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quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Informativo STF 458 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 5 a 9 de março de 2007 - Nº 458.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO


Plenário
Reclamação e Efeito Vinculante de Decisão do STF - 3
Reclamação e Efeito Vinculante de Decisão do STF - 4
Habeas Corpus e Prevenção
Competência Originária: Conflito Federativo - 3
Competência Originária: Conflito Federativo - 4
Responsabilidade Civil dos Prestadores de Serviço Público e Terceiros Não-Usuários
Conflito Negativo de Atribuição e Competência Originária do Supremo
Matrícula Escolar Antecipada - 2
1ª Turma
Suspensão Condicional do Processo e Cabimento de HC
Direito Intertemporal: Reajuste de Servidor e Irredutibilidade de Vencimentos
Enunciado da Súmula 695 do STF e Reabilitação
2ª Turma
Direito de Defesa: Interrogatório Judicial e Entrevista com o Defensor
Transcrições
Extradição - Interceptação telefônica - Limitação constitucional (Ext 1021/República Francesa)
Reclamação: Controle Abstrato de Constitucionalidade e Lei de Teor Idêntico (Rcl 4987 MC/PE)


PLENÁRIO


Reclamação e Efeito Vinculante de Decisão do STF - 3

O Tribunal retomou julgamento de reclamação ajuizada contra decisão do juízo da 11ª Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo que julgara improcedente pedido formulado em ação declaratória de nulidade, na qual se pretendia fosse cassado ato da Secretaria de Justiça e Defesa da Cidade daquela unidade federativa, por meio do qual o reclamante fora aposentado compulsoriamente aos setenta anos de idade da função de Tabelião de Notas da Comarca de Franca. Alega-se, na espécie, ofensa à autoridade de decisão proferida pelo STF na ADI 2602/MG (DJU de 31.3.2006), na qual fixado entendimento de que a aposentadoria compulsória prevista no art. 40, § 1º, da CF, não se aplica aos notários e registradores - v. Informativo 441. O Min. Eros Grau, em voto-vista, abriu divergência para, relativamente às duas questões de ordem suscitadas pelo relator, conhecer da reclamação. Quanto à primeira, considerou que a cassação do ato judicial impugnado resultará em benefício imediato para o reclamante, tendo em conta que o pedido é no sentido de que esse ato judicial seja retificado ou repetido, com observância dos fundamentos determinantes positivados na decisão tomada na ADI 2602/MG, e de que a autoridade judicial reclamada, nos autos da ação em que proferida a sentença impugnada, observe a tese da inaplicabilidade de inativação compulsória aos notários e registradores.
Rcl 4219/SP, rel. Min Joaquim Barbosa, 7.3.2007. (Rcl-4219)

Reclamação e Efeito Vinculante de Decisão do STF - 4

No que se refere à segunda questão de ordem, o Min. Eros Grau entendeu que o que produz eficácia contra todos e efeito vinculante, nos termos do disposto no § 2º do art. 102 da CF, é a interpretação conferida pelo Supremo à Constituição, além do seu juízo de constitucionalidade sobre determinado texto normativo infraconstitucional, estando, portanto, todos, sem distinção, compulsoriamente afetados pelas conseqüências normativas das decisões definitivas de mérito proferidas pelo STF nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade. Ressaltou que a decisão dotada de eficácia contra todos e efeito vinculante não se confunde com a súmula vinculante, haja vista operarem em situações diferentes: esta, que é texto normativo, no controle difuso; aquela, que constitui norma de decisão, no concentrado. Dessa forma, concluiu que a decisão de mérito na ADI ou na ADC não pode ser concebida como mero precedente vinculante da interpretação de texto infraconstitucional, asseverando que as decisões do Supremo afirmam o que efetivamente diz a própria Constituição e que essa afirmação, em cada ADI ou ADC, é que produz eficácia contra todos e efeito vinculante. Após o voto da Min. Cármen Lúcia, que acompanhava o voto do relator, e dos votos dos Ministros Cezar Peluso, Gilmar Mendes e Celso de Mello, que acompanhavam a divergência, pediu vista dos autos a Min. Ellen Gracie, presidente.
Rcl 4219/SP, rel. Min Joaquim Barbosa, 7.3.2007. (Rcl-4219)

Habeas Corpus e Prevenção

O Tribunal negou provimento a agravo regimental em habeas corpus interposto contra decisão da Presidência que não reconhecera a hipótese de prevenção suscitada pelos impetrantes e mantivera a relatoria do writ com o Min. Joaquim Barbosa. Na espécie, o habeas corpus fora distribuído ao Min. Joaquim Barbosa por prevenção em relação a outro, ao qual ele negara seguimento, ficando vencido, no julgamento de agravo regimental interposto contra essa decisão, em relação à preliminar de conhecimento do writ e à concessão do pedido liminar, tendo sido designado para redigir o acórdão, nessa ocasião, o Min. Eros Grau. Alegavam os ora agravantes a necessidade de redistribuição da presente impetração ao Min. Eros Grau, ao fundamento de que o provimento do agravo fora para o fim de conhecer do pedido, razão por que seria o conhecimento, e não a decisão de mérito, que firmaria a prevenção, nos termos do disposto no § 2º do art. 69 do RISTF ("Art. 69. O conhecimento do mandado de segurança, do habeas corpus e do recurso civil ou criminal torna preventa a competência do Relator, para todos os recursos posteriores, tanto na ação quanto na execução, referentes ao mesmo processo. ... § 2° Vencido o Relator, a prevenção referir-se-á ao Ministro designado para lavrar o acórdão."). Entendeu-se ter sido correta a distribuição do presente writ, haja vista que, conforme ressaltado na decisão que não reconhecera a hipótese de prevenção, a questão preliminar debatida em sede do agravo regimental no qual o Min. Eros Grau proferira o voto vencedor - não incidência do Enunciado da Súmula 691 do STF - resultara em mudança de relatoria apenas para a lavratura do respectivo acórdão, não implicando, por isso, o deslocamento da relatoria originária quanto ao julgamento de mérito, que permanecera com o Min. Joaquim Barbosa. Precedente citado: HC 86673/RJ (DJU de 1º.10.2004).
HC 89306 AgR/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 8.3.2007. (HC-89306)

Competência Originária: Conflito Federativo - 3

O Tribunal retomou julgamento de questão de ordem em ação cível originária na qual se discute se o STF é competente originariamente para julgar ação popular em que se pretende a nulidade da Resolução 507/2001, da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - que instituiu a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as causas do acidente da plataforma P-36 da PETROBRÁS, localizada na Bacia de Campos -, e em que o Estado do Rio de Janeiro figura como um dos réus, e a União foi admitida no feito pelo juízo de origem como parte autora - v. Informativos 248 e 440.
ACO 622 QO/RJ, rel. Min. Ilmar Galvão, 8.3.2007. (ACO-622)

Competência Originária: Conflito Federativo - 4

A Min. Cármen Lúcia, em voto-vista, abriu divergência para negar a competência originária do Supremo para processar e julgar a ação popular. Entendeu que o autor popular não é substituto processual, haja vista que não defende direito do Estado, mas direito que, fundado em sua condição de cidadão, lhe é próprio e também da sociedade. Afirmou que a ação popular é uma garantia colocada à disposição do cidadão para atuar, diretamente, na fiscalização e correção dos atos da Administração Pública (CF, art. 5º, LXVIII), constituindo, portanto, um dos instrumentos do exercício direto da soberania do povo (CF, art. 14). Aduziu que, em razão dessa natureza de garantia fundamental, a regra de competência constitucionalmente válida para processar e julgar a ação popular haveria de ser aquela que conferisse ao cidadão maior facilidade em sua utilização. Considerou, por isso, que atribuir ao Supremo a competência para o processamento e julgamento da ação popular - ainda que no caso específico da matéria a que se refere a alínea f do inciso I do art. 102 da CF - implicaria inibir a mencionada garantia constitucional, tendo em conta as dificuldades, enfrentadas pelo cidadão brasileiro comum, de acesso ao Supremo, para o exercício desse direito. Depois de salientar o disposto no art. 5º da Lei 4.717/65 - que regula a ação popular -, ressaltou, ainda, que a alínea f do citado dispositivo constitucional não é norma permissiva da transferência, para o Supremo, da competência originária conferida legalmente ao órgão judicial encarregado de receber e ouvir o cidadão. Concluiu, por fim, ter sido posta em questão, no caso, a validade jurídica, ou não, da criação de CPI e dos atos por ela praticados, não se tendo travado, necessariamente, pela propositura da ação popular, um conflito entre a União e o Estado-membro, nos moldes previstos no art. 102, I, f, da CF. Em seguida, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Ricardo Lewandowski.
ACO 622 QO/RJ, rel. Min. Ilmar Galvão, 8.3.2007. (ACO-622)

Responsabilidade Civil dos Prestadores de Serviço Público e Terceiros Não-Usuários

O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco que, com base no princípio da responsabilidade objetiva (CF, art. 37, § 6º), condenara a recorrente, empresa privada concessionária de serviço público de transporte, ao pagamento de indenização por dano moral a terceiro não-usuário, atropelado por veículo da empresa. O Min. Joaquim Barbosa, relator, negou provimento ao recurso por entender que a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva também relativamente aos terceiros não-usuários do serviço. Asseverou que, em razão de a Constituição brasileira ter adotado um sistema de responsabilidade objetiva fundado na teoria do risco, mais favorável às vítimas do que às pessoas públicas ou privadas concessionárias de serviço público, toda a sociedade deveria arcar com os prejuízos decorrentes dos riscos inerentes à atividade administrativa, tendo em conta o princípio da isonomia de todos perante os encargos públicos. Ademais, reputou ser indevido indagar sobre a qualidade intrínseca da vítima, a fim de se verificar se, no caso concreto, configura-se, ou não, a hipótese de responsabilidade objetiva, haja vista que esta decorre da natureza da atividade administrativa, a qual não é modificada pela mera transferência da prestação dos serviços públicos a empresas particulares concessionárias do serviço. Após os votos dos Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Carlos Britto que acompanhavam o voto do relator, pediu vista dos autos o Min. Eros Grau.
RE 459749/PE, rel. Min. Joaquim Barbosa, 8.3.2007. (RE-459749)

Conflito Negativo de Atribuição e Competência Originária do Supremo

O Tribunal conheceu de conflito negativo de atribuição suscitado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, em face do Ministério Público Federal, para declarar a atribuição do suscitante para analisar os autos de investigação e emitir opinio delicti sobre procedimento investigatório instaurado para apurar eventual crime de prevaricação e/ou desobediência, supostamente praticado por ex-Governador. No caso, o então Governador daquela unidade federativa, no exercício do cargo, teria deixado de cumprir, no prazo legal, decisão proferida pelo Órgão Especial do tribunal de justiça local, que lhe determinara a intervenção do Estado em Município, em razão do não pagamento de precatório judicial. Considerou-se a orientação fixada no julgamento da Pet 3528/BA (DJU de 3.3.2006), em que se reconheceu a competência do Supremo para dirimir conflito de atribuições entre Ministérios Público Federal e Estadual, com base no art. 102, I, f, da CF, e no julgamento das ADI 2797/DF e 2860/DF (DJU de 19.12.2006), nas quais declarada, por maioria, a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 84 do CPP, introduzidos pela Lei 10.628/2002.
ACO 853/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 8.3.2007. (ACO-853)

Matrícula Escolar Antecipada - 2

Em conclusão de julgamento, o Tribunal julgou improcedente pedido formulado ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Estado do Paraná contra a Lei estadual 9.346/90, que faculta a matrícula escolar antecipada, em classe de 1ª série regular de 1º grau, de crianças que vierem a completar seis anos de idade até o final do ano letivo da matrícula - v. Informativo 421. Entendeu-se que o Estado do Paraná atuou no exercício da competência concorrente dos Estados para legislar sobre educação (CF, art. 24, IX, § 2º). O Min. Joaquim Barbosa, em voto-vista, observou, ainda, que a Lei federal 5.692/71 foi revogada pela Lei 9.394/96, esta posteriormente alterada pela Lei 11.274/2006 que estabelece que o ensino fundamental obrigatório, com duração de nove anos, tem início aos seis anos de idade.
ADI 682/PR, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, rel. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, 8.3.2007. (ADI-682)


PRIMEIRA TURMA


Suspensão Condicional do Processo e Cabimento de HC

É cabível pedido de habeas corpus em favor de beneficiado com a suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95, art. 89), porquanto tal medida, por se dar depois do recebimento da denúncia, não afasta a ameaça, ainda que potencial, de sua liberdade de locomoção. Com base nessa orientação, a Turma conheceu de writ impetrado em favor de presidente de agremiação de futebol, denunciado pela suposta prática de homicídio, na modalidade de dolo eventual (CP, art. 121 § 2º, I), pela circunstância de, não obstante ciente da cardiopatia de atleta do clube, permitir que este jogasse, vindo a óbito durante a realização de uma partida. No caso, o STJ, de ofício, concedera habeas para assentar a incompetência do tribunal do júri para julgar o feito, ao fundamento de restar configurado não crime doloso contra a vida, mas, sim, descrita imputação culposa. Em decorrência disso, o parquet oferecera proposta de suspensão condicional do processo ao paciente, que a aceitara. Alegava-se, na espécie, falta de justa causa para o início da persecução penal. No mérito, indeferiu-se o writ ao entendimento de que o remédio constitucional do habeas corpus - via estreita de conhecimento que se presta a reparar hipóteses de manifesta ilegalidade ou de abuso de poder - não pode substituir o processo de conhecimento. Em conseqüência, afastou-se a pretendida exclusão do paciente da persecução penal por se considerar que, na hipótese, o exame das alegações ensejaria o revolvimento de fatos e provas.
HC 88503/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 6.3.2007. (HC-88503)

Direito Intertemporal: Reajuste de Servidor e Irredutibilidade de Vencimentos

A Turma deu provimento a três recursos extraordinários interpostos contra acórdãos do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que, embora reconhecendo aos ora recorrentes o direito ao reajuste de 84,32% (Plano Collor), relativo a março de 1990, limitara-o ao período de 1º.4.90 a 23.7.90. De início, ressaltou-se que, à primeira vista, o acórdão recorrido parecia estar em consonância com a jurisprudência do STF, invocada como fundamentação, todavia, partiria de interpretação equivocada sobre a limitação dos efeitos da Lei distrital 38/89. Afirmou-se, no ponto, que a orientação da Corte é no sentido de não restringir a percepção do percentual de 84,32% ao advento da Lei distrital 117/90, que revogou a citada Lei distrital 38/89, mas sim permitir a incorporação desse índice ao patrimônio jurídico dos servidores distritais. Assim, entendeu-se que a lei revogadora não poderia excluir a majoração remuneratória já consumada, conforme a legislação anterior, sob pena de ofender o princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos, modalidade qualificada de direito adquirido. Por fim, considerou-se que o caso envolveria questão de direito intertemporal, a ser resolvida à luz da Constituição, e não exame de legislação local. Recursos providos para condenar o Distrito Federal a corrigir a remuneração dos recorrentes considerando o indexador determinado pela Lei distrital 38/89 enquanto esta vigeu, ou seja, até o advento da Lei distrital 117/90, sem a limitação imposta pelo acórdão impugnado, sendo devido o pagamento retroativo da diferença, observada a prescrição, invertidos os ônus da sucumbência, fixados os honorários em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
RE 394494/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 6.3.2007. (RE-394494)
RE 420076/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 6.3.2007. (RE-420076)
RE 420431/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 6.3.2007. (RE-420431)

Enunciado da Súmula 695 do STF e Reabilitação

Aplicando o Enunciado da Súmula 695 do STF ("Não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade"), a Turma não conheceu de habeas corpus impetrado em favor de ex-integrante das Forças Armadas condenado pela prática do crime de peculato (CPM, art. 303, § 1º, c/c art. 53), em razão de haver subtraído munição para comercializá-la junto a traficantes. Tratava-se, na espécie, de writ impetrado contra acórdão do STM que, ao dar provimento a recurso de ofício, cassara a decisão que concedera reabilitação ao paciente, ao fundamento de ausência de comprovação do ressarcimento do dano causado pelo delito (CPPM, art. 652, d, 1ª parte). Alegava a impetração que o paciente não efetuara a reparação exigida por absoluta impossibilidade de fazê-lo, demonstrando-a nos autos. Considerou-se que a via do habeas corpus não seria adequada para o fim pretendido, porquanto o paciente fora beneficiado com a extinção da punibilidade, em 8.1.99, por término do prazo do livramento condicional sem revogação (CPM, art. 638). Salientou-se, também, que a reabilitação - concedida, no caso, em 4.7.2006 - somente pode ser requerida após o decurso do prazo de cinco anos da data em que foi extinta a punibilidade ou encerrada a sua execução (CPPM, art. 651). Dessa forma, afastou-se a alegação de constrangimento à liberdade de locomoção do paciente a ser protegida por meio de habeas corpus.
HC 90554/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, 6.3.2007. (HC-90554)


SEGUNDA TURMA


Direito de Defesa: Interrogatório Judicial e Entrevista com o Defensor

A Turma negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus em que condenado pela prática dos crimes de gestão fraudulenta e evasão de divisas (Lei 7.792/86, artigos 4º e 22, parágrafo único) sustentava a nulidade absoluta do processo penal de conhecimento contra ele instaurado, sob a alegação de que não lhe fora possibilitado, antes do interrogatório judicial, entrevistar-se com o seu defensor constituído. Inicialmente, aduziu-se que, em face do advento da Lei 10.792/2003, o interrogatório passou a constituir um ato de defesa, além de se qualificar como meio de prova. Assim, salientando essa nova diretriz legislativa, asseverou-se que a falta do defensor ao ato de interrogatório do acusado pode representar situação de grave desrespeito ao seu direito de defesa, de modo a ensejar eventual nulidade do procedimento penal. Entretanto, considerou-se que a situação processual, no caso, seria diversa. Entendeu-se que o direito de defesa do ora recorrente fora assegurado, tendo em conta o fato de que a juíza atuante no feito determinara, reiteradas vezes, a intimação do advogado constituído, que quedara inerte, bem como designara defensor dativo, com o qual o réu entrevistara-se prévia, pessoal e reservadamente.
RHC 89892/PR, rel. Min. Celso de Mello, 6.3.2007. (RHC-89892)

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno7.3.20078.3.200714
1ª Turma6.3.2007--41
2ª Turma6.3.2007--166


T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.


Extradição - Interceptação telefônica - Limitação constitucional (Transcrições)

Ext 1021/República Francesa*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: EXTRADIÇÃO. PRISÃO CAUTELAR DECRETADA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA PRETENDIDA PELA AUTORIDADE POLICIAL PARA EFEITO DE EXECUÇÃO DO MANDADO DE PRISÃO. HIPÓTESE QUE NÃO SE AJUSTA ÀS EXCEÇÕES TAXATIVAMENTE PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO. O SÚDITO ESTRANGEIRO, EMBORA SUBMETIDO A PROCESSO EXTRADICIONAL, NÃO SE DESPOJA DA SUA CONDIÇÃO DE SUJEITO DE DIREITOS E DE TITULAR DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS PLENAMENTE OPONÍVEIS AO ESTADO BRASILEIRO. PEDIDO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA INDEFERIDO.

DECISÃO: O ora extraditando, contra quem foi expedido mandado de prisão cautelar (fls. 79 e 87/88), ainda não foi capturado, por se encontrar, "atualmente (...), em lugar incerto e não sabido (...)" (fls. 94).
Por tal razão, o Senhor Delegado de Polícia Federal, representante da INTERPOL, com a finalidade de cumprir o mandado de prisão em referência, postula seja autorizada, por esta Corte Suprema, interceptação telefônica destinada a viabilizar a localização do extraditando em questão (fls. 93/96).
A excepcionalidade desse pleito levou-me a determinar a prévia audiência do eminente Procurador-Geral da República (fls. 131).
O Ministério Público Federal, em parecer da ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. CLÁUDIA SAMPAIO MARQUES, aprovado pelo eminente Procurador-Geral da República, assim se pronunciou sobre o pedido em causa (fls. 133/135):

"1. A República Francesa, por meio da Nota Verbal 468, de 6 de outubro de 2005 e com base em Tratado de Extradição firmado entre a França e o Brasil, requereu a prisão preventiva para fins de extradição de (...).
2. O Ministro Relator, em 20 de dezembro de 2005, após verificar os requisitos previstos nos artigos 76 a 82 da Lei n.º 6.815/80, bem como no Tratado de Extradição, deferiu o pedido (fl. 79).
3. Ocorre que o extraditando encontra-se foragido, situação que vem impedindo a execução do mandado. Por essa razão, requereu o Delegado de Polícia Federal, Representante da Interpol, que seja autorizada a interceptação telefônica em duas linhas pertencentes à esposa do Extraditando, considerando ser esta a melhor forma para encontrar o estrangeiro em questão (fls. 93/96).
4. O Ministério Público Federal, instado a manifestar-se, posiciona-se contrariamente ao deferimento do pedido.
5. Como bem ressaltou o e. Ministro Celso de Mello, o objetivo visado pela autoridade policial ultrapassa os fins que legitimam sua utilização. A regra é a inviolabilidade das comunicações telefônicas, tendo como exceção as hipóteses de crimes apenados com reclusão e desde que a interceptação sirva como prova em investigação criminal e em instrução processual penal. Nesse sentido, a lição de José Afonso da Silva:

'(...) Abriu-se excepcional possibilidade de interceptar comunicações telefônicas, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual. Vê-se que, mesmo na exceção, a Constituição preordenou regras estritas de garantias, para que não se a use para abusos. O 'objeto de tutela é dúplice: de um lado, a liberdade de manifestação de pensamento; de outro lado, o segredo, como expressão do direito à intimidade' (...).

6. Em princípio, não há, no presente caso, situação que autorize a violação à intimidade da titular das linhas, tendo em vista que os dados que serão obtidos não servirão como prova dos delitos imputados ao extraditando.
7. Afirmam Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, que a interceptação telefônica é 'fonte de prova', tendo a função de trazer ao conhecimento do juiz fatos relevantes da culpa ou da inocência do investigado, indiciado ou acusado. Ora, é sabido que este tipo de questionamento é incabível na esfera extradicional.
8. Ademais, mesmo que se admitisse a interceptação na hipótese em análise, o seu deferimento não prescinde da demonstração, com elementos objetivos, de que não existe outro meio de localização do extraditando, para fins de cumprimento do mandado de prisão. Existindo outros meios disponíveis, estes deverão ser utilizados, sendo vedada a utilização da interceptação telefônica. Qualquer ato jurisdicional que se distancie ou não justifique de modo satisfatório essas exigências legais constitui violação indevida de direito e garantia constitucional, contaminando de ilícito qualquer material advindo deste ato.
9. Ademais, o que se deseja, no presente caso, é a interceptação telefônica dirigida a quem sequer está sendo investigado - a esposa do extraditando. Deve-se atentar para o fato de que a Lei 9.296/96 não só regulamentou, mas também restringiu bastante a aplicação do referido instituto, não se podendo admitir que ele seja ampliado de forma a contrariar direito fundamental assegurado pela Constituição da República Federativa do Brasil, qual seja, a inviolabilidade do sigilo de comunicação como regra e, apenas excepcionalmente, a interceptação para fins de investigação criminal e instrução processual penal.
10. Assim, manifesta-se o Ministério Público Federal desfavoravelmente ao pedido de interceptação telefônica formulado pela autoridade policial às fls. 93/96." (grifei)

Passo a apreciar o pedido formulado nesta sede extradicional.
E, ao fazê-lo, indefiro a postulação em causa. É que, tal como corretamente observado pelo Ministério Público Federal, o objetivo visado pela autoridade policial ultrapassa os fins que legitimam a utilização, sempre excepcional, da interceptação telefônica.
Cumpre referir, neste ponto, que o ordenamento constitucional brasileiro estabelece, como regra, o sigilo das comunicações telefônicas (CF, art. 5o, inciso XII). De outro lado, a interceptação constitui exceção ao direito fundamental à inviolabilidade do sigilo de comunicação, tal como acentuado, com particular ênfase, pelo magistério doutrinário (VICENTE GRECO FILHO, "Interceptação Telefônica", p. 12, item n. II, "a", 1996, Saraiva; LUIZ FRANCISCO TORQUATO AVOLIO, "Provas Ilícitas", p. 133, item n. 4.3.3, "a", 2003, RT; CÉSAR DARIO MARIANO DA SILVA, "Provas Ilícitas", p. 54/55, item n. 3.2, 2002, LEUD; PAULO RANGEL, "Breves Considerações sobre a Lei nº 9.296/96 - Interceptação Telefônica", "in" Revista Forense, vol. 344/218; ÂNGELO AURÉLIO GONÇALVES PARIZ, "O Princípio da Proibição das Provas Ilícitas e os Direitos Fundamentais", "in" Revista Jurídica, nº 301, p. 71, item n. 3.3, v.g.).
Impende observar, por necessário, que o ordenamento constitucional indica, de modo taxativo, as hipóteses - sempre excepcionais - em que a garantia da inviolabilidade das comunicações telefônicas pode ser legitimamente afastada.
Em situação de normalidade institucional, a Constituição somente permite a interceptação telefônica para fins de investigação criminal ou, ainda, para efeito de instrução processual penal, consoante assinalado por eminentes autores (JOÃO ROBERTO PARIZATTO, "Comentários à Lei nº 9.296, de 24-07-96", p. 12, 1996, Editora de Direito; ANTONIO SCARANCE FERNANDES, "A Lei de Interceptação Telefônica", "in" "Justiça Penal 4 - Críticas e Sugestões - Provas Ilícitas e Reforma Pontual", p. 53, item n. 4, 1997, RT; MARIA GILMAÍSE DE OLIVEIRA MENDES, "Direito à Intimidade e Interceptações Telefônicas", p. 157, item n. 4.2.3, 1999, Mandamentos; ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO, "Escuta Telefônica - Comentários à Lei nº 9.296/96", "in" Revista do Tribunal Regional Federal 5ª Região, nº 37, p. 25, item n. 4, v.g.).
Cabe enfatizar, presente esse contexto de normalidade da ordem político-jurídica, que a Lei nº 9.296/96, ao regulamentar o inciso XII do art. 5º da Constituição Federal, também restringe - em prescrição absolutamente compatível com o texto constitucional - a possibilidade de interceptação telefônica, limitando-a, apenas, a uma única e específica função: a de viabilizar a produção de "prova em investigação criminal e em instrução processual penal" (art. 1º, "caput").
Essas hipóteses excepcionais, no entanto, que autorizam o afastamento da garantia da inviolabilidade das comunicações telefônicas - que não se reveste de caráter absoluto, como qualquer garantia de índole constitucional (RTJ 148/366 - RTJ 173/805-810 - RTJ 182/560, 567 - RTJ 190/139-143, v.g.) -, podem, ainda, estender-se, extraordinariamente, a outros casos, desde que o Estado, em situação de anormalidade (que se revele, por efeito de sua natureza mesma, derrogatória do regime de legalidade ordinária), venha a utilizar-se, apoiando-se nos mecanismos especiais de proteção de sua ordem institucional, dos denominados poderes de crise que a própria Constituição da República lhe outorga na vigência do estado de defesa (CF, art. 136, § 1º, I, "c") ou do estado de sítio (CF, art. 139, III).
Nem se diga, de outro lado, que o estrangeiro, por sofrer processo de extradição, estaria reduzido, por tal motivo, a uma (inaceitável) situação de absoluta e completa sujeição ao poder do Estado brasileiro, com a conseqüente (e inadmissível) privação de seus direitos e garantias fundamentais.
A circunstância de o súdito estrangeiro assumir a condição de extraditando não lhe subtrai, no processo extradicional, em face das autoridades e agentes do poder, a condição indisponível de sujeito de direitos e de titular de garantias fundamentais, cuja intangibilidade há de ser preservada pelo Estado a que foi dirigido o pedido de extradição: o Brasil, no caso, como tem sido reiteradamente proclamado pela jurisprudência constitucional desta Suprema Corte (RTJ 134/56-58 - RTJ 177/485-488).
Tenho asseverado, em diversas ocasiões, que a essencialidade da cooperação internacional na repressão penal aos delitos comuns não exonera o Estado brasileiro - e, em particular, o Supremo Tribunal Federal - de velar pelo respeito aos direitos fundamentais do súdito estrangeiro que venha a sofrer, em nosso País, processo extradicional instaurado por iniciativa de qualquer Estado estrangeiro.
Tenho para mim que a natureza do processo extradicional - que não permite qualificá-lo como processo de índole condenatória (JOSÉ FREDERICO MARQUES, "Tratado de Direito Penal", vol. I, p. 390, item n. 2, 1997, Bookseller) - não comporta a diligência pleiteada pela autoridade policial federal. É que a providência por ela pretendida em sede de extradição (interceptação telefônica, que constitui fonte de prova penal) não se destina a viabilizar investigação criminal nem a instruir processo penal de condenação instaurados no Brasil.
Há que se considerar, no ponto, a finalidade inerente à ação de extradição passiva e que, analisada na perspectiva do Estado brasileiro, sequer autoriza o Tribunal do foro (o Supremo Tribunal Federal, no caso) a examinar o fundo da controvérsia que motivou o pleito extradicional, não lhe cabendo proceder, por isso mesmo, a qualquer indagação de caráter probatório (RTJ 140/436 - RTJ 160/105 - RTJ 160/433-434 - RTJ 161/409-411 - RTJ 170/746-747):

"PROCESSO EXTRADICIONAL - EXAME DA PROVA PENAL PRODUZIDA PERANTE O ESTADO ESTRANGEIRO - INADMISSIBILIDADE.
- O modelo extradicional vigente no Brasil - que consagra o sistema de contenciosidade limitada, fundado em norma legal (Estatuto do Estrangeiro, art. 85, § 1º) reputada compatível com o texto da Constituição da República (RTJ 105/4-5 - RTJ 160/433-434 - RTJ 161/409-411) - não autoriza que se renove, no âmbito da ação de extradição passiva promovida perante o Supremo Tribunal Federal, o litígio penal que lhe deu origem, nem que se efetive o reexame do quadro probatório ou a discussão sobre o mérito da acusação ou da condenação emanadas de órgão competente do Estado estrangeiro. Doutrina. Precedentes."
(RTJ 183/42-43, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, e acolhendo, ainda, a manifestação da douta Procuradoria-Geral da República, indefiro o pleito formulado, a fls. 93/96, pelo Senhor Delegado de Polícia Federal, representante da INTERPOL.

...........................................................

Brasília, 06 de março de 2007.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

*decisão pendente de publicação

Reclamação: Controle Abstrato de Constitucionalidade e Lei de Teor Idêntico (Transcrições)

Rcl 4987 MC/PE*

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

DECISÃO: Trata-se de reclamação, com pedido de liminar, ajuizada pelo Município de Petrolina/PE, em face de decisão do Juiz da 1ª Vara do Trabalho da Comarca de Petrolina/PE, proferida nos autos da Reclamação Trabalhista no 01233-2005-411-06-00-6.
O reclamante narra que, por meio da Lei Municipal no 1.899, de 19 de dezembro de 2006, estabeleceu em R$ 900,00 (novecentos reais) o referencial de pequeno valor para fins de aplicação do art. 100, § 3o, da Constituição Federal.
Assim procedendo, teria exercido sua autonomia legislativa para a definição do referencial de pequeno valor, tal como garantido pelo art. 87 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Apesar disso, a autoridade reclamada teria afastado a aplicação dessa norma municipal e, em sede de reclamação trabalhista, considerado como de pequeno valor uma condenação de R$ 4.217,69 (quatro mil, duzentos e dezessete reais e sessenta e nove centavos).
Após, em 30 de janeiro de 2007, o Município reclamante peticionou ao juízo reclamado informando a existência da Lei Municipal no 1.899/2006. A seguinte decisão foi então proferida (fl. 24):

"A matéria trabalhista é regida por lei federal. Portanto, o teto legal para execução independe de precatório; é fixado por lei desta natureza.
Assim, considerando-se que a lei federal (art. 87 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, acrescido pela Emenda Constitucional nº 37/2002) fixou o teto em 30 salários mínimos, deve este ser observado.
A lei municipal não pode disciplinar matéria de atribuição privativa de lei federal.
Cumpra-se, pois, a ordem exarada para pagamento." (fl. 24).

É contra essa decisão que o reclamante se insurge.
Alega, em síntese, que o ato impugnado viola os fundamentos determinantes da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI no 2.868/PI, Rel. Min. Carlos Britto, Red. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, DJ 12.11.2004, a qual possui a seguinte ementa:

"EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 5.250/2002 DO ESTADO DO PIAUÍ. PRECATÓRIOS. OBRIGAÇÕES DE PEQUENO VALOR. CF, ART. 100, § 3º. ADCT, ART. 87.
Possibilidade de fixação, pelos estados-membros, de valor referencial inferior ao do art. 87 do ADCT, com a redação dada pela Emenda Constitucional 37/2002.
Ação direta julgada improcedente."

Nessa ocasião, o STF teria fixado o entendimento de que os entes da federação têm liberdade para definir o valor de seus débitos de pequeno valor, valor esse que, poderia, inclusive, ser inferior ao previsto no art. 87 do ADCT.
O reclamante cita, ainda, as decisões liminares proferidas pelo Ministro Celso de Mello na Rcl no 2.986/SE (DJ 18.3.2005) e pelo Ministro Cezar Peluso na Rcl no 4.250/PE (DJ 22.5.2006) como precedentes favoráveis à sua pretensão.
Quanto à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), aduz que seria iminente o bloqueio de verbas públicas para a satisfação do crédito considerado pelo juízo reclamado, a seu ver erroneamente, como de pequeno valor.
Pede, em caráter liminar, a suspensão dos efeitos da decisão reclamada.
Passo a decidir o pedido de medida liminar.
Em análise sumária da controvérsia apresentada nestes autos, entendo presentes os requisitos para a concessão da medida liminar.
Creio que tal controvérsia reside não na concessão de efeito vinculante aos motivos determinantes das decisões em controle abstrato de constitucionalidade, mas na possibilidade de se analisar, em sede de reclamação, a constitucionalidade de lei de teor idêntico ou semelhante à lei que já foi objeto da fiscalização abstrata de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.
Após refletir sobre essa questão, e baseando-me em estudos doutrinários que elaborei sobre o tema, não tenho nenhuma dúvida de que, ainda que não se empreste eficácia transcendente (efeito vinculante dos fundamentos determinantes) à decisão, o Tribunal, em sede de reclamação contra aplicação de lei idêntica àquela declarada inconstitucional, poderá declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade da lei ainda não atingida pelo juízo de inconstitucionalidade.
Ressalto que essa tese não é estranha à Corte. No julgamento da Rcl nº 595 (Rel. Min. Sydney Sanches), o Tribunal declarou a inconstitucionalidade de expressão contida na alínea "c" do inciso I do art. 106 da Constituição do Estado de Sergipe, que outorgava competência ao respectivo Tribunal de Justiça para processar e julgar ação direta de inconstitucionalidade de normas municipais em face da Constituição Federal.
Esse entendimento segue a tendência da evolução da reclamação como ação constitucional voltada à garantia da autoridade das decisões e da competência do Supremo Tribunal Federal.
Desde o seu advento, fruto de criação jurisprudencial, a reclamação tem-se firmado como importante mecanismo de tutela da ordem constitucional.
Como é sabido, a reclamação para preservar a competência do Supremo Tribunal Federal ou garantir a autoridade de suas decisões é fruto de criação pretoriana. Afirmava-se que ela decorreria da idéia dos implied powers deferidos ao Tribunal. O Supremo Tribunal Federal passou a adotar essa doutrina para a solução de problemas operacionais diversos. A falta de contornos definidos sobre o instituto da reclamação fez, portanto, com que a sua constituição inicial repousasse sobre a teoria dos poderes implícitos.
Em 1957 aprovou-se a incorporação da Reclamação no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
A Constituição Federal de 1967, que autorizou o STF a estabelecer a disciplina processual dos feitos sob sua competência, conferindo força de lei federal às disposições do Regimento Interno sobre seus processos, acabou por legitimar definitivamente o instituto da reclamação, agora fundamentada em dispositivo constitucional.
Com o advento da Carta de 1988, o instituto adquiriu, finalmente, status de competência constitucional (art. 102, I, l). A Constituição consignou, ainda, o cabimento da reclamação perante o Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, f), igualmente destinada à preservação da competência da Corte e à garantia da autoridade das decisões por ela exaradas.
Com o desenvolvimento dos processos de índole objetiva em sede de controle de constitucionalidade no plano federal e estadual (inicialmente representação de inconstitucionalidade e, posteriormente, ADI, ADIO, ADC e ADPF), a reclamação, na qualidade de ação especial, acabou por adquirir contornos diferenciados na garantia da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal ou na preservação de sua competência.
A jurisprudência do Supremo Tribunal, no tocante à utilização do instituto da reclamação em sede de controle concentrado de normas, também deu sinais de grande evolução no julgamento da questão de ordem em agravo regimental na Rcl. nº 1.880, em 23 de maio de 2002, quando no Tribunal restou assente o cabimento da reclamação para todos aqueles que comprovarem prejuízo resultante de decisões contrárias às teses do STF, em reconhecimento à eficácia vinculante erga omnes das decisões de mérito proferidas em sede de controle concentrado.
A análise do quadro abaixo transcrito, sobre o número de representações propostas nos anos de 1990 a 2007, parece indicar que o referido instituto ganhou significativo relevo no âmbito da competência do STF.

Reclamações Constitucionais no Supremo Tribunal Federal
Processos distribuídos no período de 1990 a 2007

Ano Nº de processos Ano Nº de processos
1990 20 1999 200
1991 30 2000 522
1992 44 2001 228
1993 36 2002 202
1994 45 2003 275
1995 49 2004 491
1996 49 2005 933
1997 62 2006 837
1998 275 2007 6*

*atualizada até 31.1.2007 Fonte: BNDPJ/STF

Ressalte-se, ainda, que a EC n. 45/2004 consagrou a súmula vinculante, no âmbito da competência do Supremo Tribunal, e previu que a sua observância seria assegurada pela reclamação (art. 103-A, § 3º - "Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso").
A tendência hodierna, portanto, é de que a reclamação assuma cada vez mais o papel de ação constitucional voltada à proteção da ordem constitucional como um todo. Os vários óbices à aceitação da reclamação em sede de controle concentrado já foram superados, estando agora o Supremo Tribunal Federal em condições de ampliar o uso desse importante e singular instrumento da jurisdição constitucional brasileira.
Nessa perspectiva, parece bastante lógica a possibilidade de que, em sede de reclamação, o Tribunal analise a constitucionalidade de leis cujo teor é idêntico, ou mesmo semelhante, a outras leis que já foram objeto do controle concentrado de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.
Como explicado, não se está a falar, nessa hipótese, de aplicação da teoria da "transcendência dos motivos determinantes" da decisão tomada no controle abstrato de constitucionalidade. Trata-se, isso sim, de um poder ínsito à própria competência do Tribunal de fiscalizar incidentalmente a constitucionalidade das leis e dos atos normativos. E esse poder é realçado quando a Corte se depara com leis de teor idêntico àquelas já submetidas ao seu crivo no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade.
Assim, em relação à lei de teor idêntico àquela que já foi objeto do controle de constitucionalidade no STF, poder-se-á, por meio da reclamação, impugnar a sua aplicação ou rejeição por parte da Administração ou do Judiciário, requerendo-se a declaração incidental de sua inconstitucionalidade, ou de sua constitucionalidade, conforme o caso.
Na hipótese em exame, como já acentuado, não estamos a falar em "transcendência dos motivos determinantes" da decisão na ADI n° 2.868/PI. Não podemos olvidar, no entanto, que há uma controvérsia constitucional posta ao crivo do Tribunal: a compatibilidade ou não da Lei Municipal n° 1.899/2006 com o art. 87 do ADCT. E, por se tratar de uma questão constitucional idêntica àquela que foi objeto da ADI n° 2.868/PI, estou certo de que o Tribunal não pode se furtar à sua análise.
Na ADI n° 2.868/PI, de relatoria do Ministro Carlos Britto, o Tribunal fixou o entendimento de que é constitucional a lei da entidade federativa que fixa valores diferenciados àquele estipulado, em caráter transitório, pelo art. 87, inciso II, do ADCT. Entendeu-se, assim, que o art. 100, § 5o, da Constituição, permite que a lei fixe valores distintos como referencial de "pequeno valor" apto a afastar a incidência do sistema de pagamento, por meio de precatórios, dos débitos da Fazenda Pública.
A teleologia das normas constitucionais é a de assegurar a autonomia das entidades federativas, de forma que Estados e Municípios possam adequar o sistema de pagamento de seus débitos às peculiaridades financeiras locais. O referencial de "pequeno valor", para afastamento da aplicação do sistema de precatórios, deverá ser fixado conforme as especificidades orçamentárias de cada ente da federação.
Parece claro, da mesma forma, que essa autonomia do ente federativo deverá respeitar o princípio da proporcionalidade. É dizer: não poderá o Estado ou o Município estabelecer um valor demasiado além, ou aquém, do que seria o valor razoável de "pequeno valor" conforme as suas disponibilidades financeiras. Cada caso é um caso, cujo juízo de proporcionalidade pressupõe a análise dos orçamentos de cada ente federativo.
A Lei do Município de Petrolina-PE fixou um valor de R$ 900,00 (novecentos reais), que me parece bastante razoável, mesmo se comparado com os parâmetros do art. 87 do ADCT. Recordo, neste ponto, que, no julgamento da ADI n° 2.868/PI, o Tribunal considerou razoável valor no montante de 5 (cinco) salários mínimos.
Ademais, ainda que o Tribunal não tenha se pronunciado expressamente sobre este tópico, a autonomia conferida aos entes federativos pelo art. 100, § 5o, da Constituição e pelo art. 87 do ADCT, abrange, inclusive, a possibilidade de que o referencial de pequeno valor não seja necessariamente fixado em quantidade de salários mínimos. O art. 87 do ADCT deixa claro que os valores nele estabelecidos têm vigência "até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação". A lei de cada ente da federação poderá fixar outros valores não vinculados ao salário mínimo.
Portanto, o referencial de pequeno valor - R$ 900,00 (novecentos reais) - fixado pela Lei Municipal n° 1.899/2006, para fins de aplicação do art. 100, § 3o, da Constituição Federal, deve ser respeitado pelo Juízo da 1ª Vara do Trabalho da Comarca de Petrolina/PE.
Com essas considerações, defiro o pedido de medida liminar para suspender os efeitos da decisão do Juiz da 1ª Vara do Trabalho da Comarca de Petrolina/PE, proferida nos autos da Reclamação Trabalhista no 01233-2005-411-06-00-6.
Comunique-se, com urgência.
Publique-se.
Requisitem-se informações ao Juízo da 1ª Vara do Trabalho da Comarca de Petrolina/PE.
Após, dê-se vista dos autos à Procuradoria-Geral da República.
Brasília, 7 de março de 2007.

Ministro GILMAR MENDES
Relator

*decisão pendente de publicação



Assessora responsável pelo Informativo

Anna Daniela de A. M. dos Santos
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