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sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Informativo STF 406 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 17 a 21 de outubro de 2005 - Nº 406.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO




Plenário
Parlamentar Investido em Cargo de Ministro de Estado e Processo Disciplinar - 1
Parlamentar Investido em Cargo de Ministro de Estado e Processo Disciplinar - 2
HC: Flagrante Ilegalidade e Súmula 691 do STF
Comunicação de Decisão do Tribunal e Trânsito em Julgado
1ª Turma
Prisão Preventiva e Fundamentação
Juízes Classistas e Togados: Equiparação de Proventos
Constituição de Novo Advogado e Devido Processo Legal
2ª Turma
Progressão de Regime e Crime Hediondo - 2
Crime Hediondo e Substituição de Pena Privativa de Liberdade por Restritiva de Direitos
Lei 9.099/95: Razões de Apelação e Prazo
Cargo em Comissão e Aposentadoria - 3
Músico e Liberdade do Exercício de Profissão
Alteração de Edital de Concurso em Andamento
Competência da Justiça Estadual e Crime contra a Ordem Econômica
Transcrições
Amicus Curiae e Processo em Andamento (ADI 2548/PR)
Porte Ilegal de Arma e Ausência de Munição (HC 85240/SP)


PLENÁRIO


Parlamentar Investido em Cargo de Ministro de Estado e Processo Disciplinar - 1

O Tribunal, por maioria, indeferiu pedido de liminar formulado em mandado de segurança impetrado por Deputado Federal pelo qual se pretendia a suspensão de processo disciplinar contra ele instaurado na Câmara dos Deputados, decorrente de representação formulada pelo Partido Trabalhista Brasileiro - PTB, na qual o impetrante é acusado de quebra de decoro parlamentar por fatos praticados em período em que ocupava cargo de Ministro de Estado. Inicialmente, o Pleno, por maioria, tendo em conta a relevância das questões envolvidas e as circunstâncias do caso, rejeitou preliminar suscitada pelo Min. Marco Aurélio no sentido de que os autos retornassem ao Min. Sepúlveda Pertence, relator, para apreciação da liminar (RISTF, art. 21, IV). Em seguida, por unanimidade, excluiu do pólo passivo do writ o relator do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, em razão de ser órgão do Conselho sem atribuições decisórias próprias. Após, também por maioria, conheceu do mandado de segurança ao fundamento de se ter pretensão de direito subjetivo suficiente a legitimar o controle jurisdicional sobre as deliberações do Poder Legislativo, haja vista ser a questão suscitada - a submissão ou não dos atos ministeriais do parlamentar à jurisdição censória das Câmaras - de caráter constitucional. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, que dele não conhecia por considerar tratar-se, no caso, de matéria ligada à economia interna da Câmara dos Deputados, salientando ser incabível controle jurisdicional preventivo de constitucionalidade.
MS 25579 MC/DF, rel. orig. Min. Sepúlveda Pertence, rel. p/ acórdão Min. Joaquim Barbosa, 19.10.2005. (MS-25579)

Parlamentar Investido em Cargo de Ministro de Estado e Processo Disciplinar - 2

Prosseguindo no julgamento, o Plenário, em votação majoritária, aderiu à divergência iniciada pelo Min. Joaquim Barbosa, que considerou estar a representação formulada contra o impetrante juridicamente vinculada a sua condição de parlamentar, isto é, a sua influência política, e não a fatos qualificados como inerentes ao exercício da função de Ministro de Estado, tais como os elencados no art. 87 da CF. Por sua vez, o Min. Carlos Britto, também indeferindo a liminar, entendeu que o parlamentar, investido temporária e precariamente no cargo de Ministro de Estado, por não ter perdido a condição de parlamentar, sujeita-se a processo disciplinar perante sua respectiva Casa legislativa. Nesse sentido, seguiram os demais votos divergentes. Vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, relator, Eros Grau e Nelson Jobim, presidente, que, tendo em conta que o parlamentar, enquanto Ministro de Estado, insere-se no regime político e jurídico do seu status ministerial; que, na espécie, os fatos imputados ao impetrante, configurariam, em tese, crime de responsabilidade; e que a submissão do impetrante ao juízo censório da Câmara dos Deputados, por fatos praticados no exercício da função de Ministro de Estado, estaria criando "mecanismo... de responsabilidade política póstuma de dignitários do Poder Executivo", em ofensa ao princípio da separação dos poderes, consideravam densa a plausibilidade jurídica da pretensão e deferiam a liminar para suspender o curso do processo disciplinar instaurado contra o impetrante até decisão definitiva do writ.
MS 25579 MC/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, rel. p/ acórdão Min. Joaquim Barbosa, 19.10.2005. (MS-25579)
HC: Flagrante Ilegalidade e Súmula 691 do STF

O Tribunal, por maioria, concedeu liminar em habeas corpus impetrado contra decisão de Ministro do STJ que denegara pedido de liminar formulado em outro writ, no qual pretendida a revogação do decreto de prisão preventiva expedido contra denunciado pela suposta prática dos crimes de quadrilha, corrupção passiva, bem como de delito contra o sistema financeiro. Na espécie, a prisão fora decretada por juiz federal de 1º grau por conveniência da instrução criminal (CPP, art. 312), em razão de se ter constatado, em diálogos telefônicos gravados mediante autorização judicial, que o paciente teria procurado aliciar um dos co-réus. Tendo em conta que o paciente tem residência certa no distrito da culpa; não há notícia de que haja procrastinado o julgamento; tem profissão certa; e, também, que os diálogos monitorados foram travados entre o paciente e outro co-réu, e não com testemunha, considerou-se flagrante a ilegalidade da prisão. Salientou-se, ainda, que o mencionado co-réu, bem como as testemunhas da acusação, já teriam sido ouvidas pela Justiça. Vencidos os Ministros Eros Grau, Carlos Britto e Joaquim Barbosa, que não conheciam da impetração, todos com base no enunciado da Súmula 691 do STF ("Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar"). Por esse fundamento, o Min. Sepúlveda Pertence também não conheceu do habeas, mas concedeu a ordem de ofício em face da flagrante ilegalidade.
HC 86864 MC/SP, rel. Min. Carlos Velloso, 20.10.2005. (HC-86864)

Comunicação de Decisão do Tribunal e Trânsito em Julgado

O Tribunal, por maioria, resolveu questão de ordem suscitada em recurso extraordinário no sentido de comunicar, às Presidências do TSE, do TRE/AP, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a fim de suprir os efeitos de direito, a decisão do Supremo proferida no julgamento desse recurso na sessão plenária de 22.9.2005, na qual o Tribunal, também por maioria, dele não conhecera. Na espécie, o recurso fora interposto contra acórdão do TSE que, reformando decisão do TRE/AP, cassara os mandatos de parlamentares, pela prática de captação ilícita de sufrágio (Lei 9.504/97, art. 41-A) - v. Informativo 402. Entendeu-se que a liminar concedida pelo STF na ação cautelar que conferira efeito suspensivo ao aludido recurso extraordinário (AC 509 MC/AP) teria sido instantaneamente cassada com a decisão prolatada no recurso, porquanto esta não ressalvara a permanência dos recorrentes nos respectivos cargos até que se desse o seu trânsito em julgado. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, relator, Eros Grau e Marco Aurélio que consideravam haver necessidade de se aguardar o trânsito em julgado da decisão para dar-se a comunicação.
RE 446907 QO/AP, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, rel. p/ acórdão Min.Carlos Britto, 20.10.2005. (RE-446907)


PRIMEIRA TURMA


Prisão Preventiva e Fundamentação

A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se pretendia a nulidade de decreto de prisão preventiva expedido contra acusado pela autoria intelectual de homicídio. Inicialmente, afastou-se o alegado excesso de prazo, haja vista que, no caso, o paciente fora pronunciado há pouco mais de um mês, tempo aceitável à luz do juízo de razoabilidade. Entendeu-se, ademais, que o decreto de prisão, não obstante sem enquadrar os fatos com precisão nas hipóteses do art. 312 do CPP, encontrava-se devidamente fundamentado na garantia da ordem pública, na parte em que se ampara no modo de preparo e cometimento do crime, apto a revelar periculosidade do paciente, mormente porque a consumação de outros delitos não teria ocorrido pela oportuna atuação policial. No ponto, considerou-se o que consignado na denúncia no sentido de que, sendo vítima, por erro, pessoa diversa da qual se pretendia assassinar, haveria, conforme extraído de gravações judicialmente autorizadas, um plano de execução da vítima inicialmente visada, bem como de uma outra pessoa. Vencido o Min. Marco Aurélio que deferia o writ por considerar haver excesso de prazo na prisão, bem como por entender não preenchidos os requisitos do art. 312 do CPP.
HC 86529/PE, rel. Sepúlveda Pertence, 18.10.2005. (HC-86529)

Juízes Classistas e Togados: Equiparação de Proventos

A Turma, negando provimento a recurso extraordinário, manteve acórdão do TRF da 4ª Região que entendera incabível a aplicação da garantia de paridade entre os cargos de juiz togado da ativa e de juiz classista temporário inativo. Sustentava-se, na espécie, ofensa aos arts. 5º, XXXVI, e 40, § 8º (com redação dada pela EC 20/98), ambos da CF, sob o argumento de que, em razão de o recorrente, juiz classista, ter sido aposentado antes do advento da Lei 9.655/98 - que desvinculou o cálculo da remuneração dos juízes classistas da Justiça do Trabalho do que percebido pelos juízes togados -, teria direito adquirido aos benefícios e vantagens a estes posteriormente concedidos. Entendeu-se que a pretensão do recorrente seria equivocada, já que a extensão contemplada no texto primitivo da CF fez-se vinculada à melhoria dos classistas que continuaram em atividade, nada tendo a ver com a regência do cálculo da remuneração, que acabou sendo, inclusive, alterada para restringir-se ao que percebido em atividade.
RE 391792/RS, rel. Min. Marco Aurélio,18.10.2005. (RE-391792)

Constituição de Novo Advogado e Devido Processo Legal

A simples juntada ao processo de instrumento de mandato, credenciando outros advogados, não implica a revogação tácita dos poderes outorgados na procuração anterior. Com base nesse entendimento, a Turma, por maioria, reformou acórdão do TST que, em sentido contrário a essa conclusão, ao interpretar o art. 44 do CPC, mantivera decisão do TRT que não conhecera de agravo de petição por irregularidade de representação processual. Considerou-se violado o princípio do devido processo legal, já que incumbe à própria parte a escolha e o credenciamento dos representantes processuais, podendo fazê-lo de maneira múltipla e não somente individualizada. Ressaltou-se o disposto no art. 682 do CC ("Cessa o mandato: I - pela revogação ou pela renúncia; II - pela morte ou interdição de uma das partes; III - pela mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer; IV - pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio."). Vencido o Min. Sepúlveda Pertence que não conhecia do recurso.
RE 410463/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 18.10.2005. (RE-410463)


SEGUNDA TURMA


Progressão de Regime e Crime Hediondo - 2

Concluído julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que indeferira pedido de progressão de regime formulado por condenado, pela prática de crime hediondo, à pena de reclusão em regime fechado - v. Informativo 355. Inicialmente, a Turma, por maioria, determinou o prosseguimento do feito, sobrestado na sessão do dia 5.10.2004 para se aguardar decisão do Pleno no HC 82959/SP - em que se discute a constitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos definidos no art. 1º da mesma Lei. Vencido, no ponto, o Min. Gilmar Mendes. No mérito, a Turma, também por maioria, mantendo a jurisprudência ainda prevalecente no STF no sentido da constitucionalidade do aludido dispositivo, indeferiu o writ. Vencido o Min. Gilmar Mendes que, reiterando os fundamentos de seu voto no HC 82959/SP, o deferia.
HC 84401/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 18.10.2005. (HC-84401)

Crime Hediondo e Substituição de Pena Privativa de Liberdade por Restritiva de Direitos

Por proposta do Min. Gilmar Mendes, relator, a Turma decidiu afetar ao Plenário julgamento de habeas corpus em que se discute a possibilidade ou não de substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos na hipótese de condenação por crime hediondo. Alega-se, na espécie, ocorrência de direito público subjetivo da paciente à substituição requerida, uma vez que preenche os requisitos do art. 44 do CP, nos termos da alteração trazida pela Lei 9.714/98, bem como ausência de fundamentação do acórdão proferido pela Corte de origem.
HC 85894/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 18.10.2005. (HC-85894)

Lei 9.099/95: Razões de Apelação e Prazo

Tratando-se de apelação interposta no sistema dos juizados especiais criminais, impõe-se ao recorrente o dever de apresentar, com a petição recursal, as razões de apelação, no prazo único de dez dias, conforme dispõe o § 1º do art. 82 da Lei 9.099/95 ("A apelação será interposta no prazo de 10 (dez) dias, contados da ciência da sentença pelo Ministério Público, pelo réu e seu defensor, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente"). Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que condenados pela prática dos crimes previstos no art. 10 da Lei 9.437/97 e no art. 29 da Lei 9.605/98 alegavam constrangimento ilegal por cerceamento de defesa, em razão de a Sétima Turma de Recursos de Santa Catarina não conhecer de recurso de apelação interposto em seu benefício, porque desacompanhado das razões recursais. Precedentes citados: HC 79843/MG (DJU de 30.6.2000) e HC 85210/SP (DJU de 1º.7.2005).
HC 86454/SC, rel. Min. Carlos Velloso, 18.10.2005. (HC-86454)

Cargo em Comissão e Aposentadoria - 3

A Turma retomou julgamento de recurso ordinário em mandado de segurança interposto contra decisão do TST que indeferira pedido de aposentadoria do ora recorrente no cargo comissionado que ocupava, ao fundamento de que, não obstante haver completado o tempo de serviço necessário antes do advento da Lei 8.647/93, não preenchera os requisitos exigidos pelo art. 193 da Lei 8.112/90 - v. Informativo 399. O Min. Carlos Velloso, em voto-vista, negou provimento ao recurso por considerar que o recorrente não faz jus à aposentação pleiteada. Asseverou que ele não requerera aposentadoria quando esta existia, ou seja, anteriormente à citada Lei 8.647/93, tendo se exonerado do cargo, a pedido, em 1995, e voltado a ser nomeado para cargo em comissão, em 1997, quando já extinta a aposentadoria estatutária para o exercente de cargo em comissão. Ademais, entendeu que atentaria contra o princípio isonômico deferir-se aposentadoria voluntária a servidor que prestara, no cargo em comissão, um mês e treze dias de serviço. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Gilmar Mendes.
RMS 25039/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 18.10.2005. (RMS-25039)

Músico e Liberdade do Exercício de Profissão

A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do TRF da 4ª Região que, com base no art. 5º, incisos IX e XIII, da CF, entendera que a atividade de músico não depende de registro ou licença e que a sua livre expressão não pode ser impedida por interesses do órgão de classe, haja vista que este dispõe de meios próprios para executar anuidades devidas, sem vincular sua cobrança à proibição do exercício da profissão. A recorrente, Ordem dos Músicos do Brasil/OMB - Conselho Regional de Santa Catarina, sustenta, na espécie, a inadequação do mandamus contra lei em tese e a afronta aos arts. 5º, IX, XIII, e 170, parágrafo único, ambos da CF, sob a alegação de que o livre exercício de qualquer profissão ou trabalho está condicionado pelas referidas normas constitucionais às qualificações específicas de cada profissão e que, no caso dos músicos, a Lei 3.857/60 estabelece essas restrições. Aduz, ainda, que possui poder de polícia. A Min. Ellen Gracie, relatora, negou provimento ao recurso, no que foi acompanhada pelo Min. Joaquim Barbosa. Inicialmente, considerou adequada a via do mandado de segurança, porquanto os recorridos insurgem-se contra ato concreto de fiscalização emanado da OMB, e que afronta ao art. 170 da CF não fora prequestionada (Súmulas 282 e 356 do STF). No tocante à alegada ofensa aos incisos IX e XIII do art. 5º da CF, asseverando que a liberdade do exercício de profissão neles assegurada pode sofrer limitações com vistas ao interesse público, entendera que as exigências de inscrição na OMB e de o afiliado estar em dia com o pagamento de anuidade ferem o livre exercício da profissão. Afirmou que, na hipótese da música, a livre expressão artística é de sua essência e, por conseguinte, a obrigatoriedade de inscrição na OMB para que os profissionais da música se apresentem profissionalmente equivale à exigência de licença expressamente proibida pelo art. 5º, IX, da CF. Ademais, salientou que a exigência de comprovação de pagamento de anuidade é despropositada, visto que, conforme acentuara o acórdão impugnado, a recorrente possui outros meios legais para efetuar a cobrança. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Gilmar Mendes.
RE 414426/SC, rel. Min. Ellen Gracie, 18.10.2005. (RE-414426)

Alteração de Edital de Concurso em Andamento

Em face do princípio da legalidade, a Administração Pública, enquanto não concluído e homologado o concurso público, pode alterar as condições do certame constantes do respectivo edital, para adaptá-las à nova legislação aplicável à espécie, uma vez que, antes do provimento do cargo, o candidato tem mera expectativa de direito à nomeação ou, se for o caso, à participação na segunda etapa do processo seletivo. Com base nesse entendimento, a Turma reformou acórdão do TST que, aplicando os princípios do ato jurídico perfeito e do tempus regit actum, considerara que alteração, por lei posterior, do grau de escolaridade exigido, não prejudicaria o aproveitamento de candidato aprovado de acordo com o edital proposto e pelas normas vigentes à época em que realizado o certame. Precedentes citados: RE 290346/MG (DJU de 29.6.2001) e RE 77877/RJ (DJU de 18.4.74).
RE 318106/RN, rel. Min. Ellen Gracie, 18.10.2005. (RE-318106)

Competência da Justiça Estadual e Crime contra a Ordem Econômica

Tratando-se de crime contra a ordem econômica, a regra de competência aplicável é a do inciso VI do art. 109 da CF ("Aos juízes federais compete processar e julgar: VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados em lei, contra sistema financeiro e a ordem econômico-financeira"), não a do inciso IV do mesmo dispositivo ("os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União"). Desse modo, somente à falta de previsão legal expressa atribuindo à Justiça Federal a competência para o julgamento do aludido delito, essa competência será da Justiça Estadual. Com esse fundamento, a Turma não conheceu de recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal, em que se pretendia o reconhecimento da competência da Justiça Federal para processar inquérito relativo a crime de comercialização de combustível que se encontra fora dos padrões exigidos pela Agência Nacional de Petróleo - ANP (Lei 8.176/91, art. 1º, I). Precedente citado: RE 198488/SP (DJU de 11.12.98).
RE 454735/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 18.10.2005. (RE-454735)

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno19.10.200520.10.20057
1ª Turma18.10.2005--181
2ª Turma18.10.2005--209



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Amicus Curiae e Processo em Andamento (Transcrições)

ADI 2548/PR*

RELATOR: MINISTRO GILMAR MENDES

DECISÃO: No tocante à Petição no 66.661/2005, da Federação das Indústrias do Estado do Paraná - FIEP, requerendo seu ingresso no feito na qualidade de amicus curiae, compete ao Relator, por meio de despacho irrecorrível, acolher ou não pedido de interessados para que atuem na situação de amici curiae, hipótese diversa da figura processual da intervenção de terceiros. Esclareço que, em princípio, a eventual manifestação deveria ocorrer no prazo das informações (arts. 6o e 7o , § 2o , da Lei no 9.868/1999).
Em recente julgamento, porém, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, resolveu questão de ordem no julgamento das ADIn's nos 2.675-PE (Rel. Min. Carlos Velloso) e 2.777-SP (Rel. Min. Cezar Peluso), ambas julgadas em 27.11.2003, para reconhecer, excepcionalmente, a possibilidade de realização de sustentação oral por terceiros, admitidos no processo de fiscalização abstrata de normas, sob a condição de amicus curiae.
Essa nova orientação, apesar de ter contrariado os precedentes existentes [ADIn (MC) no 2.321-DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 31.10.2000; ADIn (MC) no 2.130-SC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 02.02.2001; ADIn (QO) no 2.223-DF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 26.10.2001], garante a possibilidade de que o procedimento de instrução da ação direta de inconstitucionalidade seja subsidiado por novos argumentos e diferentes alternativas de interpretação da Constituição.
Esse parece ser, pelo menos, o espírito da norma constante da parte final do art. 7o, § 2o da Lei no 9.868/1999. É verdade que essa disposição remete ao parágrafo anterior - § 1º -, que restou vetado pelo Presidente da República (O § 1º do art. 7o da Lei no 9.868/1999 dispunha que: "Os demais titulares referidos no art. 2° poderão manifestar-se, por escrito, sobre o objeto da ação e pedir a juntada de documentos reputados úteis para o exame da matéria, no prazo das informações, bem como apresentar memoriais.").
No entanto, especialmente diante da relevância do caso ou, ainda, em face da notória contribuição que a manifestação possa trazer para o julgamento da causa, é possível cogitar de hipóteses de admissão de amicus curiae, ainda que fora desse prazo. Necessário é ressaltar, contudo, que essa possibilidade não é unânime na jurisprudência do STF. A esse respeito, vale mencionar a ADIn no 2.238-DF, Rel. Min. Ilmar Galvão. Nesse caso, o relator considerou ser impossível a admissão de amicus curiae quando o julgamento do feito já estiver em andamento, por considerar tal manifestação destinada, unicamente, a instruir a ADIn.
Na ADIn no 2.690-RN (Rel. Min. Gilmar Mendes), o Relator, considerando a conversão da ação para o rito do art. 12 da Lei no 9.868/99, admitiu a participação do Distrito Federal, dos Estados de Goiás, de Pernambuco, do Rio de Janeiro, da Associação Brasileira de Loterias Estaduais (ABLE) e, ainda, determinou uma nova audiência da Procuradoria Geral da República.
Essa construção jurisprudencial sugere a adoção de um modelo procedimental que ofereça alternativas e condições para permitir, de modo cada vez mais intenso, a interferência de uma pluralidade de sujeitos, argumentos e visões. Essa nova realidade pressupõe, além de amplo acesso e participação de sujeitos interessados no sistema de controle de constitucionalidade de normas, a possibilidade efetiva de o Tribunal Constitucional lançar mão de quaisquer das perspectivas disponíveis para a apreciação da legitimidade de um determinado ato questionado.
A constatação de que, no processo de controle de constitucionalidade, se faz, necessária e inevitavelmente, a verificação de fatos e prognoses legislativos, sugere a necessidade de adoção de um modelo procedimental que outorgue ao Tribunal as condições necessárias para proceder a essa aferição.
Esse modelo pressupõe não só a possibilidade de o Tribunal se valer de todos os elementos técnicos disponíveis para a apreciação da legitimidade do ato questionado, mas também um amplo direito de participação por parte de terceiros (des)interessados.
O chamado "Brandeis-Brief" - memorial utilizado pelo advogado Louis D. Brandeis, no "case Müller versus Oregon" (1908), contendo duas páginas dedicadas às questões jurídicas e outras 110 voltadas para os efeitos da longa duração do trabalho sobre a situação da mulher - permitiu que se desmistificasse a concepção dominante, segundo a qual a questão constitucional configurava simples "questão jurídica" de aferição de legitimidade da lei em face da Constituição. (Cf., a propósito, HALL, Kermit L. (organizador), The Oxford Companion to the Supreme Court of United States, Oxford, New York, 1992, p. 85).
Hoje não há como negar a "comunicação entre norma e fato" (Kommunikation zwischen Norm und Sachverhalt), que, como ressaltado, constitui condição da própria interpretação constitucional. É que o processo de conhecimento aqui envolve a investigação integrada de elementos fáticos e jurídicos. (Cf., MARENHOLZ, Ernst Gottfried, Verfassungsinterpretation aus praktischer Sicht, in: Verfassungsrecht zwischen Wissenschaft und Richterkunst, Homenagem aos 70 anos de Konrad Hesse, Heidelberg, 1990, p. 53 (54)).
 
Nesse sentido, a prática americana do amicus curiae brief permite à Corte Suprema converter o processo aparentemente subjetivo de controle de constitucionalidade em um processo verdadeiramente objetivo (no sentido de um processo que interessa a todos) -, no qual se assegura a participação das mais diversas pessoas e entidades.
A propósito, referindo-se ao caso Webster versus Reproductive Health Services (....), que poderia ensejar uma revisão do entendimento estabelecido em Roe versus Wade (1973), sobre a possibilidade de realização de aborto, afirma Dworkin que a Corte Suprema recebeu, além do memorial apresentado pelo Governo, 77 outros memoriais (briefs) sobre os mais variados aspectos da controvérsia - possivelmente o número mais expressivo já registrado - por parte de 25 senadores, de 115 deputados federais, da Associação Americana de Médicos e de outros grupos médicos, de 281 historiadores, de 885 professores de Direito e de um grande grupo de organizações contra o aborto (cf. DWORKIN, Ronald. Freedom's Law. Cambridge- Massachussetts. 2.ª ed., 1996, p. 45).
Evidente, assim, que essa fórmula procedimental constitui um excelente instrumento de informação para a Corte Suprema. Não há dúvida, outrossim, de que a participação de diferentes grupos em processos judiciais de grande significado para toda a sociedade cumpre uma função de integração extremamente relevante no Estado de Direito.
Em consonância com esse modelo ora proposto, Peter Häberle defende a necessidade de que os instrumentos de informação dos juízes constitucionais sejam ampliados, especialmente no que se refere às audiências públicas e às "intervenções de eventuais interessados", assegurando-se novas formas de participação das potências públicas pluralistas enquanto intérpretes em sentido amplo da Constituição (cf. Häberle, Peter. Hermenêutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: contribuição para a Interpretação Pluralista e "Procedimental" da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre, 1997, p. 47-48).
Ao ter acesso a essa pluralidade de visões em permanente diálogo, este Supremo Tribunal Federal passa a contar com os benefícios decorrentes dos subsídios técnicos, implicações político-jurídicas e elementos de repercussão econômica que possam vir a ser apresentados pelos "amigos da Corte". Essa inovação institucional, além de contribuir para a qualidade da prestação jurisdicional, garante novas possibilidades de legitimação dos julgamentos do Tribunal no âmbito de sua tarefa precípua de guarda da Constituição.
É certo, também, que, ao cumprir as funções de Corte Constitucional, o Tribunal não pode deixar de exercer a sua competência, especialmente no que se refere à defesa dos direitos fundamentais em face de uma decisão legislativa, sob a alegação de que não dispõe dos mecanismos probatórios adequados para examinar a matéria.
Entendo, portanto, que a admissão de amicus curiae confere ao processo um colorido diferenciado, emprestando-lhe caráter pluralista e aberto, fundamental para o reconhecimento de direitos e a realização de garantias constitucionais em um Estado Democrático de Direito.
Assim, em face do art. 7o, § 2o, da Lei no 9.868/1999, defiro o pedido da Federação das Indústrias do Estado do Paraná - FIEP, para que possa intervir no feito, na condição de amicus curiae. Junte-se aos autos a petição de no 66.661/2005. À Seção de Autuação de Originários para a inclusão dos nomes do interessado e de seu patrono.

Publique-se.

Brasília, 18 de outubro de 2005.
 
Ministro Gilmar Mendes
Relator

* decisão pendente de publicação

Porte Ilegal de Arma e Ausência de Munição (Transcrições)

(v. Informativo 404)

HC 85240/SP*

RELATOR: MINISTRO CARLOS BRITTO

RELATÓRIO: Trata-se de habeas corpus, ajuizado contra ato do Colégio Recursal do Juizado Especial Criminal de São Vicente/SP. Colégio Recursal que negou provimento a recurso contra a sentença condenatória do paciente à pena de um ano e dois meses de detenção, mais onze dias-multa no valor unitário mínimo. Isto pelo fato de o paciente haver cometido o crime descrito pelo caput do artigo 10 da Lei 9.437/97 (porte ilegal de arma de fogo), conforme a seguinte dicção:

"Art. 10. Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Pena - detenção de um a dois anos e multa."

2. No caso, a defesa do impetrante consubstancia tese que pode ser assim sintetizada: trata-se de conduta atípica, devido a que a vedação legal do porte de arma de fogo pressupõe a concreta possibilidade do disparo de pelo menos um projétil. O que deixara de ocorrer nas circunstâncias envolventes do empírico agir do paciente, que portava consigo um revólver de calibre 22, é certo, porém desmuniciado.
3. Para cimentar o seu ponto de vista, o demandante invoca a decisão que a Primeira Turma deste Supremo Tribunal Federal proferiu no RHC 81.057. Daí requerer o deferimento da medida liminar para suspender os efeitos da decisão guerreada. No mérito, pede a concessão definitiva da ordem.
4. Prossigo neste relato para anotar que indeferi o pleito cautelar às fls. 24, vindo a ser informado de que a condenação transitou em julgado na data de 14.12.2004.
5. A seu turno, a Procuradoria-Geral da República pronunciou-se pelo deferimento da ordem, em face da orientação fixada no mesmo RHC 81.057. Orientação, todavia, que deixou de ser unânime. E como se trata de matéria que tenho como de todo relevante, faço uso do disposto no inciso XI do art. 21 do RI/STF para suscitar a reapreciação da matéria no Plenário desta Casa.

É o relatório.

VOTO: Consoante relatado, a questão de Direito a ser examinada neste writ consiste em saber se o desautorizado porte de arma de fogo, porém desmuniciada, configura ou não um dos tipos penais que se vê da redação do art. 10 da Lei nº 9.437/97. Com este propósito, começo por relembrar que o tema já foi objeto de discussão pela Primeira Turma deste Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RHC 81.057, o qual restou assim ementado:

"Arma de fogo: porte consigo de arma de fogo, no entanto, desmuniciada e sem que o agente tivesse, nas circunstâncias, a pronta disponibilidade de munição: inteligência do art. 10 da L. 9437/97: atipicidade do fato:
"1. Para a teoria moderna - que dá realce primacial aos princípios da necessidade da incriminação e da lesividade do fato criminoso - o cuidar-se de crime de mera conduta - no sentido de não se exigir à sua configuração um resultado material exterior à ação - não implica admitir sua existência independentemente de lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico tutelado pela incriminação da hipótese de fato.
"2. É raciocínio que se funda em axiomas da moderna teoria geral do Direito Penal; para o seu acolhimento, convém frisar, não é necessário, de logo, acatar a tese mais radical que erige a exigência da ofensividade a limitação de raiz constitucional ao legislador, de forma a proscrever a legitimidade da criação por lei de crimes de perigo abstrato ou presumido: basta, por ora, aceitá-los como princípios gerais contemporâneos da interpretação da lei penal, que hão de prevalecer sempre que a regra incriminadora os comporte.
"3. Na figura criminal cogitada, os princípios bastam, de logo, para elidir a incriminação do porte da arma de fogo inidônea para a produção de disparos: aqui, falta à incriminação da conduta o objeto material do tipo.
"4. Não importa que a arma verdadeira, mas incapaz de disparar, ou a arma de brinquedo possam servir de instrumento de intimidação para a prática de outros crimes, particularmente, os comissíveis mediante ameaça - pois é certo que, como tal, também se podem utilizar outros objetos - da faca à pedra e ao caco de vidro -, cujo porte não constitui crime autônomo e cuja utilização não se erigiu em causa especial de aumento de pena.
"5. No porte de arma de fogo desmuniciada, é preciso distinguir duas situações, à luz do princípio de disponibilidade:
(1) se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em conseqüência, o eventual disparo, tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo;
(2) ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal - isto é, como artefato idôneo a produzir disparo - e, por isso, não se realiza a figura típica."
 
7. Na oportunidade, o relator para o acórdão foi o ministro Sepúlveda Pertence, pelo fato de a relatora originária - ministra Ellen Gracie - restar vencida na companhia do ministro Ilmar Galvão. Corrente minoritária que assim externou o seu lúcido pensar:

"Conforme consta dos autos, o paciente foi flagrado portando um revólver marca Taurus, calibre 32, sem possuir licença para tanto. Portava a arma na cintura e foi flagrado transitando com ela em local público. Encontrava-se foragido da Justiça diante de condenação anterior por crime de roubo.
"O fato de estar desmuniciado o revólver não o desqualifica como arma, tendo em vista que a ofensividade de uma arma de fogo não está apenas na sua capacidade de disparar projéteis, causando ferimentos graves ou morte, como também, na grande maioria dos casos, no seu potencial de intimidação.
"Para a configuração do crime inscrito no art. 10, caput da Lei nº 9.437/97, basta a ocorrência de qualquer das condutas nele discriminadas - possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo de uso permitido - sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar."
"O crime é de mera conduta e, segundo dicção de Fernando Capez, de perigo abstrato, não tendo a lei exigido a efetiva exposição de outrem a risco, sendo irrelevante a avaliação subseqüente sobre a ocorrência de perigo à coletividade. Nos crimes de perigo abstrato, segundo Capez, "a opção política do Poder Legislativo em considerar o fato, formal e materialmente, típico independentemente de alguém, no caso concreto, vir a sofrer perigo real, não acoima a lei definidora de atentatória à dignidade humana. Ao contrário. Revela, por parte do legislador, disposição ainda maior de tutelar o bem jurídico, reprimindo a conduta violadora desde o seu nascedouro, procurando não lhe dar qualquer chance de desdobramento progressivo capaz de convertê-la em posterior perigo concreto e, depois, em dano efetivo. Trata-se de legítima opção política de resguardar, de modo mais abrangente e eficaz, a vida, a integridade corporal e a dignidade das pessoas, ameaçadas com a mera conduta de sair de casa ilegalmente armado. Realizando a conduta descrita no tipo, o autor já estará colocando a incolumidade pública em risco, pois protegê-la foi o desejo manifestado pela lei. Negar vigência ao dispositivo nos casos em que não se demonstra perigo real, sob o argumento de que atentaria contra a dignidade da pessoa humana, implica reduzir o âmbito protetor do dispositivo, com base em justificativas no mínimo discutíveis. Diminuindo a proteção às potenciais vítimas de ofensas mais graves, produzidas mediante o emprego de armas de fogo, deixando-as a descoberto contra o dano em seu nascedouro, o intérprete estará relegando o critério objetivo da lei ao seu, de cunho subjetivo e pessoal. Privilegia-se a condição do infrator em detrimento do ofendido, contra a expressa letra da lei. A presunção da injuria, por essa razão, caracteriza mero critério de política criminal, eleito pelo legislador com a finalidade de ofertar forma mais ampla e eficaz de tutela do bem jurídico." ("Arma de Fogo - Comentários à Lei nº 9.437, de 20.2.1997", ed. Saraiva, 1997, págs. 25/26)
"Segundo Damásio de Jesus, a incolumidade pública representa o objeto jurídico principal e imediato da norma. Como objetos mediatos e secundários estão a vida, a incolumidade física e a saúde dos cidadãos ("Crimes de Porte de Arma de Fogo e Assemelhados", Ed. Afiliada, ABDR).
"Heleno Cláudio Fragoso, ao tratar dos crimes contra a incolumidade pública previstos no Código Penal, classifica-os como "infrações penais em que a ação delituosa atinge diretamente um bem ou interesse coletivo, ou seja a segurança de todos os cidadãos ou de número indeterminado de pessoas" ("Lições de Direito Penal", 3º vol., 2ª ed., José Bushatsk, pág.765).
"Vê-se, assim, que o objetivo do legislador foi antecipar a punição de fatos que apresentam potencial lesivo à população - como o porte de arma de fogo em desacordo com as balizas legais -, prevenindo a prática de crimes como homicídios, lesões corporais, roubos etc. E não se pode negar que uma arma de fogo, transportada pelo agente na cintura, ainda que desmuniciada, é propícia, por exemplo, à prática do crime de roubo, diante do seu poder de ameaça e de intimidação da vítima.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso ordinário."
 
8. Pois bem, nesta nova oportunidade de enfrentamento do tema, animo-me a vocalizar o entendimento de que o porte de arma de fogo em plena via pública, nas circunstâncias do presente feito, constitui fato enquadrável numa das descrições da norma penal que se extrai do art. 10 da Lei nº 9.437/97 (são 18 os núcleos semânticos do tipo penal em foco). É como dizer: entendo que a real conduta do paciente tipificou, sim, o delito pelo qual foi denunciado e veio a ser condenado.
9. Para assim me posicionar, considero que a regra legal de increpação contém um resoluto juízo de desapreço pelos artefatos que funcionam pelo uso da força de um explosivo para o disparo, que são, precisamente, os produtos que atendem pelo nome de "armas de fogo". Daí porque o dispositivo jurídico em tela, que é o mencionado art. 10 da Lei Federal 9.437/97, praticamente apanha todas as modalidades do humano trato com essa espécie de artefato, para interditá-las quase sem exceção. Deixando de conferir, averbe-se, qualquer importância ao fato de se dispor ou não de pronto municiamento para o respectivo uso. Confira-se:

"Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Pena - detenção de um a dois anos e multa."

10. Compreensível é esse incomum rigor normativo. Essa política penal de intransigente valoração depreciativa das armas de fogo. É que elas detêm um potencial de lesividade (e lesividade mortal, acresça-se) muito maior que o de qualquer outro objeto de que se possa fazer ocasional uso como instrumento de ataque, ou de defesa: uma pedra, um tijolo, um pedaço de pau, um copo ou uma garrafa de vidro, uma barra de ferro, uma passional e nordestina "toalha molhada". Superioridade que também se manifesta em comparação com as chamadas "armas brancas": punhal, faca-peixeira, chuncho, facão, espada, cimitarra, flecha, lança, etc. Além de se caracterizar pelo seu mais facilitado transporte físico e dissimulação, tanto quanto para romper obstáculos e alvejar à distância. Sem falar na maior possibilidade do seu emprego para vitimar, de uma só vez, múltiplas pessoas. Decorrendo de tudo isso a associação que dela se tem feito, concretamente, com os mais ousados crimes de roubo, estupro, homicídio, latrocínio e até genocídio. De modo a comparecer no imaginário popular, na literatura, nas revistas, nos jornais, nos noticiários de rádio e televisão como específico instrumento de pistolagem, execução, fuzilaria, chacina, guerra entre gangs e confronto com as forças policiais, enfim.
11. Com efeito, não há como negar o fato de uma automática associação de idéia entre as armas de fogo e os mais temíveis crimes contra o indivíduo, o patrimônio e a segurança pública. Nenhum outro mecânico instrumento de ataque e de defesa se faz tão centrado objeto de contrabando ou venda clandestina. Nenhum se presta com tanta repetição como fator de acidentes domésticos fatais e vitimação a esmo (aberratio ictus), de que a recorrente expressão "bala perdida" tem conferido a exata medida. Tornando-se elas mesmas - as armas de fogo - o próprio objeto de constantes assaltos a agentes policiais e vigilantes em geral para a sua criminosa obtenção. Tudo a revelar uma superior eficácia de uso para o bem ou para o mal. Não sendo por acaso que o emprego do termo "passar fogo" haja se consagrado como sinônimo do ato de matar. E as expressões "dedo no gatilho" e "alça de mira" denotarem o mais sério risco de vida para alguém.
12. Eis as razões pelas quais todo indivíduo que possa recorrer a qualquer das espécies de arma de fogo se sinta poderoso. Arisco. Muito mais estimulado a agredir, se para tanto já se programou. Ou então a contra-atacar na primeira oportunidade, sem maior ponderação quanto às conseqüências da sua muitas vezes desnecessária, quando não descomedida reação. Futilmente ou por "qualquer dá cá essa palha". E seja qual for a suposição, o fato é que as armas de fogo não costumam ser uma boa conselheira. Bem ao contrário, o que elas habitualmente fazem é disseminar o clima de banalização da violência entre seres humanos cada vez menos dispostos a exercitar as virtudes da temperança e do respeito ao próximo. Fazendo lembrar conhecida sentença de Hanah Arendt, segundo a qual "a banalização do mal é pior que o próprio mal".
13. Em reforço à presente intelecção da lei nº 9.437/97, recorde-se que ela surgiu em meio a um nítido clima social de contenção do uso de arma de fogo. Clima social cada vez mais exigente de severidade na resposta penal do Estado, a ponto de legitimar a aprovação do que se convencionou chamar de "Estatuto do Desarmamento" (Lei Federal nº 10.826/2003).
14. Deveras, a ninguém é dado ignorar a triste crônica brasileira em torno da mais danosa e cruel utilização das armas de fogo. Do morticínio do Arraial de Canudos, nos derradeiros anos do século XIX (1896/1897), às recentes chacinas da Candelária, do Carandiru, do Eldorado dos Carajás e da Baixada Fluminense, o fato é que a História do País tem sido vilipendiada pelo funéreo estampido das armas de fogo. Pelo antigo troar dos canhões ao retalhado som dos contemporâneos fuzis-metralhadoras do tipo AR-15, essas temíveis máquinas de estourar vísceras humanas para que o derramamento de sangue se dê tanto aos borbotões quanto em inestancável hemorragia. Não constituindo a menor surpresa, por conseguinte, a publicação do último relatório da ONU sobre a matéria, dando conta de que o Brasil é recordista mundial em mortes pelo uso de armas de fogo. Campeão às avessas, vergonhoso ocupante de um podium que se deve à espantosa estatística de 32 mil vítimas fatais a cada ano (mais que as 23 mil mortes do primeiro biênio da atual guerra do Iraque).
15. Frente-a-frente, assim, com semelhante ambiência social de atávico pavor da parte de quem se depara com outrem a carregar consigo arma de fogo é que se justifica o verdadeiro "cerco legal" contra todas elas. Noutro dizer, perante essa renitente ambiência social de chacinas, confrontações, assaltos, contrabandos, estupros, ameaças e acidentes em torno das armas de fogo é que se descortina o jurídico panorama da vedação do respectivo porte, desde que "sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar". Vedação que teve por claros objetivos:

I - primeiramente, inviabilizar a própria possibilidade da utilização do artefato como instrumento de ataque. Vale dizer, enquanto fator de ameaça à integridade física e patrimonial de terceiros, com seus mais previsíveis e seqüenciados efeitos: o susto, o medo, a rendição, o abatimento moral-psicológico, o incômodo de ter que administrar as terríveis seqüelas que geralmente se desatam dessa espécie de conjuntura aflitiva, sobretudo quando envolvente de mulheres e crianças;
II - em segundo lugar, cortar pela raiz qualquer risco de constrangimento a quantos venham a perceber um indivíduo a transitar em meio à população, petulantemente, desafiadoramente, com arma de fogo a tiracolo. Constrangimento que se traduz na mais acabrunhante sensação de insegurança coletiva, pelo generalizado descrédito que se passa a ter na eficácia das próprias instituições juridicamente incumbidas de velar, justamente, pela ordem pública e pela incolumidade das pessoas e respectivos bens materiais. Como se a justiça pelas próprias mãos ou o uso arbitrário das próprias razões tornassem a subir ao palco da História para enterrar a civilidade idéia de que só o Estado detém o monopólio do uso da força física ou da chamada violência legal (embora mitigado por institutos do tipo "desforço possessório", "legítima defesa própria ou de terceiros", "retenção da bagagem do hóspede inadimplente").
16. De se ver, é bom repisar, que a valiosidade dos princípios jurídicos aqui exalçados não cessa pelo fato de a arma de fogo vir a se prestar, eventualmente, como instrumento de defesa. É que o respectivo uso pode se dar por modo inteiramente desnecessário, quando não por forma excessivamente desproporcional ao constrangimento sofrido. Aqui residindo, precisamente, uma das razões de ser da sobredita vedação penal. É dizer, aqui residindo a seguinte ponderação de valores: entre a empírica possibilidade de uso necessário da arma de fogo e a desnecessidade de tal utilização, ou o risco do seu descomedido saque (acresça-se), a lei optou por desfavorecer aquela primeira suposição. E cuida-se de opção político-penal que já não cabe às instâncias judiciárias reverter, porém, ao contrário, reverentemente acatar.
17. Nessa vertente de idéias, Também não se queira destipificar a circunstancial conduta do indivíduo que se encontre com arma de fogo, sim, porém desmuniciada ou sem possibilidade de imediato municiamento. É que tal eventualidade pode não ser - e quase sempre não é - percebida pelos outros. Daí que a reação média desses outros sujeitos jurídicos em nada se modifique. Permanecendo íntegra, por conseqüência, a necessidade de preservação dos bens que a ordem legal teve em mira proteger, ao interditar o porte em si dos artefatos do gênero.
18. Não é demasiado repetir: a eventualidade da condução de arma de fogo desmuniciada, ou sem possibilidade de pronto municiamento, pode se dar num contexto em que terceiras pessoas não enxerguem esse algo menos no potencial de ataque ou de defesa do respectivo condutor. É o quanto basta para a materialização ou historicização do tipo penal, pois a factibilidade em si desse alheio não-saber das coisas já é legalmente presumida como desencadeadora dos efeitos a que se visou coibir: o constrangimento de quem possa se sentir particularmente ameaçado pelo sujeito portador da arma, de parelha com a desalentadora reação popular de descrédito na eficácia dos aparelhos estatais de segurança pública. Ali, um bem de personalidade individual; aqui, um bem de personalidade coletiva. Mas as duas categorias de interesses a se unificar pelo fato de se alocarem no âmbito pessoal de incidência de uma mesma norma de Direito Criminal.
19. Mais não é preciso falar (penso) para se pôr em realce o caráter de perigo abstrato da conduta criminalizada. Conduta que se consuma pela objetividade do ato em si de alguém levar consigo, desautorizadamente e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, qualquer dos artefatos sob comento. Equivale a dizer: o delito de porte de arma de fogo, ao menos por uma de suas vertentes (o lesionar interesses de um número indeterminado de pessoas), é daqueles que não dependem de uma outra ação externa do agente para, e só então, se consumar.
20. Esta a interpretação que me parece homenagear, a um só tempo, os proto-princípios da dignidade da pessoa humana e da segurança pública (inciso III do art. 5º, combinadamente com o caput do art. 144 da Constituição de 1988). Pelo que voto no sentido da denegação do Habeas Corpus sob julgamento, com as vênias de estilo e sobre-estilo aos eminentes ministros que permanecem fiéis aos fundamentos do acórdão retrocitado.

* julgamento pendente em virtude do pedido de vista do Ministro Carlos Velloso


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