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quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Informativo STF 444 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 9 a 13 de outubro de 2006 - Nº 444.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO



Plenário
Medida Provisória 144/2003 - 9
Aposentadoria Espontânea e Contrato de Trabalho
Aposentadoria Espontânea e Readmissão
Tempestividade de Recurso e Momento de Comprovação
1ª Turma
Crimes de Imprensa: Contagem de Prazo e Prescrição
Prisão Preventiva e Fuga do Réu - 3
Princípio da Insignificância e Crime Militar
2ª Turma
Art. 512 do CPC e Conhecimento de Recurso - 1
Art. 512 do CPC e Conhecimento de Recurso - 2
Transcrições
Controle de Constitucionalidade nos Estados (Rcl 4432/TO)


PLENÁRIO


Medida Provisória 144/2003 - 9

O Tribunal, por maioria, indeferiu medidas cautelares requeridas em duas ações diretas ajuizadas pelo Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB e pelo Partido da Frente Liberal - PFL contra a Medida Provisória 144/2003, convertida na Lei 10.848/2004, que dispõe sobre a comercialização de energia elétrica, altera as Leis 5.655/71, 8.631/93, 9.074/95, 9.427/96, 9.478/97, 9.648/98, 9.991/2000, 10.438/2002, e dá outras providências - v. Informativos 335, 355 e 381. Entendeu-se que, a princípio, a medida provisória impugnada não viola o art. 246 da CF, haja vista que a EC 6/95 não promoveu alteração substancial na moldura do setor elétrico, mas restringiu-se, em razão da revogação do art. 171 da CF, a substituir a expressão "empresa brasileira de capital nacional" pela expressão "empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no país" no § 1º do art. 176 da CF. Considerou-se, ademais, que a norma questionada não se volta a dar eficácia à inovação introduzida pela EC 6/95, eis que versa sobre a matéria tratada no art. 175 da CF, qual seja, o regime de prestação de serviços públicos no setor elétrico. Asseverou-se, por fim, que eventual vício formal teria o condão exclusivamente de comprometer a medida provisória, não contaminando os efeitos prospectivos da lei de conversão. Vencidos os Ministros Gilmar Mendes, relator, Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio e Celso de Mello que, por vislumbrarem aparente afronta ao art. 246 da CF, deferiam as cautelares para, dando interpretação conforme a Constituição, afastar a incidência da medida provisória e da lei de conversão, no que concerne a qualquer atividade relacionada à exploração do potencial hidráulico para fins de produção de energia.
ADI 3090 MC/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 11.10.2006. (ADI-3090)
ADI 3100 MC/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 11.10.2006. (ADI-3100)

Aposentadoria Espontânea e Contrato de Trabalho

O Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores - PT, pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT e pelo Partido Comunista do Brasil - PC do B para declarar a inconstitucionalidade do § 2º do art. 453 da CLT - adicionado pelo art. 3º da Medida Provisória 1.596-14/97, convertida na Lei 9.528/97 -, que estabelece que o ato de concessão de benefício de aposentadoria a empregado que não tiver completado trinta e cinco anos de serviço, se homem, ou trinta, se mulher, importa em extinção do vínculo empregatício. Entendeu-se que a norma impugnada é inconstitucional por instituir modalidade de despedida arbitrária ou sem justa causa, sem indenização (CF, art. 7º, I), desconsiderando a própria eventual vontade do empregador de permanecer com seu empregado, bem como o fato de que o direito à aposentadoria previdenciária, uma vez objetivamente constituído, se dá na relação jurídica entre o segurado do Sistema Geral de Previdência e o INSS, portanto às expensas de um sistema atuarial-financeiro gerido por este. Vencido o Min. Marco Aurélio que julgava improcedente o pedido, reputando razoável o dispositivo analisado, tendo em conta a situação concreta tanto do mercado de trabalho, desequilibrado pela oferta excessiva de mão-de-obra e a escassez de emprego, quanto da previdência social, agravada pela assunção de aposentadorias precoces. Precedente citado: RE 449420/PR (DJU de 14.10.2005).
ADI 1721/DF, rel. Min. Carlos Britto, 11.10.2006. (ADI-1721)

Aposentadoria Espontânea e Readmissão

O Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT e pelo Partido Comunista do Brasil - PC do B para declarar a inconstitucionalidade do § 1º do art. 453 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, que estabelece que, na aposentadoria espontânea de empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista, é permitida sua readmissão, desde que atendidos aos requisitos constantes do art. 37, XVI, da CF, e condicionada à prestação de concurso público. Na linha do que decidido no julgamento da cautelar, entendeu-se que o dispositivo impugnado é inconstitucional, sob o ponto de vista de qualquer das duas posições adotadas acerca do alcance da vedação de acumulação de proventos e de vencimentos: em relação a que sustenta que a referida vedação abrange, também, os empregados aposentados de empresas públicas e sociedades de economia mista, por permitir, sem restrição, a readmissão destes por concurso público, com a acumulação de remuneração de aposentadoria e salários em qualquer caso; e quanto a que exclui esses empregados dessa vedação, por pressupor a extinção do vínculo empregatício como conseqüência da aposentadoria espontânea, ensejando, dessa forma, a despedida arbitrária ou sem justa causa, sem indenização. Vencido, em parte, o Min. Marco Aurélio que, reportando-se aos fundamentos expendidos no caso anterior quanto à constitucionalidade da extinção do vínculo empregatício em decorrência da aposentadoria espontânea, julgava parcialmente procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade apenas da expressão "desde que atendidos aos requisitos constantes do art. 37, inciso XVI, da Constituição", contida no dispositivo impugnado, ao fundamento de que o aludido inciso XVI do art. 37 da CF não se estende aos empregos públicos.
ADI 1770/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 11.10.2006. (ADI-1770)

Tempestividade de Recurso e Momento de Comprovação

Reafirmando a orientação fixada pela Corte no sentido de que a prova da tempestividade do recurso deve ser feita no momento da interposição da petição recursal, o Tribunal, por maioria, negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão que negara seguimento a agravo de instrumento, em face da intempestividade do recurso extraordinário, o qual fora inadmitido, pelo Tribunal a quo, por motivo diverso. Na espécie, somente depois da última decisão agravada, o agravante demonstrara a tempestividade do apelo extremo, por meio da prova da suspensão do expediente em todas as repartições judiciais do Estado do Paraná, conforme decreto judiciário do respectivo tribunal de justiça e da ocorrência de feriado local. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, Carlos Britto, Cezar Peluso e Marco Aurélio, que davam provimento ao recurso, na linha do recente posicionamento da 1ª Turma, que vem reconhecendo a tempestividade do recurso, não obstante a prova da prorrogação do prazo recursal, em virtude de feriado local que não seja do conhecimento obrigatório do Tribunal ad quem ou de suspensão por determinação do Tribunal a quo, seja trazida apenas com o agravo regimental.
AI 621919 AgR/PR, rel. Min. Ellen Gracie, 11.10.2006. (AI-621919)


PRIMEIRA TURMA


Crimes de Imprensa: Contagem de Prazo e Prescrição

O lapso prescricional de dois anos previsto no art. 41, caput, da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa) possui caráter material e deve ser contado na forma prevista no art. 10 do CP, incluindo-se no cômputo o dia do começo, afastada a aplicação do art. 798, § 1º, do CPP. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para, em decorrência da prescrição da pretensão punitiva, declarar extinta a punibilidade de Procurador Regional da República acusado, com jornalista, pela suposta prática dos crimes de calúnia, injúria e difamação, em virtude de reportagem divulgada em sítio da internet. No caso, a matéria tida por ofensiva à honra do interessado fora veiculada no dia 15.6.2003 e o STJ recebera a queixa-crime em sessão realizada em 15.6.2005, ou seja, um dia depois de ocorrida a prescrição. Declarou-se a nulidade do acórdão do STJ que recebera a queixa-crime e de todos os atos processuais eventualmente praticados após o recebimento.
HC 89530/DF, rel. Min. Cármen Lúcia,10.10.2006. (HC-89530)

Prisão Preventiva e Fuga do Réu - 3

Em conclusão de julgamento, a Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que denunciado pela suposta prática do crime de roubo qualificado pelo porte de arma de fogo pleiteava a revogação de sua prisão preventiva, cuja decretação fundara-se na sua fuga do distrito da culpa e no fato de haver sido posteriormente preso em flagrante pelo cometimento de outro ilícito - v. Informativo 442. Preliminarmente, afastou-se a aplicação do Enunciado da Súmula 691 do STF. No ponto, ressalvaram seu entendimento os Ministros Carlos Britto, que não vislumbrava situação de patente constrangimento ilegal, e Sepúlveda Pertence, para quem os temperamentos ao referido Enunciado têm acarretado duplo julgamento, pelo STF, de habeas impetrados contra tribunais de 2º grau, quando indeferida liminar no STJ. No mérito, considerou-se não se estar diante de simples revelia ou de não-localização dos acusados depois da citação, mas sim de evasão logo após a prática dos delitos. Daí a invocação da fuga e a demonstração objetiva do risco à instrução criminal e à aplicação da lei penal. Afastou-se, também, o argumento de excesso de prazo, tendo em conta a prolação de sentença condenatória. Ademais, asseverou-se que, se ocorrente o aludido excesso, este somente poderia ser atribuído à defesa, haja vista a fuga do paciente e o arrolamento de várias testemunhas por precatória. Por fim, ressaltou-se que a segregação decorreria de prisão em flagrante pelo cometimento posterior de outro crime. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, e Cármen Lúcia que deferiam o writ ao fundamento de que a evasão, por si só, não seria motivo suficiente para a decretação da prisão e de que restaria caracterizado o excesso de prazo.
HC 88229/SE, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 10.10.2006. (HC-88229)

Princípio da Insignificância e Crime Militar

A Turma, por maioria, deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus interposto por fuzileiro naval denunciado pela suposta prática dos crimes previstos no art. 240, caput, e seu § 6º, I, do CPM, consistentes na subtração de mochila contendo pertences de um soldado (restituídos antes da instauração do inquérito policial militar) e na violação de armário de outro militar para retirar um par de coturnos. Considerou-se que os bens subtraídos não resultaram em dano ou em perigo concreto relevante, de modo a lesionar ou colocar em risco bem jurídico na intensidade exigida pelo princípio da ofensividade. Assim, apesar da ocorrência de lesão a bem jurídico tutelado pela norma penal, entendeu-se incidente, na espécie, o princípio da insignificância, tornando atípico o fato denunciado, uma vez que a tipicidade penal não pode ser compreendida como mera adequação do fato concreto à norma abstrata. Por conseguinte, assentou-se a inexistência de justa causa para a ação penal instaurada contra o recorrente, haja vista a subsidiariedade e a fragmentariedade do Direito Penal, que só deve ser utilizado quando os demais ramos do Direito não forem suficientes para a proteção dos bens jurídicos envolvidos. Ressaltou-se, por fim, não restar demonstrado dano relevante ao patrimônio das vítimas. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto que, tendo em conta as circunstâncias em que ocorridos os furtos - ambiente castrense e contra outros militares -, negavam provimento ao recurso.
RHC 89624/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 10.10.2006. (RHC-89624)



SEGUNDA TURMA


Art. 512 do CPC e Conhecimento de Recurso - 1

A Turma iniciou julgamento de agravo regimental interposto contra decisão que negara seguimento a recurso extraordinário em que se sustenta ofensa aos artigos 102, a; 93, IX e 5º, XXXVI, todos da CF. No caso, o juízo de primeiro grau declarara o direito dos autores de verem observadas as cláusulas do contrato celebrado e determinara que a requerida efetuasse o pagamento de parcela residual referente à correção monetária, considerados os termos do ajuste. Esta decisão fora mantida pelo tribunal de justiça local, que concluíra pela prevalência do direito adquirido e do ato jurídico perfeito (CF, art. 5º, XXXVI), em detrimento da incidência da legislação nova, de ordem pública. A empresa, ora agravante, então, interpusera simultaneamente recursos especial e extraordinário, sendo somente o primeiro admitido e provido ao fundamento de que as normas que estabelecem critérios de correção monetária incidem de imediato, de modo a atingir os contratos em curso. A decisão que não recebera o recurso extraordinário, por sua vez, transitara em julgado. Contra o acórdão do STJ, foram opostos embargos de declaração por ambas as partes, acolhidos, apenas, os da empresa. Inconformados, os autores opuseram embargos de divergência, recebidos, para não conhecer do recurso especial. Em contrapartida, a agravante interpôs recurso extraordinário contra o acórdão proferido nos embargos de divergência. No presente regimental, alega, nos termos do art. 512 do CPC, que o acórdão do tribunal estadual fora substituído pelo do REsp, ao abordar a questão constitucional. No tocante ao mérito, aduz que a jurisprudência do STF é no sentido de que não há direito adquirido ou ato jurídico perfeito relativamente a prestações pecuniárias futuras e vincendas.
RE 458129 AgR/SC, rel. Min. Eros Grau, 10.10.2006. (RE-458129)

Art. 512 do CPC e Conhecimento de Recurso - 2

O Min. Eros Grau, relator, manteve a decisão agravada. Inicialmente, ressaltou que houvera uma cadeia sucessiva de substituição de julgados, sendo que a última decisão prolatada pelo Tribunal a quo, que não conhecera do REsp, restabelecera o acórdão do tribunal estadual. No ponto, asseverou que a regra da substituição, prevista no mencionado art. 512 do CPC, refere-se às hipóteses em que o tribunal conhece do recurso, apreciando-lhe o mérito. Entendeu, ainda, que a inércia da agravante implicara a preclusão quanto à matéria constitucional. Assim, o trânsito em julgado das questões constitucionais seria suficiente para a manutenção do acórdão da apelação. Ademais, o tema pertinente à intangibilidade ou não do direito adquirido ou do ato jurídico perfeito não fora debatido pelo STJ quando do julgamento do especial ou dos embargos de divergência. Por fim, afirmou que o STF tem orientação consolidada de que da decisão do STJ, no REsp, só se admite RE se a questão constitucional neste levantada é diversa daquela resolvida pela instância ordinária. Após, pediu vista o Min. Cezar Peluso.
RE 458129 AgR/SC, rel. Min. Eros Grau, 10.10.2006. (RE-458129)


SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno11.10.2006--4
1ª Turma10.10.2006--80
2ª Turma10.10.2006--146



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Controle de Constitucionalidade nos Estados (Transcrições)

Rcl 4432/TO*

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
DECISÃO: Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, proposta pelo Município de Palmas, contra decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1.523, que suspendeu a vigência de dispositivos das Leis Complementares Municipais n°s 107/2004 e 79/2004 e do Decreto Executivo n° 353/2005, que tratam da taxa de coleta de lixo no município.
Alega o requerente que a decisão reclamada, ao suspender a vigência de atos normativos municipais com base em normas constitucionais estaduais que apenas reproduzem dispositivos da Constituição Federal, afronta a decisão proferida por esta Corte no julgamento da ADI n° 508, na qual firmou-se o entendimento segundo o qual o ordenamento constitucional não prevê a competência dos Tribunais de Justiça dos Estados para exercer o controle concentrado de constitucionalidade de leis municipais em face da Constituição Federal.
Afirma que a suspensão dos preceitos normativos mencionados tem causado "grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública" do Município de Palmas.
Assim, requer, em sede de medida liminar, a suspensão imediata dos efeitos da decisão impugnada, para que seja restaurada a eficácia dos dispositivos das Leis Complementares Municipais n°s 107/2004 e 79/2004 e do Decreto Executivo n° 353/2005, até o julgamento final desta reclamação.
Tendo em vista o teor do pedido formulado, solicitei informações ao Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, que as prestou às fls. 351-352 dos autos.
Decido.
A questão versada na presente reclamação diz respeito ao problema dos limites impostos aos Tribunais de Justiça dos Estados para o exercício do controle abstrato de constitucionalidade das leis ou atos normativos estaduais e municipais em face da Constituição estadual, o que implica a interpretação do art. 125, § 2o da Constituição Federal. De forma mais específica, questiona-se, neste caso, se existiriam normas da Constituição do Estado-membro que, por sua natureza peculiar, estariam excluídas da apreciação do Tribunal de Justiça. A questão ganha relevo diante da constatação de que muitas normas presentes nas Constituições estaduais apenas reproduzem dispositivos da Constituição Federal, ou, em outros casos, a eles fazem remissão.
Alega o reclamante que tais normas não podem servir de parâmetro para a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos municipais, pois dessa forma estar-se-ia conferindo ao Tribunal de Justiça a competência para exercer a fiscalização abstrata da constitucionalidade de leis ou atos normativos municipais em face da Constituição Federal, o que configuraria afronta à decisão deste Supremo Tribunal Federal na ADI n° 508/MG, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 23.5.2003, a qual possui a seguinte ementa:

"EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU ATO NORMATIVO MUNICIPAL, EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: CABIMENTO ADMITIDO PELA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, QUE ATRIBUI COMPETÊNCIA AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA PROCESSÁ-LA E JULGÁ-LA. INADMISSIBILIDADE. 1. O ordenamento constitucional brasileiro admite Ações Diretas de Inconstitucionalidade de leis ou atos normativos municipais, em face da Constituição estadual, a serem processadas e julgadas, originariamente, pelos Tribunais de Justiça dos Estados (artigo 125, parágrafo 2° da C.F.). 2. Não, porém, em face da Constituição Federal. 3. Aliás, nem mesmo o Supremo Tribunal Federal tem competência para Ações dessa espécie, pois o art. 102, I, "a", da C.F. só a prevê para Ações Diretas de Inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual. Não, assim, municipal. 4. De sorte que o controle de constitucionalidade de leis ou atos normativos municipais, diante da Constituição Federal, só se faz, no Brasil, pelo sistema difuso, ou seja no julgamento de casos concretos, com eficácia, "inter partes", não "erga omnes". 5. Precedentes. 6. Ação Direta julgada procedente, pelo S.T.F., para declarar a inconstitucionalidade das expressões "e da Constituição da República" e "em face da Constituição da República", constantes do art. 106, alínea "h", e do parágrafo 1° do art. 118, todos da Constituição de Minas Gerais, por conferirem ao respectivo Tribunal de Justiça competência para o processo e julgamento de A.D.I. de lei ou ato normativo municipal, em face da Constituição Federal. 7. Plenário. Decisão unânime."

Ressalto, no entanto, que o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de analisar, em sede de reclamação, a questão relativa à competência de Tribunal de Justiça estadual para conhecer de ação direta de inconstitucionalidade formulada contra lei municipal em face de parâmetro constitucional estadual que, na sua essência, reproduz disposição constitucional federal.
Cuidava-se de controvérsia sobre a legitimidade do IPTU instituído por lei municipal de São Paulo, capital (Lei municipal nº 11.152, de 30.12.91). Concedida a liminar pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, opôs a Prefeitura da capital daquele Estado reclamação perante o Supremo Tribunal Federal, sustentando que, embora fundada na inobservância de preceitos constitucionais estaduais, a ação direta acabava por submeter à apreciação do Tribunal de Justiça do Estado o contraste entre a lei municipal e normas da Constituição Federal (Rcl. nº 383, Rel. Min. Moreira Alves, julgada em 11.06.1992, DJ de 21.05.1993).
Anteriormente, julgando a Reclamação nº 370, afirmara o Supremo Tribunal Federal que faleceria competência aos Tribunais de Justiça estaduais para conhecer de representação de inconstitucionalidade de lei estadual ou municipal em face de parâmetros formalmente estaduais, mas substancialmente integrantes da ordem constitucional federal. Considerou-se então que a reprodução na Constituição estadual de normas constitucionais obrigatórias em todos os níveis da federação "em termos estritamente jurídicos" seria "ociosa" (Rcl. nº 370, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgada em 09.04.1992, DJ de 29.06.2001). Asseverou-se que o texto local de reprodução formal ou material, "não obstante a forma de proposição normativa do seu enunciado, vale por simples explicitação da absorção compulsória do preceito federal, essa, a norma verdadeira, que extrai força de sua recepção pelo ordenamento local, exclusivamente, da supremacia hierárquica absoluta da Constituição Federal" (Rcl. nº 370, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgada em 09.04.1992, DJ de 29.06.2001).
A tese concernente à ociosidade da reprodução de normas constitucionais federais obrigatórias no texto constitucional estadual esbarra já nos chamados princípios sensíveis, que impõem, inequivocamente, aos Estados-membros, a rigorosa observância daqueles estatutos mínimos (CF, art. 34, VII). Nenhuma dúvida subsiste de que a simples omissão da Constituição estadual, quanto à inadequada positivação de um desses postulados, no texto magno estadual, já configuraria ofensa suscetível de provocar a instauração da representação interventiva.
Não é menos certo, por outro lado, que o Estado-membro deve observar outras disposições constitucionais estaduais, de modo que, adotada a orientação esposada inicialmente pelo Supremo Tribunal Federal, ficaria o direito constitucional estadual - substancial - reduzido, talvez, ao preâmbulo e às cláusulas derrogatórias. Até porque, pelo modelo analítico de Constituição adotado entre nós, nem mesmo o direito tributário estadual pode ser considerado, segundo uma orientação ortodoxa, um direito substancialmente estadual, já que, além dos princípios gerais, aplicáveis à União, aos Estados e Municípios (arts. 145-149), das limitações ao poder de tributar (arts. 150-152), contempla o texto constitucional federal, em seções autônomas, os impostos dos Estados e do Distrito Federal (Seção IV - art. 155) e os impostos municipais (Seção V - art. 156). Como se vê, é por demais estreito o espaço efetivamente vago deixado ao alvedrio do constituinte estadual.
São elucidativas, a propósito, as seguintes passagens do voto do Ministro Moreira Alves na Rcl.nº 383:

"É petição de princípio dizer-se que as normas das Constituições estaduais que reproduzem, formal ou materialmente, princípios constitucionais federais obrigatórios para todos os níveis de governo na federação são inócuas, e, por isso mesmo, não são normas jurídicas estaduais, até por não serem jurídicas, já que jurídicas, e por isso eficazes, são as normas da Constituição Federal reproduzidas, razão por que não se pode julgar, com base nelas, no âmbito estadual, ação direta de inconstitucionalidade, inclusive, por identidade de razão, que tenha finalidade interventiva. (...)
Essas observações todas servem para mostrar, pela inadmissibilidade das conseqüências da tese que se examina, que não é exato pretender-se que as normas constitucionais estaduais que reproduzem as normas centrais da Constituição Federal (e o mesmo ocorre com as leis federais ou até estaduais que fazem a mesma reprodução) sejam inócuas e, por isso, não possam ser consideradas normas jurídicas. Essas normas são normas jurídicas, e têm eficácia no seu âmbito de atuação, até para permitir a utilização dos meios processuais de tutela desse âmbito (como o recurso especial, no tocante ao artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, e as ações diretas de inconstitucionalidade em face da Constituição Estadual). Elas não são normas secundárias que correm necessariamente a sorte das normas primárias, como sucede com o regulamento, que caduca quando a lei regulamentada é revogada. Em se tratando de norma ordinária de reprodução ou de norma constitucional estadual da mesma natureza, por terem eficácia no seu âmbito de atuação, se a norma constitucional federal reproduzida for revogada, elas, por terem eficácia no seu âmbito de atuação, persistem como normas jurídicas que nunca deixaram de ser. Os princípios reproduzidos, que, enquanto vigentes, se impunham obrigatoriamente por força apenas da Constituição Federal, quando revogados, permanecem, no âmbito de aplicação das leis ordinárias federais ou constitucionais estaduais, graças à eficácia delas resultante." (Rcl. nº 383, Rel. Min.Moreira Alves, julgada em 11.06.1992, DJ de 21.05.1993)

A prevalecer a orientação advogada na Reclamação nº 370, restaria completamente esvaziada a cláusula contida no art. 125, § 2º, da Constituição, uma vez que, antes de qualquer decisão, deveria o Tribunal de Justiça verificar, como questão preliminar, se a norma constitucional estadual não era mera reprodução do direito constitucional federal.
De resto, não estaria afastada a possibilidade de que, em qualquer hipótese, fosse chamado o Supremo Tribunal Federal, em reclamação, para dirimir controvérsia sobre o caráter federal ou estadual do parâmetro de controle.
A propósito, anotou, ainda, o Ministro Moreira Alves:

" (....) em nosso sistema jurídico de controle constitucional, a ação direta de inconstitucionalidade tem como causa petendi, não a inconstitucionalidade em face dos dispositivos invocados na inicial como violados, mas a inconstitucionalidade em face de qualquer dispositivo do parâmetro adotado (a Constituição Federal ou a Constituição Estadual). Por isso é que não há necessidade, para a declaração de inconstitucionalidade do ato normativo impugnado, que se forme maioria absoluta quanto ao dispositivo constitucional que leve cada juiz da Corte a declarar a inconstitucionalidade do ato. Ora, para se concluir, em reclamação, que a inconstitucionalidade argüida em face da Constituição Estadual seria uma argüição só admissível em face de princípio de reprodução estadual que, em verdade, seria princípio constitucional federal, mister se faria que se examinasse a argüição formulada perante o Tribunal local não apenas - como o parecer da Procuradoria-Geral da República fez no caso presente, no que foi acompanhado pelo eminente Ministro Velloso no voto que proferiu - em face dos preceitos constitucionais indicados na inicial, mas também, de todos o da Constituição Estadual. E mais, julgada procedente a reclamação, estar-se-ia reconhecendo que a lei municipal ou estadual impugnada não feriria nenhum preceito constitucional estritamente estadual, o que impossibilitaria nova argüição de inconstitucionalidade em face de qualquer desses preceitos, se, na conversão feita por meio da reclamação, a ação direta estadual em face da Constituição Federal fosse julgada improcedente, por não violação de qualquer preceito constitucional federal que não apenas os invocados na inicial. E como, com essa transformação, o Supremo Tribunal Federal não estaria sujeito ao exame da inconstitucionalidade da lei estadual ou municipal em face dos preceitos constitucionais invocados na inicial perante o Tribunal de Justiça, e tidos, na reclamação, como preceitos verdadeiramente federais, mudar-se-ia a causa petendi da ação: de inconstitucionalidade em face da Constituição Estadual para inconstitucionalidade em face da Constituição Federal, sem limitação, evidentemente, aos preceitos invocados na inicial". (Rcl. nº 383, Rel. Min. Moreira Alves, julgada em 11.06.1992, DJ de 21.05.1993)

A partir da decisão na Rcl. nº 383 assentou-se não configurada a usurpação de competência quando os Tribunais de Justiça analisam, em controle concentrado, a constitucionalidade de leis municipais ante normas constitucionais estaduais que reproduzem regra da Constituição de observância obrigatória. O acórdão possui a seguinte ementa:

"EMENTA: Reclamação com fundamento na preservação da competência do Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça na qual se impugna Lei municipal sob a alegação de ofensa a dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem dispositivos constitucionais federais de observância obrigatória pelos Estados. Eficácia jurídica desses dispositivos constitucionais estaduais. Jurisdição constitucional dos Estados-membros. - Admissão da propositura da ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local, com possibilidade de recurso extraordinário se a interpretação da norma constitucional estadual, que reproduz a norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance desta. Reclamação conhecida, mas julgada improcedente."

No mesmo sentido, cito a decisão proferida na ADI-QO n° 1.529/MT, Rel. Min. Octávio Gallotti (DJ 28.2.1997), assim ementada:

"EMENTA: É competente o Tribunal de Justiça (e não o Supremo Tribunal), para processar e julgar ação direta contra lei estadual contrastada com a norma da Constituição local, mesmo quando venha esta a consubstanciar mera reprodução de regra da Carta Federal, cabendo, em tese, recurso extraordinário de decisão que vier a ser proferida sobre a questão."

A questão também é objeto de análise da doutrina especializada no tema, como se pode verificar nas precisas lições de Leo Ferreira Leoncy (Controle de constitucionalidade estadual. São Paulo: Saraiva, 2006, no prelo):

"A despeito de ter outorgado aos Estados o poder de instituírem suas próprias Constituições, o legislador constituinte federal quase não deixou espaço para que os entes federativos inovassem nas matérias reservadas à sua competência.
Prova disso é o fato de a Constituição Federal ter previamente ordenado, em muitos aspectos, por meio das chamadas normas de observância obrigatória, a atividade do legislador constituinte decorrente, para o qual deixou como única saída, em inúmeras matérias, a mera repetição do discurso constitucional federal, por via da transposição de várias normas constitucionais federais para o texto da Constituição Estadual.
Por outro lado, em matérias nas quais a Constituição Federal outorgou ampla competência para que o constituinte estadual deliberasse a seu talante, com a possibilidade de edição das chamadas normas autônomas, este se limitou a imitar o disciplinamento eventualmente constante do modelo federal, mesmo quando a ele não se encontrava subordinado.
O resultado de tal fenômeno é a convivência, nos textos da Constituição da República e das Constituições Estaduais, de normas formal ou materialmente iguais, a configurar uma identidade normativa entre os parâmetros de controle federal e estadual.
Em vista disso, cabe indagar qual o Tribunal competente para apreciar a ação direta de inconstitucionalidade de norma local que afrontar tais normas constitucionais repetidas, se o guardião da Constituição Federal ou o defensor da Constituição do respectivo Estado-membro. (...)
(...) Tal questão vem a debate na medida em que, à primeira vista, uma vez violada a norma constitucional estadual de repetição, também restaria violada, ipso facto, a norma constitucional federal repetida. Daí o interesse em saber sob que parâmetro de controle se há de questionar a legitimidade do ato inquinado de inconstitucional e, resolvido isto, perante que Tribunal propor a ação direta correspondente."

Delimitado o problema, Leo Leoncy, após analisar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, assim conclui seu entendimento:

"Com o entendimento firmado na RCL 383, ficou assente que os parâmetros de controle federal e estadual guardam autonomia entre si, para fins de definir o Tribunal competente para se pronunciar acerca da inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo local. Assim, se a ilegitimidade da norma é argüida em face do parâmetro federal, de questão constitucional federal se trata, e o Supremo Tribunal Federal é competente para resolver a questão em sede de controle abstrato; por outro lado, se a ilegitimidade da norma é suscitada em face do parâmetro estadual, de questão constitucional estadual se trata, e o Tribunal de Justiça é que será competente para se pronunciar acerca da questão em sede de controle abstrato de normas.
Nesse sentido, desde que proposta a ação direta em face da Constituição Estadual, será competente o Tribunal de Justiça, que é o guardião do direito constitucional estadual. Com isso, o que parece definir a competência para julgamento de ação direta de inconstitucionalidade é o parâmetro de controle adotado (em outras palavras, a causa de pedir formulada na petição inicial de ação direta), sendo irrelevante se, no caso de controle abstrato em face da Constituição Estadual, o Tribunal de Justiça tiver que declarar a (i)legitimidade de norma perante dispositivos constitucionais estaduais que são mera reprodução de normas constitucionais federais de observância obrigatória para os Estados.
Essa orientação já foi diversas vezes reiterada pelo Tribunal, que tem ressaltado que "[o] § 2° do artigo 125 da Constituição Federal não contempla exceção: define a competência para a ação direta de inconstitucionalidade, a causa de pedir lançada na inicial; sendo esta o conflito da norma atacada com a Carta do Estado, impõe-se concluir pela competência do Tribunal de Justiça, pouco importando que ocorra repetição de preceito da Carta da República de adoção obrigatória" (RE 177.865, Rel. Min. Marco Aurélio, Ementário 1801-13, p. 2509. No mesmo sentido, cf. RCL 588, Rel. Min. Marco Aurélio, Ementário 1863-01, p. 136; RE 154.028, Rel. Min. Marco Aurélio, Ementário 1904-02, p. 415; RE 199293, Rel. Min. Marco Aurélio, Ementário 2158-3, p. 563).
Se assim é em relação às normas de reprodução (normas constitucionais federais de observância obrigatória reproduzidas na Carta local), com maior razão será para as normas de imitação (normas constitucionais federais não obrigatórias imitadas pelo constituinte estadual). Presentes na Constituição do Estado-membro por mera liberalidade do órgão constituinte decorrente, que o faz no exercício e dentro dos limites de sua autonomia constitucional, a impugnação de leis e atos normativos locais em face dessas normas de imitação não serve de pretexto para se deslocar a competência para processar e julgar a ação ao Supremo Tribunal Federal. É que tais normas "são frutos da autonomia do Estado-membro, da qual deriva a sua validade e, por isso, para todos os efeitos, são normas constitucionais estaduais" (RCL 370, Rel. Min. Octavio Gallotti, Ementário 2037-1, p. 56)."
Logo, a decisão de Tribunal de Justiça estadual que, em controle abstrato, declara a inconstitucionalidade de lei municipal em face de norma da Constituição do Estado que constitui mera repetição de dispositivo da Constituição Federal, não afronta o que decidido na ADI n° 508/MG, Rel. Min. Sydney Sanches (DJ 23.5.2003), na medida em que o parâmetro de controle, nesse caso, é a própria norma constitucional estadual.
Feitas essas digressões, é preciso deixar claro que, no caso em análise, como se pode aferir nas informações prestadas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, a ADI n° 1.523 tem como parâmetro de controle o art. 69, caput, da Constituição estadual, que assim dispõe:

"Art. 69. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, aplicam-se ao Estado e aos Municípios as vedações ao poder de tributar, previstas no art. 150 da Constituição Federal."

O Plenário do Tribunal de Justiça de Tocantins, apreciando o pedido de medida cautelar, entendeu plausíveis as alegações do requerente de que o Decreto n° 353/2005, que trata da taxa de coleta de lixo no Município de Palmas, violaria o referido art. 69, caput, da Constituição do Estado, especificamente, o princípio da legalidade como limite ao poder de tributar.
Como se vê, o art. 69, caput, da Constituição do Estado do Tocantins, representa o que a doutrina denomina de norma constitucional estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites ao poder de tributar, remete para as disposições constantes do art. 150 da Constituição Federal.
Sobre a problemática da aptidão das normas remissivas para compor o parâmetro de controle em abstrato de constitucionalidade no âmbito do Estado-membro, cito novamente as lições de Leo Leoncy (Controle de constitucionalidade estadual. São Paulo: Saraiva, 2006, no prelo):

"A elevação da Constituição do Estado-membro a parâmetro único e exclusivo do controle abstrato de normas estaduais torna oportuna a discussão acerca das normas constitucionais estaduais que podem ser consideradas idôneas para efeito de se realizar esse controle. O que se quer saber é se tal controle pode ser realizado em face de todas as normas da Constituição Estadual ou se, ao contrário, haveria algum tipo de norma que, em razão da sua natureza, não pudesse servir de parâmetro normativo idôneo. Nesse sentido, assume especial relevo a discussão acerca das chamadas normas jurídicas remissivas presentes nas diversas Constituições Estaduais.
Em sua grande maioria, as normas jurídicas trazem elas próprias a regulamentação imediata da matéria a que concernem, merecendo, por isso, a denominação de normas de regulamentação direta ou, em fórmula mais sintética, normas materiais. Por outro lado, em contraposição a estas normas, há outras em que a técnica utilizada para a atribuição de efeitos jurídicos a determinado fato contido na hipótese normativa é indireta, "consistindo numa remissão para outras normas materiais que ao caso se consideram, por esta via, aplicáveis". Tais normas podem designar-se normas de regulamentação indireta ou normas per relationem, sendo mais apropriado, entretanto, denominá-las normas remissivas.
Essa classificação das normas jurídicas em geral aplica-se também às normas constitucionais em particular, sendo possível, portanto, proceder à distinção entre normas constitucionais materiais e normas constitucionais remissivas, "consoante encerram em si a regulamentação ou a devolvem para a regulamentação constante de outras normas". Como não poderia deixar de ser, fenômeno semelhante ocorre com as normas contidas nas diversas Constituições Estaduais.
É comum o poder constituinte decorrente fazer constar das Constituições Estaduais um significativo número de proposições jurídicas remissivas à Constituição Federal. O uso de tais fórmulas acaba por revelar muitas vezes a intenção daquele constituinte de transpor para o plano constitucional estadual a mesma disciplina normativa existente para uma determinada matéria no plano constitucional federal.
Diante dessa constatação, coloca-se o problema de saber se tais proposições jurídicas remissivas constantes das Constituições Estaduais configuram parâmetro normativo idôneo para o efeito de se proceder, em face delas, ao controle da legitimidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais perante os Tribunais de Justiça dos Estados.
Uma das dificuldades encontradas radica no fato de que, para se revelar o conteúdo normativo da norma estadual de remissão, em face da qual se impugna a lei ou ato normativo local, seria necessário valer-se antes do(s) dispositivo(s) da Constituição Federal mencionado(s) ou remetido(s). Nesses termos, a norma constitucional estadual não possuiria conteúdo próprio, por não revelar sentido normativo autônomo.
(...) Nesta hipótese, a questão que se coloca pode ser assim formulada: seria possível impugnar por meio de ação direta, perante Tribunal de Justiça, lei ou ato normativo local por violação ao princípio da isonomia previsto na Constituição Federal e ao qual, segundo aquela proposição remissiva genérica, a Constituição do Estado-membro faz referência?

O Supremo Tribunal Federal enfrentou essa questão no julgamento do RE n° 213.120/BA, Re. Min. Maurício Corrêa, DJ 2.6.2000, diante de norma remissiva constante da Constituição do Estado da Bahia (art. 149), que possui o seguinte teor: "O sistema tributário estadual obedecerá ao disposto na Constituição Federal, em leis complementares federais, em resoluções do Senado Federal, nesta Constituição e em leis ordinárias". Na ocasião, o Tribunal entendeu que tal norma não poderia figurar como parâmetro de controle de constitucionalidade perante o Tribunal de Justiça estadual. O julgado está assim ementado:

"EMENTA: CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL. PRESSUPOSTOS. HIPÓTESE DE NORMAS QUE FAZEM MERA REMISSÃO FORMAL AOS PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A simples referência aos princípios estabelecidos na Constituição Federal não autoriza o exercício do controle abstrato da constitucionalidade de lei municipal por este Tribunal. 2. O ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade perante esta Corte só é permitido se a causa de pedir consubstanciar norma da Constituição Estadual que reproduza princípios ou dispositivos da Carta da República. 3. A hipótese não se identifica com a jurisprudência desta Corte que admite o controle abstrato de constitucionalidade de ato normativo municipal quando a Constituição Estadual reproduz literalmente os preceitos da Carta Federal. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido para declarar o autor carecedor do direito de ação."

Porém, esse posicionamento foi superado no julgamento da RCL n° 733/BA, na qual o Tribunal, por unanimidade de votos, seguiu o voto do Ministro Ilmar Galvão, relator, no sentido de que as normas pertencentes à Constituição estadual, que remetem à disciplina de determinada matéria na Constituição Federal, podem servir de parâmetro de controle abstrato de constitucionalidade no âmbito estadual. No caso, tratava-se do art. 5o, caput, da Constituição do Estado do Piauí, que possui o seguinte teor: "O Estado assegura, no seu território e nos limites de sua competência, a inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais que a Constituição Federal confere aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país".
Sobre o acerto desse novo posicionamento do Tribunal, Leo Leoncy tece os seguintes comentários, em análise crítica da decisão proferida anteriormente no RE n° 213.120:

"Em face de tal decisão (proferida no RE n° 213.120), convém perguntar se o uso de normas remissivas pelo constituinte estadual, para disciplinar determinada matéria que em outras normas elaboradas pelo constituinte federal já teve sua disciplina amplamente formulada, inviabiliza a defesa processual daquelas, em controle abstrato, perante o Tribunal de Justiça. Para resolver essa questão, é preciso desenvolver um pouco mais a noção de norma jurídica remissiva, para, ao final, tecerem-se algumas conclusões a respeito. Para isso, far-se-á uso dos conhecimentos disponíveis em teoria geral do direito.
A remissão por meio de proposições jurídicas é um recurso técnico-legislativo de que o legislador se vale para evitar repetições incômodas. Proposições jurídicas dessa natureza "remetem, tendo em vista um elemento da previsão normativa ou a conseqüência jurídica, para outra proposição jurídica". Daí porque tais proposições serem consideradas como proposições jurídicas incompletas.
Consideradas isoladamente, tais proposições carecem de maior significado, apenas o adquirindo em união com outras proposições jurídicas. Daí se afirmar que as proposições jurídicas incompletas são apenas partes de outras proposições normativas.
Para Larenz, "[t]odas as proposições deste género são frases gramaticalmente completas, mas são, enquanto proposições jurídicas, incompletas". Não obstante, tais normas são válidas, são tidas como direito vigente, recebendo sua força constitutiva, fundamentadora de conseqüências jurídicas, quando em conexão com outras proposições jurídico-normativas.
Esse caráter incompleto das proposições jurídicas remissivas remete ainda a uma outra classificação doutrinária. Nesse sentido, outra dicotomia que merece atenção é a relativa às normas autônomas e às normas não autônomas ou dependentes, "consoante valem por si, contêm todos os elementos de uma norma jurídica, ou somente valem integradas ou conjugadas com outras". Desse modo, normas autônomas "são as que têm por si um sentido [normativo] completo" e não autônomas ou dependentes as que "exigem a combinação com outras".
Uma proposição autônoma "basta-se a si própria, tem nos seus termos todos os elementos necessários para a definição do seu alcance normativo". Por outro lado, uma proposição não autônoma "não contém todos esses elementos", devendo ser conexionada com outra proposição jurídica "para que o comando que nela se contém fique completo".
Imbricando uma e outra classificação, é possível afirmar que apenas as normas materiais seriam normas autônomas, porquanto as normas remissivas, por carecerem dos elementos de uma outra norma jurídica com a qual ganhariam sentido se e quando conjugadas, constituem-se, em última análise, em normas não autônomas ou dependentes.
A norma constitucional estadual de remissão, na condição de norma dependente, toma de empréstimo, portanto, um determinado elemento da norma constitucional federal remetida, não se fazendo completa senão em combinação com este componente normativo externo ao texto da Constituição Estadual.
Essa circunstância, todavia, não retira a força normativa das normas constitucionais estaduais de remissão, que, uma vez conjugadas com as normas às quais se referem, gozam de todos os atributos de uma norma jurídica. É o que se extrai da seguinte passagem de Karl Larenz:

"O serem proposições jurídicas, se bem que incompletas, significa que comungam do sentido de validade da lei, que não são proposições enunciativas, mas partes de ordenações de vigência. Todavia, a sua força constitutiva, fundamentadora de conseqüências jurídicas, recebem-na só em conexão com outras proposições jurídicas".

Com isso, se uma norma estadual ou municipal viola ou não uma proposição constitucional estadual remissiva, é circunstância que apenas se saberá após a combinação entre norma remissiva e norma remetida, que é o que vai determinar o alcance normativo do parâmetro de controle a ser adotado. Entretanto, uma vez determinado esse alcance, a anulação da norma estadual ou municipal por violação a tal parâmetro nada mais é do que uma conseqüência da supremacia da Constituição Estadual no âmbito do Estado-membro. Em outras palavras, as conseqüências jurídicas decorrentes de eventual violação à proposição remissiva constante da Constituição Estadual derivam da própria posição hierárquico-normativa superior desta no âmbito do ordenamento jurídico do Estado-membro, e não da norma da Constituição Federal a que se faz referência.
Assim, se as proposições remissivas constantes das diversas Constituições Estaduais, apesar de seu caráter dependente e incompleto, mantêm sua condição de proposições jurídicas, não haveria razão para se lhes negar a condição de parâmetro normativo idôneo para se proceder, em face delas, ao controle abstrato de normas perante os Tribunais de Justiça.
Essa parece ser a tese subjacente ao entendimento adotado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que, no julgamento da RCL 733, por unanimidade de votos, seguiu a orientação do Min. Ilmar Galvão, no sentido de que as normas constitucionais estaduais remissivas à disciplina de determinada matéria prevista na Constituição Federal constituem parâmetro idôneo de controle no âmbito local.(...)"

Portanto, tal qual o entendimento adotado na RCL n° 383 para as hipóteses de normas constitucionais estaduais que reproduzem dispositivos da Constituição Federal, também as normas constitucionais estaduais de caráter remissivo podem compor o parâmetro de controle das ações diretas de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça estadual. Dessa forma, também aqui não é possível vislumbrar qualquer afronta à ADI n° 508/MG, Rel. Min. Sydney Sanches (DJ 23.5.2003).
Com essas considerações, nego seguimento à presente reclamação, por ser manifestamente improcedente, ficando prejudicado o pedido de medida liminar (art. 21, § 1o, do RISTF).

Publique-se.

Arquive-se.

Brasília, 27 de setembro de 2006.

Ministro GILMAR MENDES
Relator

* decisão publicada no DJU de 10.10.2006



Assessora responsável pelo Informativo

Anna Daniela de A. M. dos Santos
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