Anúncios


segunda-feira, 21 de setembro de 2009

JURID - ECA. HC. Princípio da insignificância. [21/09/09] - Jurisprudência


Estatuto da Criança e do Adolescente. Habeas corpus. Ato infracional equiparado ao crime de tentativa de furto. Princípio da insignificância.


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

HABEAS CORPUS Nº 136.519 - RS (2009/0094082-2)

RELATOR: MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA

IMPETRANTE: T M DA S

ADVOGADO: ESDRAS DOS SANTOS CARVALHO - DEFENSOR PÚBLICO DA UNIÃO

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PACIENTE: T M DA S

EMENTA

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABEAS CORPUS. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO CRIME DE TENTATIVA DE FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO. INEXPRESSIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. ORDEM CONCEDIDA.

1. O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima.

2. Indiscutível a sua relevância, na medida em que exclui da incidência da norma penal aquelas condutas cujo desvalor da ação e/ou do resultado (dependendo do tipo de injusto a ser considerado) impliquem uma ínfima afetação ao bem jurídico.

3. A tentativa de subtração de uma calculadora e um aparelho celular usados, embora se amolde à definição jurídica do crime de furto, não ultrapassa o exame da tipicidade material, mostrando-se desproporcional a medida socioeducativa, uma vez que a ofensividade da conduta se mostrou mínima; não houve nenhuma periculosidade social da ação; a reprovabilidade do comportamento foi de grau reduzidíssimo e a lesão ao bem jurídico se revelou inexpressiva.

4. Ordem concedida para, aplicando o princípio da insignificância, julgar improcedente a representação, nos termos do art. 189, III, do ECA.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Felix Fischer e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 19 de agosto de 2009(Data do Julgamento).

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA
Relator

RELATÓRIO

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA:

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de menor, representado pela suposta prática do ato infracional equiparado ao delito previsto no art. 155, § 4º, IV, c.c. 14, II, ambos do Código Penal.

Consta dos autos que o Juízo da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Viamão/RS julgou procedente a representação aplicando a medida socioeducativa de liberdade assistida, pelo prazo de 6 meses, cumulada com prestação de serviços à comunidade, pelo prazo de 4 meses, pela prática do ato infracional equiparado ao delito de furto qualificado, na forma tentada.

Insurge-se o impetrante contra acórdão proferido pela Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que deu provimento ao apelo ministerial para jugar procedente a representação e aplicar a medida socioeducativa de liberdade assistida (Apelação Cível 70026077842).

Sustenta, em síntese, que deve ser aplicado o princípio da insignificância, uma vez que "a conduta do paciente se ateve, tão-somente, ao simples tentar subtrair uma calculadora e um celular, os quais possuem ínfima valia e certamente não afetam ao bem jurídico tutelado pela norma de regência, ainda mais quando restituída à vítima" (fl. 11).

Requer, por esses motivos, o deferimento do pedido liminar para suspender a aplicação da medida socioeducativa e, no mérito, a concessão da ordem para que seja reconhecida a atipicidade material da conduta, aplicando-se o princípio da insignificância.

O pedido liminar foi por mim deferido, oportunidade em que foram dispensadas novas informações (fls. 54/55).

O Ministério Público Federal, por meio de parecer exarado pela Subprocuradora-Geral da República MARIA ELIANE MENEZES DE FARIAS, opinou pela concessão da ordem (fls. 60/64).

É o relatório.

VOTO

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA(Relator):

Conforme relatado, pretende o impetrante a concessão da ordem para que seja reconhecida a atipicidade material da conduta, aplicando-se o princípio da insignificância.

Razão assiste ao impetrante.

O tema a respeito da aplicação do referido princípio é assaz controvertido, tanto na doutrina como na jurisprudência pátria.

A moderna doutrina (Teoria Constitucionalista do Delito) desmembra a tipicidade penal, necessária à caracterização do fato típico, em três aspectos: o formal ou objetivo, o subjetivo e o material ou normativo.

A tipicidade formal consiste na perfeita subsunção da conduta do agente ao tipo (abstrato) previsto na lei penal, possuindo como elementos: a conduta humana voluntária, o resultado jurídico, o nexo de causalidade e a adequação formal.

O aspecto subjetivo do fato típico expressa o caráter psicológico do agente, consistente no dolo.

A tipicidade material, por sua vez, implica a verificação se a conduta - subjetiva e formalmente típica - possui relevância penal, em face da significância da lesão provocada no bem jurídico tutelado, observando-se o desvalor da conduta, o nexo de imputação e o desvalor do resultado, do qual se exige ser real, transcendental, intolerável e grave (significante).

Nesse contexto, o princípio da insignificância, cuja análise deve ser feita à luz dos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima, tem assento exatamente na análise da tipicidade material e implica, caso acolhido, a atipicidade da conduta. Na lição de CEZAR ROBERTO BITENCOURT, "é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal" ("Código Penal Comentado", 3ª edição atualizada, São Paulo, Editora Saraiva, 2005, p. 6).

Duas são as hipóteses de insignificância: a insignificância da conduta (aceitação social) e a insignificância do resultado (lesão relevante). Ensina o Professor Luiz Flávio Gomes:

No delito de arremesso de projétil (CP, art. 264: "Arremessar projétil contra veículo, em movimento, destinado ao transporte público por terra, por água ou pelo ar: pena - detenção de 1 a 6 meses"), quem arremessa contra um ônibus em movimento um bolinha de papel pratica uma conduta absolutamente insignificante; no delito de inundação (CP, art. 254: "Causar inundação, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: pena - reclusão de 3 a 6 anos, no caso de dolo, ou detenção de 6 meses a 2 anos, no caso de culpa"), quem joga um copo d´água numa represa de 10 milhões de litros de água pratica uma conduta absolutamente insignificante.

Nessas hipóteses, o risco criado (absolutamente insignificante) não pode ser imputado à conduta (teoria da imputação objetiva em conjugação com o princípio da insignificância). Estamos diante de fatos atípicos.

No delito de furto (CP, art. 155), quem subtrai uma cebola e uma cabeça de alho, que totaliza R$ 4,00, pratica uma conduta relevante (há desvalor da ação) mas o resultado jurídico (a lesão) é absolutamente insignificante (não há desvalor do resultado). Também nessa hipótese o fato é atípico. Não há incidência do Direito penal. (GOMES, Luiz Flávio. Prisão por furto de uma cebola/Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: . Acesso em: 31/1/08)

Significa dizer que a intervenção do direito penal apenas se justifica quando o bem jurídico tutelado tenha sido exposto a um dano impregnado de significativa lesividade. Não havendo, outrossim, a tipicidade material, mas apenas a formal, a conduta não possui relevância jurídica, afastando-se, por consequência, a intervenção da tutela penal, em face do postulado da intervenção mínima.

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 84.412/SP, da relatoria do Ministro CELSO DE MELLO, concluiu, para a incidência do princípio da insignificância, ser necessária a incidência de quatro vetores, a saber: a) a mínima ofensividade da conduta do agente, b) nenhuma periculosidade social da ação, c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Segundo o relator, "O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social" (HC 84.412/SP, DJ de 19/11/04).

Diante desse entendimento, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem considerado possível a aplicação do princípio da insignificância também ao ECA.

Nesse sentido:

CRIMINAL. ECA. FURTO. ÍNFIMO VALOR DA QUANTIA SUBTRAÍDA. INCONVENIÊNCIA DE MOVIMENTAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. DELITO DE BAGATELA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RECURSO DESPROVIDO. Faz-se mister a aplicação do princípio da insignificância, excludente da tipicidade, se evidenciado que a vítima não teria sofrido dano relevante ao seu patrimônio - pois os valores, em tese, subtraídos pelos agentes representariam quantia correspondente a 1,5% do salário mínimo. Inconveniência de se movimentar o Poder Judiciário, o que seria bem mais dispendioso, caracterizada. Considera-se como delito de bagatela o furto simples praticado, em tese, para a obtenção de objeto de valor ínfimo - hipótese dos autos. Recurso desprovido. (REsp 573.488/RS, Rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ de 2/8/04)

No caso posto em análise, tenho como impositiva a aplicação do princípio da insignificância. Trata-se de tentativa de subtração de uma calculadora e um aparelho celular de propriedade de uma funcionário do Banco Unibanco, sem, contudo, constar o valor da avaliação dos referidos objetos.

A conduta do menor, embora se subsuma à definição jurídica do crime de furto, na forma tentada, e se amolde à tipicidade subjetiva (dolo), não ultrapassa a análise da tipicidade material, mostrando-se desproporcional a imposição de medida socioeducativa. Isso porque, a despeito da existência do desvalor da ação - por ter praticado uma conduta relevante -, o resultado jurídico, ou seja, a lesão, é absolutamente irrelevante. É dizer, nos termos do voto proferido pelo Ministro CELSO DE MELLO, a lesão ao bem jurídico se revelou inexpressiva.

Dessa forma, não deve subsistir o entendimento firmado nas instâncias ordinárias, por estar em dissonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Ante o exposto, concedo a ordem impetrada para, aplicando o princípio da insignificância, julgar improcedente a representação, nos termos do art. 189, III, do ECA.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUINTA TURMA

Número Registro: 2009/0094082-2 HC 136519 / RS

MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 6432 6432313 70026077842

EM MESA JULGADO: 19/08/2009

SEGREDO DE JUSTIÇA

Relator
Exmo. Sr. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. HELENITA AMÉLIA G. CAIADO DE ACIOLI

Secretário
Bel. LAURO ROCHA REIS

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE: T M DA S

ADVOGADO: ESDRAS DOS SANTOS CARVALHO - DEFENSOR PÚBLICO DA UNIÃO

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PACIENTE: T M DA S

ASSUNTO: DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - Ato Infracional

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."

Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Felix Fischer e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 19 de agosto de 2009

LAURO ROCHA REIS
Secretário

Documento: 904672

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 21/09/2009




JURID - ECA. HC. Princípio da insignificância. [21/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário