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quarta-feira, 30 de setembro de 2009

JURID - Ação civil pública. Direito ambiental. Imprescritibilidade. [30/09/09] - Jurisprudência


Apelação cível. Ação civil pública. Direito ambiental. Imprescritibilidade. Recurso provido.


Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.

Número do processo: 1.0188.07.063974-8/001(1)

Relator: CAETANO LEVI LOPES

Relator do Acórdão: CAETANO LEVI LOPES

Data do Julgamento: 22/09/2009

Data da Publicação: 30/09/2009

Inteiro Teor:

EMENTA: Apelação cível. Ação civil pública. Direito ambiental. Imprescritibilidade. Recurso provido.1. A prescrição é instituto temporal que limita o direito do credor em exercer a pretensão para que o devedor não fique ad aeternum sujeito a cobrança.2. Entretanto, os direitos ambientais, em razão de sua transcendental importância para as gerações futuras, são imprescritíveis.3. Apelação conhecida e provida para revogar a pronúncia de prescrição.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0188.07.063974-8/001 - COMARCA DE NOVA LIMA - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): PRESID EMPREEND IMOBILIARIOS LTDA E OUTRO(A)(S), MUNICÍPIO NOVA LIMA - RELATOR: EXMO. SR. DES. CAETANO LEVI LOPES

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Belo Horizonte, 22 de setembro de 2009.

DES. CAETANO LEVI LOPES - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. CAETANO LEVI LOPES:

VOTO

Conheço do recurso porque presentes os requisitos de admissibilidade.

O apelante aforou esta ação civil pública contra os apelados Presidente Empreendimentos Imobiliários Ltda., Luiz Paulo Cardieri Júnior e o Município de Nova Lima. Asseverou que o terceiro apelado, em 12.05.1976, aprovou o projeto primitivo do loteamento denominado Jardins de Petropólis, de propriedade dos primeiro e segundo recorridos. Acrescentou que, em 03.06.1983, foi aprovado projeto de modificação do mesmo loteamento. Afirmou que a execução das obras foi feita sem a implantação de um sistema adequado de drenagem do loteamento, previsto na Lei 6.766, de 1979, o que causou danos ambientais, tais como, erosão e degradação de recursos hídricos e florestais. Acrescentou que o terceiro recorrido, no termo de verificação, concedeu o prazo de dois anos para a execução de eventuais obrigações não cumpridas. Pugnou pela implantação integral do sistema de drenagem das águas pluviais e a reparação dos danos. Os recorridos, além de matéria processual, defenderam a regularidade de suas condutas e negaram a responsabilidade pelos mencionados danos. Pela r. sentença de f 241 foi pronunciada, de ofício, a prescrição.

A vexata quaestio consiste em verificar se ocorreu a prescrição.

Não há matéria de fato a ser examinada.

Em relação ao direito, sabe-se que o instituto da prescrição, mesmo na modalidade intercorrente, é típico do direito privado, mas tem caráter de interesse público, conforme ensina Antônio Luiz da Câmara Leal, em Da prescrição e da decadência, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 33:

Do fundamento jurídico da prescrição, por nós esclarecido, facilmente se deduz o caráter público do preceito legal que a instituiu.

(...) Embora a utilidade pública e privada sejam correlatas e coexistam em todas as normas de direito, para distinguir as de direito público das de direito privado, cumpre atender, como ensina Porchat, ao interesse que predomina, se o público, se o privado.

Ora, na prescrição, dando-se o sacrifício do interesse individual do titular do direito pelo interesse público da harmonia social, que exige a estabilidade do direito tornado incerto, é evidente que sua instituição obedeceu, direta e principalmente, à utilidade pública e que a norma que a instituiu é de ordem pública.

É sabido que o dano ambiental consiste na degradação do equilíbrio ecológico. O art. 225, da Constituição da República, dispõe que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é patrimônio comum do povo. É o chamado direito de terceira geração conforme proclamou o egrégio Supremo Tribunal Federal:

Meio ambiente - Direito à preservação de sua integridade (cf, Art. 225) - prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade - direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - necessidade de impedir que a transgressão a esse direito faça irromper, no seio da coletividade, conflitos intergeneracionais (...).

A preservação da integridade do meio ambiente: expressão constitucional de um direito fundamental que assiste à generalidade das pessoas. - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). - Incumbe, ao Estado a à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (Rtj 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. (...) (Ac. no ADI - MC n° 3540, Tribunal Pleno, rel. Des. Ministro Celso de Mello, j. em 01.09.2005)

É oportuno lembrar que uma série de questões decorre desta condição que goza o meio ambiente, conforme alerta Alexandre de Moraes em Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional, São Paulo: Atlas, 2002, p. 2.004:

Meio ambiente como patrimônio comum da humanidade. A definição do conceito de patrimônio comum da humanidade gera inúmeros problemas concretos, pois, ao fixar a humanidade como titular do direito de propriedade, deve-se fixar seu comportamento perante o exercício desse direito, bem como as modalidades jurídicas na gestão desse direito e a utilização dos instrumentos jurídicos protetivos.

O termo patrimônio jurídico da humanidade implica relação jurídica, pois o patrimônio pertence à humanidade inteira e, consequentemente, cria o problema de representação no exercício desse direito, gerando a possibilidade de organismos internacionais e Estados soberanos pleitearem a defesa desse bem jurídico, não cabendo aos indivíduos a atuação nessa esfera protetiva, mas às Nações ou grupos institucionalmente organizados, pois os beneficiários desse patrimônio comum são a própria humanidade e as gerações futuras.

A Constituição de 1988 permite a defesa do meio ambiente tanto pela ação popular quanto pelo exercício da ação civil pública.

O julgado deste Tribunal é ilustrativo:

Direito ambiental. Constituição de reserva legal. Inocorrência de prescrição [...]

- A proteção ao meio ambiente, por se tratar de um direito fundamental para preservação do planeta, pertence à humanidade e às gerações futuras, constitui matéria imprescritível (...). (Ac. na Ap. Cível nº 1.0035.04.032284-0/001, 5ª Câmara Cível, relatora Desembargadora Maria Elza, j. em 15.09.2005, in Minas Gerais, edição de 21.10.2005).

Portanto força é concluir que, no caso de proteção do meio ambiente, os direitos são imprescritíveis em decorrência da natureza transcendental de que são revestidos. Logo, o inconformismo é pertinente.

Com estes fundamentos, dou provimento à apelação para reformar a sentença e afastar a prescrição pronunciada. Determino que, em primeiro grau de jurisdição, o feito tenha normal seguimento.

Custas, ao final.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): AFRÂNIO VILELA e CARREIRA MACHADO.

SÚMULA: DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.




JURID - Ação civil pública. Direito ambiental. Imprescritibilidade. [30/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

JURID - HC. Paciente denunciado por incurso do art. 213 do CP. [30/09/09] - Jurisprudência


Habeas corpus. Paciente denunciado por incurso nos termos do art. 213, caput, c/c art. 14, inc. II, todos do CP.


Tribunal de Justiça do Mato Grosso - TJMT.

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

HABEAS CORPUS Nº 90591/2009 - CLASSE CNJ - 307 - COMARCA DE ÁGUA BOA

IMPETRANTES: DR. WILSON MASSAIUKI SIO JUNIOR E OUTRO(s)

PACIENTE: SAMUEL RODRIGUES DE OLIVEIRA

Número do Protocolo: 90591/2009

Data de Julgamento: 08-9-2009

EMENTA

HABEAS CORPUS - PACIENTE DENUNCIADO POR INCURSO NOS TERMOS DO ART. 213, CAPUT, C/C ART. 14, INC. II, TODOS DO CP - IRRESIGNAÇÃO DA DEFESA - PRETENDIDO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA E FALTA DE PROVAS A INCRIMINAR O PACIENTE OU DESCLASSIFICAÇÃO DO ESTUPRO TENTADO PARA O DELITO DE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO - IMPOSSIBILIDADE - FATOS QUE, EM TESE, PODEM CARACTERIZAR O DELITO IMPUTADO AO PACIENTE - HIPÓTESE QUE DEMANDA À NECESSÁRIA DILAÇÃO PROBATÓRIA - ALEGAÇÃO DE PREJUDICIALIDADE DO RECONHECIMENTO DO PACIENTE, DESRESPEITANDO OS ARTIGOS 226 A 228 DO CPP - ATO PREJUDICIAL NÃO EVIDENCIADO - WRIT NEGADO.

Só se justifica a concessão de habeas corpus para o trancamento da ação penal quando a ilegalidade resulta demonstrada pela simples exposição dos fatos, quando atípicos, ou pela ausência de qualquer elemento indiciário que dê fundamento à acusação, bem como constituindo meio impróprio para análise do pleito de desclassificação do crime de estupro tentado para violação de domicílio.

R E L A T Ó R I O

EXMO. SR. DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA

Egrégia Câmara:

Trata-se de Habeas corpus impetrado em favor de SAMUEL RODRIGUES DE OLIVEIRA, acusado e denunciado pelo Ministério Público Estadual de infringir, em tese, o artigo 213, c/c 14, II, todos do Código Penal, por cinco vezes, tendo como autoridade coatora o Meritíssimo Juiz de Direito da Comarca de Água Boa-MT.

Visa o Paciente, trancamento da ação penal n° 190/2009, por ausência de justa causa, asseverando não haver indícios de autoria quanto ao crime em testilha, pois, as supostas vítimas não ostentam versões capazes de incriminar o Paciente, uma vez que, não há comprovação de contato físico contra as mesmas, carecendo do tipo subjetivo capitulado no artigo 213 do CP, alegando, portanto, atípica sua conduta. Afasta ainda, possível crime de ato obsceno previsto no artigo 233 do CP, e artigo 61 da Lei de Contravenções Penais.

Informa, ainda, que o reconhecimento do Paciente foi feito de forma equivocada, desprezando os procedimentos capitulados nos artigos 226 a 228 do Código de Processo Penal.

Por fim, assevera que, caso tenha a confirmação de que o Paciente tenha adentrado nas residências das vítimas, não praticou o crime capitulado na denuncia - estupro tentado -, mas sim de violação de domicílio (artigo 150 do CP).

Assim, busca o trancamento da ação penal por falta de justa causa, devendo ser expedido alvará de soltura nos termos do artigo 648 do CPP, podendo ter, o Paciente, praticado o crime de violação de domicílio, sem a intenção de prática sexual contra as vítimas, em virtude de transtornos psicológicos, devendo, igualmente, ser concedida sua liberdade para tratamento em clínica, na cidade de Água Boa-MT, onde reside sua família (fls. 02/19-TJ).

A liminar foi indeferida às fls. 171/172-TJ, pelo Des. Rui Ramos Ribeiro, sendo requisitadas as informações à autoridade coatora, as quais aportaram às folhas 177/184-TJ, informando o MM. Juiz que o Paciente teve sua prisão preventiva decretada visando a manutenção da ordem pública, levando em consideração a quantidade de condutas praticadas, a natureza e a gravidade dos delitos, vindo posteriormente indeferir o pedido de liberdade provisória por estarem presentes a materialidade, indícios suficientes de autoria e ordem pública diante da conduta de invadir as residências das vítimas despido e masturbando-se, ameaçando-as quando sozinhas e evadindo-se do local quando alertado da presença de terceiros.

Instada a manifestar-se a Procuradoria Geral de Justiça na lavra da Dra. VALÉRIA PERSSOLI BERTHOLDI, opina pela denegação da ordem, alegando que ao contrário dos argumentos da defesa, há provas da materialidade e indícios suficientes de autoria, não havendo que se falar em trancamento da ação penal por justa causa, sendo que, esta via estreita não comporta valoração aprofundada de provas, devendo os pontos trazidos pelo Impetrante serem esclarecidos durante a instrução criminal, estando, igualmente, fundamentada a decisão a quo, que indeferiu o pleito liberatório do Paciente (fls.188/195-TJ).

É o relatório.

P A R E C E R (ORAL)

O SR. DR. JOÃO BATISTA DE ALMEIDA

Ratifico o parecer escrito.

V O T O

EXMO. SR. DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA (RELATOR)

Egrégia Câmara:

Conforme relatado, visa o Impetrante, o trancamento da ação penal nº 190/09, que é movida contra o Paciente, por ter praticado, em tese, crime previsto no artigo 213, c/c artigo 14, II, ambos do CP, com a conseqüente liberdade provisória, alegando falta de justa causa para o processamento da ação penal, aduzindo não haver prova de que o Paciente tenha praticado o crime em testilha.

Aduz que o ato praticado pelo Paciente, de adentrar e permanecer nas residências das supostas vítimas ensejaria o crime de violação de domicílio (artigo 150 do CP) ou perturbação da tranqüilidade (artigo 65 do Decreto Lei nº 3.688/41), devendo, ainda assim, ser concedido a liberdade provisória do Paciente para tratamento em clínica na cidade de Água Boa-MT, por se tratar, o Paciente, de pessoa com problemas psicológicos.

Consta dos autos informativos (fls. 21/26) que o Paciente ingressou no quintal da residência da vítima IVONE OLIVEIRA DOS SANTOS no dia 16-02-09, mostrando suas partes íntimas, sendo visto pela vítima que, assustada, acionou a polícia, e, novamente no dia 07-6-09, o Paciente retornou e foi visto próximo ao muro da casa, deixando rastro - pegadas - no quintal da residência (fotos juntadas às fls. 36/37-TJ).

No dia 16 de fevereiro de 09, o Paciente ingressou na residência da vítima ADELAIDE DE SOUZA, e, batendo na porta pedindo para que fosse aberta, senão derrubaria e estupraria a vítima, tendo, esta informado, que o fato já havia acontecido varias vezes.

No mês de abril, por volta das 04h, o Paciente ingressou na residência de LUCYMEIRE RODRIGUES DE JESUS, que ao acordar verificou ter alguém ligado a luz da cozinha e, permanecendo calada, viu o Paciente aproximando da porta do quarto da vítima e começou a mostrar o pênis e fazer gestos obscenos, tendo a vítima gritado por socorro, onde o Paciente veio a evadir-se do local, posteriormente reconhecido o mesmo na polícia.

No mês de maio de 2009, o Paciente entrou no interior da residência da vítima ELAYNE FERNANDES LEITE, ao passo que a mesma correu para o quarto e o Paciente/acusado correu atrás, e, segurando seu órgão genital falava palavras obscenas - eu só quero gozar -, sendo que o namorado entrou na residência, e ao fazer barulho na porta, o Paciente evadiu-se pelos fundos.

No mês de maio de 2009, o Paciente ingressou na residência da vítima IVANI MARQUES SORAES, e batendo na porta dizia que ainda iria estuprar a vítima, tendo a vítima acionado a polícia.

Já no mês de Junho por quatro vezes o denunciado forçava a janela da residência da vítima LEILA DE MORAES LOURENÇO SOUTO, sendo que sempre acionava a polícia, porém, o Paciente/acusado evadia-se do local, vindo a reconhecê-lo na polícia, posteriormente.

Por fim, ainda no mês de junho do mesmo ano, nos dias 05 e 06, por volta das 22h, o Paciente veio a ingressar na residência da vítima LARISSA FERRARI, batendo em sua porta, que também veio a reconhecer o Paciente na Polícia.

Pois bem, o impetrante alega que não há provas suficientes para o prosseguimento da ação processual contra o Paciente, negando seu envolvimento do no crime de tentativa de estupro, porém, tenho que para o trancamento da ação penal seria necessário estar evidentemente manifesto que o Paciente não seria o autor do delito que ora lhe é imputado.

Sucede, no entanto, conforme supra citado, sobejamente demonstrado que há fortes indícios da participação do Paciente no crime e presentes, portanto, os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, uma vez que contém a exposição do fato criminoso, com suas circunstâncias essenciais, a qualificação do acusado, a classificação do crime e o rol de testemunhas.

Ao contrário do alegado pelo Impetrante, há testemunhas - conforme ressai das fls. 45-TJ, e 51-TJ - que reconheceu o Paciente como sendo a pessoa que entrou em sua residência. Assim, apesar de haver discordância entre o tipo físico do acusado, torna-se necessário o exame aprofundado das versões apresentadas no arcabouço probatório, pois, ao contrário do alegado pelo Impetrante, existem nos autos fortes indícios de que o Paciente venha a ser o autor das práticas libidinosas.

Nesse aspecto, é cediço que o habeas corpus constitui meio impróprio para a análise de alegações controvertidas que exijam o reexame dos elementos de provas, portanto, para se alcançar a real certeza dos acontecimentos, deve-se revolver todo o conjunto probatório, o que é inviável na via estreita do presente mandamus. E, as colocações e os argumentos apresentados pelo Impetrante, de negativa de autoria e falta de justa causa, dizem respeito ao mérito e exigem aprofundada análise de provas, cabendo ao juízo a quo, se for o caso, mudar a tipificação do crime, o que será possível depois de ouvir as testemunhas e o Paciente em juízo.

Havendo razoável aparência de realidade em ser o Paciente autor do ilícito penal, não se pode trancar a ação penal por meio de habeas corpus, a pretexto de não estar provado o que o Órgão Ministerial pretende demonstrar no decorrer da instrução criminal.

Sobre a possibilidade do trancamento da ação penal, a jurisprudência, verbis:

TJMT: "Não há que se cogitar no trancamento da ação penal, por falta de justa causa, quando a conduta imputada ao paciente descreve fato típico e ainda, quando a constatação do fundamento do writ depende de acurada análise de prova, inviável em sede de habeas corpus. Ação mandamental indeferida." (HC nº 3730/2006, Primeira Câmara Criminal, Rel. Shelma Lombardi de Kato, J. 21-02-2006). (Grifei).

TJMT: "Só se justifica a concessão de habeas corpus por falta de justa causa para a ação penal quando a ilegalidade resulta demonstrada pela simples exposição dos fatos, quando atípicos, ou pela ausência de qualquer elemento indiciário que dê fundamento à acusação." (HC Nº 113124/07, Primeira Câmara Criminal, Rel. Shelma Lombardi de Kato, J. 29-01-08).

STF: "Se a denúncia descreve fato criminoso, em todos os seus elementos, de tal maneira que autorize um juízo de suspeita de crime (e não de certeza) merece ela havida como eficaz ou apta e não inepta, donde a configuração de justa causa para a acusação." (RTJ 59/2). (Grifei).

Dessa forma, nada existe a demonstrar a inexistência do delito com a evidência necessária para o trancamento da ação penal, a qual possui indícios suficientes de autoria, mostrando-se precoce o arquivamento da ação penal instaurada contra o paciente, antes do devido processo legal, que comporta o princípio do contraditório.

Quanto à alegação de que não foi realizado o reconhecimento formal do Paciente, nos termos do artigo 226 a 228 do CPP, restando prejudicado, ao argumento de que o Paciente não foi posto na presença da vítima, com outras pessoas de aparência semelhante com a do Paciente, não prospera.

Não se trata de ato obrigatório o proceder do reconhecimento com pessoas parecidas, como pretende o Impetrante, pois, o verbo do artigo 226 do CPP, e seus incisos, é flexível, ao mencionar a expressão "se possível", levando em conta, caso o acusado venha a ser reconhecido individualmente, não invalida o ato.

Nesse sentido vem o ilustre doutrinador Guilherme de Souza Nucci, in Código de Processo Penal, 5ª edição, p. 488, in verbis:

"Aquiescemos, nesse prisma, com a lição de tourinho, quando menciona que a expressão 'se possível' refere-se ' à existência de serem colocadas pessoas que guardem certas semelhanças com a que deve ser reconhecida' e não com a obrigatoriedade de colocação de várias pessoas lado a lado... não se reconhece ilegalidade no posicionamento do réu sozinho para o reconhecimento, pois o art. 226, II, do Código de processo Penal, determina que o agente será colocado ao lado de outras pessoas que com ele tiverem semelhança ' se possível', sendo tal determinação, portanto, recomendável mas não essencial..."

Ainda:

RSTJ: "O reconhecimento de pessoa não está vinculado, necessariamente, à regra do art. 226, do Código de Processo Penal. Se o criminoso é reconhecido pela testemunha, de plano, ao chegar à Delegacia de Polícia, onde aquele se encontrava, entre várias pessoas, não se há de anular o reconhecimento, desde que integrado no conjunto das provas que incriminam o acusado" (20/204-5).

Da mesma forma no que concerne ao pleito de desclassificação do delito capitulado na denúncia, certo é que sua análise demanda, igualmente, o revolvimento do conjunto fático probatório, não merecendo guarida. Neste sentido:

STJ: "O pedido de desclassificação da imputação de tráfico para uso de entorpecente, na hipótese, envolve o revolvimento de prova, impróprio em razão dos estreitos lindes do writ. 3. Ordem conhecida em parte e, nesta extensão, denegada". (HC 48233 / S. HABEAS CORPUS 2005/0157892-6. Relator(a): Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA. Data do Julgamento: 14-8-2007. Data da Publicação/Fonte: DJ 03-9-2007, p. 226). (Grifei).

Por fim, a autoridade apontada como coatora, nas informações, fls. 177/184-TJ, asseverou que o pedido de liberdade provisória foi indeferido por estarem presentes os requisitos previstos nos artigo 312 do CPP, quais sejam a materialidade e indícios suficientes de autoria, bem como a ordem pública, uma vez que, o Paciente invadia as residências das vítimas por varias vezes, se masturbando e ameaçando-as, não havendo que se falar em constrangimento ilegal. Pontifico, outrossim, que a autoridade coatora atendeu ao pedido da defesa, instaurando o Incidente de Sanidade Mental do Paciente para esclarecimentos quanto á imputabilidade do mesmo, sendo certo que qualquer decisão tomada com referência aos argumentos trazidos pelo Impetrante, seria prematuro.

Logo, não há, por ora, a caracterização de coação ilegal apontado pela defesa do Paciente, em ver a Ação Penal trancada ou a conduta do Paciente capitulada na denúncia desclassificada, por carecer de provas pré constituídas, não sendo matéria desse presente mandamus a análise aprofundada de provas, e, estando presentes os requisitos que autorizam a custódia preventiva, a ordem deve ser denegada.

Diante dessas considerações, em consonância com o pronunciamento da douta Procuradoria-Geral de Justiça, DENEGO A ORDEM.

É como voto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. PAULO INÁCIO DIAS LESSA, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA (Relator), DES. PAULO INÁCIO DIAS LESSA (1º Vogal) e DES. RUI RAMOS RIBEIRO (2º Vogal), proferiu a seguinte decisão: À UNANIMIDADE, DENEGARAM A ORDEM, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

Cuiabá, 08 de setembro de 2009.

DESEMBARGADOR PAULO INÁCIO DIAS LESSA - PRESIDENTE DA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

DESEMBARGADOR JUVENAL PEREIRA DA SILVA - RELATOR

PROCURADOR DE JUSTIÇA

Publicado em 15/09/09




JURID - HC. Paciente denunciado por incurso do art. 213 do CP. [30/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

JURID - Apelação Cível. Ação de Indenização por danos morais. [30/09/09] - Jurisprudência


Apelação Cível. Ação de Indenização por danos morais. Queda de aluno no interior de estabelecimento de ensino.
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Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - TJRJ.

Poder Judiciário

9ª Câmara Cível

Apelação Cível nº 2009.001.46145

Apelante: MARLOM NASCIMENTO RIBEIRO REP/P/S/MÃE FABIANA RAQUEL DO NASCIMENTO.

Apelado: COLÉGIO ABC

Relator: DES. SÉRGIO JERÔNIMO ABREU DA SILVEIRA

Apelação Cível. Ação de Indenização por danos morais. Queda de aluno no interior de estabelecimento de ensino. Falha no atendimento prestado pelo autor. Lesões físicas. O dever de guarda dos estabelecimentos educacionais tem como corolário a incolumidade física de seus alunos. A escola responde de forma objetiva pelos danos sofridos em razão de fatos ocorridos dentro do estabelecimento de ensino. Aplicação do art. 14 do CDC. Reparação por dano moral. Majoração do quantum fixado pelo juízo a quo, a título de indenização por dano moral, tendo em vista os sofrimentos suportados pela vítima, inclusive internação por vários dias em UTI. Recurso que se dá provimento, na forma do §1º do art. 557, do CPC.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de Ação Indenizatória pelo rito Ordinário proposta por MARLOM NASCIMENTO RIBEIRO REP/P/S/MÃE FABIANA RAQUEL DO NASCIMENTO em face de COLÉGIO ABC objetivando a condenação em danos morais em decorrência de acidente ocorrido no interior do estabelecimento de ensino.

Alega que o autor é hemofílico, tendo sofrido queda no pátio do colégio, não tendo sido atendido convenientemente, nem encaminhado a hospital, sendo que sequer os responsáveis foram comunicados do ocorrido.

Pleiteia indenização por danos morais no equivalente a duzentos salários mínimos, bem como a devolução da mensalidade do mês de abril, em que não freqüentou a escola.

Contestação a fls. 58/67 aduzindo o desconhecimento da doença do autor e que após a queda foram prestados os socorros adequados, sendo que o aluno, após o atendimento retornou à sala de aula sem apresentar qualquer transtorno físico.

O ministério público opina pela procedência parcial do pedido a fls. 187/190.

Sentença julgando procedente o pedido para condenar o Réu ao pagamento de R$2.000,00 (dois mil reais) ao Autor, a título de danos morais, corrigidos monetariamente a partir da sentença acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês, contados da citação além das despesas processuais e honorários advocatícios no valor de 10% sobre o valor da condenação.

Inconformado o autor apelou às fls.197/200 pleiteando a majoração do quantum indenizatório para o patamar de 200 salários mínimos.

Contra-razões do Réu prestigiando a sentença, às fls.208/210.

Parecer do Ministério Público de primeiro grau opinando pela manutenção da sentença e do Ministério Público de segundo grau opinando pela majoração do valor da indenização para valor não inferior a R$7.000,00 (sete mil reais).

É o relatório. Decido.

O recurso merece ser conhecido por estarem presentes os requisitos de admissibilidade.

Ab initio, cumpre ressaltar que se trata de relação de consumo, conforme previsto no § 2º do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor. Assim, há responsabilidade civil objetiva, incidindo a norma do art. 17, do CPDC.

Desta forma, o réu responde objetivamente pelos danos gerados no exercício regular da atividade por ele desenvolvida (art. 14, do CPDC), bastando ficar comprovado o nexo de causalidade e a lesão sofrida, independentemente da existência de culpa, para nascer o dever (ou obrigação) jurídico de compensar (ou indenizar) as ofensas produzidas.

A parte ré não provou e nem requereu provas que atestassem que seus serviços foram prestados corretamente, não demonstrando, desta forma, a ocorrência de qualquer excludente de responsabilidade elencada nos incisos do § 3º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.

É objetiva, portanto, porquanto independe da existência de culpa.

A responsabilidade, nestes casos, só é afastada quando ausentes os requisitos: dano efetivo e nexo causal, já que a culpa é objetiva.

Sobre os pressupostos da responsabilidade civil, escreve SÉRGIO CAVALIERI FILHO, in Programa de Responsabilidade Civil, 2ª edição, 4ª tiragem, Malheiros, p.28/29:

"De tudo quanto ficou dito a respeito do ato ilícito, fato gerador da responsabilidade civil, pode-se concluir que há nele um elemento formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-material, que é o dano e respectiva relação de causalidade. Esses três elementos, apresentados pela doutrina francesa como pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, podem ser claramente identificados no art. 159 do Código Civil, mediante simples análise do seu texto, a saber:

"a) conduta culposa do agente, o que fica patente pela expressão "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia";

"b) nexo causal, que vem expresso no verbo causar; e

"c) dano, revelado nas expressões "violar direito ou causar prejuízo a outrem".

Portanto, a partir do momento em que alguém, mediante conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe dano, está-se diante de um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável dever de indenizar. Por violação de direito deve-se entender todo e qualquer direito subjetivo, não só os relativos, que se fazem mais presentes no campo da responsabilidade contratual, como também e principalmente os absolutos, reais e personalíssimos, nestes incluídos o direito à vida, à saúde, à liberdade, à honra, à intimidade, ao nome e à imagem".

Nestes termos, correta a sentença declarando a responsabilidade da ré em razão da falha na prestação dos serviços.

Insta notar, de início, que o fato da causa é incontroverso: o acidente descrito na inicial ocorreu no interior do estabelecimento de ensino, havendo descumprimento do réu de seu dever de atendimento, deixando de comunicar imediatamente os pais do aluno, além de não tomar qualquer providência, apesar do menino se queixar de dores e chorar, conforme depoimento prestado a fls. 182.

Restou configurada que o estabelecimento de ensino não adotou as medidas pertinentes à situação que se apresentava, deixando de agir diligentemente.

De fato, a lesão suportada pela vítima foi a causa direta do abalo psicológico e da dor física por ela suportados, inclusive a internação por sete dias em UTI pediátrica, restando configurado, portanto, o dano moral.

O acontecimento relatado, sem dúvida, trouxe transtornos ao autor, devendo considerar-se que a verba indenizatória deve atender aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, que norteiam as aludidas fixações, e, no caso concreto, o montante arbitrado pelo julgador monocrático não satisfez estes critérios, sendo fixado de forma módica, devendo ser majorada para R$10.000,00 (dez mil reais).

A correção monetária incide a partir desta data, que é o momento em que a Corte estabelece o valor justo da indenização.

Veja-se sobre o tema;

"Verbete nº 97. A correção monetária da verba indenizatória de dano moral, sempre arbitrada em moeda corrente, somente deve fluir do julgado que a fixar".

Tal se justifica porque, como o colendo Supremo Tribunal Federal vem decidindo, diante dos termos do art. 7º da Carta Magna, não ser possível estabelecerem-se condenações vinculadas ao salário mínimo (RE 237.965-SP, Pleno; RE nº 225.488-PR, Primeira Turma, sendo, de ambas, Relator o Min. Moreira Alves), o valor da indenização, portanto, deve ser fixado em moeda corrente e, como é na sentença (ou no Acórdão) que o Juiz (ou o Tribunal), sopesando os fatos, o estabelece, daí é que deve passar a fluir a correção monetária, e não de datas pretéritas, pois tal seria atribuir à correção natureza de juros.

Diante do exposto, na forma do art. 557,§1º-A, do CPC, dou provimento ao apelo, majorando o valor da indenização por danos morais para R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Rio de Janeiro, 03 de setembro de 2009.

DES. SÉRGIO JERÔNIMO ABREU DA SILVEIRA
Relator

Publicado em 17/09/09




JURID - Apelação Cível. Ação de Indenização por danos morais. [30/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

JURID - Apelação criminal. Crime contra a saúde pública. [30/09/09] - Jurisprudência


Apelação criminal. Crime contra a saúde pública. Tráfico ilícito de drogas.


Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2009.017872-6, de São José

Relator: Des. Torres Marques

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. PLEITO ABSOLUTÓRIO CALCADO NA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. DECLARAÇÕES DOS POLICIAIS FIRMES E COERENTES SOBRE O VÍNCULO DO RÉU COM OS MAIS DE 42 QUILOS DE MACONHA APREENDIDOS NO HOBBY BOX DA GARAGEM DO SEU APARTAMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA.

DOSIMETRIA DA PENA. PEDIDO DE DIMINUIÇÃO DA PENA-BASE. CULPABILIDADE CONSIDERADA GRAVE SEM FUNDAMENTAÇÃO. CONDENAÇÕES ANTERIORES QUE ULTRAPASSARAM O PRAZO DEPURADOR DO ART. 64, I, DO CP. PROCESSOS QUE NÃO PODEM SER CONSIDERADOS ANTECEDENTES. ADEQUAÇÃO DA PENA-BASE QUE SE IMPÕE.

PRETENDIDO ABRANDAMENTO DO REGIME FIXADO NA SENTENÇA. OBRIGATORIEDADE DO REGIME INICIAL FECHADO. DICÇÃO DO ART. 2º, § 1º, DA LEI N. 8.072/90.

PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DO VEÍCULO APREENDIDO DURANTE O FLAGRANTE. PENDÊNCIA DE RESOLUÇÃO DA TITULARIDADE DO AUTOMOTOR EM INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE COISA APRENDIDA. DETERMINAÇÃO À AUTORIDADE JUDICIAL PARA QUE RESOLVA O INCIDENTE.

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2009.017872-6, da comarca de São José (2ª Vara Criminal), em que é apelante Lúcio Soares Aranha, e apelada a Justiça, por seu Promotor:

ACORDAM, em Terceira Câmara Criminal, por unanimidade de votos, dar provimento parcial ao recurso. Custas na forma da lei.

RELATÓRIO

Perante o juízo da 2ª Vara Criminal da comarca de São José, a representante do Ministério Público ofertou denúncia em face de Lúcio Soares Aranha, dando-o como incurso nas sanções do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, consoante se infere da exordial acusatória:

"II. No dia 04 de agosto de 2008, investigadores da Diretoria Estadual de Investigações Criminais, munidos da informação de que o denunciado era o distribuidor de entorpecente na região, dirigiram-se à residência do mesmo, situada em um condomínio na Rua Manoel Loreiro, Barreiros, nesta Comarca.

"Sabedores de que o denunciado havia recebido farta quantidade de entorpecente, os investigadores pediram ao denunciado para que abrisse o seu box de garagem, oportunidade em que encontraram no local, 37 porções prensadas da erva conhecida como maconha, cujo peso bruto era de 42.352,9g (quarenta e dois mil, trezentos e cinquenta e dois gramas e nove decigramas), bem como a importância de R$ 210,00 (duzentos e dez reais), em cédulas.

"Desta forma, pelas investigações que antecederam a prisão do denunciado, quantidade de droga encontrada e demais circunstâncias que envolveram a prisão do denunciado, tem-se que o mesmo mantinha em depósito substância entorpecente sem autorização legal, com o objetivo de alienação" (fls. II/III).

Concluída a instrução criminal, a denúncia foi julgada procedente para condenar Lucio Soares Aranha ao cumprimento da pena de 8 anos de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 800 dias-multa, no valor unitário mínimo legal, por infração ao art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.

Irresignado, o réu manifestou desejo de recorrer (fl. 205). A defensora requereu o oferecimento de razões da forma do art. 600, §4º, do CPP e os autos ascenderam a esta Superior Instância.

Ofertadas as razões (fls. 222/236), a defesa aduziu a ausência de vínculo do apelante com o material entorpecente apreendido no box de garagem do Edifício em que ele residia. Afirmou que as declarações dos policiais que efetuaram o flagrante são frágeis e contraditórias para comprovar o exercício da mercancia, razão pela qual pugnou pela absolvição, nos termos do art. 386, VII, do CPP.

No tocante à dosimetria, postulou a diminuição da pena-base, eis que fixada de forma exacerbada, e a estipulação de regime prisional mais brando. Por fim, requereu a revogação da decisão que permitiu à autoridade policial a utilização do veículo apreendido.

Ofertadas as contrarrazões (fls. 240/248), manifestou-se a Procuradoria Geral de Justiça pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 251/254).

VOTO

Trata-se de apelação criminal interposta por Lucio Soares Aranha contra sentença que o condenou pela prática do crime de tráfico ilícito de drogas.

A materialidade delitiva ficou comprovada por meio do laudo de constatação (fl. 14), do termo de apreensão (fl. 15) e do laudo pericial (fls. 23/26).

No tocante à autoria, o apelante permaneceu calado no interrogatório da fase policial (fls. 7/8). Em juízo, declarou:

"[...] que no dia dos fatos narrados na denúncia, o interrogando levantou-se e estava pronto para sair, quando bateu a porta de seu apartamento um vizinho policial, o qual reside no sexto andar de seu prédio, o qual estava acompanhado de um homem e uma mulher; que todos eram policiais; que disseram ao interrogando que haviam sentido cheiro de droga proveniente do box de garagem do interrogando; que, em razão disso disseram que queriam fazer uma busca em seu apartamento, tendo o interrogando questionado a ausência de mandado; que ainda assim, tais indivíduos entraram no apartamento e fizeram a busca, contudo nada encontraram; que o interrogando acompanhou os policiais ao box de garagem, onde após abri-lo, os policiais acharam uma caixa de papelão contendo maconha; que o interrogando desconhecia a existência da droga no local; que posteriormente, através de familiares, o interrogando tomou conhecimento de que seu irmão Ubiraci havia deixado a droga no local; que acredita que Ubiraci pegaria a droga posteriormente; que Ubiraci não tinha a chave do box, não sabendo, no entanto, como colocou a droga em seu interior [...]" (fls. 130/131).

Em que pese a negativa de autoria, esta restou comprovada pelas próprias circunstâncias da apreensão e pelas palavras dos policiais que realizaram a operação.

O policial civil Luiz Henrique de Souza asseverou, na fase administrativa (fls. 2/3), que há aproximadamente um mês estava investigando o acusado pois recebeu informacões de que ele era um forte distribuidor de drogas na região da Grande Florianópolis e que estava na posse de grande quantidade de droga, que se encontrava depositada no Edifício onde reside, localizado no bairro Barreiros, em São José, mais especificamente no "hobby box" existente na garagem de seu apartamento.

Em juízo, o policial civil que participou da operação realizada no condomínio onde o apelante residia confirmou que a investigação apontava a pessoa de Lúcio Soares Aranha como forte distribuidor de drogas, e que a conduta dele consistia em estocar o material entorpecente em sua residência e realizar as entregas por meio do veículo Ford Ecosport.

Retira-se do depoimento do policial Waldir V. da F. Filho:

"[...] que o depoente já havia recebido denúncias, dando conta de que o acusado traficava drogas; que tais denúncias se davam através de telefonemas anônimos; que os policiais Luiz e Giovana também já vinham investigando o acusado em razão de seu suposto envolvimento com o tráfico; que segundo a denúncia, o acusado distribuía drogas em seu veículo Eco Sport; que Giovana e Luiz receberam informação de alguns moradores de que havia um forte cheiro de maconha na garagem do edifício, motivo pelo qual se dirigiram ao local para a diligência; que identificaram o box como sendo do acusado; que os policiais Giovana e Luiz se dirigiram para o apartamento do acusado e solicitaram que abrisse o box, sendo que depois de muita conversa, este admitiu a posse da maconha e abriu o armário; que no local, foram encontrados de 30 a 45 quilos de maconha; que o depoente não presenciou o momento em que os policiais Giovana e Luiz encontraram a droga no box, mas ajudou a retirá-la do local; que o acusado abriu o box com a própria chave, além do que a síndica do condomínio, bem como moradores, entre eles policiais, disseram que o box pertencia ao acusado [...]" (fl. 126).

No mesmo sentido foram as declarações prestadas pelo também policial civil Luiz Henrique de Souza, verbis:

"[...] que vinham investigando o acusado pela prática de tráfico de entorpecentes, o qual se utilizava de uma Eco Sport vermelha; que já o conheciam, visto que possuía antecedente pela prática do mesmo crime, sendo que estavam investigando há três meses aproximadamente; que identificaram um morador do condomínio que poderia passar informações para a polícia acerca da conduta do acusado, sendo que tal indivíduo informou que havia um cheiro característico de maconha, o qual era proveniente da garagem do condomínio; que estiveram no local, onde conversaram com o vigilante, identificando que o box do qual o odor provinha pertencia ao acusado; que diante de tal informação, dirigiram-se ao apartamento do acusado, já que passava das seis horas; que o depoente se identificou ao acusado e explicou o ocorrido, solicitando que abrisse o box, contudo o acusado relutou, questionando a respeito da existência de mandado; que o depoente explicou que, ante a situação de flagrância, era desnecessário o mandado, razão pela qual o acusado acabou admitindo a posse da droga, levando o depoente e os demais policiais até o box; que com a abertura do box, verificaram que existia no respectivo interior uma caixa de papelão contendo vultosa quantidade de tijolos de maconha; que também havia um recipiente de plástico contendo um tijolo da mesma substância; que diante do fato, foi dada voz de prisão ao acusado; que em diligências, o próprio depoente, durante as investigações que precederam o flagrante, constatou que o acusado distribuía droga num sistema varejista a pessoas da localidade Monte Cristo [...]; que não fez a prisão do acusado em data pretérita, embora já tivesse constatado o seu envolvimento com o tráfico, visto que não houve oportunidade, sendo que a investigação estava em seu início, sem mandado de busca ou interceptação telefônica [...]" (fls. 127/128).

Pela prova amealhada não pairam dúvidas de que o apelante mantinha a expressiva quantidade de maconha depositada no "hobby box" de garagem de seu apartamento, droga essa que era destinada à mercancia, especificamente na venda ao varejo, dado que as investigações policiais indicaram que ele fornecia droga no bairro Monte Cristo.

A alegação da defesa de que a policial Giovana não participou das investigações realizadas pelo policial Luiz em nada interfere no conteúdo da prova, até porque referida policial destacou em seu depoimento judicial que as informações foram repassadas a ela pelo policial Luiz.

Da mesma forma, as pequenas imperfeições existentes nas declarações do policial Waldir V. da F. Filho, prestadas em ambas as fases processuais - que elucidou em juízo ter prestado auxílio aos demais na retirada do material entorpecente do "hobby box" -, a respeito de quem teria subido até o apartamento do acusado e quem teria permanecido na garagem do edifício, em nada contamina a essência do fato, consistente na prisão em flagrante de Lúcio Soares Aranha, que mantinha em depósito mais de 42 Kg de maconha acondicionados na forma de tijolos prensados.

Por essa razão, as declarações de Ubiraci Soares Aranha (irmão do réu), assumindo a propriedade da droga e dizendo que teria feito isso sem o conhecimento de seu irmão, dissociam-se das palavras dos policiais e não passam de estratégia com o nítido propósito de livrar da condenação o verdadeiro responsável pela droga, o acusado.

Como bem ressaltou a magistrada sentenciante, a versão de que Ubiraci seria o proprietário da droga "não serve para embasar a pretendida absolvição, visto que prestou depoimento na condição de informante, e possui evidente interesse em proteger o seu ente, estando, outrossim, tal elemento de convicção completamente isolado no contexto probatório" (fl. 190).

Sobre a validade das declarações dos agentes públicos de segurança é de se lembrar que não foi comprovado nenhum motivo que retire o crédito dos depoimentos por eles prestados, os quais têm presunção de veracidade e boa-fé, cabendo à parte contrária demonstrar a existência de motivos para duvidar de tais assertivas. A respeito, deste relator:

"[...] MÉRITO - PLEITO ABSOLUTÓRIO EM RELAÇÃO AO TRÁFICO, FRENTE À INSUFICÊNCIA DE PROVAS DE AUTORIA - CONTEXTO PROBATÓRIO FIRME E SUFICIENTE A ENSEJAR A CONDENAÇÃO - CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL DE DOIS RÉUS, CORROBORADA PELAS DECLARAÇÕES DOS POLICIAIS EM AMBAS AS FASES DA INSTRUÇÃO - CONDENAÇÕES MANTIDAS [...]" (Apelação criminal n. 2007.022637-5, de Itapema, rel. 23/10/2007).

Dessa feita, mantém-se a condenação do réu como incurso nas sanções do art. 33, caput, do Código Penal.

Quanto ao pedido de adequação da pena-base, depreende-se da sentença que a pena-base restou estabelecida em 8 anos de reclusão e 800 dias-multa, em razão da elevada culpabilidade do agente, da presença de maus antecedentes, da péssima conduta social, das circunstâncias do crime devido à grande quantidade de droga apreendida e das consequências graves do delito. Extrai-se da fundamentação:

"Na primeira fase, atinente às circunstâncias do art. 59 do CP, tem-se que a culpabilidade do denunciado, no sentido da reprovabilidade de sua conduta, deve ser considerada grave. O acusado registra antecedentes criminais, inclusive por tráfico de entorpecentes (fls. 139/140/156/157). A conduta social do réu é desfavorável, visto que, embora já tenha cumprido duas vezes pena pela prática do crime de tráfico de drogas, permanece delinqüindo. Já a respectiva personalidade não pôde ser aferida a ponto de ser considerada desfavorável. Quanto aos motivos do delito, o acusado agiu pelo desejo de obtenção de lucro fácil às custas do vício alheio. Em relação às circunstâncias, foi apreendida vultosa quantidade de droga. No tocante às consequências da infração, devem ser consideradas graves e de nefastos efeitos, em razão dos sérios problemas familiares e sociais oriundos do consumo de entorpecentes e do irreparável dano à sociedade, por haver difundido o vício. O comportamento da vítima fica prejudicado pela natureza do tipo penal" (fl. 191).

Primeiramente, cumpre registrar que a culpabilidade como elemento de aplicação da pena foi considerada grave sem fundamentação, devendo ser afastada.

No tocante aos maus antecedentes, há que se fazer uma análise aos registros sopesados na sentença, constantes de fls. 138/139 e 156/158.

A condenação por tráfico, representada pela ação penal n. 160/69, teve trânsito em julgado em 13.09.1999 (fl. 139). As outras condenações por tráfico (autos n. 023.96.038522-5 e 023.98.003927-7) transitaram em julgado nas datas de 07.01.1999 e 13.09.1999 (fl. 157). Em todas essas condenações houve o transcurso do prazo depurador de 5 anos a que alude o art. 64, I, do Código Penal, não servindo, pois, como caracterizadoras de maus antecedentes.

Alberto Silva Franco e Rui Stoco, em referência a Salo de Carvalho, chama atenção para a perpetuidade dos maus antecedentes, pois:

"[...] diferentemente do que ocorre com a agravante da reincidência, 'não ensejam limitação temporal'. O autor critica essa formulação interpretativa por conferir a uma condenação criminal o efeito de um 'gravame penalógico eternizado', que afronta os princípios constitucionais da racionalidade e da humanidade das penas, bem como a regra de que não devem existir penas perpétuas" (Código Penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 344).

A propósito:

"Não caracterizam maus antecedentes processos cuja condenação pretérita se enquadraria no inciso I do artigo 64 do Código Penal, porquanto decorridos mais de 5 (cinco) anos do cumprimento ou da extinção da pena" (Apelação Criminal n. 2007.033036-8, rel. Des. Amaral e Silva).

Destarte, afasta-se a valoração negativa da culpabilidade e dos maus antecedentes e fixa-se a pena-base em 7 anos de reclusão e 700 dias-multa, de acordo com as diretrizes do art. 59 do CP e do art. 42 da Nova Lei de Drogas.

Inexistindo outras causa modificadoras, a reprimenda do apelante resulta definitiva em 7 anos de reclusão e 700 dias-multa, por infração ao disposto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06.

Mantém-se o regime inicial fechado, independentemente do quantum de pena aplicado, eis que o delito é equiparado a hediondo. Nesse sentido decidiu esta Câmara Criminal:

"Embora reconhecida a possibilidade de progressão do regime de cumprimento de pena para os crimes hediondos e equiparados, diante do julgamento do Habeas Corpus n. 82.959/SP no Supremo Tribunal Federal (j. em 23-2-2006) e da recente edição da Lei n. 11.464/07, tal benesse não possibilita a fixação de outro regime inicial de pena que não o fechado" (Apelação Criminal n. 07.018086-6, de Balneário Camboriú, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. 26/5/08).

Por fim, proceda à autoridade judicial a resolução de pronto do incidente de restituição de coisa apreendida n. 064.08.018429-8/001, haja vista que a sentença não decretou a perda em favor da União do automóvel Ford Ecosport, dada a insuficiência de provas de que sua aquisição tinha origem em recursos do tráfico.

DECISÃO

Ante o exposto, dá-se provimento parcial ao recurso.

Participaram do julgamento, realizado no dia 30 de junho de 2009, os Exmos. Srs. Des. Alexandre d'Ivanenko e Moacyr de Moraes Lima Filho. Lavrou parecer, pela Procuradoria Geral de Justiça, o Exmo. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira.

Florianópolis, 27 de julho de 2009.

Torres Marques
PRESIDENTE E RELATOR




JURID - Apelação criminal. Crime contra a saúde pública. [30/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

JURID - Danos materiais e lucros cessantes. Sementes de milho. [30/09/09] - Jurisprudência


Ação de indenização por danos materiais e lucros cessantes. Sementes de milho estéreis.


Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Apelação Cível n. 2005.020074-6, de Maravilha

Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben

PROCESSO CIVIL E CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E LUCROS CESSANTES. SEMENTES DE MILHO ESTÉREIS. RELAÇÃO DE CONSUMO PAUTADA NA VULNERABILIDADE DO AGRICULTOR. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO (CDC, ART. 12). INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. PRESENÇA DE EXCLUDENTE DA RESPONSABILIDADE DA FORNECEDORA. EXCESSO DE CHUVAS NO PERÍODO DO PLANTIO. DEVER DE INDENIZAR NÃO CARACTERIZADO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO. APRECIAÇÃO EQUITATIVA DO JUIZ. APLICAÇÃO DO ART. 20, § 4º, DO CPC. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

"Mas além dos consumidores stricto sensu, conhece o CDC os consumidores-equiparados, os quais por determinação legal merecem a proteção especial de suas regras. Trata-se de um sistema tutelar que prevê exceções em seu campo de aplicação sempre que a pessoa física ou jurídica preencher as qualidades objetivas de seu conceito e as qualidades subjetivas (vulnerabilidade), mesmo que não preencha a de destinatário final econômico do produto ou serviço" (Cláudia Lima Marques).

O fornecedor de sementes defeituosas responde objetivamente pelos danos causados ao consumidor, nos termos do artigo 12 do Código Consumerista. Para esquivar-se do dever de indenizar, cabe-lhe demonstrar não ser o responsável pela colocação do produto defeituoso no mercado ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (CDC, artigo 12, § 3º).

Nas causas em que não há condenação, a fixação dos honorários advocatícios está desvinculada dos percentuais máximo e mínimo do § 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil, devendo a verba honorária ser arbitrada em valor moderado e razoável, mediante apreciação equitativa do Juiz, à luz das peculiaridades do caso concreto, consoante prescreve o § 4º do mencionado dispositivo legal.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2005.020074-6, da comarca de Maravilha, em que é apelante Gilson Luiz Farinon e apelada Agromen Sementes Agrícolas Ltda:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

RELATÓRIO

Gilson Luiz Farinon apelou de sentença do juiz de direito da comarca de Maravilha que, em ação de indenização por danos materiais e lucros cessantes, movida por ele contra Agromen Sementes Agrícolas Ltda, julgou os pedidos improcedentes, à falta de prova da culpa da ré, e o condenou ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.500,00.

O apelante alega haver prova dos prejuízos sofridos como resultado da má qualidade do produto fornecido pela apelada, pois apenas 20% das sementes plantadas germinaram, embora a terra estivesse em ótimas condições para o plantio.

Disse que a perícia foi feita em outras sementes e não nas que foram plantadas, pois analisaram-se as de uma saca em poder de seu primo, Sadi Farinon.

Requereu a aplicação do Código de Defesa do Consumidor quanto à inversão do ônus da prova, ante a hipossuficiência da parte. Por isso, requereu a reforma da sentença e a procedência dos pedidos iniciais.

Sucessivamente, pediu a redução do valor dos honorários advocatícios.

Houve contrarrazões.

VOTO

É apelo de Gilson Luiz Farinon de sentença do juiz de direito da comarca de Maravilha que, em ação de indenização por danos materiais e lucros cessantes, movida por ele contra Agromen Sementes Agrícolas Ltda, julgou os pedidos improcedentes.

O apelante pretende aplicar o CDC, mais precisamente no respeitante à inversão dos ônus da prova. Embora ele pretendesse revender, em escala comercial, o produto decorrente da safra, inevitável o reconhecimento da desigualdade entre as partes contratantes. É que se verifica que o apelante não é grande produtor rural; mas pequeno agricultor, explorador da atividade rurícola em regime de economia familiar, em propriedade de apenas 9 hectares.

A apelada, de outro lado, é empresa de grande porte, do ramo de sementes, sediada em São Paulo, com atuação em todo o país, conforme descrição retirada de seu site na internet:

A Agromen Sementes é apenas uma parte do Grupo Agromen. Ao todo, a família Ribeiro de Mendonça controla ou é sócia de 12 empresas do setor agropecuário com atuação em diversos segmentos da cadeia brasileira do agronegócio.

Todos os anos são 6 mil hectares de campos de produção de sementes de milho e outros 7 mil hectares dedicados à produção de sementes de soja, feijão e sorgo. A produção agrícola é, definitivamente, sua especialidade. Além de sementes, a Agromen também produz grãos como milho, soja, sorgo, feijão e trigo. São mais de 37 mil hectares de lavouras cultivados anualmente.

Suas fazendas estão localizadas em municípios de reconhecida excelência agrícola como Maurilândia, Campo Alegre, Cristalina, Ipameri e Bom Jesus de Goiás, em Goiás; Capinópolis, Buritizeiro e Ipiaçú, em Minas Gerais; Ipuã e Guaíra, em São Paulo.

No caso, embora o apelante não seja produtor rural enquadrado como destinatário final do produto, nos termos do artigo 2º do CDC, a vulnerabilidade econômica, técnica e fática em relação à apelada autoriza, excepcionalmente, a aplicação da legislação consumerista, pois a finalidade desta legislação é tutelar o direito dos que estejam em posição vulnerável, ou seja, proteger o mais fraco nas relações mercadológicas, nos termos do artigo 4º, I, do CDC.

Colhe-se da jurisprudência desta Corte:

Sendo reconhecido o pequeno agricultor como hipossuficiente na relação negocial, a interpretação do contrato deve se dar de maneira mais favorável, de modo a estabelecer a igualdade substancial real ao caso, o que implica dizer, no aspecto prático, tratar desigualmente os desiguais na mesma proporção de suas desigualdades (Ap. Cív. n. 2004.031428-6, de Sombrio, rel. Des. Fernando Carioni, j. 9-6-2005).

Nesse sentido, Cláudia Lima Marques leciona:

Em resumo e concluindo, concordamos com a interpretação finalista das normas do CDC. A regra do art. 2º deve ser interpretada de acordo com o sistema de tutela especial do Código e conforme a finalidade da norma, a qual vem determinada de maneira clara pelo art. 4º do CDC. Só uma interpretação teleológica da norma do art. 2º permitirá definir quem são os consumidores no sistema do CDC. Mas além dos consumidores stricto sensu, conhece o CDC os consumidores-equiparados, os quais por determinação legal merecem a proteção especial de suas regras. Trata-se de um sistema tutelar que prevê exceções em seu campo de aplicação sempre que a pessoa física ou jurídica preencher as qualidades objetivas de seu conceito e as qualidades subjetivas (vulnerabilidade), mesmo que não preencha a de destinatário final econômico do produto ou serviço (Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 279).

Por último, enfatiza-se a lição contida no Código de Defesa do Consumidor comentado por Ada Pellegrini Grinover:

O consumidor é, reconhecidamente, um ser vulnerável no mercado de consumo (art. 4º, I). Só que, entre todos os que são vulneráveis, há outros cuja vulnerabilidade é superior à média. São os consumidores ignorantes e de pouco conhecimento, de idade pequena ou avançada, de saúde frágil, bem como aqueles cuja posição social não lhes permite avaliar com adequação o produto ou serviço que estão adquirindo. Em resumo: são os consumidores hipossuficientes. Protege-se, com este dispositivo, através de tratamento mais rígido que o padrão, o consentimento pleno e adequado do consumidor hipossuficiente.

A vulnerabilidade é um traço universal de todos os consumidores, ricos ou pobres, educados ou ignorantes, crédulos ou espertos. Já a hipossuficiência é marca pessoal, limitada a alguns - até mesmo a uma coletividade - mas nunca a todos os consumidores.

A utilização, pelo fornecedor, de técnicas mercadológicas que se aproveitem da hipossuficiência do consumidor caracteriza a abusividade da prática (Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 325).

Destarte, configurada a relação de consumo, sobretudo pela hipossuficiência do apelante diante da empresa fornecedora de sementes, são, pois, perfeitamente aplicáveis os dispositivos da Lei n. 8.078/90. Entretanto, mesmo aplicada a inversão do ônus da prova à espécie, a apelada demonstrou a boa qualidade das sementes e a ocorrência de chuvas torrenciais na época da semeadura, o que teria sido a razão da baixa produtividade na colheita de milho.

O apelante requer indenização por danos materiais pela baixa produtividade obtida na colheita de milho, nas safras de 1997-1998 e 1998-1999, em razão de suposta má qualidade das sementes fornecidas pela apelada. Esta, por sua vez, alega a inocorrência da germinação das sementes por causa da excessiva precipitação pluviométrica, no período do plantio.

A verdade é que o apelante adquiriu da apelada sementes da espécie Zea Mays, pertencentes ao Lote 107, peneira 21 L (fls.160-163).

O Atestado de Vigor de fls. 74-75, emitido pela Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina S/A - Epagri, deu conta de que o percentual de germinação das sementes examinadas variava entre 92% e 97%.

De acordo com a apelada, as sementes examinadas foram obtidas no sítio de Sadi Farinon, primo do apelante, que as teria recebido por empréstimo deste e pertenceriam a um único lote.

O apelante sustenta haver emprestado duas sacas de sementes, não a seu primo Sadi Farinon, mas a Ivo Jeggle, que as plantou e adquiriu outras duas sacas de lote diferente, devolvendo-as a Sadi para que este as devolvesse ao autor. Portanto, as sementes examinadas pelos técnicos da Epagri seriam de outro lote.

A testemunha Zalo Antônio Rigoni disse:

Que foi o depoente quem transportou dois sacos de 20 Kg de sementes da propriedade do autor para a propriedade de Ivo; que tais sementes faziam parte do mesmo lote de onze sacas plantadas pelo autor na safra de 1998. Pelo que sabe, Ivo efetivamente plantou os dois sacos recebidos; que a semente utilizada por Sadi foi comprada diretamente de Ivo Jeggli; que esta semente foi comprada por Ivo junto ao armazém da Cooperativa e depois repassada para Sadi; esclarece que a semente plantada por Sadi não pertence ao mesmo lote de onze sacas plantada pelo autor; pelo que se recorda o autor plantou semente do lote 110 (fls. 155-156).

Sadi Farinon informou:

Que na mesma época do plantio do autor, recebeu do mesmo, por empréstimo, uma saca de vinte quilos de sementes Agromen; que o empréstimo, na verdade, ocorreu da seguinte forma: o autor havia emprestado algumas sementes para o vizinho Ivo e este, posteriormente, é que repassou sementes para o depoente; que pode afirmar que as sementes em questão eram de lotes diferentes, até porque adquiridos individualmente por Gilson e por Ivo; que foi o depoente quem entregou ao autor, no final de 1998, a embalagem juntada aos autos; que a única variedade de Agromen plantada pelo depoente adveio do empréstimo concedido por Ivo; que no final de 1998, algumas sementes que haviam sobrado da saca emprestada foram levadas por uma pessoa que não se recorda de quem se trata (fls. 170-171).

No mesmo sentido foi o depoimento de Ivo Jeggle:

Que a semente de Agromen que plantou adveio de empréstimo do autor; que foram dois sacos de sementes; Que ambos os sacos foram plantados; que após a plantação comprou apenas duas sacas de milho Agromen para devolver ao autor; que estas duas sacas foram entregues para o primo de Gilson, Sadi, a mando de Gilson; que foi o próprio Sadi quem apanhou as duas sacas na casa do depoente; que adquiriu as duas sacas no posto da Cooperativa na Linha Consoladora; que comprou as sacas com nota fiscal tendo entregado para Gilson (fls. 176-177).

Em seu depoimento o autor relatou:

Que na safra de 1998, foram plantadas 9 sacas de 20 Kg; que desta semente foram emprestadas duas sacas para o vizinho, Ivo Jeggle; pelo que sabe, estas duas sacas foram plantadas pelo próprio Ivo na propriedade deste; pelo que sabe, Sadi Farinon, também utilizou as sementes da empresa requerida, que não eram as mesmas utilizadas pelo depoente, para o plantio da safra 1998/1999 (fls. 145-146).

Entretanto, a prova testemunhal colhida é divergente, pois, apesar de Sadi afirmar haver recebido lote diferente do emprestado a ele por Ivo, alegou haver entregado ao autor a embalagem das sementes do lote n. 107, peneira 21 L (fl. 161-163), objeto do litígio.

Há, também, divergência quanto à quantidade de sacas emprestadas, porque, enquanto Zalo, Gilson e Ivo afirmam que Gilson emprestou duas sacas a Ivo, Sadi afirma ter recebido apenas uma de Ivo. Destarte, verifica-se que as sementes foram emprestadas pelo autor diretamente a seu primo Sadi, presunção que encontra amparo nas declarações do informante Vilmar Pandolfo:

Que após a safra de 1998, apanhou na residência de Sadi Farinon algumas sementes da Agromen e as encaminhou para análise na Cooperativa Auriverde; que não sabe quem examinou as amostras; que, das onze sacas que repôs ao autor, sabe que o mesmo emprestou duas ao seu primo Sadi; que posteriormente esteve na casa de Sadi e constatou que uma das sacas havia sido plantada e a outra estava na propriedade, sem uso; que foi desta saca que retirou as amostras encaminhadas para a Cooperativa (fl. 175).

Além do laudo técnico da EPAGRI indicando a qualidade das sementes, há indícios de que a germinação atingiu baixo índice em decorrência da intensidade das chuvas no período.

O engenheiro agrônomo Jaime Edson Lutz, após averiguação no local, declarou: "As sementes apodrecem no solo sem manifestar intenções germinativas. As condições climáticas (altas precipitações) podem ter afetado a germinação da semente" (fl. 12).

O mesmo profissional, dois meses após, atestou, juntamente com o técnico agrícola e gerente do Posto 26 da Cooperativa Regional Auriverde:

Visitamos, em conjunto, várias propriedades do município que tiveram problemas de germinação de sementes de Milho Híbrido de diversas marcas e Empresas, e após verificação in loco e munidos de Laudos de Analise de Órgão Oficial, concluímos que o problema foi causado por excesso de chuvas no período associado com a baixa temperatura do solo, principalmente em áreas mais baixas e planas onde a dificuldade de percolação e infiltração da água é maior (fl. 70).

Verifica-se que a tabela da Epagri constatou as precipitações diárias em todos os meses do ano em duas propriedades, indicando a ocorrência de chuvas na maior parte de agosto, principalmente na primeira e terceira semanas daquele mês (fls. 71-72).

Estes fatos foram corroborados pelo técnico Daniel Ferrari:

Que na safra de 1998, a Cooperativa Auriverde recebeu diversas reclamações de diversos proprietários de propriedade rurais, em razão da má germinação das sementes de milho; que foram vários os proprietários que reclamaram, que foram diversas as regiões, bem como diversas as marcas de sementes plantadas e que uma das causas teria sido o excesso de chuvas (fls. 149-150).

Jaime Lutz coonestou o depoimento supracitado, em Juízo:

Que as altas precipitações mencionadas ocorreram no período que foi do plantio até a vistoria, embora, em períodos esparsos; que pode afirmar que nas vistorias posteriores o problema com as sementes ocorreu pelo excesso de chuvas; pode afirmar que em razão das chuvas que ocorreram após o plantio, tal fato pode ter contribuído para o problema; que na vistoria da propriedade do autor praticamente não se encontrou sementes, porque provavelmente já haviam apodrecido, enquanto nas propriedades vistoriadas depois das chuvas havia existência de sementes que tinham intenção de germinar, mas tal não ocorria em razão da excessiva umidade (fls. 172-173).

O representante da apelada na cidade de Maravilha, Vilmar Pandolfo, informou:

Que pode afirmar que na mesma época houveram problemas em várias lavouras da região, que foram plantadas com sementes de diversas procedências e de empresas diferentes; que quando esteve na propriedade do autor, pôde constatar pelo conhecimento que tem, prestando assistência técnica há vinte anos, que o problema na lavoura do autor foi causado pelo alagamento ocorrido em razão do excesso de chuvas na época, ou seja, as sementes ficaram afogadas; que outros agricultores, em 1998, que plantaram Agromen, também relataram problemas com a germinação, mas admitindo que tal ocorrera em razão das chuvas; que em 1998 distribuiu sementes de vários lotes na região (fls. 174-175).

Jarbas Agostini, agrônomo da Cooperativa Auriverde, filial de Maravilha, declarou:

Na época, ciente do problema com as sementes, foi verificar in loco, e constatou que: houve excesso de chuva, alagando as partes baixas da propriedade. A área era predominantemente baixa, apta a retenção de água, e embora não descarte de forma absoluta qualquer problema com as sementes, este foi o único laudo de perda por germinação que realizou na empresa (fl. 204).

Ademais, o perito revelou que "o solo da propriedade do requerente é argiloso, com o relevo levemente ondulado e declivoso, sendo que o declividade varia de 5% a 10%" (fl. 124).

O experto explicou também que "a semente de milho, em condições anaeróbicas, tem sua germinação prejudicada. Entende-se por condições anaeróbicas, a falta de oxigênio para a semente completar o ciclo germinativo, fato este que pode vir a ocorrer em locais encharcados, podendo ocorrer o apodrecimento das sementes" (fl. 126). Destarte, demonstrada a falta de culpa da apelada pela má germinação das sementes de milho adquiridas pelo apelante, a respeitável sentença, ora increpada, há que ser preservada por seus próprios fundamentos.

No tocante aos honorários de advogado, houve-se acertadamente o magistrado ao distanciá-los dos percentuais de que trata o § 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil, pois nas causas em que não há condenação os honorários deverão ser fixados na conformidade do § 4º do dispositivo legal supracitado, sendo certo que o importe arbitrado pelo juiz em R$ 1.500,00 é razoável, equivalendo ao que, de ordinário, esta Câmara tem fixado nas causas enfeixando questões análogas estando, por isso mesmo, adequado ao trabalho do advogado do apelado ao longo de toda a lide, atendidos que foram os requisitos referentes ao grau de zelo do profissional, ao lugar da prestação do serviço, assim como à natureza e à importância da causa, sem esquecer-se da qualidade do trabalho realizado pelo advogado e do tempo exigido para a sua consecução.

Ante o exposto, conheço do recurso de apelação de Gilson Luiz Farion para negar-lhe provimento.

DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, por votação unânime, conheceram do recurso e negaram-lhe provimento.

O julgamento foi realizado no dia 20 de agosto de 2009 e dele participaram, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Mazoni Ferreira (Presidente) e Sérgio Izidoro Heil.

Florianópolis, 4 de setembro de 2009.

Luiz Carlos Freyesleben
RELATOR

Publicado em 09/09/09




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Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Apelação Cível n. 2008.011861-7, de Blumenau

Relator: Des. Mazoni Ferreira

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - ASSALTO EM MOTEL - ESTABELECIMENTO COMERCIAL QUE POSSUIA SISTEMAS DE SEGURANÇA - PROTEÇÃO QUE NÃO FOI SUFICIENTE PARA CONTER OS ASSALTANTES - CRIME PRATICADO MÃO ARMADA - IMPOSSIBILIDADE DE DEFESA - INEXISTÊNCIA DE FACILITAÇÃO - CASO FORTUITO - EX VI ART. 650 DO CÓDIGO CIVIL - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PROVIDO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.011861-7, da comarca de Blumenau (1ª Vara Cível), em que é apelante Motel Três Peixinhos Ltda., e apelados Jean Pierre Daciuk e Leidiane Gallasini:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por unanimidade de votos, dar provimento ao recurso. Custas na forma da lei.

RELATÓRIO

Jean Pierre Daciuk e Lediane Gallasini ajuizaram ação de indenização por danos morais e materiais contra Motel Três Peixinhos Ltda. em virtude de terem passado por situações constrangedoras

Alegaram os autores que, em 25 de dezembro de 2005, foram vítimas de assalto ocorrido no interior do estabelecimento da ré quando estavam utilizando um quarto privativo.

Asseveram que, certos da privacidade e segurança, estacionaram o carro na garagem contratada e dirigiram-se ao interior do quarto.

Sustentaram que logo em seguida receberam chamado do lugar próprio para os funcionários do estabelecimento e, ao atenderem a solicitação, foram surpreendidos por dois indivíduos armados que, mediante violência e grave ameaça, obrigaram a abertura da porta do quarto, dominando os autores.

Relataram, ainda, que, mediante ameaças foram obrigados a se cobrirem com toalhas de banho e, após, trancados, juntamente com duas funcionárias da ré, no interior de um banheiro, de onde só conseguiram sair após arrombamento da porta. Por fim, salientaram que os assaltantes fugiram do local, levando o veículo VW Logus, placas IDK 3645, de propriedade do primeiro autor, bem como os pertences que estavam em seu interior, relacionados a fl. 18, sendo que apenas o veículo fora restituído, mas severamente avariado, conforme orçamentos que provam os prejuízos.

Aduziram que o estabelecimento réu, na qualidade de fornecedora, prestadora de serviços, responde por culpa in vigilando. Por fim, requereram a concessão da gratuidade judiciária e a condenação da ré ao pagamento dos danos materiais, no total de R$ 20.199,93 ( vinte mil cento e noventa e nove reais e noventa e três centavos) e danos morais em montante equivalente à 100 (cem) salários mínimos.

Devidamente citada, a ré apresentou contestação, alegando, em resumo, que a área interna do estabelecimento é cercada por um muro de aproximadamente três metros d altura e que o acesso ao pátio dá-se por um portão controlado, com sistema de vigilância por câmera de vídeo nas dependências internas, o que auxiliou a autoridade policial na localização dos assaltantes.

Asseverou que, tomando todas as precauções e diligências, inexistiu conduta culposa a ensejar responsabilização, mas decorrente de força maior. Impugnou o pedido indenizatório a título de pertences, não comprovados, notadamente a título de equipamentos de informática, adquiridos na empresa Alcatéa, a qual afirmou não ter efetuado venda com a nota fiscal n. 056717 ao autor, bem como a título de compra de equipamento de som, porquanto a empresa Prisma Brasil tem como ramo de atuação confecção de peças de vestuário. Insurgiu-se, também, quanto aos valores postulados pela bolsa e aparelho telefone celular, face à depreciação pelo uso e desgaste superior a um ano. Salientou, ainda, que o primeiro autor não é proprietário do veículo e sim, Sabrina Daciuk, e que uma série de itens relacionados nos orçamentos não possuem correlação com o assalto em questão. Relatou a inexistência dos danos morais, a inexistência do dever de reparação e, ainda, que fossem devidos, não alcançariam o montante pretendido. Finalizou, requerendo a improcedência dos pedidos.

Réplica às fls. 50-54.

Saneado o feito à fl. 96, com o afastamento dos pedidos deexpedição de ofícios às Fazendas Públicas do Estado de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, bem como do envio de cópia de nota fiscal. Referida decisão foi impugnada pelo agravo, na forma retida, que após as contrarrazões da parte adversa foi inacolhido (fl. 122).

Na audiência de instrução e julgamento, inexitosa a tentativa conciliatória, foi indeferida a prova oral que objetivava a comprovação da segurança do estabelecimento, face à responsabilidade objetiva nesse sentido, cuja decisão foi agravada na forma retida. No transcorrer da audiência foram inquiridas três testemunhas da parte ré.

Sentenciando o feito, o Magistrado singular julgou procedentes os pedidos. Da sentença extrai-se a seguinte parte dispositiva:

e a título de danos morais, a quantia equivalente a 30 (trinta) salários mínimos atualmente vigentes, para cada autor, a serem convertidos em moeda corrente nacional e, doravante, atualizados até a data do efetivo pagamento, com juros de mora legais a contar da citação, bem como ao pagamento de 2/3 (dois terços) das custas e despesas processuais, mais honorários advocatícios à razão de 20% (vinte por cento) sobre o valor total da condenação, nos termos do artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil, atendendo ao trabalho desenvolvido nos autos, com instrução em audiência. Outrossim, face à sua parcial sucumbência, condeno os autores ao pagamento de 1/3 (um terço) das custas e despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em 20% (vinte por cento) sobre o valor que decairam do pedido de danos materiais, a teor do artigo 20, § 3º, do CPC, atendendo ao trabalho desenvolvido nos autos. Suspendo a exigência das verbas sucumbenciais dos autores, face à gratuidade judiciária deferida a fls. 46. Publique-se. Registre-se. Intimem-se, inclusive a parte ré de que, após o trânsito em julgado, terá o prazo de 15 dias para cumprir voluntariamente a condenação, sob pena da incidência da multa legal de 10% (dez por cento) sobre o montante da condenação, nos termo do artigo 475-J, caput, do Código de Processo Civil, criada pela Lei n. 11.232, de 22.12.2005. Transitada em julgado, aguarde-se requerimento da execução pela parte credora pelo prazo de seis meses, nos termos do § 5º do artigo 475-J do Código de Processo Civil - com cálculos nos termos do artigo 614, II, do mesmo diploma legal -, e recolhidas eventuais pendências de custas, arquive-se com baixa nos registros.

Irresignada com a prestação jurisdicional, a ré interpôs recurso de apelação objetivando a reforma integral da decisão. Alegou, preliminarmente, que devem ser analisados os dois agravos retidos que deflagrou, um contra a decisão que indeferiu o pedido de expedição de ofícios à Fazenda Pública em razão da suposta irregularidade das notas fiscais e outro que contra a decisão que indeferiu a oitiva das testemunhas oportunamente arroladas. No mérito, repisou os argumentos outrora expostos (fls. 50-72).

Com as contrarrazões, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

VOTO

O recurso merece ser provido.

Depreende-se dos autos que o pedido indenizatório está escudado no prejuízo moral e material sofrido pelos autores em razão de terem sido vítimas de roubo praticado nas dependências do estabelecimento da ré.

O magistrado singular julgou parcialmente procedente os pedidos condenando a ré ao pagamento de R$ 9.392,85 (nove mil trezentos e noventa e dois reais e oitenta e cinco centavos) a título de danos materiais e 60 (sessenta) salários mínimos de danos morais.

A apelante, em suas razões recursais, sustenta que não há abalo anímico a ser reparado, mormente, trata-se o roubo com mão arma de caso fortuito e força maior e, portanto, excludente de responsabilidade civil.

Sustenta, ainda, que não é devido o ressarcimento pelos danos materiais, ao argumento de que os apelados não comprovaram escorreitamente os prejuízos sofridos.

Em princípio, cumpre asseverar que os hospedeiros, ex vi do art. 649, do Código Civil, "responderão como depositários, assim como pelos furtos e roubos que perpetrarem as pessoas empregadas ou admitidas nos seus estabelecimentos". Todavia, nos termos do art. 650 do referido diploma, cessa a responsabilidade dos hospedeiros se provarem que os fatos prejudiciais aos viajantes não poderiam ter sido evitados.

Analisando detidamente o caderno processual, verifica-se que é incontroverso o roubo, e, como leciona Silvio de Salvo Venosa, por se tratar de roubo com mão armada deve ser examinado o caso concreto (Direito Civil: responsabilidade civil, 3 ed. - São Paulo: Atlas, 2003).

Rui Stoco (in Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 751), por sua vez, expõe:

"O hospedeiro tem, para afastar sua responsabilidade, de provar que os fatos danosos não podiam ser evitados ou, o que é praticamente uma redundância, que ocorreu hipótese de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima (Código Civil, art. 650).

Feitas as colocações supra, necessário analisar se a apelante poderia ter se cercado de medidas de segurança para evitar o ocorrido.

Da detida análise do caderno processual, sobretudo das fotografias de fls. 78-79, verifica-se que o estabelecimento da apelante observa todos os padrões necessários para a segurança de seus clientes. A área é cercada por um muro, as entradas dos carros ocorrem somente através de um portão controlado, e como colocado pela recorrente há sistema de vigilância por meio de câmeras de vídeo que monitoram e gravam tudo o que se passa na área comum.

É importante notar que a questão se modificaria completamente se houvesse inadimplemento quanto aos serviços efetivamente prestados pelo motel, ou fosse um caso de furto simples, em que os funcionários do estabelecimento pudessem evitá-lo.

Todavia, pelo que se apurou neste processo, não houve facilitação à entrada dos assaltantes. Todas as cautelas passíveis de serem exigidas dos funcionários do motel, foram tomadas . Não seria razoável esperar dos recepcionistas que, com um revólver apontado em sua direção, impedissem a entrada dos assaltantes.

Da forma como se desenvolveu o incidente, não há como se responsabilizar o estabelecimento recorrente.

Com efeito, resta claro que a recorrente cercou de todos os meios para garantir a sua segurança e de seus clientes. Até mesmo porque, in casu, a própria apelante foi atingida em seu patrimônio.

Acerca das excludentes de responsabilidade civil e suas implicações, Pablo Stolze Gagliano, explica:

Dentre as causas excludentes de responsabilidade civil, poucas podem ser elencadas como tão polêmicas quanto a alegação de caso fortuito ou força maior

Sem pretender pôr fim à controvérsia, pois seria inadmissível a pretensão, entendemos, como já dissemos alhures, que "a característica básica da força maior é a sua inevitabilidade, mesmo sendo a sua causa conhecida (um terremoto, por exemplo, que pode ser previsto pelos cientistas); ao passo que o caso fortuito, por sua vez, tem a sua nota distintiva na sua imprevisibilidade, segundo os parâmetros do homem médio. Nessa última hipótese, portanto, a ocorrência repentina e até então desconhecida do evento atinge a parte incauta, impossibilitando o cumprimento de uma obrigação (um atropelamento, roubo) (in Novo Curso de Direito Civil, vol. III, 4. ed. - São Paulo: Saraiva, 2006).

Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

Direito civil. Assalto à mão armada no interior de hotel. Hipótese em que, durante a noite, os recepcionistas do estabelecimento foram rendidos pelos criminosos, que invadiram o quarto do autor e lhe roubaram jóias que portava consigo, para venda em feira de artesanato. Caso fortuito configurado.

- De acordo com as regras do Código Civil de 1916, a responsabilidade do hotel por roubo à mão armada no interior do estabelecimento somente se caracteriza caso fique comprovado que agiu com culpa, facilitando a ação dos criminosos ou omitindo-se de impedi-la.

- Comprovado que os recepcionistas do hotel agiram de maneira correta, procurando barrar a entrada dos criminosos, e que a chave mestra dos quartos somente foi entregue aos assaltantes mediante ameaça de morte com arma de fogo, resta caracterizado caso fortuito.

- Na hipótese, o hóspede portava quantidade considerável de jóias, que expunha para venda em público em feira livre. Desempenhava, portanto, atividade de risco, que não declarou ao hotel no check in. Também não se utilizou do cofre conferido pelo estabelecimento para guarda de objetos de valor. Recurso especial não conhecido (STJ - REsp. n. 841090, DF, rel. Mina. Nancy Andrighi, j. 24-10-2006).

Dessa feita, não se reconhecendo, pelos fundamentos aduzidos acima, o nexo de causalidade entre a conduta do motel e o prejuízo material experimentado pelos recorridos, naturalmente nada pode lhes ser concedido também a título de dano moral. A ausência de nexo de causalidade impede o reconhecimento do direito, tanto a uma, como a outra modalidade de reparação.

Destarte, com a improcedência do pedido inicial, ficam prejudicados os agravos retidos interpostos pelo réu/apelante e, por conseqüência, invertem-se os ônus da sucumbência, determinando-se aos autores o pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), consoante dispõe o art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, ressalvada a exigibilidade de tais verbas por serem os vencidos beneficiários da justiça gratuita

Ante o exposto, dou provimento ao recurso.

DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, a Segunda Câmara de Direito Civil decide, por unanimidade de votos, dar provimento ao recurso.

O julgamento, realizado no dia 6 de agosto de 2009, foi presidido pelo Des. Mazoni Ferreira, com voto, e dele participaram os Exmos. Srs.

Florianópolis, 20 de agosto de 2009.

Mazoni Ferreira
RELATOR

Publicado em 28/09/09




JURID - Assalto em motel. Estabelecimento comercial. [30/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
JUÍZO DE DIREITO DA 17.ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NATAL

Processo nº 001.08.023103-0

Ação: Reparação de Danos

Autor: Maria Naise Andrade da Silva
Réu: Hapvida - Assistência Médica Ltda

SENTENÇA

Vistos, etc.

Maria Naise Andrade da Silva ajuizou a presente Ação Indenizatória em desfavor de Hapvida - Assistência Médica Ltda, aduzindo, em síntese, que:

A) é beneficiária do plano de saúde individual/familiar de acordo com contrato firmado em 10 de dezembro de 1997;

B) no dia 01 de março de 2008, sofreu um acidente, em sua casa, tendo sido atendida em caráter de urgência, no hospital da ré, no qual se submeteu a exames radiológicos que revelaram fraturas em seu ombro/braço direito;

C) a ré condicionou a realização de cirurgia em decorrência da lesão óssea ao pagamento do material que seria nela utilizado - placa metálica e acessório - sob alegação de que não cobria os custos de tais materiais;

D) em razão da conduta da ré de condicionar a realização de cirurgia ao pagamento, pela autora, dos custos dos materiais utilizados na mesma, e como já corria risco de comprometimento total de seu braço/ombro direito, teve que mobilizar seus familiares para conseguir recursos para custear seu tratamento e realizou a cirurgia no ITORN, no qual pagou o valor de R$ 7.000,00, referente às despesas médico-hospitalares;

Pugnou pela condenação da ré ao ressarcimento da quantia que pagou no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), bem como indenização por danos morais.

Juntou documentos de fls. 12/30.

Citada, a ré apresentou contestação, alegando, em suma, que o contrato da autora foi firmado antes da lei n.º 9.656/98, e que na cláusula 8.3 encontram-se excluídos de cobertura os materiais solicitados, inexistindo dever de reembolso por despesas que não deu causa ou responsabilidade por danos morais. Pugnou pela improcedência da demanda.

Em audiência de conciliação, não foi possível a realização de acordo.

É o relatório. Decido.

Cuida-se a presente de ação de indenização, em que a autora pretende ser ressarcida nas despesas que realizou em razão de procedimento cirúrgico em que a ré negou a cobertura de material apropriado a ser utilizado na cirurgia. Aduz que a operadora de seu plano de saúde, ora demandada, negou-lhe cobertura do material requerido pelo cirurgião, sob a afirmativa de que dizem respeito a tratamentos excluídos de cobertura por cláusula contratual expressa.

Compulsando os autos, constato que a matéria de fato prescinde de maior dilação probatória. Sendo suficientes, para análise, os documentos já carreados aos autos, de acordo com o preceito do artigo 330, I do Código de Processo Civil, este Juízo encontra permissão para proferir sua sentença. Passo, assim, ao julgamento antecipado da lide.

Necessário ressaltar que a Constituição Federal eleva a saúde à condição de direito fundamental do homem. É disposto no artigo 196, da CF, que a saúde "é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".

Para Heloísa Carpena Vieira de Mello, a saúde integra, na Constituição Federal, a ordem social (arts. 194 e ss.), é direito fundamental e de caráter universal e constitui bem jurídico primário, no sentido de antecedente aos demais, prevalente sobre os demais. Sua proteção é corolário do direito à vida, cuja inviolabilidade é assegurada de forma inequivocamente prioritário, conforme disposto no art. 5ª, caput, da Carta. Ao contratar assistência médica para si e para sua família, o consumidor procura um verdadeiro 'parceiro', aquele com quem estabelecerá relações por um longo período.(1)

Assim, a expectativa primária do consumidor, quando adere ao contrato de prestação de serviços de assistência médica, é a de que lhe sejam prestados serviços de assistência médica, se e quando deles necessitar. Confia o segurado, legitimidade, na manutenção do vínculo. Deseja sentir-se seguro. É precisamente esta expectativa que o fornecedor dia atender e que a lei impõe seja atendida. As cláusulas que permitem a rescisão unilateral imotivada e aquelas que prevêem exclusão de coberturas de determinadas doenças, portanto, deverão ser analisadas segundo esta perspectiva.(2)

Não bastasse a imprecisão terminológica de que se valem comumente as empresas na redação destas disposições contratuais, que, por si só, já autorizaria o decreto de nulidade, a flagrante ofensa a valores fundamentais do ordenamento é dado suficiente à conclusão pela ilegalidade.(3)

Destarte, aplicam-se ao presente caso as disposições da Lei n.º 9.656/98 bem assim do Código de Defesa do Consumidor. O art. 2.º do CDC prescreve que "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" (g.n.). Como destinatário final pode-se concluir como sendo aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço. Portanto, aquele que adquire ou simplesmente utiliza o bem ou serviço (destinatário final fático), pondo um fim na cadeia de produção (destinatário final econômico)(4) deve ser considerado consumidor final.

Já o art. 3.º, § 2.º do CDC explicita o conceito de fornecimento de serviço, o qual deve ser entendido como sendo uma prestação habitual ou reiterada de quaisquer das atividades elencadas no caput do artigo supracitado. Todo aquele que desenvolva alguma dessas atividades deve ser considerado fornecedor de serviços.

Dito isso, impende-se verificar que a relação envolvendo as partes em litígio afigura-se como uma relação de consumo, vez que a autora posta-se como consumidora que se utiliza dos serviços de assistência médica prestados pela demandada, sendo reconhecida a sua vulnerabilidade (art. 4.º, I, CDC); ato contínuo, apresenta-se a demandada, ainda, como garantidora de serviços de assistência médica, o que implica na aplicação dos institutos jurídicos consagrados na legislação consumerista e legislação específica que trata dos planos de saúde.

No que atine ao direito material subjetivo em litígio, importa mencionar que nenhuma razão assiste às alegações tecidas pela demandada em sua antítese.

A ré aduz que a autora não faz jus à disponibilização do material requerido, em virtude de terem sido os mesmos expressamente excluídos da cobertura contratual.

Inicialmente, saliento que com o advento da Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, criaram-se novas regras nos planos privados de assistência à saúde. Dentre estas alterações, uma das mais significativas é aquela prevista no art. 10, VII, que veda a exclusão de cobertura para materiais, próteses, órteses e seus acessórios ligados ao ato cirúrgico.

Pois bem. O contrato de assistência médica firmado entre autora e ré, segundo o que se infere da documentação juntada aos autos (fls. 26/30), iniciou sua vigência em 10.12.1997, anteriormente portanto, à entrada em vigor da lei acima citada.

Contudo, constata-se pela cláusula décima segunda, que o contrato é de prestação continuada, renovando-se a cada 24 meses in verbis: "o prazo de vigência do contrato será de 24(vinte e quatro) meses, contados a partir do dia do pagamento da primeira mensalidade. Este instrumento será renovável, automaticamente, por igual período, caso não haja manifestação contrária de quaisquer das partes".

Assim, mostra-se, plenamente aplicável tanto a Lei dos Planos de Saúde como o Código de Defesa do Consumidor tendo em vista as sucessivas renovações do contrato.

No caso em apreço, é fato incontroverso que a autora era beneficiária do plano de saúde quando houve a necessidade da intervenção cirúrgica.

Logo, perfeitamente aplicável o art. 10, VII da Lei nº 9.656/98, e desta forma, resta evidente a abusividade da cláusula excludente de cobertura do contrato que ora se analisa, estando ela em total desrespeito com o disposto na Lei nº 9.656/98.

Destaque-se, outrossim, que não se trata de excluir cláusula limitadora, cuja existência em contratos de seguro, em princípio, entendo como pertinente diante do equilíbrio contratual. Contudo, como na vida, os fatos devem ser sopesados na medida de sua existência.

Conforme aduz e comprova a autora, embora houvesse a necessidade de submeter-se a intervenção cirúrgica, em razão de lesão óssea no ombro direito, negou-se a seguradora ré a cobrir os gastos com material necessário ao ato cirúrgico, a saber: 1 placa de autocompressão de 12 furos, 12 parafusos corticais e 06 parafusos de bloqueio (fl. 20).

A necessidade da cirurgia com uso do referido material está demonstrada no documento de fl. 20 dos autos.

Ao contestar a ação, embora admitindo que a autora é segurada titular de apólice de seguro de reembolso de despesas médicas e/ou hospitalares desde dezembro de 1997, a seguradora ré alegou que não há cobertura para o material solicitado.

A Cláusula 8.3, em que se baseia a demandada, prescreve que estão excluídas da cobertura do presente contrato, o "fornecimento de (...) aparelhos ortopédicos para substituição ou complementação de função, próteses e órteses de qualquer natureza, expansores de tecidos e vacinas em geral".

Da leitura do texto integral da cláusula mencionada, pode-se inferir que a Hap Vida em nenhum momento, refere-se expressamente à exclusão do material solicitado na cirurgia realizada pela autora. Ademais, prevê, na cláusula sétima, item 7.13, a cobertura de procedimentos cirúrgicos, mormente as cirurgias traumato-ortopédicas, bem como a cobertura dos materiais cirúrgicos durante a internação.

Ocorre que o material em questão foi necessário e inerente ao ato cirúrgico, razão pela qual não pode a seguradora ré furtar-se à respectiva cobertura, pois no plano de saúde que há mais de dez anos vinha a autora pagando, consta expressamente a cobertura para cirurgia em geral, inclusive material a ser utilizado (fl. 29 verso).

Reputo, assim, que não há cláusula de exclusão do material objeto da presente demanda a embasar a negativa do Plano de Saúde.

Ademais, além de restar provada a relação contratual envolvendo as partes, logrou êxito a autora em provar a necessidade de utilização do material solicitado, no procedimento cirúrgico realizado.

Em face da inexistência de cláusula contratual expressa que exclua o material solicitado pelo médico para realização de cirurgia traumato-ortopédica, conforme aduzido na inicial, incumbe à demandada, conforme preceitua o § 3.º do art. 1.º, da Lei 9.656/98, prover a cobertura de todas as ações e materiais necessários ao tratamento das lesões ortopédicas, à manutenção e à reabilitação da saúde do usuário, observados os termos da Lei e do contrato firmado entre as partes.

Ainda que se interpretasse pela exclusão de cobertura do material solicitado, conforme fora alegado pela ré, essa se apresenta como uma imposição manifestamente iníqua, devendo ser reputada nula de pleno direito, por ser disposição abusiva (art. 51, IV do CDC).

Isto é, se o plano de saúde réu prevê em sua cobertura a realização de cirurgia, dentre elas, a de ordem traumato-ortopédica, para recuperação de membro superior, mostra-se desarrazoado que exclua da cobertura algum material necessário ao sucesso da mesma. Se o médico responsável alega a imprescindibilidade de um material para o restabelecimento da saúde do paciente, não pode o plano de saúde interferir na escolha do médico, pois é este o competente para averiguar o melhor tratamento para cada caso.

No sentido de que os planos de saúde podem estabelecer quais as doenças que serão cobertas, mas não podem limitar o tipo de tratamento indicado para cada paciente, há entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, o qual adotamos por analogia:

SEGURO SAÚDE. COBERTURA. CÂNCER DE PULMÃO. TRATAMENTO COM QUIMIOTERAPIA. CLÁUSULA ABUSIVA. 1. O plano de saúde pode estabelecer quais doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento está alcançado para a respectiva cura. Se a patologia está coberta, no caso, o câncer, é inviável vedar a quimioterapia pelo simples fato de ser esta uma das alternativas possíveis para a cura da doença. A abusividade da cláusula reside exatamente nesse preciso aspecto, qual seja, não pode o paciente, em razão de cláusula limitativa, ser impedido de receber tratamento com o método mais moderno disponível no momento em que instalada a doença coberta. 2. Recurso especial conhecido e provido. (Resp 668216/SP, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, j. 15.03.2007).

Sendo assim, se o médico-cirurgião atesta a necessidade de determinado tratamento para o paciente, como no caso de um procedimento cirúrgico com utilização de materiais específicos e, se o procedimento cirúrgico está albergado pela cobertura do plano, não pode a seguradora-ré limitar os materiais que serão usados no procedimento, sob pena de incorrer em manifesta ilicitude.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul corrobora o entendimento esposado anteriormente:

APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR. ANEURISMA. CIRURGIA. NEGATIVA DE COBERTURA DO MATERIAL CIRÚRGICO REQUERIDO PELO MÉDICO ASSISTENTE DO SEGURADO. ALEGAÇÃO DE EXCLUSÃO EXPRESSA DE COBERTURA DE PRÓTESES E ÓRTESES. LEI 9.656/98 QUE SE MOSTRA APLICÁVEL AO CASO CONCRETO, AINDA QUE EDITADA POSTERIORMENTE À CONTRATAÇÃO. RELAÇÃO CONTRATUAL DE TRATO SUCESSIVO, QUE PREVÊ RENOVAÇÕES AUTOMÁTICAS AO FINAL DE CADA PERÍODO. ÚLTIMAS RENOVAÇÕES QUE JÁ SE DERAM DURANTE A VIGÊNCIA DO REFERIDO DIPLOMA LEGAL. ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL EXCLUDENTE DE COBERTURA. APLICAÇÃO DO ART. 51 DO CDC. RECURSO DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. (Apelação Cível Nº 70022449755, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Artur Arnildo Ludwig, Julgado em 18/12/2008)

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. PLANO DE SAÚDE. COBERTURA DE MATERIAIS, PRÓTESES E ÓRTESES LIGADOS AO ATO CIRÚRGICO. NEGATIVA DE COBERTURA DO MATERIAL. IMPOSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DA LEI Nº 9.656/98. DEVER DE RESSARCIMENTO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DESTA CORTE. Apelo desprovido. (Apelação Cível Nº 70021238753, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura, Julgado em 20/11/2008)

Ainda, há que se ressaltar que o tratamento solicitado pela autora não tem finalidade estética ou é o mesmo volitivo, mas se mostra como única forma eficaz de tratamento para uma lesão no úmero direito (fl. 20).

Outrossim, ressalto que se cuida de material cirúrgico de custo não tão alto para ser coberto por um plano de saúde do porte da demandada, a qual vem apresentando, ano após ano, superávit em suas receitas.

Destarte, não havendo disposição contratual expressa de exclusão dos procedimentos ora em comento, e, provada a necessidade da utilização do material médico solicitado, impende-se dar guarida à pretensão autoral para determinar à ré que proceda ao ressarcimento das despesas da autora decorrentes da negativa da ré.

Com efeito, a conduta da ré de condicionar a realização de cirurgia ao pagamento dos materiais necessários levou a autora a se submeter a procedimento cirúrgico sem qualquer cobertura pelo plano de saúde réu, nem mesmo do ato cirúrgico em si, tendo a autora que arcar com os custos médico-hospitalares cobrados pelo hospital no qual foi realizada a cirurgia, consoante recibos de fls. 15 e 16, no valor de R$ 7.000,00.

Assim, dou guarida à pretensão autoral, em observância aos princípios contratuais da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, de maneira que deve a ré ressarcir a autora nos custos médico-hospitalares que teve em razão de sua lesão por culpa da negativa da ré de arcar com os materiais necessários à recuperação da autora.

Passo a analisar o pedido de indenização por danos morais.

É cediço que a Carta Magna definiu a chamada "dor moral", passível de indenização, como sendo qualquer violação à intimidade, à vida privada, à honra ou à imagem das pessoas, ou a direitos da personalidade.

Trago à lume, sobre este assunto, o magistério de Mário Aguiar Moura(5):

"É de inferir-se que a reparação satisfatória por dano moral é abrangente a toda e qualquer agressão a emanações personalíssimas do ser humano, tais como honra, dignidade, reputação, liberdade individual, vida privada, recato, auto-imagem, abuso de direito, enfim o patrimônio moral que resguarda a personalidade no mais lato sentido."

Ressalte-se, ainda, que se tratando de uma relação de consumo, e sendo a empresa ré uma fornecedora de serviços, responde pelos seus atos objetivamente, independentemente da comprovação de culpa, desde que comprovado o dano e o nexo de causalidade.

Assim, havendo relação de consumo, e sendo a Hap Vida, conforme já dito, fornecedora de serviços, a ela aplica-se a responsabilidade objetiva, sendo necessário apenas comprovar o nexo de causalidade entre o dano e a ação que o provocou, o que restou por demais provado, consoante prova dos autos.

No caso sub judice, diante do risco de perder o membro superior direito, pelo risco de insucesso da cirurgia caso não fosse utilizada a placa metálica para reparação da lesão óssea no úmero direito, restaram seqüelas em seu íntimo, diante de toda a aflição passada, restando assim, patente a configuração do dano moral.

Além disso, constata-se que o dano sofrido decorreu de ação da ré, qual seja da negativa de cobertura do material solicitado pelo médico, de modo que restam caracterizados todos os elementos necessários à configuração do dever de indenizar.

Civil e Processual Civil. Indenização por dano material e moral. Negativa de colocação de stent em usuário de plano de saúde. Risco de morte. Apelação Cível. 1. Trata-se de uma relação de consumo, em que a apelante é Fornecedora de Serviços. Sendo assim, aplicando-se ao art. 14, do Código de Defesa do Consumidor, responde objetivamente pelos danos causados na prestação dos seus serviços, independentemente da apuração de culpa. 2. Presentes os pressupostos da responsabilidade civil, patente a obrigação da reparação; 3. Na apuração do quantum indenizatório, o Juiz deve utilizar-se de critérios razoáveis e proporcionais para aferir o dano causado, com o fim de compensar o ofendido, mas também evitar o seu locupletamento indevido; 4. Diminuição do montante arbitrado, acerca dos danos morais, para R$ 20.000,00 (vinte mil reais); 5. Ambas as apelações conhecidas e providas em parte. (TJRN. 3ª Câmara Cível. AP. Nº 2003.001411 -5; Rel. OSVALDO CRUZ. Rev. JOÃO REBOUÇAS)

Diante disso, considero devida indenização por dano moral.

Na apuração do quantum indenizatório, o Juiz deve utilizar-se de critérios razoáveis e proporcionais para aferir o dano causado, com o fim de compensar o ofendido, mas também, deve evitar o seu locupletamento indevido.

Ao magistrado cabe considerar a extensão do dano, as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, observando os critérios da razoabilidade e proporcionalidade no sentido de estipular verba indenizatória que sirva como meio eficiente de reparação à afronta sofrida, bem como ostentar caráter educativo, desestimulando práticas semelhantes pela empresa causadora do dano.

Atenta a tais critérios, observando que o dano não foi de tão grande extensão, uma vez que a autora conseguiu realizar a cirurgia e ver reparada a sua lesão óssea com recursos próprios e de seus familiares e amigos, que foi leve a culpa do plano de saúde e diante da condição financeira das partes, fixo a indenização por danos morais em R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais).

DISPOSITIVO

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido autoral, condenando a ré Hapvida - Assistência Médica Ltda ao ressarcimento, à parte autora, do valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), a ser corrigido, pelo INPC, a partir da data da cirurgia (09/04/2008) e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, desde a citação (19/02/2009). Outrossim, condeno a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), que deverá ser corrigido, pelo INPC, a partir da data da prolação desta sentença, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação (19/02/2009).

Condeno a parte demandada a arcar com as custas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação.

Em face das alterações impostas pela Lei 11.232/05, fica a parte vencida intimada, por meio da publicação da presente sentença, a pagar o valor da condenação no prazo de 15 (quinze) dias, contados a partir do trânsito em julgado, sob pena de incidência de multa de 10% (dez por cento) sobre esse valor.

Acaso a parte executada não cumpra a diligência do parágrafo anterior, intime-se a parte exeqüente para requerer, no prazo de trinta dias, a execução da sentença, sob pena de arquivamento.

Publique-se. Registre-se no SAJ. Intime-se.

Natal, 25 de setembro de 2009.

Divone Maria Pinheiro
Juíza de Direito



Notas:

1 - Seguro-Saúde e Abuso de Direito. In: AJURIS Edição Especial, Volume II, p. 642. [Voltar]

2 - Ib. Idem. [Voltar]

3 - Ib. Idem. [Voltar]

4 - MARQUES, Cláudia Lima et al, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: arts. 1.ª a 74, Aspectos Materiais; São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 71-72. [Voltar]

5 - In "O Dano Moral na Nova Constituição". Repertório IOB de Jurisprudência, 1ª quinzena de novembro de 1988, nº 21/88, p. 328. [Voltar]



JURID - Paciente será ressarcido. [30/09/09] - Jurisprudência