Ação Civil Pública. Fornecimento de medicamentos e insumos. Sentença de procedência.
Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP.
ACÓRDÃO
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Fornecimento de medicamentos e insumos - Sentença de procedência - Afastadas as preliminares de ilegitimidade passiva do Estado e do Município, ilegitimidade ativa do Ministério Pública e de falta de interesse de agir - Não cabimento da denunciação da lide - Priorização do direito à vida - Prova da necessidade por meio de documentos - Dever do Estado "lato sensu", que se constata de plano, em face do que dispõe o artigo 196 da Constituição Federal - Respeito às necessidades específicas de cada pessoa - Remédios e insumos prescritos por profissional de confiança do menor - Desnecessidade de perícia - Inexistência de violação ao princípio da separação de poderes - Desnecessidade de prévia dotação orçamentária e licitação - Ao juiz, cabe fazer valer os direitos fundamentais da pessoa humana e possibilitar o amplo acesso ao direito à saúde, tal como previsto na Constituição Federal - Não cabimento do pagamento de honorários advocatícios - Decisão parcialmente reformada - Reexame necessário não conhecido, preliminares afastadas e desprovido o recurso voluntário do Município e parcialmente provido o da Fazenda, apenas para afastar a condenação em honorários."
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL SEM REVISÃO nº 179.459-0/6-00, da Comarca de SÃO JOÃO DA BOA VISTA, em que são apelantes MUNICÍPIO DE AGUAI, FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, JUÍZO EX OFICIO sendo apelado PROMOTOR JUSTIÇA VARA INFÂNCIA JUVENTUDE DE AGUAI:
ACORDAM, em Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NÃO CONHECERAM DO REEXAME NECESSÁRIO, AFASTARAM AS PRELIMINARES ARGUIDAS, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO MUNICIPAL E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA FAZENDA, APENAS PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores MUNHOZ SOARES (Presidente, sem voto), EDUARDO GOUVEA e MARIA OLIVIA ALVES.
São Paulo, 17 de agosto de 2009.
MOREIRA DE CARVALHO
Relator
VOTO 6065
Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público em favor do menor Matteo da Costa Máximo, portador de Diabetes Mellitus Tipo I - CID E10, em face do Município de Aguaí e da Fazenda Pública do Estado São Paulo, objetivando o fornecimento de Insulina Levemir e Novo Rapid Tiras Reagentes para medição de glicemia capilar e Agulhas para Caneta de Aplicação, necessários para o tratamento da doença.
A r. sentença de fls. 107/119 julgou procedente a ação, condenando os réus a fornecer ao menor os medicamentos e insumos requeridos, nos termos da prescrição médica, sendo permitido se que forneça o medicamento que contenha o mesmo princípio desses, fixando-se multa diária de quinhentos reais por dia a ser revertido ao fundo gerido pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Aguaí.
Há reexame necessário.
Apela o Município de Aguaí. Preliminarmente, alega sua ilegitimidade de parte, bem como a necessidade de denunciar a lide à União. No mérito, aduz que não restou comprovado nos autos que o menor não possuía condição financeira para arcar com os custos do medicamento e insumos. Sustenta que o tipo de medicamento requerido não consta da lista de medicamentos excepcionais fornecidos pelo governo estadual. Assevera que não houve a realização de perícia para determinar a necessidade do menor em relação aos medicamentos e insumos e que há óbice orçamentário no fornecimento deles, o que também privilegia um indivíduo em detrimento dos demais.
Apela a Fazenda Pública Estadual. Alega, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, ilegitimidade ativa do Ministério Público e falta de interesse de agir, posto que o meio processual utilizado não é apto para o fim pretendido. No mérito, aduz que a prevalência do pleito implicará na assunção de obrigações fora das perspectivas orçamentárias , o que prejudica a totalidade de cidadãos em detrimento de um individuo transformando o Poder Judiciário em órgão co-gestor dos recursos destinados à saúde pública, violando-se a independência dos poderes. Sustenta a exigência de licitação para aquisição dos medicamentos. Assevera que é vedada a percepção de honorários por parte do Ministério Público e que, se não for reformada a sentença, deve ser responsabilizada apenas em caráter complementar ao Município.
Houve apresentação de contrarrazões aos recursos. A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo provimento parcial dos recursos, apenas para se excluir a condenação em honorários.
Subiram os autos para julgamento.
RELATEI.
Por primeiro, não conheço do reexame necessário. O valor atribuído à causa (R$ 1.115,04 - fl. 22), não impugnado, nem alterado, é inferior à alçada estabelecida pelo parágrafo segundo do artigo 475 do CPC ("Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos...".).
Passo à análise dos recursos do Município de Aguaí e da Fazenda Estadual de forma conjunta.
O Ministério Público ajuizou referida ação civil pública para defender e proteger pessoa determinada, Matteo da Costa Máximo, portador de Diabetes Mellitus Tipo I - Cl D E10, com o objeto de impor ao Município de Aguaí e ao Estado de São Paulo a obrigação de fazer, consistente no fornecimento ao menor de Insulina Levemir e Nova Rapid, Tiras Reagentes para medição de glicemia capilar e Agulhas para Caneta de Aplicação, a fim de que haja continuidade de seu tratamento.
De acordo com o artigo 201, inciso V, do Estatuto da Criança e do Adolescente, o representante do Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência (...). (g.n.)
No presente caso, trata-se da tutela do direito à saúde de menor, direito esse indisponível, portanto, perfeitamente legítimo o Ministério Público para compor o pólo ativo da referida ação civil pública, que é o meio processual adequado para a defesa de tal direito, não podendo se alegar falta de interesse de agir.
Nesse sentido:
"(..) o Ministério Público tem legitimidade extraordinária para tutelar interesses de crianças e adolescentes. Inclusive, foi lhe atribuída a função de proteção aos interesses indisponíveis relacionados à infância e à saúde (artigos 127 e 227 da Constituição Federal). " - Apelação n. 152.939-0/0- 00 - Rel. Eduardo Gouvêa.
Ademais, não merecem prosperar os argumentos da Fazenda Estadual e do Município, quanto às suas ilegitimidades de partes para fornecimento dos medicamentos e insumos requeridos, bem como quanto à alegação de que o Estado tem responsabilidade apenas complementar ao Município.
Isso porque, trata-se de obrigação solidária entre os entes federativos, cabendo ao Ministério Público escolher frente a qual (is) deles irá propor a ação, não podendo este(s) se eximir(em) da obrigação, nem alegar ofensa à sua autonomia, como no caso em concreto analisado.
Nesse sentido:
"Há, entre as entidades de direito público interno (União, Estados e Municípios), solidariedade a inviabilizar qualquer escusa da parte do acionado, como segura a jurisprudência a respeito ("Sendo o SUS composto pela União, Estados e Municípios, impõe-se a solidariedade dos três entes federativos no pólo passivo da demanda." - 577 - REsp nº 507.205-0 - PR - j. de 07.10.03 - Rel. Min. JOSÉ DELGADO - in - Boletim do STJ- novembro/2003 - n" 17-pg. 31).
Quanto à denunciação da lide à União, tal alegação não merece acolhimento. A hipótese dos autos não se amolda a nenhuma das previsões constantes do artigo 70 do Código de Processo Civil. Ademais, como já afirmado, a obrigação discutida nos autos é solidária e tanto faz a propositura da ação em face de qualquer dos entes federados.
Afastadas as preliminares arguidas, passo à análise do mérito recursal.
Nos termos do artigo 6º, da Constituição Federal, o menor tem sua saúde garantida como um dos direitos sociais.
Com o fim de efetivar este direito, o artigo 196 expressa que é dever do Estado garantir o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.
Assim, deve o Estado, lato sensu, garantir a todas as pessoas o acesso universal e igualitário aos meios necessários para a promoção, proteção e recuperação da saúde, e entre todas as pessoas, está incluído o menor Matteo, que, como hipossuficiente, não teve este acesso para manter sua saúde.
Em cumprimento à ordem Constitucional, o Estado de São Paulo, fez constar de sua Constituição regras que mostram com mais ênfase o dever e o direito.
Dispõe o artigo 219 da Constituição Estadual, em seu item IV, que está assegurado o atendimento integral do indivíduo, abrangendo promoção, preservação e recuperação da saúde.
O artigo 222 expressa que constitui o sistema único de saúde as ações e os serviços executados e desenvolvidos pelas instituições públicas estaduais e municipais da administração direta. Completando, o artigo 223 expressa que compete ao SUS à assistência integral à saúde, respeitadas as necessidades específicas (I).
Assim, o texto Constitucional do Estado de São Paulo mostra, com clareza inconteste, a existência do direito e o dever do Estado, lato sensu, a prestar atendimento integral ao menor.
A necessidade do devido tratamento à criança está bem comprovada diante da juntada dos documentos de fls. 28, 41/42 e 104, Ademais, não consta dos autos comprovação de que a família do menor possua condições financeiras para arcar com o tratamento, não podendo prosperar a alegação fazendária neste sentido.
No que tange aos argumentos recursais de que os medicamentos e insumos não constam de lista de dispensação pelo Poder Público, de que este fornecimento prejudicaria a coletividade em detrimento de um indivíduo, bem como necessária seria a realização de perícia, entendo que quem decide qual tratamento deverá ser indicado é a médica responsável pelo paciente, que, in concreto, o fez por escrito, o que demonstra, mais uma vez, o direito do menor em receber o tratamento de que necessita. Cumpre evidenciar que a medicação foi prescrita por médica regularmente inscrito no Conselho Regional de Medicina e de confiança do menor. A responsabilidade na escolha do tratamento adequado ao paciente é única e exclusivamente da médico que o acompanha.
Diante disso, não pode a Administração negar-se a fornecer tal tratamento. Além disso, não pode alegar a necessidade de licitação para adquirir o que quer que seja que o menor necessite para garantir seu direito à vida e à saúde. A legislação prevê hipóteses de dispensa de licitação em situações emergenciais, o que poderia se aplicar ao presente caso, pois, o não fornecimento de adequados tratamentos à criança pode por em risco a sua saúde e a sua vida.
De igual forma, não há que se falar na existência de óbice orçamentário para fornecer tal tratamento. A previsão orçamentária é feita para as despesas ordinárias. A Administração Pública deve suportar determinados gastos não previstos especificamente, mas que constituem sua responsabilidade. É assim, por exemplo, com relação às calamidades públicas derivadas de força maior. Neste caso, a vida e a saúde humana devem ter especial proteção do ente público, até mesmo porque este é o seu interesse público primário, o bem social.
Não procede, também, o argumento de que a intervenção do Judiciário na questão importaria em violação da independência e harmonia dos Poderes. Tal violação inexiste quando o Poder Judiciário se limita a interpretar e dar aplicação às normas constitucionais e legais aplicáveis.
Desta forma, ao decidir a presente causa, o D. Magistrado apenas agiu no exercício da função jurisdicional, decidindo conforme o sistema jurídico vigente, observando principalmente os direitos fundamentais da pessoa humana descritos na Constituição Federal, em resposta à conduta governamental.
Do mais, o MM. Juiz prolator da decisão recorrida não se mostrou como um co-gestor dos recursos destinados à saúde pública. Ao contrário, demonstrou ser um cumpridor da ordem constitucional que manda dar assistência aos desamparados e, assim, fez valer o preceito do artigo 196 da Constituição Federal, no sentido de que a saúde é direito de todos e dever do Estado, entendendo-se o vocábulo Estado como a Administração Pública de qualquer ente da Federação.
Por fim, no que tange aos honorários arbitrados, razão assiste ao Estado. Dispõe o artigo 128, parágrafo quinto, inciso II, letra "a", da Constituição Federal, que o Ministério Público ou qualquer de seus membros não deve "receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais". Isso porque referida instituição exerce o munus público de defender os interesses sociais e individuais indisponíveis.
Assim, não há como condenar os vencidos na verba honorária, tendo em vista que o beneficiário seria o Ministério Público. Do mais, inadmissível a destinação dos honorários ao Fundo Especial de Reparação de Interesses Difusos Lesados, porque a verba não tem caráter indenizatório, e, sim, remuneratório, prestando-se ao pagamento de serviços por procurador, não podendo aplicar à espécie a regra do artigo 13 da Lei nº 7.347/85 (JTJ 175/92).
Ocorrendo isto, NÃO CONHEÇO DO REEXAME NECESSÁRIO, AFASTO AS PRELIMINARES ARGUIDAS, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO MUNICIPAL E DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA FAZENDA, apenas para afastar a condenação em honorários.
Jeferson MOREIRA DE CARVALHO
Relator
JURID - Ação Civil Pública. Fornecimento de medicamentos e insumos. [23/09/09] - Jurisprudência
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