Responsabilidade civil. Acidente do trabalho. Morte de funcionário. Negligência e imprudência do empregador.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.
Apelação Cível n. 2008.000500-4, de Campos Novos
Relatora: Desembargadora Substituta Sônia Maria Schmitz
RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. MORTE DE FUNCIONÁRIO. NEGLIGÊNCIA E IMPRUDÊNCIA DO EMPREGADOR.
Evidenciada a maneira desacautelada com que foi realizado o serviço de reparos em telhado, haja vista que as condições de segurança do obreiro não foram devidamente observadas, ocasionando, por conseguinte, a morte do funcionário, o dever de indenizar os prejuízos daí advindos mostra-se inarredável, por força do art. 7°, XXVIII da CRFB/88 e art. 186 do Código Civil, que contemplam a responsabilidade subjetiva do empregador por danos causados aos seus empregados no decurso do exercício laboral.
DANO MORAL. QUANTIFICAÇÃO. EQÜIDADE E RAZOABILIDADE.
Na ausência de critérios objetivos para mensuração do valor econômico da compensação pelos danos morais, deve o julgador valer-se das regras de experiência comum e bom senso, fixando-a de tal forma que não seja irrisória, a ponto de menosprezar a dor sofrida pela vítima, ou exagerada, tornando-se fonte de enriquecimento ilícito.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FAZENDA PÚBLICA.
A jurisprudência do Tribunal consolidou-se no sentido de que o percentual de 10% a título de honorários advocatícios é o mais apropriado na hipótese de ser vencida a Fazenda Pública.
REEXAME NECESSÁRIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
Para a correção das parcelas vencidas é recomendável a utilização do INPC e juros moratórios no percentual de 0,5% ao mês, até a entrada em vigor da Lei n. 10.406/2003, quando, então, deverá incidir a Taxa Selic, que compreende tanto os juros como o fator de correção.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.000500-4, da comarca de Campos Novos (1ª Vara Cível/crime), em que é apelante Município de Erval Velho, e apeladas Matilde de Fátima Piccoli e outro:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Público, por votação unânime, conhecer e desprover o recurso. Custas na forma da lei.
RELATÓRIO
Matilde de Fátima Piccoli e Cristina Piccoli ajuizaram ação ordinária de indenização por danos morais em face do Município de Erval Velho, sob o fundamento de que seu esposo e pai, Enor Piccoli, servidor municipal, no dia 16.01.03, sofreu acidente de trabalho ao cair do telhado do pavilhão localizado na comunidade de Monte Alegre, ocasionando sua morte. Imputando à negligência do réu a causa do sinistro, postulou a compensação pelo sofrimento a que foram submetidas, sugerindo 500 (quinhentos) salários mínimos (fls. 02-13).
Citado, o réu apresentou contestação, defendendo culpa exclusiva da vítima ou, alternativamente, culpa concorrente. Ainda, insurgiu-se quando aos valores pretendidos, pugnando, por fim, pela rejeição da súplica (fls. 26-34).
Após a réplica (fls. 38-41), possibilitou-se a conciliação das partes por duas vezes, sem resultado positivo (fls. 54 e fl. 66), deferindo-se, no saneador, a produção de prova testemunhal (fl. 67)
Em audiência de instrução e julgamento foram inquiridas quatro testemunhas (fls. 85-89) e, com as alegações finais respectivas (fls. 92-94 e fls. 96-108), o Representante do Ministério Público manifestou-se pela desnecessidade de sua intervenção (fls. 110-111), sobrevindo a r. sentença, condenando o Município ao pagamento do valor de R$ 60.800,00 (sessenta mil e oitocentos reais) a título de danos morais, além de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre a condenação (fls. 125-128).
Irresignado, o vencido apelou, instando pela reforma do decisum, com a redução da indenização e aplicação da sucumbência recíproca (fls. 136-147).
Com as contra-razões (fls.145-157), os autos ascenderam esta Corte, deixando de ser remetidos à Procuradoria-Geral de Justiça por força dos Atos n. 103/04 e 089/05, emanados do Conselho Superior do Ministério Público, bem como dos enunciados interpretativos deles decorrentes.
É o relatório.
VOTO
No dia 16.01.03, por volta das 14:00 horas, Enor Piccoli, ao consertar o telhado do pavilhão comunitário da localidade de Monte Alegre, no Município de Erval Velho, sofreu acidente de trabalho quando a telha em que se apoiava quebrou, vitimando-o fatalmente.
Robora essa narrativa a certidão de óbito acostada à inicial (fls. 05) e os depoimentos colhidos (fls. 85-89), confortando, por conseguinte, a maneira desacautelada com que foi realizado o serviço, haja vista que as condições de segurança do autor não foram devidamente observadas.
Elucidativo, a respeito, é o testemunho de Luiz Roberto Mozzer:
(...) Que, estava presente no dia do acidente. Que, o depoente e a vítima estavam trocando a telha de amianto do ginásio de esportes na Linha Monte Alegre. Que, no momento do acidente o depoente estava sobre um andaime enquanto que a vítima estava encima do telhado do ginásio. Que, o acidente aconteceu, porque uma folha de amianto quebrou. Que, a vítima não usava nenhum equipamento de proteção. Que, estavam com pressa para terminar o serviço, pois aparentemente ia chover naquele dia. Que, não havia equipamento de proteção individual no local. Que, o depoente e a vítima tinham apenas ferramentas para o serviço, tais como, martelo, furadeira e chaves. Que, foi a primeira vez que o depoente fez aquele tipo de serviço. Que, não sabe se a vítima já tinha efetuado serviços do mesmo tipo. Que, a profissão da vítima era de serviços gerais "ela fazia o que aparecia". (...) Que, na garagem da Prefeitura, local onde os trabalhadores ficam, não havia equipamento de proteção. Que, nunca receberam treinamento do município. Que, não receberam treinamento para efetuar o serviço no qual houve o acidente. Que, antes do acidente, fazia uns 11 meses que o depoente trabalhava na Prefeitura. Que, a vítima tinha mais tempo de trabalho na Prefeitura, mas não sabe precisar o período. Que, não tem conhecimento de reparação de danos efetuada pela Prefeitura. (...) Que, não sabe se a vítima era concursada pela Prefeitura. Que, não sabe o nome do cargo exercido pela vítima na Prefeitura. Que, fazendo o serviço havia apenas o depoente e a vítima, ou seja, não havia outro funcionário (...). (fls. 85-86)
No mesmo sentido, converge o depoimento prestado por Francisco Assis Pinto:
(...) Que, a vítima estava no telhado do ginásio e havia outro rapaz em um andaime. Que, houve um barulho e a vítima caiu do telhado. Que, a telha quebrou e a vítima caiu. Que, a vítima não usava equipamento de proteção. Que, o outro rapaz que estava no andaime também não usava equipamento de proteção. Que, no local não havia equipamento de proteção a disposição de quem fazia o serviço (...). (fl. 87)
E as testemunhas Ademir Antonio Danielli e Carlos Antônio Bulla complementam:
(...) Que, o depoente estava presente no dia do acidente. Que, a vítima estava no telhado do ginásio, da Linha Monte Alegre, fazendo serviço de substituição da telha. Que, enquanto isso, o depoente estava dentro do ginásio, auxiliando o serviço. Que, quebrou uma telha e a vítima caiu do telhado. Que, a vítima não usava equipamento de proteção. Que, um tal de Beto, também funcionário da Prefeitura, estava no local, e também sem equipamento de segurança. Que, no local não havia equipamento de segurança a disposição de quem executava o serviço. (...) Que, a vítima e o outro rapaz foram mandados pela Prefeitura para fazer o serviço (...). (fl. 88)
(...) Que, o depoente estava presente no momento do acidente. Que, a vítima estava no telhado do ginásio de esportes da comunidade da Linha Monte Alegre. Que, a vítima estava fazendo o serviço de substituição das telhas. Que, uma das telhas arrebentou e a vítima caiu do telhado. Que, a vítima não usava nenhum equipamento de proteção. Que, no dia do acidente, a vítima estava trabalhando para a Prefeitura. Que, juntamente com a vítima estava outro rapaz, um tal de Mozzer, auxiliando no serviço. Que, o tal de Mozzer também não usava equipamento de proteção. Que, não havia equipamento de proteção à disposição de quem executava o serviço (...). (fl. 89)
Como se vê, o funcionário não portava equipamentos de proteção individual, não havendo se falar, deste modo, em excludente de responsabilidade.
Revelavam-se, sim, indispensáveis, medidas efetivamente protetivas, compatíveis com o risco que a atividade oferecia, o que demonstra a forma negligente com que o réu trata seus servidores.
Nas palavras de Cleber Lúcio de Almeida,
O que se concluiu a partir da Constituição Federal e da Legislação ordinária por ela recepcionada é que a preocupação primeira é a eliminação, neutralização ou redução dos riscos à vida, saúde e integridade física e moral do trabalhador, em clara demonstração de que mais importante do que reparar os danos causados pelo acidente é evitar prejuízos à vida, saúde e integridade física e moral do trabalhador. (Responsabilidade Civil do Empregador e Acidente de Trabalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 17).
Com efeito, imprescindível o exaurimento de todos os meios condizentes para prevenir o sinistro, quiçá aqueles mencionados pelas testemunhas, sendo irrelevante o argumento de culpa exclusiva da vítima, por ter ela experiência no serviço de troca de coberturas.
No mesmo sentido, tem se posicionado a jurisprudência:
A culpa do ente público caracteriza-se em razão de sua negligência, uma vez que se omitiu em observar as regras mínimas de segurança do trabalho. Assim, demonstrado o nexo de causalidade e a culpa pelo acidente de trabalho envolvendo servidor municipal, o dever de indenizar incide sobre o Município (AC n. 2005.003790-9, de Lages, rel. Des. Nicanor da Silveira).
O dever de indenizar do empregador tem seu nascedouro no momento do acidente, principalmente se de sua parte houve omissão no que pertine ao oferecimento prévio de treinamento e instruções que poderiam evitar o infortúnio. (AC n. 2002.011430-3, de Joinville, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato).
De sorte que o debate direciona-se ao comando do art. 7°, XXVIII da CRFB/88 e art. 186 do Código Civil, que contemplam a responsabilidade subjetiva do empregador por danos causados aos seus empregados no decurso do exercício laboral.
A propósito, Rui Stoco professa:
Tratando-se de ato ilícito do empregador, estamos diante de responsabilidade aquiliana e subjetiva que empenha os seguintes requisitos básicos:
a) um ato voluntário; b) o dolo, ou seja, a vontade dirigida ao fim de causar malefício e dano, ou a culpa nas suas diversas modalidades; c) o nexo de causalidade entre o comportamento (ação e omissão) e o resultado; e d) a ocorrência do dano efetivo. (Tratado de Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 632).
E mais:
Se no decorrer da jornada de trabalho o empregado sofre danos decorrentes de ação ou omissão intencional, ou de proceder culposo do empregador, responde este civilmente perante aquele.
Infere-se que a existência de contrato de trabalho entre o patrão e o empregado é irrelevante para efeito de imposição de responsabilidade no caso de acidente. Nem mesmo a existência de um vínculo empregatício formal se exige.
[...]
E assim é porque, nesse hipótese sub studio, como ficou acima assentado, estamos tratando de responsabilidade extracontratual ou decorrente da lex aquilia, que encontra ancoradouro imediato no art. 7° da CF e mediato no art. 186 do CC." (Rui Stoco, op. cit. p. 632).
Outro não é o posicionamento deste Tribunal:
O servidor ou empregado público vítima de acidente do trabalho, para o efeito de responsabilidade civil pelo direito comum (Código Civil, arts. 186 e 927), não se equipara ao "terceiro" aludido no § 6º do art. 37 da Constituição Federal. Desse modo, para fins do estabelecimento da obrigação indenizatória decorrente de infortúnio laboral, excluída a esfera previdenciária, que adota a teoria da responsabilidade objetiva, além da comprovação do evento danoso e do nexo de causalidade entre o ocorrido e a atividade profissional, é indispensável a demonstração da culpa do empregador, seja ele empresa ou pessoa jurídica de direito público. (AC n. 2005.031609-4, de São Lourenço do Oeste, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros).
Diante dessas razões fático-jurídicas a condenação do réu mostrava-se mesmo de rigor, justamente como pertinentemente conduziu o Magistrado, sobretudo porque demonstrados os elementos configuradores da responsabilidade civil decorrente de acidente do trabalho.
Quanto ao pedido de redução do valor fixado a título de indenização por dano moral, é relevante observar que na ausência de critérios objetivos que permitam quantificar economicamente a lesão à honra do cidadão, deve o Juiz valer-se sobretudo das regras de experiência comum e bom senso que, em outras palavras, autorizam o julgamento por equidade, fixando essa reparação de tal forma que não seja irrisória, a ponto de menosprezar a dor sofrida pela vítima, ou exagerada, tornando-se fonte de enriquecimento ilícito.
A respeito, Carlos Alberto Bittar recomenda:
[...] a indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou evento lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se, de modo expressivo, no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser a quantia economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do lesante. (Reparação civil por danos morais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 233).
No mesmo sentido, é a posição do Superior Tribunal de Justiça:
Na fixação do valor da condenação por dano moral, deve o julgador atender a certos critérios, tais como nível cultural do causador do dano; condição sócio-econômica do ofensor e do ofendido; intensidade do dolo ou grau da culpa (se for o caso) do autor da ofensa; efeitos do dano no psiquismo do ofendido e as repercussões do fato na comunidade em que vive a vítima. (REsp 355392/RJ, rel. Min. Castro Filho, DJ 17.06.02).
Vai daí que, diante das minudências do caso, revela-se adequado o quantum arbitrado na r. sentença, o qual atende aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade, revestindo-se plenamente do caráter compensatório, pedagógico e punitivo.
No tocante a verba honorária, é mister lembrar que, nas ações indenizatórias por dano moral o pleito autoral específico é considerado meramente estimatório, razão pela qual é irrelevante se o autor expôs ou não valor baixo ou alto, o qual não seria considerado para fins de limitação do alcance e da titularidade da sucumbência.
Nessa direção:
Na inicial da ação de indenização por dano moral, o pedido apresentado tem caráter meramente estimativo e não pode ser tomado como pedido certo para os efeitos de sucumbência recíproca". (Apelação cível n. 99.014121-7, de Jaraguá do Sul. Relator: Des. Nelson Schaefer Martins)
De sorte que, não merece alteração a decisão que fixou os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, percentual mais apropriado na hipótese de ser vencida a Fazenda Pública. (AC n. 2008.048081-7, de São Lourenço do Oeste, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros e AC n. 2002.006981-2, de Balneário Camboriú, rel. Des. Nicanor da Silveira).
Em sede de reexame, ressalta-se que a correção monetária, em casos de dano moral, tem seu termo inicial a partir da prolação da sentença, conforme orientação do Superior Tribunal de Justiça:
Veja-se:
A correção monetária do valor da indenização por dano moral incide desde a data do arbitramento. (STJ - Súmula 362).
[...] nas indenizações por dano moral, o termo inicial para a incidência da atualização monetária é a data em que foi arbitrado o seu valor, tendo-se em vista que, no momento, da fixação do quantum indenizatório, o magistrado leva em consideração a expressão atual do valor da moeda. (STJ - REsp. 832.283/MG, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 01.08.06).
Já os juros de mora devem incidir a partir da efetivação do ato lesivo, pois de acordo com a Súmula 54 do STJ: "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual." (AC n. 2008.036950-6, de Blumenau, rel. Des. Des. Luiz Cézar Medeiros e AC n. 2008.028188-6, de Palhoça, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz).
No mais,
Os valores deverão ser corrigidos monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de 0,5% (meio por cento) a contar da data do evento até a entrada em vigor da Lei n. 10.406/2003 - Código Civil -, quando então deverá, nos termos de seu art. 406, incidir a Taxa Selic, que compreende tanto os juros como o fator de correção monetária. (TJSC - AC n. 2003.020097-5, de Brusque, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros).
E ainda: AC n. 2008.031869-5, de Chapecó, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. em 24.09.2008; AC n. 2005.034786-2, de Barra Velha, rel. Des. Jânio Machado, j. em 15.07.2008.
Ante o exposto, vota-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
DECISÃO
Nos termos do voto da Relatora, a Terceira Câmara de Direito Público, por unanimidade, decidiu conhecer e desprover o recurso.
O julgamento, realizado no dia 21 de julho de 2009, foi presidido pelo Desembargador Luiz Cézar Medeiros, com voto, e dele participou o Desembargador Rui Fortes.
Florianópolis, 05 de agosto de 2009.
Sônia Maria Schmitz
RELATORA
Publicado em 27/08/09
JURID - Acidente do trabalho. Morte de funcionário. [23/09/09] - Jurisprudência
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