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quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Informativo STF 476 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Brasília, 13 a 17 de agosto de 2007 - Nº 476.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO


Plenário
Criação de Cargos e Princípio do Concurso Público
Recebimento de Denúncia e Competência - 1
Recebimento de Denúncia e Competência - 2
Subsídio para Servidores Públicos e Organização em Carreira
ADI e Lei 9.868/99 - 6
Recurso de Revista e Transcendência - 2
Procurador-Geral do Estado: Escolha - 2
Tratado Internacional e Isenção Tributária - 2
CLT: Procedimento Sumaríssimo e Comissão de Conciliação Prévia
Processo Fiscal: Utilização Simultânea das Vias Administrativa e Judicial - 3
Processo Fiscal: Utilização Simultânea das Vias Administrativa e Judicial - 4
13º Salário e Vício de Iniciativa
Representantes de Empregados: Participação em Conselhos e Diretorias - 1
Representantes de Empregados: Participação em Conselhos e Diretorias - 2
Fixação de Subsídio para Magistrado Estadual - 2
1ª Turma
Quadrilha e Crimes contra a Ordem Tributária: Autonomia - 2
Quadrilha e Crimes contra a Ordem Tributária: Autonomia - 3
Cálculo de ISS: Dedução das Subempreitadas - 2
Listas Telefônicas e Livre Concorrência - 2
2ª Turma
Interrogatório por Videoconferência - 1
Interrogatório por Videoconferência - 2
Reincidência e "Bis in Idem"
Art. 512 do CPC e Conhecimento de Recurso - 3
Clipping do DJ
Transcrições
Imunidade Parlamentar e Entrevista Jornalística (Inq 2330/DF)
Extradição e Respeito aos Direitos Humanos (Ext 986/República da Bolívia)


PLENÁRIO


Criação de Cargos e Princípio do Concurso Público

O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil contra a Lei 1.939/98, do Estado de Mato Grosso, que dispõe sobre criação de cargos em comissão do Tribunal de Contas estadual e ao Ministério Público a ele vinculado, para declarar a inconstitucionalidade dos seus artigos 1º (na parte em que altera a redação dos artigos 3º e 14 e seu parágrafo único da Lei estadual 1.464/93); 2º; 3º e 7º, e do seu Anexo I, item I, quando trata do grupo operacional III; do seu Anexo II, quando trata do grupo operacional III; do seu Anexo VI, Tabela III, quando trata do grupo operacional III; do seu Anexo VIII, quando trata do grupo operacional III do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado. Asseverando que os cargos criados possuem atribuições meramente técnicas, portanto, sem caráter de assessoramento, chefia ou direção, entendeu-se caracterizada, na espécie, a ofensa ao inciso II do art. 37, da CF, que exige, para investidura em cargo público, ressalvadas as nomeações para cargos em comissão, a prévia aprovação em concurso público de provas, ou de provas e títulos, bem como ao seu inciso V, que estabelece que os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento. Precedentes citados: ADI 1269 MC/GO (DJU de 25.8.95); ADI 1141 MC/GO (DJU de 4.11.94).
ADI 3706/MS, rel. Min. Gilmar Mendes, 15.8.2007. (ADI-3706)

Recebimento de Denúncia e Competência - 1

O Tribunal iniciou julgamento de habeas corpus impetrado contra ato do Min. Joaquim Barbosa, relator da Ação Penal 420/MG, que implicara a declaração de validade da decisão mediante a qual o Juiz da 4ª Vara Federal Criminal de Belo Horizonte recebera denúncia oferecida pela Procuradoria da República no Estado de Minas Gerais contra o paciente, Deputado Federal, por suposta prática dos delitos descritos nos artigos 4º, da Lei 7.492/86, e 299, do CP. Alegam os impetrantes que a denúncia não poderia ter sido recebida em 18.12.2006, porquanto o protocolo eletrônico registrara, como data de entrada do documento, 19.12.2006, dia em que o paciente fora diplomado Deputado Federal, o que acarretaria, portanto, a incompetência do juízo federal. O Min. Marco Aurélio, relator, indeferiu a ordem, no que foi acompanhado pelos Ministros Ricardo Lewandowski, Carlos Britto e Cezar Peluso. Entendeu que a documentação própria aos processos jurisdicionais comprova seqüência cronológica que não levaria à conclusão de que a denúncia teria sido recebida quando já diplomado o paciente, com a prática de falsidade ideológica, mediante lançamento de data anterior à do real efetivo recebimento da denúncia. Esclareceu que, conforme o relatório de andamentos do processo, a distribuição automática teria ocorrido em 18.12.2006, com remessa à Vara no mesmo dia, constando o imediato recebimento pela Secretaria, seguindo-se a autuação da denúncia e a conclusão do processo para o ato de cognição incompleta de recebimento. Asseverou, ademais, que a razão de o carimbo de protocolo registrar a distribuição em 19.12.2007 decorreria do fato de, apenas depois do recebimento da denúncia, os autos de inquérito terem sido encaminhados da distribuição para o competente registro, nos termos do disposto no art. 156, § 6º, do Regimento Interno do TRF da 1ª Região.
HC 91449/MG, rel. Min. Marco Aurélio, 15.8.2007. (HC-91449)

Recebimento de Denúncia e Competência - 2

O Min. Eros Grau abriu divergência, deferindo a ordem. Salientou o fato de a denúncia ter sido examinada em período de pouco mais de uma hora, sendo os autos compostos de cerca de mil páginas e considerou ser o caso de se aplicar o princípio in dubio pro reo. Também deferiram o writ os Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello, ao fundamento de se extrair dessas circunstâncias a ocorrência de comportamento judiciário infringente da proporcionalidade em concreto, e o Min. Sepúlveda Pertence, que asseverou a evidente violação, na espécie, ao devido processo legal. Em seguida, o Tribunal, por maioria, em face do empate na votação, resolveu questão de ordem no sentido de ter voto a Min. Ellen Gracie, Presidente, tendo em conta a ressalva contida no art. 146, parágrafo único, do Regimento Interno do STF ("No julgamento do habeas corpus, pelo Plenário, o Presidente não terá voto, salvo em matéria constitucional, proclamando-se, na hipótese de empate, a decisão mais favorável ao paciente."). Vencidos, no ponto, os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Ellen Gracie, que entendiam que, havendo empate, deveria prevalecer a decisão mais favorável ao paciente. Após, a Presidente pediu vista dos autos.
HC 91449/MG, rel. Min. Marco Aurélio, 15.8.2007. (HC-91449)

Subsídio para Servidores Públicos e Organização em Carreira

O Tribunal, por maioria, deferiu medida cautelar em ação direta proposta pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB para suspender a eficácia da Lei 8.592/2007, do Estado do Maranhão, que dispõe sobre a fixação de subsídio para os servidores estaduais dos Grupos Ocupacionais que menciona e dá outras providências. Inicialmente, afastou-se a preliminar de perda de objeto da ação, tendo em conta que as medidas provisórias posteriores à lei impugnada não a teriam modificado substancialmente. Em seguida, salientando que, nos termos dos §§ 4º e 8º do art. 39 da CF, a fixação do subsídio pode ser estendida aos demais servidores públicos, por meio de lei específica e observado o pressuposto de que tais servidores estejam organizados em carreira, entendeu-se caracterizado o fumus boni iuris, haja vista que o ato normativo atacado teria ultrapassado o quanto poderia alcançar em coerência com esses preceitos. Considerou-se presente, também, o periculum in mora, porquanto o art. 7º da lei em exame, não obstante tenha vedado a redução de remuneração, não assegura expressamente as vantagens concedidas por decisões judiciais e administrativas incorporadas pelos servidores, o que implicaria desconstituição de coisa julgada. Além disso, seria crítica a situação instalada no referido Estado-membro em razão da greve dos servidores. Vencido o Min. Marco Aurélio que indeferia a medida cautelar.
ADI 3923 MC/MA, rel. Min. Eros Grau, 16.8.2007. (ADI-3923)

ADI e Lei 9.868/99 - 6

O Tribunal retomou julgamento de duas ações diretas de inconstitucionalidade parcial omissiva e positiva ajuizadas pela Confederação Nacional das Profissões Liberais - CNPL e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB contra dispositivos da Lei 9.868/99, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade - ADI e da ação declaratória de constitucionalidade - ADC perante o Supremo Tribunal Federal - v. Informativo 456. O Min. Sepúlveda Pertence, relator, julgou procedente o pedido relativamente ao art. 27 da Lei 9.868/99 ("Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado."). Salientando que a nulidade da lei inconstitucional decorre, no sistema da Constituição, da adoção, paralela ao controle direto e abstrato, do controle difuso de inconstitucionalidade, entendeu que uma alteração dessa magnitude só poderia ser feita por emenda constitucional. Ademais, considerou que, ainda que ultrapassada a inconstitucionalidade formal, seria necessário dar interpretação conforme ao referido dispositivo, a fim de evitar que sua aplicação pudesse atingir o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido, eventualmente surgidos da inconstitucionalidade da lei. Após, pediu vista dos autos a Min. Cármen Lúcia.
ADI 2154/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 16.8.2007. (ADI-2154)
ADI 2258/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 16.8.2007. (ADI-2258)

Recurso de Revista e Transcendência - 2

Por vislumbrar aparente ofensa às garantias da coisa julgada e da isonomia, o Tribunal, em votação majoritária, deferiu, em parte, medida liminar em ação direta ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB contra a Medida Provisória 2.226/2001- que, acrescendo o art. 896-A à Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, introduz o requisito da transcendência no recurso de revista -, para suspender a eficácia do seu art. 3º, que inclui o § 2º ao art. 6º da Lei 9.469/97 ("o acordo ou a transação celebrada diretamente pela parte ou por intermédio de procurador para extinguir ou encerrar processo judicial, inclusive nos casos de extensão administrativa de pagamentos postulados em juízo, implicará sempre a responsabilidade de cada uma das partes pelo pagamento dos honorários de seus respectivos advogados, mesmo que tenham sido objeto de condenação transitada em julgado") - v. Informativos 282 e 288. Afastou-se, por outro lado, a plausibilidade jurídica da tese de inconstitucionalidade relativamente aos artigos 1º e 2º da norma impugnada ("Art. 1º A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescida do seguinte dispositivo: 'Art. 896-A. O Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica'. Art. 2º O Tribunal Superior do Trabalho regulamentará, em seu regimento interno, o processamento da transcendência do recurso de revista, assegurada a apreciação da transcendência em sessão pública, com direito a sustentação oral e fundamentação da decisão."). Quanto à alegada ofensa à alínea b do inciso I do § 1º do art. 62 da CF, com a redação que lhe foi dada pela EC 32/2001, que vedou o trato de matéria processual por meio de medida provisória, afirmou-se que a norma atacada seria anterior a essa emenda. No que tange à citada afronta ao § 3º do art. 111 da CF, considerou-se o fato de que a competência do TST e o recurso de revista ou seu respectivo processamento não têm definição constitucional. Vencidos, parcialmente, os Ministros Nelson Jobim, que deferia a liminar quanto aos artigos 1º e 2º, Maurício Corrêa, que a deferia quanto aos artigos 1º, 2º e parte do 3º, e Marco Aurélio, que a concedia quanto aos artigos 1º, 2º e 3º.
ADI 2527 MC/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 16.8.2007. (ADI-2527)

Procurador-Geral do Estado: Escolha - 2

O Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado de São Paulo contra a expressão "entre os Procuradores que integram a carreira", contida no parágrafo único do art. 100 da Constituição do referido Estado-membro ("O Procurador-Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira, e deverá apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.") - v. Informativo 336. Entendeu-se que a Constituição estadual, subordinada aos princípios contidos na Constituição Federal, no exercício da auto-organização conferida pelo art. 25, teria competência para a definição dos critérios para a escolha do Procurador-Geral, na forma prevista no inciso VIII do art. 235, e em consonância com o art. 132, que estabelece a representatividade do Estado por integrantes da carreira ("Art. 235... VIII - até a promulgação da Constituição Estadual, responderão pela Procuradoria-Geral, pela Advocacia-Geral e pela Defensoria-Geral do Estado advogados com notório saber, com trinta e cinco anos de idade, no mínimo, nomeados pelo Governador eleito e demissíveis ad nutum;"). Nesta assentada, o Min. Sepúlveda Pertence, em voto de desempate, na linha de outros votos já proferidos, acompanhou o relator, ao fundamento de não ser essencial do cargo em comissão, segundo a Constituição Federal, a inexistência de quaisquer limites à clientela passível desta nomeação. Vencidos os Ministros Maurício Corrêa, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Nelson Jobim que julgavam o pedido procedente por considerar que a norma impugnada, ao impor limitação ao exercício do poder discricionário de escolha conferido ao Governador, ofenderia o art. 61, § 1º, II, c, da CF, bem como o princípio da separação entre os Poderes.
ADI 2581/SP, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 16.8.2007. (ADI-2581)

Tratado Internacional e Isenção Tributária - 2

O Tribunal deu provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que entendera não recepcionada pela CF/88 a isenção de ICMS relativa a mercadoria importada de país signatário do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - GATT, quando isento o similar nacional. Discutia-se, na espécie, a constitucionalidade de tratado internacional que institui isenção de tributos de competência dos Estados-membros da Federação - v. Informativo 137. Entendeu-se que a norma inscrita no art. 151, III, da CF ("Art. 151. É vedado à União: ... III - instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios."), limita-se a impedir que a União institua, no âmbito de sua competência interna federal, isenções de tributos estaduais, distritais ou municipais, não se aplicando, portanto, às hipóteses em que a União atua como sujeito de direito na ordem internacional.
RE 229096/RS, rel. orig. Min. Ilmar Galvão, rel. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, 16.8.2007. (RE-229096)

CLT: Procedimento Sumaríssimo e Comissão de Conciliação Prévia

O Tribunal retomou julgamento de medidas cautelares em duas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio - CNTC e pelo Partido Comunista do Brasil - PC do B, pelo Partido Socialista Brasileiro - PSB, pelo Partido dos Trabalhadores - PT e pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT. A CNTC impugna o inciso II do art. 852-B da CLT (introduzido pelo art. 1º da Lei 9.957/2000), que excluiu do procedimento sumaríssimo trabalhista a citação por edital, e dispositivos da Lei 9.958/2000, que altera e acrescenta artigos à Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT, dispondo sobre as Comissões de Conciliação Prévia. Os referidos Partidos impugnam somente dispositivos desta última lei - v. Informativo 195. O Min. Sepúlveda Pertence, em voto-vista, relativamente ao art. 625-D da CLT (Lei 9.958/2000, art. 1º), que estabelece que qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia, acompanhou o voto do Min. Marco Aurélio, deferindo, em parte, a medida cautelar, para assegurar, com relação aos dissídios individuais do trabalho, o livre acesso ao Judiciário, independentemente de instauração ou da conclusão do procedimento perante a comissão de conciliação prévia, no que foi acompanhado pelos Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Eros Grau. Em seguida, pediu vista dos autos o Min. Joaquim Barbosa.
ADI 2139 MC/DF, rel. Min. Octavio Gallotti, 16.8.2007. (ADI-2139)
ADI 2160 MC/DF, rel. Min. Octavio Gallotti, 16.8.2007. (ADI-2160)

Processo Fiscal: Utilização Simultânea das Vias Administrativa e Judicial - 3

Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a constitucionalidade do parágrafo único do art. 38 da Lei 6.830/80 ("Art 38. A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos. Parágrafo único. A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto."). Tratava-se, na espécie, de recurso interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que negara provimento à apelação da recorrente e confirmara sentença que indeferira mandado de segurança preventivo por ela impetrado, sob o fundamento de impossibilidade da utilização simultânea das vias administrativa e judicial para discussão da mesma matéria - v. Informativos 349 e 387. Entendeu-se que o art. 38, da Lei 6.830/80 apenas veio a conferir mera alternativa de escolha de uma das vias processuais.
RE 233582/RJ, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, 16.8.2007. (RE-233582)

Processo Fiscal: Utilização Simultânea das Vias Administrativa e Judicial - 4

Nesta assentada, o Min. Sepúlveda Pertence, em voto-vista, acompanhou a divergência, no sentido de negar provimento ao recurso. Asseverou que a presunção de renúncia ao poder de recorrer ou de desistência do recurso na esfera administrativa não implica afronta à garantia constitucional da jurisdição, uma vez que o efeito coercivo que o dispositivo questionado possa conter apenas se efetiva se e quando o contribuinte previa o acolhimento de sua pretensão na esfera administrativa. Assim, somente haverá receio de provocar o Judiciário e ter extinto o processo administrativo, se este se mostrar mais eficiente que aquele. Neste caso, se houver uma solução administrativa imprevista ou contrária a seus interesses, ainda aí estará resguardado o direito de provocar o Judiciário. Por outro lado, na situação inversa, se o contribuinte não esperar resultado positivo do processo administrativo, não hesitará em provocar o Judiciário tão logo possa, e já não se interessará mais pelo que se vier a decidir na esfera administrativa, salvo no caso de eventual sucumbência jurisdicional. Afastou, também, a alegada ofensa ao direito de petição, uma vez que este já teria sido exercido pelo contribuinte, tanto que haveria um processo administrativo em curso. Concluiu que o dispositivo atacado encerra preceito de economia processual que rege tanto o processo judicial quanto o administrativo. Por fim, registrou que já se admitia, no campo do processo civil, que a prática de atos incompatíveis com a vontade de recorrer implica renúncia a esse direito de recorrer ou prejuízo do recurso interposto, a teor do que dispõe o art. 503, caput, e parágrafo único, do CPC, nunca tendo se levantado qualquer dúvida acerca da constitucionalidade dessas normas. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, e Carlos Britto que davam provimento ao recurso para declarar a inconstitucionalidade do dispositivo em análise, por vislumbrarem ofensa ao direito de livre acesso ao Judiciário e ao direito de petição.
RE 233582/RJ, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, 16.8.2007. (RE-233582)

13º Salário e Vício de Iniciativa

Por entender usurpada a iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo para instauração do processo legislativo em tema concernente à definição do regime jurídico dos servidores públicos, de observância obrigatória pelos Estados-membros, bem como para exercer a direção superior da administração estadual (CF, artigos 61, § 1º, II, c e 84, II e IV), o Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro para declarar a inconstitucionalidade do art. 71 do ADCT da Constituição do mesmo Estado, que estabelece que "o décimo terceiro-salário devido aos servidores do Estado será pago em duas parcelas, simultaneamente, com o pagamento dos meses de julho e dezembro" - v. Informativo 338. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto, que julgavam improcedente o pedido, por considerarem descabido o alegado vício formal nas hipóteses em que a norma surge no momento da elaboração da Constituição estadual.
ADI 1448/RJ, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, rel. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, 16.8.2007. (ADI-1448)

Representantes de Empregados: Participação em Conselhos e Diretorias - 1

O Tribunal retomou julgamento de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Estado de Santa Catarina contra o inciso II o art. 14 da Constituição estadual que determina, como instrumento de gestão democrática, a participação, no conselho de administração e na diretoria das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, de um representante dos empregados, por eles indicados mediante processo eletivo, regulamentado pela Lei estadual 1.178/94, também impugnada. Suscita o recorrente afronta ao art. 37, II, da CF. Na sessão de 19.12.95, o Min. Carlos Velloso, relator, deferiu parcialmente a cautelar, para emprestar interpretação conforme ao preceito inscrito no art. 14, II, da Constituição estadual questionada, no sentido de que não tem ele aplicação aos servidores de empresas públicas e sociedades de economia prestadoras de serviço público. O relator entendeu não haver relevância na argüição quanto aos trabalhadores das empresas estatais que explorem atividade econômica, tendo em vista a identidade destes com aqueles trabalhadores das empresas privadas, decorrente da redação originária do § 1º do art. 173 da CF, aos quais é assegurado o direito de participação, ainda que excepcional, na gestão da empresa (CF, art. 7º, XI). Considerou que, nesse sentido, seria irrelevante, da mesma forma, o questionamento relativo à Lei estadual 1.178/94, que se limitaria a disciplinar o dispositivo constitucional estadual sem criar cargo, função ou emprego público na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração, não havendo se falar em usurpação da iniciativa legislativa privativa do Chefe do Poder Executivo (CF, art. 61, § 1º, II, a).
ADI 1229 MC/SC, rel. Min. Carlos Velloso, 16.8.2007. (ADI-1229)

Representantes de Empregados: Participação em Conselhos e Diretorias - 2

Na presente sessão, o Min. Sepúlveda Pertence, em voto-vista, acompanhou o relator para também dar interpretação conforme ao art. 14, II, da Constituição do Estado de Santa Catarina, no sentido de que não tem ele aplicação aos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviço público, mas condicionou a sua eficácia quanto às empresas estatais - públicas ou mistas - que exercem atividade econômica em caráter subsidiário da livre iniciativa, à edição da lei federal referida na parte final do inciso XI do art. 7º da CF, deferindo, por conseguinte, em parte a cautelar, para suspender os efeitos da Lei estadual 1.178/94. Salientando que nem todas as vagas dos conselhos e das diretorias são passíveis de nomeação e exoneração ad nutum pela Administração Central, entendeu ser possível que, na estrutura de determinada empresa pública ou sociedade de economia mista, sujeita à regra do art. 173, § 2º, II, da CF, seja reservada ao menos uma vaga da diretoria ou do conselho a representante dos empregados que detivesse legitimidade para isso. Esclareceu que o legislador constituinte derivado alterou o referido § 1º na EC 19/98 para abranger, no inciso II daquele dispositivo, além das obrigações trabalhistas e tributárias típicos das empresas privadas, as civis e comerciais, bem como os direitos relativos a cada um desses ramos. Afirmou que essa alteração evidenciaria um reforço na equiparação de regimes jurídicos efetivada pela norma, indicando, em princípio, plena aplicabilidade do direito de participação dos empregados na gestão da empresa previsto no inciso XI do art. 7º da CF. Asseverou, entretanto, que a forma como se dará essa participação dos trabalhadores na gestão das empresas depende de definição em lei, nos termos da parte final deste dispositivo. Reportando-se ao que decidido na ADI 83/MG (DJU de 18.10.91), no sentido de que preceito estadual, ainda que constitucional, versando matéria de Direito do Trabalho invade a competência legislativa exclusiva da União (CF, art. 22, I), concluiu que a referência à lei constante do caput do art. 14 da Constituição estadual deveria ser interpretada, quanto ao seu inciso II, como sendo a lei federal que venha a dispor sobre a participação dos trabalhadores na gestão da empresa pública ou da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços em caráter subsidiário da livre iniciativa, termos em que esse dispositivo apenas repetiria o que determinado pela Constituição Federal, indicando, assim, a inconstitucionalidade da Lei estadual 1.178/94. Após, pediu vista o Min. Eros Grau.
ADI 1229 MC/SC, rel. Min. Carlos Velloso, 16.8.2007. (ADI-1229)

Fixação de Subsídio para Magistrado Estadual - 2

Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, julgou prejudicada ação direta ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB contra o art. 1º e seu parágrafo único da Lei 12.919/99, do Estado do Ceará, que dispõe sobre o subsídio dos membros do Poder Judiciário do mencionado Estado e dá outras providências ("A remuneração dos membros do Poder Judiciário do Estado do Ceará será constituída de um subsídio fixado em parcela única, nos termos do art. 39, § 4º da Constituição Federal. Parágrafo único - O subsídio constitui a forma exclusiva de remuneração dos membros do Poder Judiciário, vedada a adição de gratificação ou vantagem a qualquer título") - v. Informativos 279 e 284. Considerou-se que, alterado o dispositivo constitucional paradigma com a edição da EC 41/2003, fora editada a Lei federal 11.143/2005, que dispõe sobre o subsídio de Ministro do Supremo Tribunal Federal, dotando de plena eficácia o sistema instituído pelo inciso XI do art. 37, da CF. Vencido o Min. Maurício Corrêa, relator, que deferia a cautelar, e o Min. Nelson Jobim que não conhecia da ação. Reajustou seu voto o Min. Gilmar Mendes.
ADI 2648 MC/CE, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 16.8.2007. (ADI-2648)



PRIMEIRA TURMA


Quadrilha e Crimes contra a Ordem Tributária: Autonomia - 2

A Turma retomou julgamento de habeas corpus impetrado contra ato do STJ que indeferira igual medida, em que se pretende o trancamento de ação penal instaurada contra denunciados pela suposta prática de crimes contra a ordem tributária (Lei 8.137/90, art. 1º, c/c art. 12), em concurso formal impróprio e de forma continuada, bem como por infringência do art. 288, do CP ("Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:..."). Sustentam os impetrantes: a) que, em razão da empresa dos pacientes ter aderido ao programa de recuperação fiscal e ter parcelado seu débito, na forma do art. 9º da Lei 10.684/2003, pela qual os mesmos obtiveram direito à suspensão do processo-crime por sonegação fiscal, isso implicaria falta de justa causa para a ação penal em relação ao delito do art. 288, do CP; b) ausência do elemento subjetivo para consumação do crime de quadrilha, consistente na expressão "para o fim de cometer crimes", sob o argumento de que o cometimento desse delito não restaria caracterizado pelo simples fato de os pacientes estarem na gerência de uma empresa; c) inépcia da peça acusatória, em face de constar da inicial mera referência ao art. 288, do CP, desprovida de qualquer descrição da conduta subsumível à figura típica nele descrita - v. Informativos 355 e 358. Na sessão de 14.9.2004, a Turma recebera embargos de declaração para renovar o julgamento do writ. Reiniciado em 19.10.2004, o Min. Eros Grau, relator, reiterando os fundamentos do seu voto proferido em 3.8.2004, indeferiu o habeas corpus, no que foi acompanhado pelo Min. Carlos Britto.
HC 84223/RS, rel. Min. Eros Grau, 14.8.2007. (HC-84223)

Quadrilha e Crimes contra a Ordem Tributária: Autonomia - 3

Em voto-vista, o Min. Cezar Peluso deferiu parcialmente a ordem para determinar o trancamento da ação penal contra os pacientes, quanto à acusação de formação de quadrilha ou bando. Entendeu que a suposta prática de delitos econômicos por pessoas que se associaram, nos termos da lei, para o exercício de atividades lícitas, não pode justificar nem legitimar, por si só, imputação do crime previsto no art. 288 do CP. Aduziu, então, que esse dispositivo só encontraria adequação típica na constituição de sociedades criadas com a finalidade específica de práticas delituosas, ou seja, esclareceu que o propósito da prática reiterada de crimes deveria ser o móvel da associação de mais de três pessoas. Por conseqüência, reputou necessário o exame da denúncia. No caso, salientando que a acusação principal seria a de omissão de faturamento para fins de tributação federal, considerou evidente que os réus, eventualmente associados, o teriam feito com o objetivo de exercer atos lícitos de mercancia, acabando por supostamente praticar crimes contra a ordem tributária, em continuidade delitiva, conforme afirmado pela denúncia. Após o voto do Min. Eros Grau que reconsiderou seu voto para acompanhar o do Min. Cezar Peluso, pediu vista o Min. Carlos Britto.
HC 84223/RS, rel. Min. Eros Grau, 14.8.2007. (HC-84223)

Cálculo de ISS: Dedução das Subempreitadas - 2

Em conclusão de julgamento, a Turma não conheceu de recurso extraordinário interposto pelo Município de Curitiba contra acórdão do extinto Tribunal de Alçada do Estado do Paraná que concluíra pela legitimidade da dedução, no cálculo de ISS devido por empresa de construção civil, do valor das subempreitadas já tributadas, nos termos do art. 9º, § 2º, b, do DL 406/68 ("Art. 9º. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. ... § 2º Na prestação dos serviços a que se referem os itens 19 e 20 da lista anexa o imposto será calculado sobre o preço deduzido das parcelas correspondentes: ... b) ao valor das subempreitadas já tributadas pelo imposto."). Alegava-se, na espécie, ofensa aos artigos 150, II, e 151, III, ambos da CF/88 - v. Informativo 216. Manteve-se o acórdão recorrido ao entendimento de que o mencionado decreto-lei, recebido como lei complementar pela CF/88, apenas se limitou a definir a base de cálculo do imposto de forma a evitar a tributação em bis in idem. Considerou-se, ademais, não demonstrada a alegação de ofensa ao princípio da isonomia (CF, art. 150, II).
RE 262598/PR, rel. Min. Ilmar Galvão, 14.8.2007. (RE-262598)

Listas Telefônicas e Livre Concorrência - 2

A Turma concluiu julgamento de recurso extraordinário interposto em face da CF/69, em que se discutia se a edição de listas telefônicas estaria incluída nos serviços de telecomunicações, cuja exploração depende de autorização ou concessão da União (CF/69, art. 8º, XV, a, e CF/88, art. 21, XI). Tratava-se, na espécie, de recurso extraordinário interposto contra acórdão do extinto Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais que julgara improcedente o pedido de concessionária visando à apreensão de catálogos telefônicos editados por empresa privada e concluíra, ainda, que a Lei 6.874/80 - que atribuiu às próprias empresas exploradoras de serviços de telecomunicações a edição de listas de assinantes - ofenderia o princípio da liberdade de iniciativa (CF/69, art. 160, I e CF/88, art. 170, IV) - v. Informativo 143. Por maioria, negou-se provimento ao recurso. Inicialmente, asseverou-se que, apesar de a citada Lei 6.874/80 haver sido revogada pela Lei 9.472/97, o interesse da recorrente permaneceria, em razão do pedido de indenização por ela formulado, ao argumento de usurpação de sua competência exclusiva. Entendeu-se que se a publicação e a distribuição de listas ou catálogos constituem um ônus para as concessionárias de telefonia, que podem praticá-lo com ou sem a utilização de publicidade, não se poderia afirmar que essas teriam exclusividade para fazê-lo. Ademais, reputou-se inconstitucional, tendo em vista a CF/69, o art. 2º da Lei 6.874/80 ("A edição ou divulgação das listas referidas no § 2º do art. 1º desta Lei, sob qualquer forma ou denominação, e a comercialização da publicidade nelas inserta são de competência exclusiva da empresa exploradora do respectivo serviço de telecomunicações, que deverá contratá-las com terceiros, sendo obrigatória, em tal caso, a realização de licitação."), na medida em que instituiu reserva de mercado para a comercialização de listas telefônicas às empresas concessionárias. Vencidos os Ministros Octavio Gallotti, relator, e Ilmar Galvão que lhe davam provimento, por considerar que a edição de listas telefônicas estaria incluída nos serviços de telecomunicações, não sendo possível que particulares, ante a omissão da concessionária em editar catálogos, utilizassem em proveito próprio privilégios constantes da concessão.
RE 158676/MG, rel. orig. Min. Octavio Gallotti, rel. p/ o acórdão Min. Sepúlveda Pertence, 14.8.2007. (RE-158676)


SEGUNDA TURMA

Interrogatório por Videoconferência - 1

A Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de paciente cujo interrogatório fora realizado por videoconferência, no estabelecimento prisional em que recolhido, sem que o magistrado declinasse as razões para a escolha desse sistema. Na espécie, o paciente não fora citado ou requisitado para se defender, mas apenas instado a comparecer à sala da cadeia pública, no mesmo dia em que o interrogatório acontecera. Por ocasião da defesa prévia, pleiteara-se a nulidade do interrogatório e, em conseqüência, a realização de outro, na presença do juiz. O pedido restara indeferido e o paciente, condenado, apelara da sentença e, em preliminar, reiterara a nulidade do feito. Sem sucesso, a defesa impetrara idêntica medida no STJ, denegada, ao fundamento de que o interrogatório mediante teleconferência, em tempo real, não ofenderia o princípio do devido processo legal e seus consectários, bem como de que não demonstrado o prejuízo. Entendeu-se que o interrogatório do paciente, realizado - ainda na vigência da redação original do art. 185 do CPP - por teleaudiência, estaria eivado de nulidade, porque violado o seu direito de estar, no ato, perante o juiz.
HC 88914/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 14.8.2007. (HC-88914)

Interrogatório por Videoconferência - 2

Inicialmente, aduziu-se que a defesa pode ser exercitada na conjugação da defesa técnica e da autodefesa, esta, consubstanciada nos direitos de audiência e de presença/participação, sobretudo no ato do interrogatório, o qual deve ser tratado como meio de defesa. Nesse sentido, asseverou-se que o princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LV) pressupõe a regularidade do procedimento, a qual nasce da observância das leis processuais penais. Assim, nos termos do Código de Processo Penal, a regra é a realização de audiências, sessões e atos processuais na sede do juízo ou no tribunal onde atua o órgão jurisdicional (CPP, art. 792), não estando a videoconferência prevista no ordenamento. E, suposto a houvesse, a decisão de fazê-la deveria ser motivada, com demonstração de sua excepcional necessidade no caso concreto, o que não ocorrera na espécie. Ressaltou-se, ademais, que o projeto de lei que possibilitava o interrogatório por meio de tal sistema (PL 5.073/2001) fora rejeitado e que, de acordo com a lei vigente (CPP, art. 185), o acusado, ainda que preso, deve comparecer perante a autoridade judiciária para ser interrogado. Entendeu-se, no ponto, que em termos de garantia individual, o virtual não valeria como se real ou atual fosse, haja vista que a expressão "perante" não contemplaria a possibilidade de que esse ato seja realizado on-line. Afastaram-se, ademais, as invocações de celeridade, redução dos custos e segurança referidas pelos favoráveis à adoção desse sistema. Considerou-se, pois, que o interrogatório por meio de teleconferência viola a publicidade dos atos processuais e que o prejuízo advindo de sua ocorrência seria intuitivo, embora de demonstração impossível. Concluiu-se que a inteireza do processo penal exige defesa efetiva, por força da Constituição que a garante em plenitude, e que, quando impedido o regular exercício da autodefesa, em virtude da adoção de procedimento sequer previsto em lei, restringir-se-ia a defesa penal.
HC 88914/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 14.8.2007. (HC-88914)

Reincidência e "Bis in Idem"

A majoração da pena resultante da reincidência não configura violação ao princípio do non bis in idem. Com base nesse entendimento e assentando a recepção, pela CF/88, do inciso I do art. 61 do CP ("São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: I - a reincidência;"), a Turma indeferiu habeas corpus em que condenado pela prática do crime de roubo, cuja pena fora majorada em razão da reincidência, e mantida pelo STJ, sustentava que a sua utilização, como causa obrigatória de agravamento de pena, conflitaria com o aludido princípio constitucional, porquanto estabeleceria como regra a punição a fato já punido. Considerou-se que o acórdão do STJ estaria em consonância com a orientação pacificada nesta Corte. Precedentes citados: HC 73394/SP (DJU de 21.3.97); HC 74746/SP (DJU de 11.4.97).
HC 91688/RS, rel. Min. Eros Grau, 14.8.2007. (HC-91688)

Art. 512 do CPC e Conhecimento de Recurso - 3

Em conclusão de julgamento, a Turma manteve decisão monocrática do Min. Eros Grau que negara seguimento a recurso extraordinário, do qual relator, em que se sustentava ofensa aos artigos 102, II, a; 93, IX, e 5º, XXXVI, todos da CF. No caso, interpostos recursos especial e extraordinário contra o acórdão do tribunal local, apenas o primeiro fora admitido e provido, quedando inerte a ora agravante quanto ao último. Os agravados opuseram, então, embargos de divergência, recebidos, para não conhecer do recurso especial. Em contrapartida, a agravante apresentara novo recurso extraordinário contra o acórdão proferido nos embargos de divergência. No presente agravo regimental, alegava, nos termos do art. 512 do CPC, que o acórdão do tribunal estadual fora substituído pelo do REsp, ao abordar a questão constitucional - v. Informativo 444. Entendeu-se que a inércia da agravante implicara a preclusão da matéria constitucional. Assim, o trânsito em julgado das questões constitucionais seria suficiente para a manutenção do acórdão da apelação. Por fim, afirmou-se que o STF tem orientação consolidada no sentido de que da decisão do STJ, no REsp, só se admite RE se a questão constitucional neste levantada é diversa daquela resolvida pela instância ordinária.
RE 458129 AgR/SC, rel. Min. Eros Grau, 14.8.2007. (RE-458129)


SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno15.8.200716.8.200729
1ª Turma14.8.2007--139
2ª Turma14.8.2007--271



C L I P P I N G   D O   D J

17 de agosto de 2007

ADI N. 395-CÓDIGO INEXISTENTE
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 163, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO DE SÃO PAULO: INOCORRÊNCIA DE SANÇÕES POLÍTICAS. AUSÊNCIA DE AFRONTA AO ART. 5º, INC. XIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. A retenção da mercadoria, até a comprovação da posse legítima daquele que a transporta, não constitui coação imposta em desrespeito ao princípio do devido processo legal tributário. 2. Ao garantir o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, o art. 5º, inc. XIII, da Constituição da República não o faz de forma absoluta, pelo que a observância dos recolhimentos tributários no desempenho dessas atividades impõe-se legal e legitimamente. 3. A hipótese de retenção temporária de mercadorias prevista no art. 163, § 7º, da Constituição de São Paulo, é providência para a fiscalização do cumprimento da legislação tributária nesse território e consubstancia exercício do poder de polícia da Administração Pública Fazendária, estabelecida legalmente para os casos de ilícito tributário. Inexiste, por isso mesmo, a alegada coação indireta do contribuinte para satisfazer débitos com a Fazenda Pública. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.
* noticiado no Informativo 467

ADI N. 608-DF
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 27, §§ 1º E 2º, DA LEI N. 8.177, DE 1º DE MARÇO DE 1991. FATOR DE DEFLAÇÃO. AUSÊNCIA DE AFRONTA AO ATO JURÍDICO PERFEITO. PRECEDENTES. 1. A submissão dos contratos e títulos de crédito constituídos entre 1º.9.1990 e 31.1.1991 ao fator de deflação não afronta o ato jurídico perfeito. Precedentes. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. 3. Pedido de medida cautelar prejudicado.
* noticiado no Informativo 469

ADI N. 1.109-TO
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA 069/89 CONVERTIDA NA LEI N. 104/1989, DE TOCANTINS. IMPUGNAÇÃO AO ART. 1º. AUSÊNCIA DE AFRONTA À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O art. 13 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República estabeleceu a criação do Estado do Tocantins pelo desmembramento de parte do Estado de Goiás. 2. O Poder Legislativo Estadual do Tocantins estabeleceu a adoção, no que couber, da legislação do Estado de Goiás, excluída a que se referisse à autonomia administrativa do novo Estado. 3. O Estado do Tocantins poderá revogar a Lei quando entender conveniente, no exercício da autonomia que lhe é assegurada pelo art. 25 da Constituição da República. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente, sem redução de texto, para considerar constitucional a Lei n. 104/1989, de Tocantins, relativamente ao recebimento da legislação do Estado de Goiás, vigente até a promulgação da Constituição tocantinense e das leis que a regulamentaram, e que já vigorava, no Estado goiano.
* noticiado no Informativo 467

ADI N. 2.056-MS
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Artigos 9o a 11 e 22 da Lei n. 1.963, de 1999, do Estado do Mato Grosso do Sul. 2. Criação do Fundo de Desenvolvimento do Sistema Rodoviário do Estado de Mato Grosso do Sul - FUNDERSUL. Diferimento do ICMS em operações internas com produtos agropecuários. 3. A contribuição criada pela lei estadual não possui natureza tributária, pois está despida do elemento essencial da compulsoriedade. Assim, não se submete aos limites constitucionais ao poder de tributar. 4. O diferimento, pelo qual se transfere o momento do recolhimento do tributo cujo fato gerador já ocorreu, não pode ser confundido com a isenção ou com a imunidade e, dessa forma, pode ser disciplinado por lei estadual sem a prévia celebração de convênio. 5. Precedentes. 6. Ação que se julga improcedente.
* noticiado no Informativo 469

ADI N. 2.597-PA
REL. P/ O ACÓRDÃO: MIN. EROS GRAU
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 92, INCISO XXX, E ARTIGO 122 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ, COM REDAÇÃO CONFERIDA PELA EMENDA N. 15/99, DE 3 DE AGOSTO DE 1.999. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA PARA JULGAR ANUALMENTE AS CONTAS DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PARÁ. PRESTAÇÃO DE CONTAS PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARAENSE À ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA NO PRAZO DE 60 DIAS CONTADOS DA ABERTURA DA SESSÃO LEGISLATIVA. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 71, INCISOS I E II, e 75, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INOCORRÊNCIA. 1. A Constituição do Brasil de 1.988, ao tratar de fiscalização contábil, financeira e orçamentária, prevê o controle externo a ser exercido pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas da União. 2. A função fiscalizadora do TCU não é inovação do texto constitucional atual. Função técnica de auditoria financeira e orçamentária. 3. Questões análogas à contida nestes autos foram anteriormente examinadas por esta Corte no julgamento da Rp n. 1.021 e da Rp n. 1.179. "Não obstante o relevante papel do Tribunal de Contas no controle financeiro e orçamentário, como órgão eminentemente técnico, nada impede que o Poder Legislativo, exercitando o controle externo, aprecie as contas daquele que, no particular, situa-se como órgão auxiliar" [Rp n. 1.021, Ministro Djaci Falcão, Julgamento de 25.4.84]. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.
* noticiado no Informativo 355

ADI N. 2.747-DF
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
LEGITIMIDADE - GOVERNADOR DE ESTADO - LEI DO ESTADO - ATO NORMATIVO ABRANGENTE - INTERESSE DAS DEMAIS UNIDADES DA FEDERAÇÃO - PERTINÊNCIA TEMÁTICA. Em se tratando de impugnação a diploma normativo a envolver outras Unidades da Federação, o Governador há de demonstrar a pertinência temática, ou seja, a repercussão do ato considerados os interesses do Estado.

ADI N. 3.582-PI
RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
EMENTA: 1. Concurso público: reputa-se ofensiva do art. 37, II, CF, toda modalidade de ascensão de cargo de uma carreira ao de outra, a exemplo do "aproveitamento" de que cogita a norma impugnada. 2. O caso é diverso daqueles em que o Supremo Tribunal Federal abrandou o entendimento inicial de que o aproveitamento de servidores de cargos extintos em outro cargo feriria a exigência de prévia aprovação em concurso público, para aceitar essa forma de investidura nas hipóteses em que as atribuições do cargo recém criado fossem similares àquelas do cargo extinto (v.g., ADIn 2.335, Gilmar, DJ 19.12.03; ADIn 1591, Gallotti, DJ 30.6.00). 3. As expressões impugnadas não especificam os cargos originários dos servidores do quadro do Estado aproveitados, bastando, para tanto, que estejam lotados em distrito policial e que exerçam a função de motorista policial. 4. A indistinção - na norma impugnada - das várias hipóteses que estariam abrangidas evidencia tentativa de burla ao princípio da prévia aprovação em concurso público, nos termos da jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal.
* noticiado no Informativo 474

MED. CAUT. EM ADI N. 3.626-MA
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LIMINAR - REFERENDO. Uma vez presentes a relevância do pedido formulado e o risco de manter-se com plena eficácia o quadro, impõe-se, estando o Tribunal em recesso, ou verificado o curso de férias coletivas, a apreciação do pleito de concessão de liminar pelo relator, submetendo-se o pronunciamento ao Colegiado na abertura dos trabalhos.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CAUTELAR - ATO DO RELATOR - REFERENDO - AGRAVO REGIMENTAL - INADEQUAÇÃO. A simples circunstância de o ato do relator ficar sujeito a referendo afasta a adequação do agravo regimental, devendo a minuta ser tomada como memorial.
* noticiado no Informativo 465

AG. REG. NA ADPF N. 79-PE
RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO
EMENTAS: 1. RECURSO. Agravo regimental. Interposição contra decisão liminar sujeita a referendo. Admissibilidade. Interesse recursal reconhecido. Agravo conhecido. Votos vencidos. É admissível agravo regimental contra decisão monocrática sujeita a referendo do órgão colegiado.
2. AÇÃO OU ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL - ADPF. Liminar concedida. Suspensão de processos e efeitos de sentenças. Servidor público. Professores do Estado de Pernambuco. Elevação de vencimentos com base no princípio da isonomia. Casos recobertos por coisa julgada material ou convalidados por lei superveniente. Exclusão da eficácia da liminar. Agravo provido em parte e referendo parcial, para esse fim. Aplicação do art. 5º, § 3º, in fine, da Lei federal nº 9.882/99. Não podem ser alcançados pela eficácia suspensiva de liminar concedida em ação de descumprimento de preceito fundamental, os efeitos de sentenças transitadas em julgado ou convalidados por lei superveniente.
* noticiado no Informativo 472

AG. REG. NA SL N. 105-PR
RELATORA: MINISTRA PRESIDENTE
AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DE LIMINAR. TRANSFERÊNCIA DE CONTAS DE DEPÓSITOS. LESÕES À ORDEM E À ECONOMIA PÚBLICAS. ALEGADOS PREJUÍZOS FINANCEIROS: POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO, SE FOR O CASO, EM OUTRA VIA JUDICIAL. CUNHO MERITÓRIO DEPENDENTE DE CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO: IMPOSSIBILIDADE DE EXAME NA ESTREITA VIA DA SUSPENSÃO DE LIMINAR COM BASE NA LEI 8.437/92. 1. Matéria constitucional suscitada pelos agravantes no agravo de instrumento e na ação principal, o que atrai a competência da Presidência do Supremo Tribunal Federal para apreciar pedido de suspensão da execução de liminar. 2. Nos termos do art. 4º, § 9º, da Lei 8.437/92, "a suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito da ação principal". No caso, a ação principal é a ação sob procedimento ordinário em trâmite no 1º grau de jurisdição e não o agravo de instrumento interposto no TRF da 4ª Região e deduzido na medida cautelar. 3. Em face do precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal (Pet 2.455-AgR/PA, red. para o acórdão Ministro Gilmar Mendes, DJ 1º.10.2004), "o Presidente do STF pode suspender liminares deferidas por relatores no âmbito dos Tribunais de Justiça, independentemente de interposição de agravo regimental pelo Poder Público" (SS 2.491/PE, rel. Ministro Nelson Jobim, DJ 15.12.2004). Manutenção desse entendimento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal: SL 112-AgR/TO, rel. Ministra Ellen Gracie, unânime, DJ 24.11.2006) Preliminar de não-conhecimento do pedido de suspensão rejeitada. 4. A sustação da migração de contas bancárias, procedimento complexo e demorado, no caso, vulnera a ordem pública administrativa, econômica e jurídica. 5. Alegados prejuízos financeiros em decorrência da não-prorrogação contratual poderão ser apreciados, se for o caso, a tempo e modo em outra via judicial. Referida questão, porque possui evidente cunho meritório a depender de um conjunto fático-probatório, não pode ser analisada nesta estreita via da suspensão de liminar fundada nas disposições da Lei 8.437/92. 6. Agravo regimental improvido.

MED CAUT. EM MS N. 26.307-DF
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. FIXAÇÃO DE SUBSÍDIOS DE DEPUTADOS E SENADORES. DECRETO-LEGISLATIVO 444/2002. LIMINAR CONCEDIDA. I - Fixação de subsídios dos parlamentares por ato conjunto das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal com base no Decreto-Legislativo 444/2002. II - Diploma normativo cujos efeitos esgotaram-se no tempo. III - Presença dos requisitos autorizadores da concessão do pedido de liminar.
IV - Liminar concedida.
* noticiado no Informativo 453

Acórdãos Publicados: 544



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.


Imunidade Parlamentar e Entrevista Jornalística (Transcrições)

Inq 2330/DF*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: MEMBRO DO CONGRESSO NACIONAL. ENTREVISTA JORNALÍSTICA CONCEDIDA A EMISSORA DE RÁDIO. AFIRMAÇÕES REPUTADAS MORALMENTE OFENSIVAS. PRETENDIDA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA CONGRESSISTA, POR SUPOSTA PRÁTICA DE CRIME CONTRA A HONRA. IMPOSSIBILIDADE. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DISPENSADA AO INTEGRANTE DO PODER LEGISLATIVO. IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL (CF, ART. 53, "CAPUT"). ALCANCE DESSA GARANTIA CONSTITUCIONAL. TUTELA QUE SE ESTENDE ÀS OPINIÕES, PALAVRAS E PRONUNCIAMENTOS, INDEPENDENTEMENTE DO "LOCUS" (ÂMBITO ESPACIAL) EM QUE PROFERIDOS, ABRANGENDO AS ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS, AINDA QUE CONCEDIDAS FORA DAS DEPENDÊNCIAS DO PARLAMENTO, DESDE QUE TAIS MANIFESTAÇÕES GUARDEM PERTINÊNCIA COM O EXERCÍCIO DO MANDATO REPRESENTATIVO. O "TELOS" DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IMUNIDADE PARLAMENTAR. DOUTRINA. PRECEDENTES. INADMISSIBILIDADE, NO CASO, DA PRETENDIDA PERSECUÇÃO PENAL, POR DELITOS CONTRA A HONRA, EM FACE DA INVIOLABILIDADE CONSTITUCIONAL QUE AMPARA OS MEMBROS DO CONGRESSO NACIONAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO PENAL.

DECISÃO: Trata-se de ação penal privada promovida pela Empresa de Turismo da Bahia S/A - BAHIATURSA contra a Deputada Federal Alice Mazzuco Portugal (fls. 03/11). A peça acusatória imputa, à ora querelada, com fundamento no art. 21 da Lei nº 5.250/67, a prática do crime de difamação (fls. 02).

Destaco, inicialmente, que, no despacho que proferi a fls. 82/84, reconheci a possibilidade de a Empresa de Turismo da Bahia S/A (BAHIATURSA) - que é pessoa jurídica de direito privado - figurar, em tese, como vítima do crime de difamação (RTJ 76/6, Rel. Min. CORDEIRO GUERRA - RTJ 103/578, Rel. Min. RAFAEL MAYER - RTJ 113/88, Rel. Min. FRANCISCO REZEK - RTJ 188/1089, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - Inq 800/RJ, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - Pet 2.491-AgR/BA, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, v.g.).

O Ministério Público Federal, em sua primeira manifestação nestes autos, produziu parecer assim ementado (fls. 86):

"QUEIXA-CRIME. CRIME CONTRA A HONRA. LEI DE IMPRENSA. ATIPICIDADE DOS FATOS IMPUTADOS AO QUERELADO. PARECER PELO NÃO-RECEBIMENTO DA QUEIXA-CRIME." (grifei)

A ora querelada, por sua vez, notificada para oferecer resposta à queixa-crime, sustentou, em síntese, o que se segue (fls. 94/103):

"(...) a Querelada exerceu sua prerrogativa como Deputada Federal e em razão dessa circunstância, por expressa disposição contida no art. 53 da Constituição Federal, suas opiniões, palavras e votos são invioláveis, civil e penalmente.
......................................................
Com efeito, a manifestação da Querelada impugnada pela Querelante, em que pese tenha se dado fora da Câmara dos Deputados, emitindo declarações em meios de comunicação social do Estado do Pará e em entrevistas jornalísticas, ocorreu em razão de seu mandato como Deputada Federal, razão pela qual suas palavras e opiniões estão imunes à responsabilidades de natureza cível e penal, como no caso em tela." (grifei)

A douta Procuradoria-Geral da República, em nova manifestação como "custos legis" (fls. 121/122), reiterou os termos de seu anterior parecer (fls. 86/88) opinando, uma vez mais, pela extinção anômala deste processo penal.

Sendo esse o contexto, passo à análise da questão relativa à invocação, pela querelada, da garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material.

Como se sabe, a cláusula inscrita no art. 53, "caput", da Constituição da República, na redação dada pela EC nº 35/2001, exclui, na hipótese nela referida, a própria natureza delituosa do fato, que, de outro modo, tratando-se do cidadão comum, qualificar-se-ia como crime contra a honra, consoante acentua o magistério da doutrina (JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Curso de Direito Constitucional Positivo", p. 532, item n. 15, 20ª ed., 2002, Malheiros; CELSO RIBEIRO BASTOS, "Comentários à Constituição do Brasil", vol. 4, tomo I/187, 1995, Saraiva; LUIZ FLÁVIO GOMES, "Imunidades Parlamentares: Nova Disciplina Jurídica da Inviolabilidade Penal, das Imunidades e das Prerrogativas Parlamentares (EC 35/01)", "in" "Juizados Criminais Federais, Seus Reflexos nos Juizados Estaduais e Outros Estudos", p. 94/97, item n. 4.9, 2002, RT; UADI LAMMÊGO BULOS, "Constituição Federal Anotada", p. 705/707, 4ª ed., 2002, Saraiva, v.g.).

Cabe registrar, por necessário, que a inviolabilidade emergente dessa regra constitucional não sofre condicionamentos normativos que a subordinem a critérios de espacialidade. É irrelevante, por isso mesmo, para efeito de legítima invocação da imunidade parlamentar material, que o ato por ela amparado tenha ocorrido, ou não, na sede ou em instalações ou perante órgãos do Congresso Nacional.

Impende rememorar, neste ponto, que o exercício da atividade parlamentar não se exaure no âmbito espacial do Congresso Nacional, vale dizer, no recinto das Casas Legislativas que o compõem, a significar, portanto, que a prática de atos, pelo congressista, em função do seu mandato parlamentar ("ratione officii"), ainda que territorialmente efetivada no âmbito extraparlamentar, está igualmente protegida pela garantia fundada na norma constitucional em questão.

Qualquer que seja, no entanto, a exata qualificação jurídica da imunidade parlamentar material - causa de descaracterização típica do comportamento delituoso, como quer JOSÉ AFONSO DA SILVA, ou causa funcional de isenção de pena, como preconiza DAMÁSIO EVANGELISTA DE JESUS, ou, ainda, causa de irresponsabilidade penal, como salienta CARLOS MAXIMILIANO -, o fato é que os lindes em que se contém a incidência do instituto da imunidade parlamentar material devem ser interpretados em consonância com a exigência de preservação da independência do congressista no exercício do mandato parlamentar.

Assentadas tais premissas, observo que o exame dos elementos constantes destes autos permite-me reconhecer que o comportamento da querelada - cujas imputações consideradas moralmente ofensivas foram por ela proferidas fora da tribuna da Câmara dos Deputados, exteriorizadas em entrevista jornalística concedida em programa de rádio, mas em estreita conexão com o desempenho do mandato legislativo - subsume-se, por essa específica razão, ao âmbito de incidência da proteção constitucional fundada na garantia da imunidade parlamentar material.

É que as supostas ofensas atribuídas à ora querelada, embora proferidas fora da tribuna da Câmara dos Deputados, mas por guardarem nexo com a atividade parlamentar por ela exercida, acham-se abrangidas pela cláusula constitucional da imunidade parlamentar em sentido material, o que justifica a aplicação, ao caso, da jurisprudência constitucional desta Suprema Corte:

"O Supremo Tribunal Federal tem acentuado que a prerrogativa constitucional da imunidade parlamentar em sentido material protege o congressista em todas as suas manifestações que guardem relação com o exercício do mandato, ainda que produzidas fora do recinto da própria Casa Legislativa (RTJ 131/1039 - RTJ 135/509 - RT 648/318), ou, com maior razão, quando exteriorizadas no âmbito do Congresso Nacional (RTJ 133/90). (...)."
(RTJ 155/396-397, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Não foi por outro motivo que a douta Procuradoria-Geral da República, em seu pronunciamento, destacou que "(...) as manifestações veiculadas guardam nexo com um dos mais importantes aspectos do exercício do mandato parlamentar, qual seja, com a defesa dos interesses do Estado pelo qual se exerce o mandato" (fls. 87 - grifei).

Impõe-se registrar, por necessário, que o exercício do mandato - seja na esfera parlamentar, seja em âmbito extraparlamentar (como sucede na espécie) - atua como verdadeiro suposto constitucional, apto a legitimar a invocação dessa especial prerrogativa jurídica, destinada a proteger, por suas "opiniões, palavras e votos", o membro do Poder Legislativo, independentemente do "locus" em que proferidas as expressões eventualmente contumeliosas.

Sabemos todos que a garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material representa importante prerrogativa de ordem institucional. A Carta da República, no entanto, somente legitima a sua invocação, quando o membro do Congresso Nacional, no exercício do mandato - ou em razão deste - proferir palavras ou expender opiniões que possam assumir qualificação jurídico-penal no plano dos denominados "delitos de opinião".

É por essa razão que a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal tem destacado o caráter essencial do exercício do mandato parlamentar, para efeito de legitimar-se a invocação da prerrogativa institucional assegurada em favor dos membros do Poder Legislativo, sempre enfatizando, nas várias decisões proferidas - quer antes, quer depois da promulgação da EC nº 35/2001 - que a proteção resultante da garantia da imunidade em sentido material somente alcança o parlamentar nas hipóteses em que as palavras e opiniões tenham sido por ele expendidas no exercício do mandato ou em razão deste (RTJ 191/448, Rel. Min. NELSON JOBIM, Pleno).

Vê-se, desse modo, que cessará essa especial tutela de caráter político-jurídico sempre que deixar de existir, entre as declarações moralmente ofensivas, de um lado, e a prática inerente ao ofício legislativo, de outro, o necessário nexo de causalidade (RTJ 104/441, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO - RTJ 112/481, Rel. Min. SOARES MUÑOZ - RTJ 129/970, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RTJ 135/509, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RTJ 141/406, Rel. Min. CÉLIO BORJA - RTJ 155/396-397, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RTJ 166/844, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - RTJ 167/180, Rel. Min. FRANCISCO REZEK - RTJ 169/969, Rel. Min. CELSO DE MELLO - Inq 810-QO/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA), ressalvadas, no entanto, as declarações contumeliosas que houverem sido proferidas no recinto da Casa legislativa, notadamente da tribuna parlamentar, hipótese em que será absoluta a inviolabilidade constitucional, pois, em tal situação, "não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato (...)":

"O art. 53 da Constituição Federal, com a redação da Emenda nº 35, não reeditou a ressalva quanto aos crimes contra a honra, prevista no art. 32 da Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Assim, é de se distinguirem as situações em que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nessas últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da chamada 'conexão com o exercício do mandato ou com a condição parlamentar' (INQ 390 e 1.710). Para os pronunciamentos feitos no interior das Casas Legislativas, não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato, dado que acobertadas com o manto da inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa.
No caso, o discurso se deu no plenário da Assembléia Legislativa, estando, portanto, abarcado pela inviolabilidade. Por outro lado, as entrevistas concedidas à imprensa pelo acusado restringiram-se a resumir e comentar a citada manifestação da tribuna, consistindo, por isso, em mera extensão da imunidade material.
Denúncia rejeitada."
(RTJ 194/56, Rel. p/ o acórdão Min. CARLOS BRITTO, Pleno - grifei)

Essa diretriz jurisprudencial mostra-se fiel à "mens constitutionis", que reconhece, a propósito do tema, que o instituto da imunidade parlamentar em sentido material existe para viabilizar o exercício independente do mandato representativo, revelando-se, por isso mesmo, garantia inerente ao parlamentar que se encontre no pleno desempenho da atividade legislativa, como sucede com a ora querelada (PONTES DE MIRANDA, "Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969", tomo III/10 e 43, 2ª ed., 1970, RT; JOÃO BARBALHO, "Constituição Federal Brasileira", p. 64, edição fac-similar, 1992, Senado Federal; PINTO FERREIRA, "Comentários à Constituição Brasileira", vol. 2/625, 1990, Saraiva; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, "Comentários à Constituição de 1988", vol. V/2624-2625, item  n. 204, 1991, Forense Universitária; PEDRO ALEIXO, "Imunidades Parlamentares", p. 59/65, 1961, Belo Horizonte; CELSO RIBEIRO BASTOS, "Comentários à Constituição do Brasil", vol. 4, tomo I/187, 1995, Saraiva; RENÉ ARIEL DOTTI, "Curso de Direito Penal - Parte Geral", p. 398, item n. 25, 2001, Forense, v.g.).

Impende referir, no ponto, o correto magistério de MICHEL TEMER ("Elementos de Direito Constitucional", p. 129, item n. 5, 18ª ed., 2002, Malheiros):

"A inviolabilidade diz respeito à emissão de opiniões, palavras e votos.
Opiniões e palavras que, ditas por qualquer pessoa, podem caracterizar atitude delituosa, mas que assim não se configuram quando pronunciadas por parlamentar. Sempre, porém, quando tal pronunciamento se der no exercício do mandato. Quer dizer: o parlamentar, diante do Direito, pode agir como cidadão comum ou como titular de mandato. Agindo na primeira qualidade não é coberto pela inviolabilidade. A inviolabilidade está ligada à idéia de exercício de mandato. Opiniões, palavras e votos proferidos sem nenhuma relação com o desempenho do mandato representativo não são alcançados pela inviolabilidade." (grifei)

Cumpre acentuar que a teleologia inerente à cláusula de inviolabilidade prevista no art. 53, "caput", da Constituição da República revela a preocupação do constituinte em dispensar efetiva proteção ao parlamentar, em ordem a permitir-lhe, no desempenho das múltiplas funções que compõem o ofício legislativo, o amplo exercício da liberdade de expressão, qualquer que seja o âmbito espacial em que concretamente se manifeste (RTJ 133/90), ainda que fora do recinto da própria Casa legislativa (RTJ 131/1039 - RTJ 135/509-510 - RT 648/318), desde que as declarações emanadas do membro do Poder Legislativo - quando pronunciadas fora do Parlamento (RTJ 194/56, Pleno) - guardem conexão com o desempenho do mandato (prática "in officio") ou tenham sido proferidas em razão dele (prática "propter officium"), conforme esta Suprema Corte tem assinalado em diversas decisões (RTJ 155/396-397, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno, v.g.).

Cabe assinalar, ainda, notadamente em face do contexto ora em exame, que a garantia constitucional da imunidade parlamentar material também estende o seu manto protetor (1) às entrevistas jornalísticas, (2) à transmissão, para a imprensa, do conteúdo de pronunciamentos ou de relatórios produzidos nas Casas Legislativas (RTJ 172/400-401, Rel. Min. ILMAR GALVÃO) e (3) às declarações feitas aos meios de comunicação social (RTJ 187/985, Rel. Min. NELSON JOBIM), eis que - tal como bem realçado por ALBERTO ZACHARIAS TORON ("Inviolabilidade Penal dos Vereadores", p. 247, 2004, Saraiva) - esta Suprema Corte tem reafirmado "(...) a importância do debate, pela mídia, das questões políticas protagonizadas pelos mandatários", além de haver enfatizado "a idéia de que as declarações à imprensa constituem o prolongamento natural do exercício das funções parlamentares, desde que se relacionem com estas" (grifei).

Impõe-se fazer, neste ponto, uma última observação: se o membro do Poder Legislativo, não obstante amparado pela imunidade parlamentar material, incidir em abuso de tal prerrogativa, expor-se-á à jurisdição censória da própria Casa legislativa a que pertence, tal como assinala a doutrina (RAUL MACHADO HORTA, "Estudos de Direito Constitucional", p. 597, item n. 3, 1995, Del Rey; CARLOS MAXIMILIANO, "Comentários à Constituição Brasileira", vol. II/49, item n. 297, 5ª ed., 1954, Freitas Bastos, v.g.) e acentua, com particular ênfase, a jurisprudência constitucional firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (RTJ 194/56, Rel. p/ o acórdão Min. CARLOS BRITTO - RE 140.867/MS, Rel. p/ o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA).

Vê-se, portanto, que se revela incabível, na espécie, a instauração de persecução penal contra a ora querelada, eis que as declarações por ela feitas durante a entrevista jornalística acham-se amparadas pela cláusula constitucional da imunidade parlamentar em sentido material.

Tal circunstância inviabiliza a presente queixa-crime, razão pela qual, e com apoio na jurisprudência prevalecente nesta Corte, julgo extinto este processo de índole penal.

Arquivem-se os presentes autos.

Publique-se.

Brasília, 09 de agosto de 2007.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão publicada no DJU de 16.8.2007


Extradição e Respeito aos Direitos Humanos (Transcrições)

Ext 986/República da Bolívia*

RELATOR: MIN. EROS GRAU

VOTO-VISTA: MIN. GILMAR MENDES

Trata-se de pedido de extradição, formulado pelo Governo da Bolívia, do nacional boliviano JOHN AXEL RIVERO ANTERO, com base no tratado firmado entre o Brasil e aquele Governo, promulgado pelo Decreto no 9.920, de 8 de julho de 1942.

O extraditando foi acusado pela prática de delitos de confabulação e associação delituosa e tráfico de substâncias controladas (cocaína), tipificados nos arts. 48 e 53 da Lei boliviana no 1008/1988.

Em sessão plenária de 31 de maio de 2007, o Ministro Eros Grau, relator desta Extradição, votou pelo seu deferimento.

Não obstante as percucientes considerações trazidas pelo Ministro Eros Grau, que entendeu encontrar-se o pedido de extradição devidamente instruído, pedi vista dos autos por ter entendido necessário fossem tecidas algumas considerações sobre os acontecimentos que se verificavam na Bolívia naquela oportunidade, que, ao menos em tese, poderiam ensejar o indeferimento do presente pleito.

Segundo informações veiculadas na mídia, o Presidente Evo Morales nomeou, em dezembro de 2006, quatro juízes para a Corte Suprema de Justiça da Bolívia e, em 9 de maio de 2007, decidira a Corte Constitucional suspender a nomeação dos referidos juízes, por considerar que os juízes eram interinos e que o período a que tinham direito a exercer o cargo de juiz da Corte Suprema já havia expirado.(www.reporterdiario.com.br)

O § 16 do artigo 96 da Constituição boliviana faculta ao Presidente da República nomear, interinamente, no caso de renúncia ou morte, os empregados eleitos por outro Poder, quando este se encontre em recesso. Ainda, lei boliviana, de 2.10.1991, estabelece que as nomeações interinas por parte do Executivo têm efeito somente por um período de 3 meses, após o qual a nomeação perderá efeito.

A pedido do Presidente Morales, o Congresso boliviano instaurou uma CPI para apurar a suspensão das nomeações e, em 29 de maio de 2007, a polícia legislativa do referido Congresso expediu ordem de prisão contra alguns membros da Corte, por terem se recusado a prestar depoimento à referida CPI. Em 30 de maio de 2007 um dos juízes da Corte (Juan González) renunciou ao seu mandato, em protesto aos atos do Presidente Morales. (Revista Consultor Jurídico de 31.5.2007 em http:// conjur.estadao.com.br e www.spanish.xinhuanet.com, notícia veiculada em 24.5.2007)

Em 5 de junho de 2007, 900 juízes e magistrados do Poder Judiciário da Bolívia entraram em greve nacional, por 24 horas, em protesto contra a interferência do Presidente Morales no Judiciário, e contra o que consideram "permanentes ataques do presidente do país, Evo Morales, à magistratura". (www.reporterdiario.com.br)

Assim, ao participar do julgamento no Plenário, naquela assentada de 31 de maio de 2007, de pedido de extradição por parte do Governo da Bolívia, considerei a relevância de levar à discussão desta Corte a capacidade de o Estado requerente assegurar ao extraditando, diante os fatos narrados, seus direitos fundamentais básicos.

Isso por considerar essencial que, nas decisões concessivas de extradição, sejam mantidos e observados os parâmetros do devido processo legal, do estado de direito e dos direitos humanos, fundamentalmente.

A doutrina alemã cunhou a expressão "Justizgrundrechte" para se referir a um elenco de proteções constantes da Constituição, que tem por escopo proteger o indivíduo no contexto do processo judicial. Sabe-se que a expressão é imperfeita, uma vez que muitos desses direitos transcendem a esfera propriamente judicial.

À falta de outra denominação genérica, também nós optamos por adotar designação assemelhada - direitos fundamentais de caráter judicial e garantias constitucionais no processo -, embora conscientes de que se cuida de uma denominação que também peca por imprecisão.

A Constituição Federal de 1988 atribuiu significado ímpar aos direitos individuais, ao consagrar um expressivo elenco de direitos destinados à defesa da posição jurídica perante a Administração ou perante os órgãos jurisdicionais em geral, como se pode depreender da leitura do disposto no art. 5o, incisos XXXIV, XXXV e XXXVII a LXXIV. Da mesma forma, refira-se aos incisos LXXVI e LXVIII do art. 5o.

Já a colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do texto constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhes significado especial. A amplitude conferida ao texto, que se desdobra em setenta e oito incisos e quatro parágrafos (CF, art. 5o), reforça a impressão sobre a posição de destaque que o constituinte quis outorgar a esses direitos.

A idéia de que os direitos e garantias fundamentais devem ter eficácia imediata (CF, art. 5o, §1o) ressalta, também, a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu dever de guardar-lhes estrita observância.

O constituinte reconheceu, ainda, que os direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, considerando, por isso, ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimi-los (art. 60, § 4º). A complexidade do sistema de direitos fundamentais recomenda, por conseguinte, que se envidem esforços no sentido de precisar os elementos essenciais dessa categoria de direitos, em especial no que concerne à identificação dos âmbitos de proteção e à imposição de restrições ou limitações legais.

E no que se refere aos direitos de caráter penal, processual e processual-penal, talvez não haja qualquer exagero na constatação de que esses direitos cumprem um papel fundamental na concretização do moderno Estado democrático de direito.

Como observa Martin Kriele, o Estado territorial moderno arrosta um dilema quase insolúvel: de um lado, há de ser mais poderoso que todas as demais forças sociais do país - por exemplo, empresas e sindicatos -, por outro, deve outorgar proteção segura ao mais fraco: à oposição, aos artistas, aos intelectuais, às minorias étnicas [Cf. KRIELE, Martín. Introducción a la Teoría del Estado - Fundamentos Históricos de la Legitimidad del Estado Constitucional Democrático. Trad. de Eugênio Bulygin. Buenos Aires: Depalma, 1980, p. 149-150].

O estado absolutista e os modelos construídos segundo esse sistema (ditaduras militares, estados fascistas, os sistemas do chamado "centralismo democrático") não se mostram aptos a resolver essa questão.

Segundo ressalta Kriele:

"(...) A Inglaterra garantiu os direitos humanos sem necessidade de uma constituição escrita. Por outro lado, um catálogo constitucional de direitos fundamentais é perfeitamente compatível com o absolutismo, com a ditadura e com o totalitarismo. Assim, por exemplo, o art. 127 da Constituição soviética de 1936 garante a `inviolabilidade da pessoa´. Isso não impediu que o terror stalinista tivesse alcançado em 1937 seu ponto culminante. A constituição não pode impedir o terror, quando está subordinada ao princípio de soberania, em vez de garantir as condições institucionais da rule of law. O mencionado artigo da Constituição da União Soviética diz, mas adiante, que `a detenção requer o consentimento do fiscal do Estado´. Esta fórmula não é uma cláusula de defesa, mas tão-somente uma autorização ao fiscal do Estado para proceder à detenção. Os fiscais foram nomeados conforme o critério político e realizaram ajustes ao princípio da oportunidade política, e, para maior legitimidade, estavam obrigados a respeitar as instruções. Todos os aspectos do princípio de habeas corpus ficaram de lado, tais como as condições legais estritas para a procedência da detenção, a competência decisória de juízes legais independentes, o direito ao interrogatório por parte do juiz dentro de prazo razoável, etc. Nestas condições, a proclamação da `inviolabilidade da pessoa´ não tinha nenhuma importância prática. Os direitos humanos aparentes não constituem uma defesa contra o Arquipélago Gulag; ao contrário, servem para uma legitimação velada do princípio da soberania: o Estado tem o total poder de disposição sobre os homens, mas isto em nome dos direitos humanos. [Kriele, Martín. Introducción a la Teoría del Estado. cit., p. 160-161]

A solução do dilema - diz Kriele - consiste no fato de que o Estado incorpora, em certo sentido, a defesa dos direitos humanos em seu próprio poder, ao definir-se o poder do Estado como o poder defensor dos direitos humanos. Todavia, adverte Kriele, "sem divisão de poderes e em especial sem independência judicial isto não passará de uma declaração de intenções". É que, explicita Kriele, "os direitos humanos somente podem ser realizados quando limitam o poder do Estado, quando o poder estatal está baseado em uma ordem jurídica que inclui a defesa dos direitos humanos". [KRIELE, Martín. Introducción a la Teoría del Estado, cit. p.150]

Nessa linha ainda expressiva a conclusão de Kriele:

"Os direitos humanos estabelecem condições e limites àqueles que têm competência de criar e modificar o direito e negam o poder de violar o direito. Certamente, todos os direitos não podem fazer nada contra um poder fático, a potestas desnuda, como tampouco nada pode fazer a moral face ao cinismo. Os direitos somente têm efeito frente a outros direitos, os direitos humanos somente em face a um poder jurídico, isto é, em face a competências cuja origem jurídica e cujo status jurídico seja respeitado pelo titular da competência.
Esta é a razão profunda por que os direitos humanos somente podem funcionar em um Estado constitucional. Para a eficácia dos direitos humanos a independência judicial é mais importante do que o catálogo de direitos fundamentais contidos na Constituição (g.n)".[KRIELE, Martín. Introducción a la Teoría del Estado, cit. p. 159-160].

Essa expansão normativa das garantias constitucionais processuais, penais e processuais-penais não é um fenômeno brasileiro.

A adoção da Convenção Européia de Direitos Humanos por muitos países fez com que se desse uma expansão singular dos direitos e garantias nela contemplados no âmbito europeu. Mediante uma interpretação dos direitos fundamentais previstos na Constituição em conformidade com as disposições da Convenção Européia tem-se hoje uma efetiva ampliação do significado dos direitos fundamentais previstos na Constituição ou quase uma ampliação dos direitos positivados na Constituição. Tendo em vista a práxis dominante na Alemanha, observa Werner Beulke que tal orientação culmina por conferir supremacia fática da Convenção Européia em face do direito alemão. [Cf. BEULKE, Werner. Strafprozessrecht. 8. ed. Heidelberg, 2005, p. 6; cf. ainda, sobre o tema, Palma, Maria Fernanda. Direito Constitucional Penal. Coimbra: Almedina, 2006; Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, coord. Maria Fernanda Palma, Coimbra: Almedina, 2004.]

Alguns direitos relevantes reconhecidos na Convenção Européia de Direitos Humanos:
- proibição de tortura (art. 3);
- direito à liberdade e à segurança, especialmente o direito de imediata apresentação do preso para aferição da legitimidade de eventual restrição à liberdade (art. 5, III);
- direito ao devido processo legal ('fair trial´), especialmente a um processo submetido ao postulado da celeridade (art. 6, I);
- direito à imediata informação sobre a forma (tipo penal) e a razão (fato) da acusação (art. 6, III a);
- direito à assistência gratuita de tradutor ou intérprete (art. 6, III e);
- direito à assistência jurídica (art. 6, III c);
- direito de inquirir ou de fazer inquirir as testemunhas de acusação (art. 6, III d);
- nulla poena sine lege (art. 7, I);
- abolição da pena de morte (¨Protocolos nºs 6 e 13). [Cf. BEULKE, Werner. Strafprozessrecht, cit. p. 6].

Tem-se, assim, em rápidas linhas, o significado que os direitos fundamentais e, especialmente os direitos fundamentais de caráter processual, assumem para a ordem constitucional como um todo.

Acentue-se que é a boa aplicação dos direitos fundamentais de caráter processual - aqui merece destaque a proteção judicial efetiva - que permite distinguir o Estado de Direito do Estado Policial!

Não se pode perder de vista que a boa aplicação dessas garantias configura elemento essencial de realização do princípio da dignidade humana na ordem jurídica. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações e, como amplamente reconhecido, o princípio da dignidade da pessoa humana impede que o homem seja convertido em objeto dos processos estatais. [Cf. MAUNZ-DÜRIG. Grundgesetz Kommentar. Band I. München: Verlag C. H. Beck, 1990, 1I 18]

A propósito, em comentários ao art. 1o da Constituição alemã, afirma Günther Dürig que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (rechtliches Gehör) e fere o princípio da dignidade humana ["Eine Auslieferung des Menschen an ein staatliches Verfahren und eine Degradierung zum Objekt dieses Verfahrens wäre die Verweigerung des rechtlichen Gehörs."]. [MAUNZ-DÜRIG. Grundgesetz Kommentar. Band I. München: Verlag C. H. Beck , 1990, 1I 18.]

Na mesma linha, entende Norberto Bobbio que a proteção dos cidadãos no âmbito dos processos estatais é justamente o que diferencia um regime democrático daquele de índole totalitária:

"A diferença fundamental entre as duas formas antitéticas de regime político, entre a democracia e a ditadura, está no fato de que somente num regime democrático as relações de mera força que subsistem, e não podem deixar de subsistir onde não existe Estado ou existe um Estado despótico fundado sobre o direito do mais forte, são transformadas em relações de direito, ou seja, em relações reguladas por normas gerais, certas e constantes, e, o que mais conta, preestabelecidas, de tal forma que não podem valer nunca retroativamente. A conseqüência principal dessa transformação é que nas relações entre cidadãos e Estado, ou entre cidadãos entre si, o direito de guerra fundado sobre a autotutela e sobre a máxima 'Tem razão quem vence' é substituído pelo direito de paz fundado sobre a heterotutela e sobre a máxima 'Vence quem tem razão'; e o direito público externo, que se rege pela supremacia da força, é substituído pelo direito público interno, inspirado no princípio da 'supremacia da lei' (rule of law)." [BOBBIO, Norberto. As Ideologias e o Poder em Crise, p.p. 97-98]

Em verdade, tal como ensina o notável mestre italiano, a aplicação escorreita ou não dessas garantias é que permite avaliar a real observância dos elementos materiais do Estado de Direito. São elas que permitem distinguir civilização de barbárie.

Nesse sentido, forte nas lições de Claus Roxin, também compreendo que a diferença entre um Estado totalitário e um Estado (Democrático) de Direito reside na forma de regulação da ordem jurídica interna e na ênfase dada à eficácia do instrumento processual penal da prisão preventiva. Registrem-se as palavras do professor Roxin:
 
"(...)Entre as medidas que asseguram o procedimento penal, a prisão preventiva é a ingerência mais grave na liberdade individual; por outra parte, ela é indispensável em alguns casos para uma administração da justiça penal eficiente. A ordem interna de um Estado se revela no modo em que está regulada essa situação de conflito; os Estados totalitários, sob a antítese errônea Estado-cidadão, exagerarão facilmente a importância do interesse estatal na realização, o mais eficaz possível, do procedimento penal. Num Estado de Direito, por outro lado, a regulação dessa situação de conflito não é determinada através da antítese Estado-cidadão; o Estado mesmo está obrigado por ambos os fins: assegurar a ordem por meio da persecução penal e proteção da esfera de liberdade do cidadão.Com isso, o princípio constitucional da proporcionalidade exige restringir a medida e os limites da prisão preventiva ao estritamente necessário." [ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal. Buenos Aires: Editores del Puerto; 2000, p. 258]

Nessa linha, sustenta Roxin que o direito processual penal é o sismógrafo da Constituição, uma vez que nele reside a atualidade política da Carta Fundamental. [Cf.ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal, cit., p.10]

No caso concreto, há de se assegurar a aplicação do princípio do devido processo legal, que possui um âmbito de proteção alargado, e que exige o fair trial não apenas dentre aqueles que fazem parte da relação processual, ou que atuam diretamente no processo, mas de todo o aparato jurisdicional, o que abrange todos os sujeitos, instituições e órgãos, públicos e privados, que exercem, direta ou indiretamente, funções qualificadas, constitucionalmente, como essenciais à Justiça.

E no contexto da extradição o tema do juiz natural assume relevo inegável, uma vez que somente poderá ser deferida essa medida excepcional se o Estado requerente dispuser de condições para assegurar julgamento com base nos princípios básicos do Estado de Direito, garantindo que o extraditando não será submetido a qualquer jurisdição excepcional.

Referida preocupação já havia sido expressa no julgamento da Ext. no 232/Cuba - segunda, Relator Min. Victor Nunes Leal, DJ 14.12.1962. Eis a ementa:

" 1) A situação revolucionária de Cuba não oferece garantia para um julgamento imparcial do extraditando, nem para que se conceda a extradição com ressalva de se não aplicar a pena de morte. 2)Tradição liberal da América Latina na concessão de asilo por motivos políticos. 3) Falta de garantias considerada não somente pela formal supressão ou suspensão, mas também por efeito de fatores circunstanciais. 4) A concessão do asilo diplomático ou territorial não impede, só por si, a extradição, cuja procedência é apreciada pelo Supremo Tribunal, e não pelo governo. 5) Conceituação de crime político proposta pela Comissão Jurídica Interamericana, do Rio de Janeiro, por incumbência da IV Reunião do Conselho Interamericano de Jurisconsultos (Santiago do Chile, 1949), excluindo `atos de barbaria ou vandalismo proibidos pelas leis de guerra´; ainda que 'executados durante uma guerra civil, por uma ou outra das partes.'"

Também no julgamento da Ext. no 347/Itália, Relator Min. Djaci Falcão, DJ 9.6.1978, discutiu-se a questão da existência de juízo de exceção e a impossibilidade de concessão de pedido extradicional, como indica a ementa, na parte em que interessa:

" (...) III - Alegação da existência de juízo de exceção. A Corte Constitucional criada pela Constituição Italiana de 1947 situa-se como órgão jurisdicional. A sua composição, o processo de recrutamento dos seus membros, as incompatibilidades e os limites de eficácia das suas decisões encontram-se legitimamente definidos na Legislação da Itália. Órgão jurisdicional preconstituído e que atende aos princípios fundamentais do estado de direito. A ninguém é dado negar a eficácia suprema da Constituição. Competência da Corte Constitucional, em relação ao extraditando, por força da conexão. Aplicação da Súmula 421. Satisfeitas as condições essenciais à concessão da extradição, impõe-se o seu deferimento. Decisão tomada por maioria de votos."

Em seu voto, ressaltou o relator, o Ministro Djaci Falcão:

" (...) É sabido que a nossa Constituição não admite foro privilegiado, que se apresenta como favor de caráter pessoal, e, bem assim, tribunal de exceção, para o julgamento de `um caso, ou para alguns casos determinados, porque, então, estaria instituído o que se quer proibir: o juiz ad hoc´, como acentua o douto Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, de 1969, tomo V, 2ª. Edição, pág.238)."

Na mesma assentada, afirmou o Ministro Moreira Alves:

" Ninguém discute que cabe a esta Corte fixar o sentido, e, portanto, o alcance, do que vem a ser Tribunal ou juízo de exceção; para verificar se nele se enquadra o Tribunal ou juízo estrangeiro a cujo julgamento será submetido o extraditando.
É tradicional em nossas Constituições - o princípio somente não constou da de 1937 - o repúdio ao foro privilegiado e aos tribunais ou juízos de exceção. Interpretando essa vedação constitucional, constitucionalistas do porte de CARLOS MAXIMILIANO (...) se valem dos princípios que se fixaram na doutrina alemã na interpretação do artigo 105 da Constituição de Weimar, reproduzido, como acentua MAXIMILIANO (...), quase literalmente pelo artigo 141, § 26, da Constituição brasileira de 1946, cujas expressões foram repetidas na parte final do § 15 do artigo 153 da Emenda Constitucional no 1/69."

Sobre a necessidade do respeito aos direitos fundamentais do estrangeiro, muito bem salientou o Ministro Celso de Mello no julgamento da Extradição no 897/República Tcheca (DJ 23.9.2004), cujo excerto da ementa transcrevo a seguir:

"(...) EXTRADIÇÃO E RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS: PARADIGMA ÉTICO-JURÍDICO CUJA OBSERVÂNCIA CONDICIONA O DEFERIMENTO DO PEDIDO EXTRADICIONAL.
- A essencialidade da cooperação internacional na repressão penal aos delitos comuns não exonera o Estado brasileiro - e, em particular, o Supremo Tribunal Federal - de velar pelo respeito aos direitos fundamentais do súdito estrangeiro que venha a sofrer, em nosso País, processo extradicional instaurado por iniciativa de qualquer Estado estrangeiro. O extraditando assume, no processo extradicional, a condição indisponível de sujeito de direitos, cuja intangibilidade há de ser preservada pelo Estado a que foi dirigido o pedido de extradição (o Brasil, no caso).
- O Supremo Tribunal Federal não deve autorizar a extradição, se se demonstrar que o ordenamento jurídico do Estado estrangeiro que a requer não se revela capaz de assegurar, aos réus, em juízo criminal, os direitos básicos que resultam do postulado do "due process of law" (RTJ 134/56-58 - RTJ 177/485-488), notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante. Demonstração, no caso, de que o regime político que informa as instituições do Estado requerente reveste-se de caráter democrático, assegurador das liberdades públicas fundamentais."

No mesmo sentido, a ementa da Extradição no 633/ República Popular da China (DJ 6.4.2001), também da relatoria do Ministro Celso de Mello, na parte em que interessa:

"(...) O fato de o estrangeiro ostentar a condição jurídica de extraditando não basta para reduzi-lo a um estado de submissão incompatível com a essencial dignidade que lhe é inerente como pessoa humana e que lhe confere a titularidade de direitos fundamentais inalienáveis, dentre os quais avulta, por sua insuperável importância, a garantia do due process of law.
Em tema de direito extradicional, o Supremo Tribunal Federal não pode e nem deve revelar indiferença diante de transgressões ao regime das garantias processuais fundamentais. É que o Estado brasileiro - que deve obediência irrestrita à própria Constituição que lhe rege a vida institucional - assumiu, nos termos desse mesmo estatuto político, o gravíssimo dever de sempre conferir prevalência aos direitos humanos (art. 4º, II).
EXTRADIÇÃO E DUE PROCESS OF LAW.
(...) A possibilidade de ocorrer a privação, em juízo penal, do due process of law, nos múltiplos contornos em que se desenvolve esse princípio assegurador dos direitos e da própria liberdade do acusado - garantia de ampla defesa, garantia do contraditório, igualdade entre as partes perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processante - impede o válido deferimento do pedido extradicional (RTJ 134/56-58, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
O Supremo Tribunal Federal não deve deferir o pedido de extradição, se o ordenamento jurídico do Estado requerente não se revelar capaz de assegurar, aos réus, em juízo criminal, a garantia plena de um julgamento imparcial, justo, regular e independente.
A incapacidade de o Estado requerente assegurar ao extraditando o direito ao fair trial atua como causa impeditiva do deferimento do pedido de extradição."

O voto do Ministro Francisco Rezek na mencionada Extradição no 633/República Popular da China expressou, igualmente, semelhante preocupação:

"(...) Mas a esta altura dos acontecimentos, qualquer que fosse a intenção original, é possível ter segurança de que outra coisa não vai acontecer senão a administração de justiça criminal, no seu aspecto ordinário? Não a tenho. Se a tivesse até ontem, tê-la-ia perdido hoje.
É nossa a responsabilidade pelo extraditando e pela prevalência, no caso dele também, dos parâmetros maiores da Constituição brasileira e da lei que nos vincula."

Ainda sobre a mesma questão ressaltou o relator da Ext. no 811/República do Peru, o Ministro Celso de Mello, em assentada de 04.09.2002 (DJ 28.02.2003):

"(...)O respeito aos direitos humanos deve constituir vetor interpretativo a orientar o Supremo Tribunal Federal nos processos de extradição passiva. Cabe advertir que o dever de cooperação internacional na repressão às infrações penais comuns não exime o Supremo Tribunal Federal de velar pela intangibilidade dos direitos básicos da pessoa humana, fazendo prevalecer, sempre, as prerrogativas fundamentais do extraditando, que ostenta a condição indisponível de sujeito de direitos, impedindo, desse modo, que o súdito estrangeiro venha a ser entregue a um Estado cujo ordenamento jurídico não se revele capaz de assegurar, aos réus, em juízo criminal, a garantia plena de um julgamento imparcial, justo, regular e independente (fair trial), com todas as prerrogativas inerentes à cláusula do due process of law."

No presente caso, no entanto, creio que a preocupação que tive, ao pedir vista dos autos, em 31 de maio de 2007, parece não ter mais lugar.

Conforme informações recebidas do Ministério das Relações Exteriores, em 27 de julho de 2007, foram empossados, no último dia 24 de julho, quatro novos ministros na Corte Suprema de Justiça da Bolívia (Teófilo Tarquino, Angel Irusta, Roberto Suárez e José Luis Baptista), resultado de um acordo travado entre as principais forças políticas naquele país (Podemos, MAS, UN e MNR).

Os referidos ministros, durante a solenidade de posse, afirmaram que atuarão "com absoluta imparcialidade, porque nenhum de nós se sente comprometido com partido político algum, nem da situação nem da oposição." Solicitaram uma majoração no orçamento do Poder Judiciário para que vários desafios fossem cumpridos e mencionaram, ainda, a "unidade" de trabalho e a necessidade de superar as "asperezas" existentes entre as instituições de poder do Estado. (http://www.nu.org.bo/webportal/News, em 25.07.2007)

Diante o exposto, e em reconhecimento aos esforços que vêm sendo desenvolvidos no processo de consolidação do Estado Democrático de Direito no país requerente, acompanho o voto do Ministro Eros Grau para deferir a presente extradição, na certeza de que ao extraditando será assegurado o pleno cumprimento dos direitos fundamentais a que faz jus.

Ressalto, no entanto, meu entendimento de que esta Corte deverá adotar orientação estrita no que concerne à concessão de qualquer pleito extradicional, quando houver, no país requerente, ameaça de violação aos direitos fundamentais do extraditando, especialmente a falta de garantia de um julgamento que observe rigorosamente os parâmetros do devido processo legal (Cf. Ext. no 232/Cuba-segunda, Relator Min. Victor Nunes Leal, DJ 14.12.1962; Ext. 347/Itália, Rel. Min. Djaci Falcão, DJ 9.6.1978; Ext. 524/Paraguai, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 8.3.1991; Ext. 633/República Popular da China, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 6.4.2001; Ext. 811/Peru, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 28.2.2003; Ext. 897/República Tcheca, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 23.09.2004; Ext. 953/Alemanha, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 11.11.2005; Ext. 977/Portugal, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 18.11.2005; Ext. 1008/Colômbia, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 11.05.2006; Ext. 1067/Alemanha, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 01.06.2007).

É como voto.

* acórdão pendente de publicação


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