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quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Informativo STF 450 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 27 de novembro a 1º de dezembro de 2006 - Nº 450.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO



Plenário
Quebra de Sigilo Bancário e Direito à Intimidade
Lei 8.540/92 - FUNRURAL e Incidência sobre Receita Bruta da Comercialização da Produção - 2
Crime de Redução a Condição Análoga à de Escravo e Competência - 2
Precatório Judicial e Condições para Levantamento ou Autorização para Depósito de Valores
Alienação Fiduciária e Depositário Infiel - 1 (Errata)
1ª Turma
Absolvição Sumária e Competência - 3
Prisão em Flagrante e Ausência de Requisitos - 1
Prisão em Flagrante e Ausência de Requisitos - 2
Suspensão do Processo e Art. 64, I, do CP
Falta Grave: Progressão e Perda dos Dias Remidos
ED: Efeitos Modificativos e Defesa Preliminar (Errata)
2ª Turma
Art. 514 do CPP e Defesa Preliminar
Art. 52 da Lei de Imprensa: Não Recepção pela CF/88
Transcrições
Mandado de Injunção e Art. 40, § 4º, da CF (MI 721/DF)
"Novatio legis in pejus" - Ultratividade da Lei Penal Benéfica (HC 90140 MC/GO)


PLENÁRIO


Quebra de Sigilo Bancário e Direito à Intimidade

O Tribunal, por maioria, deu parcial provimento a agravo regimental interposto contra decisão do Min. Joaquim Barbosa, relator, proferida nos autos de inquérito instaurado para apurar a suposta prática dos crimes de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, corrupção ativa e passiva e evasão de divisas, pela qual deferira a quebra de sigilo bancário de conta de não-residente da agravante, utilizada por diversas pessoas físicas e jurídicas, determinando a remessa de informações ao STF unicamente no que concerne aos dados dos titulares dos recursos movimentados na referida conta. Entendeu-se que, em face do art. 5º, X, da CF, que protege o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, a quebra do sigilo não poderia implicar devassa indiscriminada, devendo circunscrever-se aos nomes arrolados pelo Ministério Público como objeto de investigação no inquérito e estar devidamente justificada. Recurso parcialmente provido para que fique autorizada a remessa relativa a duas pessoas físicas e uma pessoa jurídica, deixando ao Ministério Público a via aberta para outros pedidos fundamentados. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, relator, e Carlos Britto que negavam provimento ao recurso, por considerar que o sigilo bancário, apesar de constitucionalmente amparado, não se reveste de caráter absoluto e pode ser afastado por ordem judicial, desde que tal quebra seja concretamente necessária à apuração de fatos delituosos previamente investigados, como no caso, em que presentes fortes indícios da prática de ilícitos, ressaltando, ademais, inexistir devassa, haja vista que as informações cujo fornecimento a decisão agravada determina não incluem os valores movimentados.
Inq 2245 AgR/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, rel. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, 29.11.2006. (Inq-2245)

Lei 8.540/92 - FUNRURAL e Incidência sobre Receita Bruta da Comercialização da Produção - 2

O Tribunal retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade do art. 1º da Lei 8.540/92, que, dispondo sobre a contribuição do empregador rural para a seguridade social - FUNRURAL, altera dispositivos da Lei 8.212/91 (artigos 12, V e VII; 25, I e II; 30, IV). Na espécie, os recorrentes, empresas adquirentes de bovinos de produtores rurais, impugnam acórdão do TRF da 1ª Região que, com base na referida legislação, desprovera sua apelação, ao fundamento de serem eles responsáveis, por substituição tributária, pela retenção e recolhimento das contribuições sociais dos empregadores rurais, pessoas naturais, incidentes sobre a receita bruta da comercialização dos produtos. Sustentam ofensa aos artigos 146, III; 154, I; e 195, I, e §§ 4º e 8º, da CF - v. Informativo 409. Após os votos dos Ministros Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Carlos Britto, que conheciam e davam provimento ao recurso, na linha do voto do Min. Marco Aurélio, relator, pediu vista dos autos o Min. Cezar Peluso.
RE 363852/MG, rel. Min. Marco Aurélio, 30.11.2006. (RE-363852)

Crime de Redução a Condição Análoga à de Escravo e Competência - 2

Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário para anular acórdão do TRF da 1ª Região, fixando a competência da justiça federal para processar e julgar crime de redução a condição análoga à de escravo (CP, art. 149) - v. Informativo 378. Entendeu-se que quaisquer condutas que violem não só o sistema de órgãos e instituições que preservam, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também o homem trabalhador, atingindo-o nas esferas em que a Constituição lhe confere proteção máxima, enquadram-se na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto de relações de trabalho. Concluiu-se que, nesse contexto, o qual sofre influxo do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, informador de todo o sistema jurídico-constitucional, a prática do crime em questão caracteriza-se como crime contra a organização do trabalho, de competência da justiça federal (CF, art. 109, VI). Vencidos, quanto aos fundamentos, parcialmente, os Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau, que davam provimento ao recurso extraordinário, considerando que a competência da justiça federal para processar e julgar o crime de redução a condição análoga à de escravo configura-se apenas nas hipóteses em que esteja presente a ofensa aos princípios que regem a organização do trabalho, a qual reputaram ocorrida no caso concreto. Vencidos, também, os Ministros Cezar Peluso, Carlos Velloso e Marco Aurélio que negavam provimento ao recurso.
RE 398041/PA, rel. Min. Joaquim Barbosa, 30.11.2006. (RE-398041)

Precatório Judicial e Condições para Levantamento ou Autorização para Depósito de Valores

O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Conselho Federal da ordem dos Advogados do Brasil - OAB para declarar a inconstitucionalidade do art. 19 da Lei 11.033/2004, que condiciona o levantamento ou a autorização para depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial à apresentação, ao juízo, de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais, bem como de certidão de regularidade para com a Seguridade Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e a Dívida Ativa da União, depois de ouvida a Fazenda Pública. Entendeu-se que o dispositivo impugnado ofende os artigos 5º, XXXVI, e 100 da CF, por estatuir condição para a satisfação de direito do jurisdicionado que não está contida na norma fundamental da República. Asseverou-se que as formas de a Fazenda Pública obter o que lhe é devido estão estabelecidas no ordenamento jurídico, não sendo possível para tanto a utilização de meios que frustrem direitos constitucionais dos cidadãos. Ressaltou-se, ademais, que a matéria relativa a precatórios, tal como tratada na Constituição, não chama a atuação do legislador infraconstitucional, menos ainda para impor restrições que não se coadunam com o direito à efetividade da jurisdição e o respeito à coisa julgada.
ADI 3453/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 30.11.2006. (ADI-3453)

Alienação Fiduciária e Depositário Infiel - 1 (Errata)

Comunicamos que o correto teor da matéria referente ao RE 466343/SP, divulgada no Informativo 449, é este:

O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário no qual se discute a constitucionalidade da prisão civil nos casos de alienação fiduciária em garantia (DL 911/69: "Art. 4º Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos autos, em ação de depósito, na forma prevista no Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do Código de Processo Civil."). O Min. Cezar Peluso, relator, negou provimento ao recurso, por entender que o art. 4º do DL 911/69 não pode ser aplicado em todo o seu alcance, por inconstitucionalidade manifesta. Afirmou, inicialmente, que entre os contratos de depósito e de alienação fiduciária em garantia não há afinidade, conexão teórica entre dois modelos jurídicos, que permita sua equiparação. Asseverou, também, não ser cabível interpretação extensiva à norma do art. 153, § 17, da EC 1/69 - que exclui da vedação da prisão civil por dívida os casos de depositário infiel e do responsável por inadimplemento de obrigação alimentar - nem analogia, sob pena de se aniquilar o direito de liberdade que se ordena proteger sob o comando excepcional. Ressaltou que, à lei, só é possível equiparar pessoas ao depositário com o fim de lhes autorizar a prisão civil como meio de compeli-las ao adimplemento de obrigação, quando não se deforme nem deturpe, na situação equiparada, o arquétipo do depósito convencional, em que o sujeito contrai obrigação de custodiar e devolver.
RE 466343/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 22.11.2006. (RE-466343)


PRIMEIRA TURMA


Absolvição Sumária e Competência - 3

A Turma retomou julgamento de habeas corpus impetrado em favor de pronunciado pela suposta prática dos crimes previstos nos artigos 121, § 2º, I e IV (duas vezes) e 121, § 2º, V, c/c os artigos 14, II, e 29, todos do CP que, em razão de exame de sanidade mental indicando a sua inimputabilidade, fora absolvido sumariamente (CPP, art. 411), em recurso apresentado pela defesa, pelo tribunal de justiça local, o qual lhe impusera, em conseqüência, medida de segurança de internação em estabelecimento próprio - v. Informativo 420. O Min. Carlos Britto, em voto-vista, indeferiu o writ por entender que a conjugação da absolvição sumária com a imposição de medida de segurança se impõe sempre que manifesta a inimputabilidade do agente e quando inexistir proposição defensiva que possibilite decisão mais favorável, pelo conselho de sentença, que a própria aplicação da medida de segurança. Nesse sentido, asseverou que a tese de somente competir ao júri absolver sumariamente o acusado inimputável e, em seguida, aplicar-lhe medida de segurança pode implicar prejuízo ao réu, se o júri vier a reconhecer a sua imputabilidade à época do cometimento do fato típico. Ademais, tendo em conta que, na espécie, o laudo de insanidade mental não fora questionado em nenhum momento, que o acusado, recolocado no convívio de sua família, fora repelido ante sua periculosidade e que sua defesa técnica recorrera da sentença de pronúncia pedindo absolvição sumária, considerou-se demonstrada a inimputabilidade, a ensejar a aplicação imediata da norma do art. 411 do CPP, a qual, em homenagem ao inciso III do art. 5º da CF ("ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante."), impede que um acusado, que já era inimputável quando do cometimento dos fatos descritos na denúncia, seja submetido ao desgastante procedimento do júri. Por fim, rejeitou a alegação de vício na defesa técnica do paciente. Após, o Min. Ricardo Lewandowski pediu vista dos autos.
HC 87614/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 21.11.2006. (HC-87614)

Prisão em Flagrante e Ausência de Requisitos - 1

A Turma, afastando a incidência do Enunciado da Súmula 691 do STF ("Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar"), deferiu habeas corpus impetrado - contra acórdão do STJ que indeferira liminarmente o pedido de idêntica medida - em favor do Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, preso, em flagrante, pelo crime de porte ilegal de arma de uso restrito. Na espécie, o paciente, no dia seguinte ao relaxamento de anterior custódia decretada, por ministra do STJ, com base em investigações procedidas na denominada "Operação Dominó", fora preso por delegado da Polícia Federal, sem mandado judicial, sob o argumento de que o primeiro decreto de prisão teria abrangido também a imputação de guarda da arma encontrada na sua residência, na ocasião em que cumpridas diligências. A aludida prisão fora comunicada à Assembléia Legislativa daquele Estado-membro que deliberara pelo seu relaxamento, sendo, contudo, mantida e posteriormente convertida em preventiva quando do recebimento, pelo tribunal local, da denúncia pelo referido delito de porte ilegal.
HC 89681/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 21.11.2006. (HC-89681)

Prisão em Flagrante e Ausência de Requisitos - 2

Ressaltou-se, de início, que as duas prisões tiveram objetos distintos: a primeira, decretada por ministra do STJ, em razão da flagrância do delito de formação de quadrilha (HC 89417/RO, v. Informativo 437); e a atual, ordenada por desembargador, por porte e guarda ilegal de armas de fogo. Aduziu-se que, ao ser determinado o relaxamento da custódia, rompera-se o estado de flagrância inicialmente apurado quanto à formação de quadrilha, salientando-se que o primeiro decreto não fizera nenhuma referência ao porte ilegal. Asseverou-se, assim, que a superveniência de nova prisão deveria possuir outro fundamento legal e judicial, e não poderia ter ocorrido antes de um novo decreto, se a motivação era diversa daquela assentada na decisão da ministra do STJ. Considerou-se, também, que a caracterização da flagrância quanto ao delito do porte ilegal restara comprometida, porque não se dera no momento da apreensão da arma e nem houvera manifestação das autoridades policiais, judiciais ou do Ministério Público sobre o tema. Destarte, entendeu-se configurado constrangimento ilegal a violar direitos fundamentais do paciente, por não haver sustentação legal para a segunda custódia, já que não comprovado nos autos nem o estado de flagrância nem o atendimento dos requisitos para a preventiva (CPP, art. 312). Por fim, em face dessa ilegalidade, reputou-se secundária a questão da autorização ou não da Assembléia Legislativa.
HC 89681/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 21.11.2006. (HC-89681)

Suspensão do Processo e Art. 64, I, do CP

A condenação criminal já alcançada pelo período depurador de 5 anos do art. 64, I, do CP não impede a concessão, ao acusado, em novo processo penal, do benefício da suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95, art. 89: "Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano... o Ministério Público... poderá propor a suspensão do processo... desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime..."). Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de acusado pela suposta prática do crime de aborto que tivera seu pedido de sursis negado em razão da existência de anterior condenação pelo delito de receptação, cuja pena fora extinta há mais de 5 anos. Não obstante o silêncio normativo, e considerando que as normas de Direito Penal hão de ser interpretadas sistematicamente, entendeu-se que a exigência do art. 89 da Lei 9.099/95 deve ser conjugada com o disposto no inciso I do art. 64 do CP ["Para efeito de reincidência não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer a revogação."]. HC deferido para anular o processo contra o paciente desde a data de sua audiência e determinar a remessa dos autos ao Ministério Público do Estado de São Paulo, para que, afastado o óbice do caput do art. 89 da Lei 9.099/95, seja analisada a presença, ou não, dos demais requisitos necessários à concessão do sursis processual. Precedentes citados: HC 80897/RJ (DJU de 1º.8.2003) e HC 86646/SP (DJU de 9.6.2006).
HC 88157/SP, rel. Min. Carlos Britto, 28.11.2006. (HC-88157)

Falta Grave: Progressão e Perda dos Dias Remidos

Em face das peculiaridades do caso, a Turma, por unanimidade, deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus para assentar que a nova progressão no regime de cumprimento da pena se fará, ante o critério objetivo, considerado o percentual de um sexto a incidir sobre os anos que restam a cumprir e não sobre a totalidade resultante do somatório das penas das diversas condenações impostas ao paciente. No caso, condenado a penas que totalizaram 76 anos e 15 dias de reclusão, das quais cumprira 19 anos, 4 meses e 6 dias em regime fechado, o paciente obtivera o benefício da progressão. No entanto, evadira-se do estabelecimento prisional, sendo posteriormente capturado, o que acarretara a perda de mais de 700 dias remidos. Tendo em conta que o art. 118 da Lei de Execução Penal - LEP, ao prever a regressão ao regime mais severo, não fixa o termo inicial para a aferição do critério objetivo, entendeu-se que, em se tratando de benefícios, deve ser observado o tempo máximo de 30 anos de cumprimento da pena, previsto no art. 75 do CP. Considerou-se que, na espécie, interpretação diversa implicaria esvaziamento do sistema jurídico referente à individualização da pena. No tocante à perda dos dias remidos, por maioria, negou-se provimento ao recurso ao fundamento de que, nos termos do art. 127 da LEP, o condenado que comete falta grave durante o cumprimento da pena perde o direito ao tempo remido, iniciando novo período a partir da data da infração disciplinar, não havendo se falar em ofensa ao direito adquirido ou à coisa julgada. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, relator, que provia o recurso.
RHC 89031/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Carlos Britto, 28.11.2006. (RHC-89031)

ED: Efeitos Modificativos e Defesa Preliminar (Errata)

Comunicamos que o correto teor da matéria referente ao HC 87347 ED/MS, divulgada no Informativo 449, é este:

A Turma, por maioria, preliminarmente, conheceu de manifestação do Ministério Público Federal - que pleiteava fosse cassado acórdão do STF que, em face da ausência de defesa preliminar, deferira habeas corpus para tornar sem efeito o ato que recebera o aditamento da denúncia e revogara o decreto de prisão preventiva do paciente - como embargos declaratórios e acolheu-os, com efeitos infringentes, para deferir, parcialmente, o writ, apenas para que seja cassado o decreto de prisão preventiva, mantido o recebimento da denúncia. Sustentava o embargante que não foram juntados aos autos documentos relativos ao recebimento de segundo aditamento da denúncia, este sim precedido de intimação do paciente para a apresentação de defesa preliminar (Lei 10.409/2002, art. 38), o que afastaria a existência de nulidade. Requeria, também, diante do descumprimento de dever ético por parte dos advogados que atuaram no caso, a comunicação à OAB para as providências cabíveis. Vencido o Min. Marco Aurélio que não conhecia dos embargos por considerá-los precoces, já que opostos antes da confecção do acórdão da Turma. No mérito, por maioria, entendeu-se, na linha do que decidido no RHC 86084/BA (j. em 7.11.2006), que a superveniente citação realizada com o objetivo de se conceder aos réus a possibilidade de apresentação de defesa preliminar supre eventuais nulidades. Asseverou-se que, na espécie, o juiz, antes de receber a ratificação da denúncia, proporcionara a defesa preliminar. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio que, salientando ser a forma prevista no art. 38 da Lei 10.409/2002 essencial à validade do processo, reputara que esta fora observada somente quanto ao aditamento. No tocante à custódia preventiva, manteve-se o acórdão que considerara que o decreto carecia de fundamentação idônea. Por fim, aduziu-se que ficará a cargo do parquet, caso conclua pela existência de fraude processual, a apresentação de representação junto à OAB.
HC 87347 ED/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21.11.2006. (HC-87347)



SEGUNDA TURMA


Art. 514 do CPP e Defesa Preliminar

A Turma deliberou afetar ao Plenário o julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que, denegando idêntica medida, entendera que a instauração de inquérito policial dispensa a resposta prévia do réu, prevista no art. 514 do CPP ("nos crimes afiançáveis, estando a denúncia ou queixa em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do acusado, para responder por escrito, dentro do prazo de 15 dias"). No caso, servidores públicos condenados pela prática de concussão (CP, art. 316, por duas vezes, c/c os artigos 71 e 92, I, a) alegam constrangimento ilegal consistente na não-observância da fase do citado art. 514 do CPP e pleiteiam, em conseqüência, a declaração de nulidade do processo, desde o recebimento da denúncia.
HC 85779/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 28.11.2006. (HC-85779)

Art. 52 da Lei de Imprensa: Não Recepção pela CF/88

O art. 52 da Lei 5.250/67 não foi recepcionado pela CF/88 ["A responsabilidade civil da empresa que explora o meio de informação ou divulgação é limitada a 10 (dez) vezes as importâncias referidas no artigo anterior, se resulta de ato culposo de algumas das pessoas referidas no art. 50."]. Com base nesse entendimento, a Turma negou provimento a recurso extraordinário em que jornal condenado ao pagamento de indenização por danos morais - em decorrência da publicação de matéria ofensiva à honra de então candidato à Vice-Presidência da República - alegava violação ao art. 5º, V e X, da CF, e pleiteava a redução do valor da condenação aos limites previstos nos artigos 51 e 52 da referida lei. Tendo em conta a fisionomia normativa da proteção do direito à integridade moral e a garantia da reparação pecuniária da ofensa, entendeu-se que o art. 52 da Lei de Imprensa não poderia restringir direitos, liberdades e garantias constitucionais. Asseverou-se que a vigente Constituição, quanto ao tema, não contém disposição que limite o valor da indenização e o grau da responsabilidade civil do ofensor. Aduziu-se, também, que a restituição de gravame a bens ideais da personalidade, como a honra, a imagem, a intimidade, não seriam enquadráveis em escala econômica padronizada, análoga a das valorações relativas aos danos patrimoniais. Por fim, não obstante o princípio da liberdade de imprensa, considerou-se que o mencionado artigo caracterizaria intervenção legislativa na disciplina dos direitos fundamentais, contrária à Constituição superveniente, que colocaria em risco o substrato do direito fundamental à honra, à boa fama e à intimidade das pessoas. Precedentes citados: RE 396386/SP (DJU de 13.8.2004); RE 348827/RJ (DJU de 6.8.2004); RE 420784/SP (DJU de 25.6.2004).
RE 447584/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 28.11.2006. (RE-447584)

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno29.11.200630.11.200612
1ª Turma28.11.2006--142
2ª Turma28.11.2006--151



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Mandado de Injunção e Art. 40, § 4º, da CF (Transcrições)

(v. Informativo 442)

MI 721/DF*

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

RELATÓRIO: A impetrante é servidora do Ministério da Saúde, lotada na Fundação das Pioneiras Sociais - Sarah Kubitschek, em Belo Horizonte. Afirma exercer, desde 22 de outubro de 1986, a função de auxiliar de enfermagem na instituição referida, atuando em ambiente insalubre. Evoca o disposto no artigo 40, § 4º, da Constituição Federal para ressaltar que a inexistência de lei complementar vem inviabilizando o exercício do direito à aposentadoria, implementado o período consentâneo com o desgaste decorrente do contato com agentes nocivos à saúde, com portadores de moléstias infecto-contagiosas humanas e materiais e objetos contaminados. Então, pleiteia seja suprida a lacuna normativa, asseverando o direito à aposentadoria especial, em virtude do trabalho, por mais de 25 anos, em atividade considerada insalubre. Sucessivamente, requer a observância do regime geral de previdência social, vindo-se, alfim, a condenar o réu ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios. Solicita o reconhecimento do direito à justiça gratuita, juntando à inicial os documentos de folha 9 a 19.
A autoridade impetrada reportou-se a informações elaboradas pela Advocacia-Geral da União. Em síntese, de acordo com a peça encaminhada, o Estado pode optar por não aprovar uma lei complementar, até pelo temor de que as exceções sejam tantas que se tornem regras.
A Procuradoria Geral da República emitiu o parecer de folha 93 a 98, pelo não-cabimento do mandado de injunção. Eis a síntese da peça:

Mandado de injunção. A simples remissão à definição em lei complementar, inscrita no artigo 40, § 4º, da Constituição Federal, não cria direitos subjetivos à aposentadoria, nos casos de atividades insalubres, penosas ou perigosas. Inexistência de obrigatoriedade do legislador derivado editar a norma regulamentadora da matéria. Atribuição de mera faculdade ao poder público. Inviabilidade do writ impetrado. O juízo político acerca da conveniência e oportunidade da edição da lei complementar pleiteada não pode ser substituído pela força da decisão judicial, sob pena de invasão desautorizada da esfera de atuação dos demais poderes da República.

Lancei visto no processo em 28 de agosto de 2005.
É o relatório.

VOTO: A existência de disposições constitucionais dependentes de regulamentação levou o constituinte de 1988, em passo dos mais salutares, a prever, no artigo 5º da Carta Federal, o mandado de injunção, fazendo-o mediante preceito a sinalizar a eficácia da impetração, tendo em conta o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania:

LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Tratando-se de ato omissivo de autoridade ou órgão submetidos à jurisdição do Supremo, a este cabe processar e julgar originariamente o mandado de injunção. É o que decorre do teor da alínea "q" do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;
(...)

A natureza da citada ação constitucional - mandado de injunção -, procedente a causa de pedir versada na inicial, leva o pronunciamento a ganhar contornos mandamentais, a ganhar eficácia maior, a ponto de viabilizar, consideradas as balizas subjetivas da impetração, o exercício do direito, da liberdade constitucional ou das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Eis que surgiu, no cenário normativo-constitucional, o instrumento capaz de revelar a lei fundamental como de concretude maior, abandonada visão simplesmente lírica.
Pois bem, na redação primitiva, a Carta de 1988, ao dispor sobre a aposentadoria dos servidores públicos, previa, ao lado das balizas temporais alusivas à jubilação espontânea, a possibilidade de lei complementar estabelecer exceções. Confira-se com o preceito:

Art. 40. O servidor será aposentado:
(...)
III - voluntariamente:
a) aos trinta e cinco anos de serviço, se homem, e aos trinta, se mulher, com proventos integrais;
(...)
c) aos trinta anos de serviço, se homem, e aos vinte e cinco, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de serviço;
(...)
§ 1º Lei complementar poderá estabelecer exceções ao disposto no inciso III, "a" e "c", no caso de exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas.
(...)

Com a Emenda Constitucional nº 20/98, afastou-se a óptica míope do sentido do verbo "poder" - considerado o tempo, futuro do presente, "poderá" -, para prever-se, no § 4º do artigo 40 da Carta, que:

§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados os casos de atividades exercidas exclusivamente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.

Tal afastamento foi mantido pela Emenda Constitucional nº 47, de 5 de julho de 2005, que deu nova redação ao citado § 4º:

§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:
I - portadores de deficiência;
II - que exerçam atividades de risco;
III - cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

Então, é dado concluir que a jurisprudência mencionada nas informações sobre a existência de simples faculdade ficou, sob o ângulo normativo-constitucional, suplantada. Refiro-me ao que decidido no Mandado de Injunção nº 484-6/RJ, citados os precedentes formalizados quando do julgamento dos Mandados de Injunção nºs 425-1/DF e 444-7/MG. Em síntese, hoje não sugere dúvida a existência do direito constitucional à adoção de requisitos e critérios diferenciados para alcançar a aposentadoria daqueles que hajam trabalhado sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física. Permaneceu a cláusula da definição em lei complementar.
Assento, por isso, a adequação, da medida intentada. Passados mais de quinze anos da vigência da Carta, permanece-se com o direito latente, sem ter-se base para o exercício. Cumpre, então, acolher o pedido formulado, pacífica a situação da impetrante. Cabe ao Supremo, porque autorizado pela Carta da República a fazê-lo, estabelecer para o caso concreto e de forma temporária, até a vinda da lei complementar prevista, as balizas do exercício do direito assegurado constitucionalmente.
Assim está autorizado pela norma do artigo 5º, inciso LXXI, da Constituição Federal:

LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;

O instrumental previsto na Lei Maior, em decorrência de reclamações, consideradas as Constituições anteriores, nas quais direitos dependentes de regulamentação não eram passíveis de ser acionados, tem natureza mandamental e não simplesmente declaratória, no sentido da inércia legislativa. Revela-se próprio, ao processo subjetivo e não ao objetivo, descabendo confundi-lo com ação direta de inconstitucionalidade por omissão, cujo rol de legitimados é estrito e está na Carta da República. Aliás, há de se conjugar o inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal com o § 1º do citado artigo, a dispor que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais constantes da Constituição têm aplicação imediata. Iniludivelmente, buscou-se, com a inserção do mandado de injunção no cenário jurídico-constitucional, tornar concreta, tornar viva a Lei Maior, presentes direitos, liberdades e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Não se há de confundir a atuação no julgamento do mandado de injunção com atividade do Legislativo. Em síntese, ao agir, o Judiciário não lança, na ordem jurídica, preceito abstrato. Não, o que se tem, em termos de prestação jurisdicional, é a viabilização, no caso concreto, do exercício do direito, do exercício da liberdade constitucional, das prerrogativas ligadas a nacionalidade, soberania e cidadania. O pronunciamento judicial faz lei entre as partes, como qualquer pronunciamento em processo subjetivo, ficando, até mesmo, sujeito a uma condição resolutiva, ou seja, ao suprimento da lacuna regulamentadora por quem de direito, Poder Legislativo.
É tempo de se refletir sobre a timidez inicial do Supremo quanto ao alcance do mandado de injunção, ao excesso de zelo, tendo em vista a separação e harmonia entre os Poderes. É tempo de se perceber a frustração gerada pela postura inicial, transformando o mandado de injunção em ação simplesmente declaratória do ato omissivo, resultando em algo que não interessa, em si, no tocante à prestação jurisdicional, tal como consta no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, ao cidadão. Impetra-se este mandado de injunção não para lograr-se simples certidão da omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes a nacionalidade, à soberania e à cidadania. Busca-se o Judiciário na crença de lograr a supremacia da Lei Fundamental, a prestação jurisdicional que afaste as nefastas conseqüências da inércia do legislador. Conclamo, por isso, o Supremo, na composição atual, a rever a óptica inicialmente formalizada, entendendo que, mesmo assim, ficará aquém da atuação dos tribunais do trabalho, no que, nos dissídios coletivos, a eles a Carta reserva, até mesmo, a atuação legiferante, desde que, consoante prevê o § 2º do artigo 114 da Constituição Federal, sejam respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho. Está-se diante de situação concreta em que o Diploma Maior recepciona, mesmo assim de forma mitigada, em se tratando apenas do caso vertente, a separação dos Poderes que nos vem de Montesquieu. Tenha-se presente a frustração gerada pelo alcance emprestado pelo Supremo ao mandado de injunção. Embora sejam tantos os preceitos da Constituição de 1988, apesar de passados dezesseis anos, ainda na dependência de regulamentação, mesmo assim não se chegou à casa do milhar na impetração dos mandados de injunção.
No caso, a dificuldade não é maior, porquanto é possível adotar-se, ante o fator tempo e à situação concreta da impetrante, o sistema revelado pelo regime geral de previdência social. O artigo 57 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, dispõe que:

Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.
§ 1º A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta Lei, consistirá numa renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício.


A impetrante conta com 25 anos de serviços prestados, atendendo à dilação maior prevista na Lei nº 8.213/91. Julgo parcialmente procedente o pedido formulado para, de forma mandamental, assentar o direito da impetrante à aposentadoria especial de que cogita o § 4º do artigo 40 da Constituição Federal.

* julgamento pendente de conclusão


"Novatio legis in pejus" - Ultratividade da Lei Penal Benéfica (Transcrições)

HC 90140 MC/GO*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: CRIME CONTRA OS COSTUMES. DELITO DE ESTUPRO PRESUMIDO. CASAMENTO DO AGENTE COM A VÍTIMA. FATO DELITUOSO QUE OCORREU EM MOMENTO ANTERIOR AO DA REVOGAÇÃO, PELA LEI Nº 11.106/2005, DO INCISO VII DO ART. 107 DO CÓDIGO PENAL, QUE DEFINIA O "SUBSEQUENS MATRIMONIUM" COMO CAUSA EXTINTIVA DE PUNIBILIDADE. "NOVATIO LEGIS IN PEJUS". IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE APLICAR, AO CASO, ESSE NOVO DIPLOMA LEGISLATIVO ("LEX GRAVIOR"). ULTRATIVIDADE, NA ESPÉCIE, DA "LEX MITIOR" (CP, ART. 107, VII, NA REDAÇÃO ANTERIOR AO ADVENTO DA LEI Nº 11.106/2005). NECESSÁRIA APLICABILIDADE DA NORMA PENAL BENÉFICA (QUE POSSUI FORÇA NORMATIVA RESIDUAL) AO FATO DELITUOSO COMETIDO NO PERÍODO DE VIGÊNCIA TEMPORAL DA LEI REVOGADA. EFICÁCIA ULTRATIVA DA "LEX MITIOR", POR EFEITO DO QUE IMPÕE O ART. 5º, INCISO XL, DA CONSTITUIÇÃO (RTJ 140/514 - RTJ 151/525 - RTJ 186/252, v.g.). INCIDÊNCIA, NA ESPÉCIE, DA CAUSA EXTINTIVA DA PUNIBILIDADE PREVISTA NO ART. 107, INCISO VII, DO CÓDIGO PENAL, NA REDAÇÃO ANTERIOR À EDIÇÃO DA LEI N  11.106/2005 ("LEX GRAVIOR"). MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

DECISÃO: Trata-se de "habeas corpus" impetrado contra decisão emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, que, em sede de recurso especial interposto pelo Ministério Público, proferiu decisão que está consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 17):

"RECURSO ESPECIAL. PENAL. ARTS. 213 C/C ART. 224, 'a', DO CÓDIGO PENAL. PRESUNÇÃO. NATUREZA.
1. No estupro e atentado violento ao pudor com violência presumida, a norma impõe um dever geral de abstenção de ato libidinoso diverso da conjunção carnal com jovens que não sejam maiores de 14 anos.
2. O consentimento da vítima, no caso, não tem relevância jurídico-penal (Precedentes do STF e do STJ).
3. Recurso a que se dá provimento, a fim de restabelecer a decisão monocrática."
(REsp 762.798/GO, Rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA - grifei)

A parte ora impetrante sustenta, em suas razões, que o ora paciente, que foi condenado pela prática do crime de estupro presumido, "casou-se com a vítima em 01/10/2004" e que isso constituiria "causa de extinção da punibilidade conforme previa o Código Penal em seu artigo 107, VII, que foi revogado com o advento da Lei nº 11.106, de 28.03.2005" (fls. 03).
Afirma, ainda, que, "se o réu se casou com a vítima em plena vigência do art. 107, VII, do Código Penal, deveria ser decretada a extinção da punibilidade" (fls. 03).
O fato delituoso atribuído ao ora paciente ocorreu em março de 2000 (fls. 37), vale dizer, em período anterior à edição da Lei n  11.106, de 28/03/2005.
Esse dado de ordem temporal assume extremo relevo jurídico, na espécie em exame, considerada a norma consubstanciada no inciso XL do art. 5º da Constituição da República.
É que vigorava, no momento da prática delituosa, o inciso VII do art. 107 do Código Penal, que definia, como causa extintiva da punibilidade, o "(...) casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, definidos nos Capítulos I, II e III do Título VI da Parte Especial (...) do Código Penal" (grifei).
Com a superveniência da Lei nº 11.106, de 28/03/2005 (art. 5º) - que importou em verdadeira "novatio legis in pejus" -, operou-se a derrogação expressa da norma legal, que, fundada no inciso VII do art. 107 do CP, se revestia de evidente benignidade penal.
A derrogação do inciso VII do art. 107 do Código Penal, no entanto, não tem - nem pode ter - o condão de prejudicar, em tema de extinção da punibilidade, aqueles a quem se atribuiu a prática de crime cometido no período abrangido pela norma penal benéfica.
É que a cláusula de extinção da punibilidade, por afetar a pretensão punitiva do Estado, qualifica-se como norma penal de caráter material, aplicando-se, em conseqüência, quando mais favorável, aos delitos cometidos sob o domínio de sua vigência temporal, ainda que já tenha sido revogada pela superveniente edição de uma "lex gravior", como sucedeu na espécie em causa.
Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a norma penal benéfica - como aquela inscrita no inciso VII do art. 107 do Código Penal (hoje derrogado) - reveste-se de ultratividade, impregnada de força normativa residual, apta a torná-la aplicável, enquanto "lex mitior", a fatos delituosos praticados sob sua égide.
Impende reconhecer, por necessário, que a eficácia ultrativa da lei penal benéfica possui extração constitucional, traduzindo, sob tal aspecto, inquestionável direito público subjetivo que assiste a qualquer suposto autor de infrações penais.
Esse entendimento - decorrente do exame do significado e do alcance normativo da regra consubstanciada no inciso XL do art. 5º da Constituição Federal - reflete-se no magistério jurisprudencial firmado por esta Suprema Corte (RTJ 140/514, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RTJ 151/525, Rel. Min. MOREIRA ALVES, v.g.) e, também, por outros Tribunais da República (RT 467/313 - RT 605/314 - RT 725/526 - RT 726/518 - RT 726/523 - RT 731/666):

"O sistema constitucional brasileiro impede que se apliquem leis penais supervenientes mais gravosas, como aquelas que afastam a incidência de causas extintivas da punibilidade (...), a fatos delituosos cometidos em momento anterior ao da edição da lex gravior.
A eficácia ultrativa da norma penal mais benéfica - sob cuja égide foi praticado o fato delituoso - deve prevalecer por efeito do que prescreve o art. 5º, XL, da Constituição, sempre que, ocorrendo sucessão de leis penais no tempo, constatar-se que o diploma legislativo anterior qualificava-se como estatuto legal mais favorável ao agente. Precedentes do Supremo Tribunal Federal."
(RTJ 186/252, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Vê-se, pois, que a circunstância de ordem temporal decorrente da sucessão de leis penais no tempo revela-se apta a conferir aplicabilidade, no caso, à cláusula de extinção da punibilidade em referência (CP, art. 107, VII), uma vez configurada a situação nela prevista.
Como inicialmente enfatizado nesta decisão, o fato delituoso, cometido pelo ora paciente, foi praticado em março de 2000 (fls. 37), quando ainda vigorava a causa de extinção da punibilidade prevista no art. 107, VII, do Código Penal, que assim dispunha:

"Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:
.......................................................
VII - pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, definidos nos Capítulos I, II e III do Título VI da Parte Especial deste Código." (grifei)

Não obstante expressamente revogada tal norma legal, ela ainda subsiste, no que se refere aos delitos cometidos sob a sua égide, por efeito de expressa determinação constitucional (CF, art. 5º, XL), eis que qualificada pela nota de evidente benignidade penal, o que torna legítima a sua aplicação ultrativa ao caso ora em exame.
Tal como precedentemente referido pelo impetrante (fls. 03), o ora paciente - condenado por fato delituoso ocorrido em 2000 (fls. 37) - casou-se com a vítima (v. certidão de casamento a fls. 22), o que permite aplicar, em seu benefício, por efeito da ultratividade da norma penal benéfica, a mencionada causa extintiva da punibilidade.
Revela-se expressivo, a propósito do tema, o magistério de JULIO FABBRINI MIRABETE ("Manual de Direito Penal - Parte Geral", vol. I/422, item n. 12.3.4, 23ª ed., revista e atualizada por Renato N. Fabbrini, 2006, Atlas):

"Na parte em que revogou os incisos VII e VIII do art. 107, a Lei nº 11.106, de 28-3-2005, configura hipótese de 'novatio legis in pejus', não se aplicando, portanto, aos crimes cometidos anteriormente à sua vigência, por força do disposto no art. 5º, XL, da CF, que prevê o princípio da irretroatividade da lei penal (...)." (grifei)

Essa mesma percepção do tema é revelada pelo magistério de GUILHERME DE SOUZA NUCCI ("Código Penal Comentado", p. 494, item n. 25, 6ª ed., 2006, RT) e de FERNANDO CAPEZ ("Curso de Direito Penal - Parte Geral", vol. 1/551, item n. 48.8, 10ª ed., 2006, Saraiva, v.g.).
Sendo assim, em juízo de estrita delibação, defiro o pedido de medida cautelar, em ordem a suspender, até final julgamento da presente ação de "habeas corpus", a eficácia da própria condenação penal imposta ao ora paciente nos autos do Processo-crime nº 065/00 - Juízo de Direito da comarca de São Simão/GO (fls. 37/45), sustando-se, em conseqüência, a ordem de prisão fundada em referido título condenatório.
Caso o paciente já se encontre preso, deverá ser posto, imediatamente, em liberdade, se por al não estiver preso.
Comunique-se, com urgência, encaminhando-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (REsp 762.798/GO, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA), ao E. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (Apelação Criminal nº 200401320213) e ao MM. Juiz de Direito da comarca de São Simão/GO (Processo-crime nº 065/00).

Publique-se.

Brasília, 1º de dezembro de 2006.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator


* decisão pendente de publicação




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