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quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Informativo STF 454 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 1º e 2 de fevereiro de 2007 - Nº 454.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO



Plenário
Competência da Justiça do Trabalho e Matéria Penal
Reclamação: Cabimento e Senado Federal no Controle da Constitucionalidade - 1
Reclamação: Cabimento e Senado Federal no Controle da Constitucionalidade - 2
Reclamação: Cabimento e Senado Federal no Controle da Constitucionalidade - 3
Reclamação: Cabimento e Senado Federal no Controle da Constitucionalidade - 4
Lei 9.637/98: Organizações Sociais - 3
Lei 9.637/98: Organizações Sociais - 4
Coisa Julgada e TCU
ADI e Portaria
1ª Turma
2ª Turma
Transcrições
Direito de Recorrer em Liberdade (HC 89754 MC/BA)
Lei 8.742/93, Art. 20, § 3º: Benefício Assistencial e Critérios para Concessão (Rcl 4374 MC/PE)


PLENÁRIO


Competência da Justiça do Trabalho e Matéria Penal

O Tribunal deferiu pedido de liminar formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-Geral da República para, com efeito ex tunc, dar interpretação conforme à Constituição Federal aos incisos I, IV e IX do seu art. 114 no sentido de que neles a Constituição não atribuiu, por si sós, competência criminal genérica à Justiça do Trabalho (CF: "Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:... I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;... IV - os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;... IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei."). Entendeu-se que seria incompatível com as garantias constitucionais da legalidade e do juiz natural inferir-se, por meio de interpretação arbitrária e expansiva, competência criminal genérica da Justiça do Trabalho, aos termos do art. 114, I, IV e IX da CF. Quanto ao alegado vício formal do art. 114, I, da CF, reportou-se à decisão proferida pelo Plenário na ADI 3395/DF (DJU de 19.4.2006), na qual se concluiu que a supressão do texto acrescido pelo Senado em nada alterou o âmbito semântico do texto definitivo, tendo em conta a interpretação conforme que lhe deu.
ADI 3684 MC/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 1º.2.2007. (ADI-3684)

Reclamação: Cabimento e Senado Federal no Controle da Constitucionalidade - 1

O Tribunal iniciou julgamento de reclamação ajuizada contra decisões do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco-AC, pelas quais indeferira pedido de progressão de regime em favor de condenados a penas de reclusão em regime integralmente fechado em decorrência da prática de crimes hediondos. Alega-se, na espécie, ofensa à autoridade da decisão da Corte no HC 82959/SP (DJU de 1º.9.2006), em que declarada a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que vedava a progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos. O Min. Gilmar Mendes, relator, julgou procedente a reclamação, para cassar as decisões impugnadas, assentando que caberá ao juízo reclamado proferir nova decisão para avaliar se, no caso concreto, os interessados atendem ou não os requisitos para gozar do referido benefício, podendo determinar, para esse fim, e desde que de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.
Rcl 4335/AC, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.2.2007. (Rcl-4335)

Reclamação: Cabimento e Senado Federal no Controle da Constitucionalidade - 2

Preliminarmente, quanto ao cabimento da reclamação, o relator afastou a alegação de inexistência de decisão do STF cuja autoridade deva ser preservada. No ponto, afirmou, inicialmente, que a jurisprudência do STF evoluiu relativamente à utilização da reclamação em sede de controle concentrado de normas, tendo concluído pelo cabimento da reclamação para todos os que comprovarem prejuízo resultante de decisões contrárias às suas teses, em reconhecimento à eficácia vinculante erga omnes das decisões de mérito proferidas em sede de controle concentrado. Em seguida, entendeu ser necessário, para análise do tema, verificar se o instrumento da reclamação fora usado de acordo com sua destinação constitucional: garantir a autoridade das decisões do STF; e, depois, superada essa questão, examinar o argumento do juízo reclamado no sentido de que a eficácia erga omnes da decisão no HC 82959/SP dependeria da expedição da resolução do Senado suspendendo a execução da lei (CF, art. 52, X). Para apreciar a dimensão constitucional do tema, discorreu sobre o papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade.
Rcl 4335/AC, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.2.2007. (Rcl-4335)

Reclamação: Cabimento e Senado Federal no Controle da Constitucionalidade - 3

Aduziu que, de acordo com a doutrina tradicional, a suspensão da execução pelo Senado do ato declarado inconstitucional pelo STF seria ato político que empresta eficácia erga omnes às decisões definitivas sobre inconstitucionalidade proferidas em caso concreto. Asseverou, no entanto, que a amplitude conferida ao controle abstrato de normas e a possibilidade de se suspender, liminarmente, a eficácia de leis ou atos normativos, com eficácia geral, no contexto da CF/88, concorreram para infirmar a crença na própria justificativa do instituto da suspensão da execução do ato pelo Senado, inspirado numa concepção de separação de poderes que hoje estaria ultrapassada. Ressaltou, ademais, que ao alargar, de forma significativa, o rol de entes e órgãos legitimados a provocar o STF, no processo de controle abstrato de normas, o constituinte restringiu a amplitude do controle difuso de constitucionalidade.
Rcl 4335/AC, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.2.2007. (Rcl-4335)

Reclamação: Cabimento e Senado Federal no Controle da Constitucionalidade - 4

Considerou o relator que, em razão disso, bem como da multiplicação de decisões dotadas de eficácia geral e do advento da Lei 9.882/99, alterou-se de forma radical a concepção que dominava sobre a divisão de poderes, tornando comum no sistema a decisão com eficácia geral, que era excepcional sob a EC 16/65 e a CF 67/69. Salientou serem inevitáveis, portanto, as reinterpretações dos institutos vinculados ao controle incidental de inconstitucionalidade, notadamente o da exigência da maioria absoluta para declaração de inconstitucionalidade e o da suspensão de execução da lei pelo Senado Federal. Reputou ser legítimo entender que, atualmente, a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito de publicidade, ou seja, se o STF, em sede de controle incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação àquela Casa legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso. Concluiu, assim, que as decisões proferidas pelo juízo reclamado desrespeitaram a eficácia erga omnes que deve ser atribuída à decisão do STF no HC 82959/SP. Após, pediu vista o Min. Eros Grau.
Rcl 4335/AC, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.2.2007. (Rcl-4335)

Lei 9.637/98: Organizações Sociais - 3

O Tribunal retomou julgamento de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores - PT e pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT contra a Lei 9.637/98 - que dispõe sobre a qualificação como organizações sociais de pessoas jurídicas de direito privado, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que mencionam, a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências -, e contra o inciso XXIV do art. 24 da Lei 8.666/93, com a redação dada pelo art. 1º da Lei 9.648/98, que autoriza a celebração de contratos de prestação de serviços com organizações sociais, sem licitação - v. Informativos 156 e 421. Em voto-vista, o Min. Eros Grau divergiu do relator e deferiu a cautelar para suspender a eficácia do disposto no art. 1º da Lei 9.648/98 e nos artigos 5º, 11 a 15 e 20 da Lei 9.637/98. Inicialmente, não obstante o longo tempo de vigência dos preceitos impugnados, reputou presente o periculum in mora e asseverou que os agentes econômicos privados já estariam autorizados a explorar, em nome próprio, atividades relacionadas às áreas referidas na Lei 9.637/98, independentemente do advento dessa lei, ressaltando que educação e saúde consubstanciam serviço público. Entendeu, entretanto, inexistir razão a justificar a celebração de contrato de gestão com as organizações sociais, bem como a destinação de recursos orçamentários, de bens públicos móveis e imóveis e de cessão especial de servidores, com ônus para a origem, tal como previsto na Lei 9.637/98,tudo em aparente ofensa ao princípio da licitação. Assim, considerou a manifesta inconstitucionalidade do art. 24, XXIV, da Lei 8.666/93, com a redação dada pelo art. 1º da Lei 9.648/98; o art. 5º da Lei 9.637/98, na medida em que coloca sob indefinido e difuso regime de parceria o cumprimento de funções do Estado; o art. 20, que prevê a criação do Programa Nacional de Publicização, o qual consistiria na privatização de funções estatais, sob pena de violação aos artigos 1º, 3º, 215, 218 e 225 da CF. Concluiu, ainda, que os preceitos veiculados pelos artigos 1º a 4º, 7º a 11 e 16 a 19 tornar-se-iam inócuos com a suspensão liminar dos efeitos dos artigos cuja inconstitucionalidade parece irrefutável e que os artigos 21 a 23, estariam, à primeira vista, dotados de efeitos concretos, a inviabilizar a sua apreciação na via eleita.
ADI 1923 MC/DF, rel. Min. Ilmar Galvão, 2.2.2007. (ADI-1923)

Lei 9.637/98: Organizações Sociais - 4

O Min. Ricardo Lewandowski, tendo em conta que a lei impugnada está em vigor desde maio de 1998, ressaltou que o periculum in mora se inverteria e militaria em favor das entidades já constituídas e, por sua vez, deferiu parcialmente a cautelar somente em relação ao art. 1º da Lei n 9.648/98 para declarar que, a partir de agora, as organizações sociais instituídas estão obrigadas a licitar quando forem prestar serviços para a Administração Pública. O Min. Joaquim Barbosa acompanhou o voto do Min. Eros Grau, com as achegas do voto do Min. Ricardo Lewandowski. Após o voto do Min. Sepúlveda Pertence, que seguia o voto do relator no tocante aos serviços de saúde, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista do Min. Gilmar Mendes. Não participam da votação em relação ao art. 1º da Lei 9.637/98 os Ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes por sucederem aos Ministros Moreira Alves e Néri da Silveira, que já proferiram votos e, também, não votam os Ministros Cármen Lúcia e Carlos Britto, por sucederem aos Ministros Nelson Jobim e Ilmar Galvão.
ADI 1923 MC/DF, rel. Min. Ilmar Galvão, 2.2.2007. (ADI-1923)

Coisa Julgada e TCU

O Tribunal iniciou julgamento de mandado de segurança impetrado contra ato do TCU que determinara a suspensão do pagamento da incorporação do reajuste de 26,05% e 26,06% (vencimentos de fevereiro de 1989 e julho de 1987, respectivamente) aos proventos de servidora pública aposentada. Alega a impetração ofensa à coisa julgada, haja vista que os referidos percentuais teriam sido incorporados aos vencimentos da impetrante por decisão judicial transitada em julgado. Pleiteia, ainda, o reconhecimento da legalidade dessa incorporação. Por entender caracterizada a ofensa ao princípio da intangibilidade da coisa julgada, o Min. Eros Grau, relator, deferiu o writ para decretar, no que se refere à impetrante, a nulidade do acórdão proferido pelo TCU. Considerou que a exclusão da parcela remuneratória dos proventos ocorrera quando não era mais possível à União fazer uso da ação rescisória, uma vez que transcorrido o prazo legal para seu ajuizamento, não sendo admissível, assim, que tal parcela fosse retirada unilateralmente pelo órgão do Poder Legislativo, ainda que a decisão judicial viesse a contrariar jurisprudência consolidada em momento posterior. Ressaltou que, no caso, a incorporação dessas parcelas aos vencimentos se efetuara por força de decisão judicial transitada em julgado em época na qual a jurisprudência não estava consolidada. Por fim, asseverou existir determinação explícita, na sentença, no sentido da incorporação definitiva dos percentuais referentes à URP, bem como ser irrelevante, em virtude da garantia da irredutibilidade dos vencimentos, a opção da impetrante pelo regime estatutário. Após, pediu vista o Min. Joaquim Barbosa.
MS 25430/DF, rel. Min. Eros Grau, 2.2.2007. (MS-25430)

ADI e Portaria

O Tribunal iniciou julgamento de agravo regimental em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, em face da Portaria 796/2000, do Ministro da Justiça, que dispõe sobre a classificação, para efeito indicativo, de diversões e espetáculos públicos e de programas de rádio e televisão. O Min. Cezar Peluso, relator, negou provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelos Ministros Carlos Britto, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Gilmar Mendes, mantendo os fundamentos da decisão agravada, pela qual extinguira o processo, sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, c/c o art. 21, § 1º do RISTF, por entender que o ato impugnado reveste-se de caráter meramente regulamentar, extraindo seu fundamento de validade do art. 74 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei 8.069/90). Em divergência, o Min. Marco Aurélio, acompanhado pelos Ministros Eros Grau, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa, deu provimento ao recurso para admitir a ação direta. Tendo em conta a alegação do requerente no sentido de que o Ministro da Justiça, a pretexto de regulamentar, teria extravasado os limites próprios à regulamentação e adentrado o campo do cerceio à liberdade de expressão, considerou que a matéria deve vir a julgamento depois de instruída a ação direta já com pronunciamento, inclusive, do Procurador-Geral da República. Após, o julgamento foi suspenso para aguardar o voto de desempate da Min. Ellen Gracie, presidente.
ADI 2398 AgR/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, 2.2.2007. (ADI-2398)



PRIMEIRA TURMA


Não houve sessão da Primeira Turma.



SEGUNDA TURMA


Não houve sessão da Segunda Turma.


SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno-- 1º e 2.2.200718
1ª Turma------
2ª Turma------


T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.


Direito de Recorrer em Liberdade (Transcrições)

HC 89754 MC/BA*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. CONDENAÇÃO PENAL RECORRÍVEL. PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE NÃO-CULPABILIDADE (CF, ART. 5º, LVII). CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 7º, Nº 2). A QUESTÃO DA DECRETABILIDADE DA PRISÃO CAUTELAR. POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL, DESDE QUE SATISFEITOS OS REQUISITOS MENCIONADOS NO ART. 312 DO CPP. NECESSIDADE DA VERIFICAÇÃO CONCRETA, EM CADA CASO, DA IMPRESCINDIBILIDADE DA ADOÇÃO DESSA MEDIDA EXTRAORDINÁRIA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ACÓRDÃO QUE ORDENA A PRISÃO DA PACIENTE, POR REPUTAR LEGÍTIMA "A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DO JULGADO" E, TAMBÉM, PELO FATO DE OS RECURSOS EXCEPCIONAIS DEDUZIDOS PELA SENTENCIADA (RE E RESP) NÃO POSSUÍREM EFEITO SUSPENSIVO. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

DECISÃO: A presente impetração insurge-se contra decisão, que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, encontra-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 248):

"(...). I. Tanto o recurso especial quanto o extraordinário - inadmitidos na origem - não têm, de regra, efeito suspensivo, razão pela qual a eventual interposição destes não é hábil a impedir a imediata execução do julgado, com a expedição de mandado prisional contra o réu para o início do cumprimento da pena. Precedentes do STJ e do STF.
II. A regra do art. 675 do Código de Processo Penal, que prevê a expedição de mandado de prisão somente após o trânsito em julgado da condenação, aplica-se apenas no caso de recurso com efeito suspensivo, hipótese não verificada no presente caso. Precedente da Suprema Corte.
III. Não ocorre violação ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não-culpabilidade, sendo irrelevante o fato de a acusada ter permanecido em liberdade durante todo o processo, e ter apelado solta, pois a prisão ora atacada constitui-se em efeito da condenação.
IV. Ordem denegada." (grifei)

A ora paciente, que respondeu em liberdade ao processo penal contra ela instaurado (fls. 15), pretende a cassação da ordem de prisão cautelar, por entendê-la incompatível com a presunção constitucional de não-culpabilidade, eis que, no caso em exame, a condenação penal sequer transitou em julgado.
O acórdão emanado do E. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (que motivou a decisão do E. Superior Tribunal de Justiça, ora questionada nesta sede processual), ao ordenar a expedição do mandado de prisão contra a paciente, assim fundamentou a decretação da mencionada custódia cautelar (fls. 65/66):

"Considerando o fato de ter sido concedido à apelante o direito de apelar em liberdade, em face de improvimento deste apelo, deve ser expedido mandado de prisão, tendo em vista que, contra a decisão condenatória, à unanimidade, em segundo grau de jurisdição cabem, tão-só, a princípio, recursos de natureza extraordinária - recursos especial e extraordinário - sem efeito suspensivo, de acordo com art. 27, § 2º, da Lei nº 8.038/90 e art. 637 do CPP, combinados, ainda, com a Súmula nº 267 do STJ, se afigura legítima a execução provisória do julgado, consistente na constrição do condenado, ainda que não transitada em julgado a respectiva ação penal. Sem, também, ofender o princípio da presunção de inocência. Neste sentido, citando precedentes: (STF - HC 84909-MG - 2ª T. - Rel. Min. Gilmar Mendes - DJ 06.02.2005)." (grifei)

Presente esse contexto, cabe verificar se os fundamentos subjacentes à decisão questionada nesta sede processual - que confirmou o entendimento do Tribunal de Justiça local - ajustam-se, ou não, ao magistério jurisprudencial desta Suprema Corte em tema de prisão cautelar.
O Supremo Tribunal Federal, em sucessivas decisões sobre a matéria em análise, tem assinalado não se revelar incompatível com o postulado constitucional da não-culpabilidade a utilização, pelo Estado, das diversas modalidades que a prisão cautelar assume em nosso sistema de direito positivo (RTJ 138/762 - RTJ 142/855-856, v.g.).
Cabe ressaltar, neste ponto, que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos também não assegura, de modo irrestrito, ao condenado, o direito de (sempre) recorrer em liberdade, pois o Pacto de São José da Costa Rica, em tema de proteção ao "status libertatis" do réu, estabelece, em seu Artigo 7º, nº 2, que "Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos Estados-Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas", admitindo, desse modo, a possibilidade de cada sistema jurídico nacional instituir - como o faz o ordenamento estatal brasileiro - os casos em que se legitimará, ou não, a privação cautelar da liberdade de locomoção física do réu ou do condenado (RTJ 168/526- -527 - RTJ 171/857 - RTJ 186/576-577, v.g.).
Veja-se, portanto, que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao remeter, ao plano do direito positivo interno, a definição normativa das situações legitimadoras de prisão, reconhece que o tratamento dessa matéria deve efetivar-se de acordo com o ordenamento de cada Estado nacional, cuja Constituição e leis qualificam-se, nesse contexto, como estatutos de regência dos pressupostos de admissibilidade de privação da liberdade de locomoção física do cidadão, inclusive das medidas cautelares de constrição de seu "jus libertatis", de tal modo que, em última análise, o exame da legitimidade jurídica da prisão processual do indiciado, do réu ou do sentenciado referir-se-á, invariavelmente, à análise das próprias prescrições fundadas na legislação nacional, como sucede, p. ex., com a necessária e concreta verificação, em cada caso ocorrente, das hipóteses previstas no art. 312 do CPP, mesmo que se trate de prisão cautelar motivada por condenação penal meramente recorrível.
É por tal razão que a jurisprudência desta Suprema Corte - embora admitindo a convivência entre os diversos instrumentos de tutela cautelar penal postos à disposição do Poder Público, de um lado, e a presunção constitucional de não-culpabilidade (CF, art. 5º, LVII) e o Pacto de São José da Costa Rica (Artigo 7º, nº 2), de outro - tem advertido sobre a necessidade de estrita observância, pelos órgãos judiciários competentes, de determinadas exigências (RTJ 134/798), em especial a demonstração - apoiada em decisão impregnada de fundamentação substancial - que evidencie a imprescindibilidade, em cada situação ocorrente, da adoção da medida constritiva do "status libertatis" do indiciado/réu, sob pena de caracterização de ilegalidade ou de abuso de poder na decretação da prisão meramente processual:

"PRISÃO PREVENTIVA - CARÁTER EXCEPCIONAL.
- A privação cautelar da liberdade individual, não obstante o caráter excepcional de que se reveste, pode efetivar-se, desde que o ato judicial que a formaliza tenha fundamentação substancial, com base em elementos concretos e reais que se ajustem aos pressupostos formais de decretabilidade da prisão preventiva. Uma vez comprovada a materialidade dos fatos delituosos e constatada a existência de indícios suficientes de autoria, nada impede a válida decretação, pelo Poder Judiciário, dessa modalidade de prisão cautelar. Doutrina e jurisprudência. (...)."
(HC 80.892/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
"(...). A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade.
A prisão preventiva, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e indício suficiente de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu.
.......................................................
- Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão preventiva. (...)."
(RTJ 180/262-264, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Mesmo na hipótese de prisão cautelar motivada por condenação recorrível, ainda assim se impõe, para efeito de legitimação desse ato excepcional (RTJ 148/752-753), a observância de certos requisitos, sem os quais tornar-se-á destituída de validade jurídica a ordem de privação cautelar da liberdade individual do sentenciado, consoante adverte o magistério da doutrina (ROBERTO DELMANTO JÚNIOR, "As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração", p. 202/234, itens ns. 6 e 7, 2ª ed., 2001, Renovar; LUIZ FLÁVIO GOMES, "Direito de Apelar em Liberdade", p. 104, item n. 3, 2ª ed., 1996, RT; PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN/JORGE ASSAF MALULY, "Curso de Processo Penal", p. 163/164, item n. 7.1.5, 3ª ed., 2005, Forense; MARCELLUS POLASTRI LIMA, "A Tutela Cautelar no Processo Penal", p. 286/301, item n. 4.4.3.1.5, 2005, Lumen Juris; ROGERIO SCHIETTI MACHADO CRUZ, "Prisão Cautelar", 2006, Lumen Juris, v.g.), cujas lições, no tema, têm merecido o beneplácito da jurisprudência desta Corte Suprema.
Com efeito, proferida sentença penal condenatória, nada impede que o Poder Judiciário, a despeito do caráter recorrível desse ato sentencial, decrete, excepcionalmente, a prisão cautelar do réu condenado, desde que existam, no entanto, quanto a ela, reais motivos evidenciadores da necessidade de adoção dessa extraordinária medida constritiva de ordem pessoal:

"(...) PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE NÃO-CULPABILIDADE E SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRÍVEL: HIPÓTESE DE TUTELA CAUTELAR PENAL.
- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de reconhecer que a efetivação da prisão decorrente de sentença condenatória meramente recorrível não transgride o princípio constitucional da não-culpabilidade do réu, eis que, em tal hipótese, a privação da liberdade do sentenciado - por revestir-se de cautelaridade - não importa em execução definitiva da 'sanctio juris'."
(RTJ 193/936, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

"(...). O princípio constitucional de não-culpabilidade dos réus, fundado no art. 5º, LVII, da Carta Política, não se qualifica como obstáculo jurídico à efetivação da prisão processual do condenado, desde que presentes, quanto a ela, os requisitos condicionadores dessa excepcional medida cautelar de ordem pessoal, não obstante pendente de apreciação, pela via do recurso especial (STJ) ou do recurso extraordinário (STF), o acórdão de Tribunal de jurisdição inferior. A prisão cautelar fundada em condenação penal meramente recorrível não se confunde com a execução provisória da pena. (...)."
(HC 71.644/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

O exame do acórdão ora questionado - que admitiu a possibilidade de decretação da prisão da paciente, pelo só fato de o recurso cabível contra a sentença condenatória não possuir efeito suspensivo - parece revelar que essa decisão não se ajustaria ao magistério jurisprudencial prevalecente nesta Suprema Corte, pois - insista-se - a denegação, ao sentenciado, do direito de recorrer em liberdade depende, para legitimar-se, da ocorrência concreta de qualquer das hipóteses referidas no art. 312 do CPP (RTJ 195/603, Rel. Min. GILMAR MENDES - HC 84.434/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES - HC 86.164/RO, Rel. Min. CARLOS BRITTO, v.g.), a significar, portanto, que, inexistindo fundamento autorizador da privação meramente processual da liberdade do réu, esse ato de constrição reputar-se-á ilegal, porque destituído, em referido contexto, da necessária cautelaridade (RTJ 193/936).
Em suma: a prisão processual, de ordem meramente cautelar, ainda que fundada em sentença condenatória recorrível, tem, como pressuposto legitimador, a existência de situação de real necessidade, apta a ensejar, ao Estado, quando efetivamente ocorrente, a adoção - sempre excepcional - dessa medida constritiva de caráter pessoal.
É importante ressaltar, neste ponto, que a ora paciente permaneceu em liberdade ao longo do processo penal em que proferida a condenação contra a qual se insurge, agora, em sede de recurso excepcional, decorrendo, a ordem de prisão - contestada na presente impetração -, da circunstância de o recurso especial e de o recurso extraordinário possuírem efeito meramente devolutivo (fls. 65/66).
Em situações como a que ora se registra nesta causa, o Supremo Tribunal Federal tem garantido, ao condenado, ainda que em sede cautelar, o direito de aguardar em liberdade o julgamento dos recursos interpostos, mesmo que destituídos de eficácia suspensiva (HC 85.710/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO - HC 88.276/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - HC 88.460/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, v.g.), valendo referir, por relevante, que ambas as Turmas desta Suprema Corte (HC 85.877/PE, Rel. Min. GILMAR MENDES, e HC 86.328/RS, Rel. Min. EROS GRAU) já asseguraram, até mesmo de ofício, ao paciente, o direito de recorrer em liberdade.
Desse modo, e como precedentemente já assinalado, se a ora paciente respondeu ao processo em liberdade, a prisão contra ela decretada - embora fundada em condenação penal recorrível (o que lhe atribui índole eminentemente cautelar) - somente se justificaria, se, motivada por fato posterior, este se ajustasse, concretamente, a qualquer das hipóteses referidas no art. 312 do CPP, circunstância esta que não se demonstrou ocorrente na espécie.
Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, para, até final julgamento desta ação de "habeas corpus", suspender, cautelarmente, a eficácia da ordem de prisão expedida, contra a ora paciente, nos autos da Apelação Criminal nº 15244-5/2005-Cipó/BA (Processo-crime nº 045/97 - comarca de Cipó/BA).
Caso a paciente já tenha sofrido prisão em decorrência do acórdão proferido no caso ora em exame (Apelação Criminal nº 15244-5/2005-Cipó/BA), deverá ser posta, imediatamente, em liberdade, se por al não estiver presa.
Comunique-se, com urgência, encaminhando-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 64.248/BA, Rel. Min. GILSON DIPP), ao E. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (Apelação Criminal nº 15244-5/2005-Cipó/BA) e ao MM. Juiz de Direito da comarca de Cipó/BA (Processo-crime nº 045/97 - comarca de Cipó/BA).
Publique-se.
Brasília, 06 de dezembro de 2006.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão publicada no DJU de 13.12.2006

Lei 8.742/93, Art. 20, § 3º: Benefício Assistencial e Critérios para Concessão (Transcrições)

Rcl 4374 MC/PE*

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

DECISÃO: Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, ajuizada com fundamento no art. 102, inciso I, "l", da Constituição Federal, e nos arts. 13 a 18 da Lei no 8.038/1990, para garantir a autoridade de decisão deste Supremo Tribunal Federal.
Na espécie, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) propõe reclamação em face de decisão proferida pela Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Estado de Pernambuco nos autos do Processo no 2005.83.20.009801-7.
O acórdão apontado como parâmetro é o relativo ao julgamento da ADI no 1.232/DF (Pleno, por maioria; Rel. Min. Ilmar Galvão, Red. para o acórdão Min. Nelson Jobim; DJ de 01.06.2001). Na oportunidade, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do § 3o do art. 20 da Lei no 8.742/1993, que estabelece critérios para receber o benefício previsto no art. 203, inciso V, da Constituição. A inicial sustenta que a decisão reclamada afastou o requisito legal expresso na mencionada lei, o qual, segundo o acórdão tomado como parâmetro, representa requisito objetivo a ser observado para a prestação assistencial do Estado.
Com relação à urgência da pretensão cautelar, alega que várias decisões estariam sendo proferidas em desrespeito à autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal. Assim, ressalta o caráter pedagógico da reclamação como forma de orientar as instâncias inferiores sobre matéria já decidida nesta Corte.
Por fim, o reclamante requer, em caráter liminar, a suspensão dos efeitos da decisão reclamada, afastando-se a exigência do pagamento do benefício assistencial em descompasso com o § 3o do art. 20 da Lei no 8.742/1993, tendo em vista a inobservância do requisito renda familiar per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
Transcrevo a ementa da decisão reclamada (fls. 68-69):

"BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ANÁLISE DAS CONDIÇÕES SÓCIO-ECONÔMICAS DO AUTOR. REQUISITOS DO ART. 20 DA LEI 8.742/93. RENDA PER CAPITA. MEIOS DE PROVA. SÚMULA 11 DA TUN. LEI 9.533/97. COMPROVAÇÃO. RECURSO IMPROVIDO.
1. O artigo 20 da Lei 8.742/93 destaca a garantia de um salário mínimo mensal às pessoas portadoras de deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais, que comprovem, em ambas as hipóteses, não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
2. Já o § 3o do mencionado artigo reza que, 'considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo'.
3. Na hipótese em exame, o laudo pericial concluiu que o autor é incapaz para as atividades laborativas que necessitem de grandes ou médios esforços físicos ou que envolvam estresse emocional para a sua realização.
4. Em atenção ao laudo pericial e considerando que a verificação da incapacidade para o trabalho deve ser feita analisando-se as peculiaridades do caso concreto, percebe-se pelas informações constantes nos autos que o autor além da idade avançada, desempenha a profissão de trabalhador rural, o qual não está mais apto a exercer. Ademais, não possui instrução educacional, o que dificulta o exercício de atividades intelectuais, de modo que resta improvável sua absorção pelo mercado de trabalho, o que demonstra a sua incapacidade para a vida independente diante da sujeição à ajuda financeira de terceiros para manter sua subsistência.
5. Apesar de ter sido comprovado em audiência que a renda auferida pelo recorrido é inferior a um salário mínimo, a comprovação de renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo é dispensável quando a situação de hipossuficiência econômica é comprovada de outro modo e, no caso dos autos, ela restou demonstrada.
6. A comprovação da renda mensal não está limitada ao disposto no art. 13 do Decreto 1.744/95, não lhe sendo possível obstar o reconhecimento de outros meios probatórios em face do princípio da liberdade objetiva dos outros meios probatórios em face do princípio da liberdade objetiva dos meios de demonstração em juízo, desde que idôneos e moralmente legítimos, além de sujeitos ao contraditório e à persuasão racional do juiz na sua apreciação.
7. Assim, as provas produzidas em juízo constataram que a renda familiar do autor é inferior ao limite estabelecido na Lei, sendo idônea a fazer prova neste sentido. A partir dos depoimentos colhidos em audiência, constatou-se que o recorrido não trabalha, vivendo da ajuda de parentes e amigos.
8. Diante de tais circunstâncias, pode-se concluir pela veracidade de tal declaração de modo relativo, cuja contraprova caberia ao INSS, que se limitou à impugnação genérica.
9. Quanto à inconstitucionalidade do limite legal de renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo, a sua fixação estabelece apenas um critério objetivo para julgamento, mas que não impede o deferimento do benefício quando demonstrada a situação de hipossuficiência.
10. Se a renda familiar é inferior a ¼ do salário mínimo, a presunção de miserabilidade é absoluta, sem que isso afaste a possibilidade de tal circunstância ser provada de outro modo.
11. Ademais, a Súmula 11 da TUN dispõe que mesmo quando a renda per capita for superior àquele limite legal, não há óbices à concessão do benefício assistencial quando a miserabilidade é configurada por outros meios de prova.
12. O próprio legislador já reconheceu a hipossuficiência na hipótese de renda superior ao referido limite ao editar a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro aos Municípios que instituam programas de garantia de renda mínima associados a ações sócio-educativas, estabelecendo critério mais vantajoso para a análise da miserabilidade, qual seja, renda familiar per capita inferior a ½ salário mínimo.
13. A parte sucumbente deve arcar com o pagamento das custas e dos honorários advocatícios, ora arbitrados à razão de 10% sobre o valor da condenação.
14. Sentença mantida. Recurso a que se nega provimento." (fls. 68-69).

Passo a decidir.
A Lei n° 8.742/93, ao regulamentar o art. 203, inciso V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
O primeiro critério diz respeito aos requisitos objetivos para que a pessoa seja considerada idosa ou portadora de deficiência. Define a lei como idoso o indivíduo com 70 (setenta) anos ou mais e como deficiente a pessoa incapacitada para a vida independente e para o trabalho (art. 20, caput e § 2o).
O segundo critério diz respeito à comprovação da incapacidade da família para prover a manutenção do deficiente ou idoso. Dispõe o art. 20, § 3o, da Lei n° 8.742/93, que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo".
Objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1.232-1/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão (DJ 1.6.2001), tal dispositivo teve sua constitucionalidade declarada em decisão desta Corte cuja ementa possui o seguinte teor, verbis:

"CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE."

Considerou o Tribunal que referido dispositivo instituiu requisito objetivo para concessão do benefício assistencial a que se refere o art. 203, inciso V, da Constituição Federal.
Desde então, o Tribunal passou a julgar procedentes as reclamações ajuizadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS para cassar decisões proferidas pelas instâncias jurisdicionais inferiores que concediam o benefício assistencial entendendo que o requisito definido pelo § 3o do art. 20 da Lei n° 8.742/93 não é exaustivo e que, portanto, o estado de miserabilidade poderia ser comprovado por outros meios de prova. A questão foi amplamente debatida no julgamento da Rcl - AgR 2.303/RS, Rel. Min. Ellen Gracie (DJ 1.4.2005), na qual firmou-se o entendimento segundo o qual na decisão proferida na ADI n° 1.232 o Tribunal definiu que o critério de ¼ do salário mínimo é objetivo e não pode ser conjugado com outros fatores indicativos da miserabilidade do indivíduo e de seu grupo familiar, cabendo ao legislador, e não ao juiz na solução do caso concreto, a criação de outros requisitos para a aferição do estado de pobreza daquele que pleiteia o benefício assistencial.
O Tribunal manteve tal entendimento mesmo nas reclamações ajuizadas contra decisões que, procedendo a uma interpretação sistemática das leis sobre a matéria, concediam o benefício assistencial com base em outros critérios estabelecidos por alterações legislativas posteriores (Lei n° 10.836/2004 - Bolsa Família; Lei n° 10.689/2003 - Programa Nacional de Acesso à Alimentação; Lei n° 9.533/97 - autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas). Assim decidiu o Tribunal na Rcl n° 2.323/PR, Rel. Min. Eros Grau, DJ 20.5.2005.
Tenho observado, porém, que algumas decisões monocráticas recentes têm dado tratamento diferenciado ao tema.
Os Ministros Celso de Mello, Carlos Britto e Ricardo Lewandowski têm negado seguimento às reclamações ajuizadas pelo INSS com o fundamento de que esta via processual, como já assentado pela jurisprudência do Tribunal, não é adequada para se reexaminar o conjunto fático-probatório em que se baseou a decisão reclamada para atestar o estado de miserabilidade do indivíduo e conceder-lhe o benefício assistencial sem seguir os parâmetros do § 3o do art. 20 da Lei n° 8.742/93 (Rcl n° 4.422/RS, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 30.6.2006; Rcl n° 4.133/RS, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 30.6.2006; Rcl n° 4.366/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 1.6.2006).
O Ministro Sepúlveda Pertence tem enfatizado, quando em análise de decisões que concederam o benefício com base em legislação superveniente à Lei 8.742/93, que as decisões reclamadas não têm declarado a inconstitucionalidade do § 3o do art. 20 dessa lei, mas dado interpretação a tal dispositivo em conjunto com a legislação posterior, a qual não foi objeto da ADI n° 1.232 (Rcl n° 4.280/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30.6.2006).
Somem-se a estas as decisões do Ministro Marco Aurélio, que sempre deixou claro seu posicionamento no sentido da insuficiência dos critérios definidos pelo § 3o do art. 20 da Lei n° 8.742/93 para fiel cumprimento do art. 203, inciso V, da Constituição (Rcl n° 4.164/RS, Rel. Min. Marco Aurélio).
Em decisão mais recente (Rcl n° 3.805/SP, DJ 18.10.2006), a Ministra Cármen Lúcia também posicionou-se sobre o assunto, em trechos dignos de nota, verbis:

"(...) O que se põe em foco nesta Reclamação é se seria possível valer-se o Reclamante deste instituto para questionar a autoridade de decisão do Supremo Tribunal, que, ao menos em princípio, não teria sido observada pelo Reclamado. A única fundamentação da Reclamação é esta: nos termos do art. 102, inc. I, alínea l, da Constituição da República, haverá de conhecer este Tribunal da reclamação 'para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões.' Na presente Reclamação, expõe-se que teria havido afronta à autoridade da decisão que se põe no acórdão proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232, na qual afirmou este Tribunal Supremo que "inexiste a restrição alegada em face do próprio dispositivo constitucional (art. 203, inc. V, da Constituição da República) que reporta à lei para fixar os critérios de garantia do benefício de salário mínimo à pessoa portadora de deficiência física e ao idoso. Esta lei traz hipótese objetiva de prestação assistencial do Estado." (Rel. Ministro Ilmar Galvão, DJ 1º.6.2001). O exame dos votos proferidos no julgamento revela que o Supremo Tribunal apenas declarou que a norma do art. 20 e seu § 3º da Lei n. 8.742/93 não apresentava inconstitucionalidade ao definir limites gerais para o pagamento do benefício a ser assumido pelo INSS, ora Reclamante. Mas não afirmou que, no exame do caso concreto, o juiz não poderia fixar o que se fizesse mister para que a norma constitucional do art. 203, inc. V, e demais direitos fundamentais e princípios constitucionais se cumprissem rigorosa, prioritária e inescusavelmente. Como afirmado pelo Ministro Sepúlveda Pertence no voto proferido naquele julgamento, 'considero perfeita a inteligência dada ao dispositivo constitucional ... no sentido de que o legislador deve estabelecer outras situações caracterizadoras da absoluta incapacidade de manter-se o idoso ou o deficiente físico, a fim de completar a efetivação do programa normativo de assistência contido no art. 203 da Constituição. A meu ver, isso não a faz inconstitucional. ... Haverá aí inconstitucionalidade por omissão de outras hipóteses? A meu ver, certamente sim, mas isso não encontrará remédio nesta ação direta.' De se concluir, portanto, que o Supremo Tribunal teve por constitucional, em tese (cuidava-se de controle abstrato), a norma do art. 20 da Lei n. 8.742/93, mas não afirmou inexistirem outras situações concretas que impusessem atendimento constitucional e não subsunção àquela norma. Taxativa, nesse sentido, é a inteligência do acórdão nos termos clareados no voto do Ministro Sepúlveda Pertence, transcrito parcialmente acima. A constitucionalidade da norma legal, assim, não significa a inconstitucionalidade dos comportamentos judiciais que, para atender, nos casos concretos, à Constituição, garantidora do princípio da dignidade humana e do direito à saúde, e à obrigação estatal de prestar a assistência social 'a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social', tenham de definir aquele pagamento diante da constatação da necessidade da pessoa portadora de deficiência ou do idoso que não possa prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. No caso que ora se apresenta, não parece ter havido qualquer afronta, portanto, ao julgado. Como afirma o Reclamado em suas informações (e, aliás, já se contém na decisão proferida), foram '...analisadas as condições fáticas demonstradas durante a instrução probatória...' (fl. 48). Na sentença proferida nos autos daquela ação, o juízo reclamado esclareceu que: 'No caso vertente, o estudo social realizado pela equipe técnica desta Comarca constatou (...) [que] a autora faz uso contínuo de medicamentos, e quando estes não se encontram, por qualquer motivo, disponíveis na rede pública, tem que adquiri-los... Além disso, comprovou-se (...) que a mãe da autora, com que recebe da pensão de 1 salário mínimo deixada pelo marido, também tem que ajudar um dos filhos que também não tem boa saúde mental...' (fl. 82). Explica, ainda, aquela autoridade que: 'Diante deste quadro, vê-se que os rendimentos da família, face aos encargos decorrentes de medicamentos que devem ser constantemente adquiridos para o tratamento da autora, são insuficientes para esta viver condignamente.' (fl. 82). A pobreza extrema vem sendo definida, juridicamente, como 'la marque d'une infériorité par rapport à um état considéré comme normal et d'une dépendance par rapport aux autres. Elle est um état d'exclusion qui implique l'aide d'autrui pour s'en sortir. Elle est surtout relative et faite d'humiliation et de privation.' (TOURETTE, Florence. Extrême pauvreté et droits de l'homme. Paris: LGDJ, 2001, p. 4). Quer o INSS, ora Reclamante, se considere ser a definição do benefício concedido pela sentença reclamada incompatível com o quanto decidido na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232. Não é o que se tem no caso. Também afirma que haveria incompatibilidade entre aquela decisão e a norma do § 3º do art. 20 da Lei n. 8.742/93. Afirmo: e a miséria constatada pelo juiz é incompatível com a dignidade da pessoa humana, princípio garantido no art. 1º, inc. III, da Constituição da República; e a política definida a ignorar a miserabilidade de brasileiros é incompatível com os princípios postos no art. 3º e seus incisos da Constituição; e a negativa do Poder Judiciário em reconhecer, no caso concreto, a situação comprovada e as alternativas que a Constituição oferece para não deixar morrer à mingua algum brasileiro é incompatível com a garantia da jurisdição, a todos assegurada como direito fundamental (art. 5º, inc. XXXV, da Constituição da República). Portanto, não apenas não se comprova afronta à autoridade de decisão do Supremo Tribunal na sentença proferida, como, ainda, foi exatamente para dar cumprimento à Constituição da República, de que é guarda este Tribunal, que se exarou a sentença na forma que se pode verificar até aqui. Ademais, a Reclamação não é espécie adequada para se questionar sentença na forma indicada na petição, o que haverá de ser feito, se assim entender conveniente ou necessário o Reclamante, pelas vias recursais ordinárias e não se valendo desta via excepcional para pôr em questão o que haverá de ser suprido, judicialmente, pelas instâncias recursais regularmente chamadas, se for o caso. 9. Por essas razões, casso a liminar deferida anteriormente, em sede de exame prévio, e nego seguimento à Reclamação por inexistir, na espécie, a alegada afronta à autoridade de julgado deste Supremo Tribunal Federal que pudesse ser questionada e decidida por esta via especial e acanhada, como é a da espécie eleita pelo Reclamante.(...)"

A análise dessas decisões me leva a crer que, paulatinamente, a interpretação da Lei n° 8.742/93 em face da Constituição vem sofrendo câmbios substanciais neste Tribunal.
De fato, não se pode negar que a superveniência de legislação que estabeleceu novos critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais - como a Lei n° 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei n° 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei n° 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei n° 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas; assim como o Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741/03) - está a revelar que o próprio legislador tem reinterpretado o art. 203 da Constituição da República.
Os inúmeros casos concretos que são objeto do conhecimento dos juízes e tribunais por todo o país, e chegam a este Tribunal pela via da reclamação ou do recurso extraordinário, têm demonstrado que os critérios objetivos estabelecidos pela Lei n° 8.742/93 são insuficientes para atestar que o idoso ou o deficiente não possuem meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Constatada tal insuficiência, os juízes e tribunais nada mais têm feito do que comprovar a condição de miserabilidade do indivíduo que pleiteia o benefício por outros meios de prova. Não se declara a inconstitucionalidade do art. 20, § 3o, da Lei n° 8.742/93, mas apenas se reconhece a possibilidade de que esse parâmetro objetivo seja conjugado, no caso concreto, com outros fatores indicativos do estado de penúria do cidadão. Em alguns casos, procede-se à interpretação sistemática da legislação superveniente que estabelece critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais.
Tudo indica que - como parecem ter anunciado as recentes decisões proferidas neste Tribunal (acima citadas) - tais julgados poderiam perfeitamente se compatibilizar com o conteúdo decisório da ADI n° 1.232.
Em verdade, como ressaltou a Ministra Cármen Lúcia, "a constitucionalidade da norma legal, assim, não significa a inconstitucionalidade dos comportamentos judiciais que, para atender, nos casos concretos, à Constituição, garantidora do princípio da dignidade humana e do direito à saúde, e à obrigação estatal de prestar a assistência social 'a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social', tenham de definir aquele pagamento diante da constatação da necessidade da pessoa portadora de deficiência ou do idoso que não possa prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família." (Rcl n° 3.805/SP, DJ 18.10.2006).
Portanto, mantendo-se firme o posicionamento do Tribunal em relação à constitucionalidade do § 3o do art. 20 da Lei n° 8.742/93, tal como esposado no julgamento da ADI 1.232, o mesmo não se poderia afirmar em relação ao que decidido na Rcl - AgR 2.303/RS, Rel. Min. Ellen Gracie (DJ 1.4.2005).
O Tribunal parece caminhar no sentido de se admitir que o critério de 1/4 do salário mínimo pode ser conjugado com outros fatores indicativos do estado de miserabilidade do indivíduo e de sua família para concessão do benefício assistencial de que trata o art. 203, inciso V, da Constituição.
Entendimento contrário, ou seja, no sentido da manutenção da decisão proferida na Rcl 2.303/RS, ressaltaria ao menos a inconstitucionalidade por omissão do § 3o do art. 20 da Lei n° 8.742/93, diante da insuficiência de critérios para se aferir se o deficiente ou o idoso não possuem meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, como exige o art. 203, inciso V, da Constituição.
A meu ver, toda essa reinterpretação do art. 203 da Constituição, que vem sendo realizada tanto pelo legislador como por esta Corte, pode ser reveladora de um processo de inconstitucionalização do § 3o do art. 20 da Lei n° 8.742/93.
Diante de todas essas perplexidades sobre o tema, é certo que o Plenário do Tribunal terá que enfrentá-lo novamente.
Ademais, o próprio caráter alimentar do benefício em referência torna injustificada a alegada urgência da pretensão cautelar em casos como este.
Ante o exposto, indefiro o pedido de medida liminar.
Dê-se vista dos autos à Procuradoria-Geral da República.
Brasília, 1o de fevereiro de 2007.

Ministro GILMAR MENDES
Relator

* decisão pendente de publicação


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