião (fls. 145/148), trazendo assim abalos no âmbito da culpabilidade do mencionado réu, dantes enfatizada, pois a certeza de que preencheu a mencionada declaração resta esmaecida neste contexto.
Quanto a ré, o seu interrogatório de fls. 95/97, mesmo acrescido das declarações de fls. 42 e 13 do apenso, aqui por ela ratificadas, não se prestaria a estabelecer grau de culpabilidade suficiente para a imposição do édito condenatório, remanescendo assim somente a entrevista de fls. 02, preenchida no sindicato e possivelmente conferida por sua parente já aludida.
O depoimento judicial desta não desceu a detalhamentos quanto ao ponto, não obstante a precariedade daquela declaração do sindicato, de sorte a afirmar que a ré, indagada tenha respondido com convicção a existência de trabalho diário, omitido na declaração firmada às fls. 13, que deve ter sido preparada pelo outro réu, e não reafirmada nas declarações depois prestadas perante aquele instituto e tampouco em seu interrogatório.
Destarte, o quadro sinalizaria mais a conivência ou a omissão desta servidora da autarquia, não pesquisada na fase policial e tampouco em sede de posterior ação penal.
De forma que, embora comprovada a materialidade e a autoria do crime, não encontramos quociente de culpabilidade para lançar um édito condenatório contra os acusados, conquanto não fosse o caso de abonar a conclusão em prol da não existência de crime.
Com efeito, o crime de hermenêutica não é próprio dos leigos e tampouco daqueles que labutam nos escritórios da vida, preenchendo formulários, hipótese em que a sociedade se transformaria em uma coletividade de intérpretes inimputáveis.
A hermenêutica é própria daqueles que lidam com a abordagem de textos normativos em pareceres e opinamentos. Conquanto possa em princípio ser praticada por indivíduos das outras áreas das ciências humanas, é ferramenta diária do operador do direito.
Nesta senda, não se poderia buscar a culpabilidade de um advogado por emitir parecer ao seu cliente, que depois viesse a sofrer prejuízos por conta de desfecho adverso em ação judicial e tampouco de um juiz que viesse a proclamar-se competente em uma consulta de prevenção de autos.
Teríamos nestes dois exemplos, que uma condenação destes profissionais substanciaria sim o chamado crime hermenêutica, a que se referiu o eminente Ministro Sepúlveda Pertence no precedente indicado pela sentença recorrida, para resolver aquele caso concreto, e não para gerar reflexos na amplitude então sinalizada para solapar a incriminação de réus e absolvê-los.
Assim, não temos, nem de longe, a possibilidade de se cogitar da existência do chamado crime de hermenêutica na hipótese, persistindo a justa causa para a ação penal, a qual não logra, contudo, êxito por falta de provas suficientes.
Por estas razões, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso do Ministério Público, para avistar os requisitos do art. 41 do CPP, afastando a alegada não existência de crime, ABSOLVENDO porém os réus com fundamento no inciso VII do mesmo art. 386 do CPP.
É o voto.
Roberto Jeuken
Juiz Federal Convocado
RELATÓRIO
O SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO ROBERTO JEUKEN:
Cuida-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença que absolveu Laura Cruzeiro Medola e Aparecido Caciatore com supedâneo no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
Segundo a denúncia, no dia 09/08/1999, a acusada Laura protocolizou pedido de benefício previdenciário junto ao Posto do Seguro Social de Lençóis Paulista, utilizando-se de documento ideologicamente falso, sendo esse obtido com ajuda do corréu Aparecido.
O documento irregular consiste numa Declaração de Exercício de Atividade Rural, supostamente expedido pelo Sindicato Rural de Lençóis Paulista. Tal documento, além de não ter sido homologado pela Autarquia Previdenciária, apresenta informação que não condiz com a realidade, alegando a realização de trabalho em regime de economia familiar pela ré, que, conforme exordial acusatória, não existiu.
A denúncia foi recebida em 24 de junho de 2004 (fl.88).
Após regular instrução, sobreveio sentença que absolveu os acusados com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (fls.311/315). Fundamenta o d. Juiz de primeira instância que os fatos imputados são atípicos, uma vez que ocorre mero crime de hermenêutica, porque o documento dito como fraudulento enquadra, de forma errônea, a situação fática real ao conceito legal de "regime de economia familiar".
Inconformado, apela o Ministério Público Federal (fls.321/325), pleiteando a condenação dos denunciados, alegando, em síntese, que existem nos autos provas suficientes quanto o dolo dos agentes, e que a conduta praticada não se restringe à mera confusão de conceitos, tendo o documento ideologicamente falso sido criado com a intenção de levar o INSS a erro.
Contrarrazões da defesa do apelado Aparecido, alegando preliminarmente a nulidade processual "ab initio", argüindo que não houve na denúncia a exposição da conduta criminosa supostamente praticada pelo réu, com todas as suas circunstâncias. No mérito se manifesta em prol de ser mantida a sentença recorrida (fls.331/336).
A apelada Laura Cruzeiro Medola não apresentou contrarrazões (fls. 338/340).
Parecer da Procuradoria Regional da República no sentido de ser provido o recurso (fls.343/350).
É o relatório.
À revisão.
Roberto Jeuken
Juiz Federal Convocado
D.E. Publicado em 15/9/2009
JURID - Estelionato. Crime contra o INSS. Pedido de aposentadoria. [25/09/09] - Jurisprudência
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