Anúncios


quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Informativo STF 460 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 19 a 23 de março de 2007 - Nº 460.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

Download deste Informativo

SUMÁRIO


Plenário
Extradição: Refugiado e Art. 33 da Lei 9.474/97
Reclamação e Art. 102, I, n, da CF - 1
Reclamação e Art. 102, I, n, da CF - 2
Art. 93, XI, da CF: Tribunal Pleno e Órgão Especial - 1
Art. 93, XI, da CF: Tribunal Pleno e Órgão Especial - 2
Art. 93, XI, da CF: Tribunal Pleno e Órgão Especial - 3
Aquisição Interestadual de Mercadorias e Antecipação de ICMS - 1
Aquisição Interestadual de Mercadorias e Antecipação de ICMS - 2
1ª Turma
Tribunal do Júri: Réu Indefeso e Devido Processo Legal - 1
Tribunal do Júri: Réu Indefeso e Devido Processo Legal - 2
Dosimetria da Pena e Fundamentação
Legitimidade do Ministério Público e Reconhecimento de Incompetência Absoluta
2ª Turma
Demora no Julgamento de HC e Injusto Constrangimento
HC contra ato de Tribunal de Justiça e Medida Adequada - 1
HC contra ato de Tribunal de Justiça e Medida Adequada - 2
Regime de Cumprimento de Pena e Falta de Vagas
Transcrições
Juízo Mínimo de Delibação Meritório e Decreto Legislativo 788/2005 (SL 125/PA) (Errata)


PLENÁRIO


Extradição: Refugiado e Art. 33 da Lei 9.474/97

Tendo em conta o disposto no art. 33 da Lei 9.474/97, que define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, o Tribunal, por maioria, não conheceu de pedido extradicional formulado pela República da Colômbia, de nacional colombiano, e, julgando extinto o processo, determinou a expedição de alvará de soltura em seu favor (Lei 9.474/97: "Art. 33. O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio."). Na espécie, o Comitê Nacional para os Refugiados - CONARE reconhecera ao extraditando a condição de refugiado, sob caráter humanitário e com base no inciso I do art. 1º da Lei 9.474/97 ("Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;"). Reportou-se ao voto proferido pelo Min. Sepúlveda Pertence no julgamento da Ext 785 QO-QO/Estados Unidos Mexicanos (DJU de 14.11.2003), no qual se afastara afronta, pela Lei dos Refugiados, à competência do Supremo para julgar o processo de extradição. Asseverou-se que a competência, uma vez que lhe seja encaminhado pelo Poder Executivo o pedido de extradição para aferir débito da legalidade, é do Supremo. Esclareceu-se que nada vincula, entretanto, o Poder Executivo, condutor da política de relações internacionais do país, a submeter ao Tribunal um pedido de extradição que entenda, de logo, inadmissível, se concede refúgio ao extraditando. Vencido o Min. Gilmar Mendes, relator, que, não vislumbrando diferenças substanciais entre os institutos do asilo e do refúgio, e afirmando não estar o Supremo vinculado ao juízo formulado pelo Poder Executivo na concessão administrativa do benefício, na linha da orientação fixada pela Corte na Ext 232/República de Cuba (DJU de 17.12.62) e na Ext 524/Governo do Paraguai (DJU de 8.3.91), conferia ao art. 33 da Lei 9.474/97 interpretação conforme a Constituição, no sentido de que só haveria óbice à extradição nos casos em que se imputasse ao extraditando crime político ou de opinião ou, ainda, quando as circunstâncias subjacentes à ação do Estado requerente demonstrassem a configuração de inaceitável extradição política disfarçada.
Ext 1008/República da Colômbia, rel. orig. Min. Gilmar Mendes, rel. p/ o acórdão Min. Sepúlveda Pertence, 21.3.2007. (Ext-1008)

Reclamação e Art. 102, I, n, da CF - 1

O Tribunal julgou procedente pedido formulado em reclamação para avocar mandado de segurança impetrado, pelo reclamante, no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, visando ao trancamento de processo administrativo instaurado para apurar a prática de infração disciplinar, suscetível de ensejar a aplicação da pena de demissão. Sustentava o reclamante a suspeição e/ou impedimento de todos os desembargadores do referido tribunal, decorrente de denúncias que formulara perante a Procuradoria-Geral de Justiça estadual, em que pedira providências no sentido de que fossem apuradas irregularidades supostamente cometidas naquela Corte. Inicialmente, salientou-se que as exceções de suspeição opostas no tribunal de justiça foram recusadas e que seu relator determinara a remessa dos autos ao Supremo, em razão das argüições terem sido apresentadas contra praticamente todos os desembargadores. Tendo isso em conta, e reportando-se ao que decidido no MS 21193 AgR/DF (DJU de 2.4.93) e na AO 214/RR (DJU de 16.6.95), entendeu-se que a reclamação deveria ser julgada no Supremo, haja vista a manifestação formal do tribunal a quo. Asseverou-se, no ponto, que, na verdade, a reclamação se confundiria com o julgamento das próprias ações originárias - as exceções de suspeição, no total de 15 - a ela apensadas, sendo preferível, por economia processual, julgar a reclamação.
Rcl 1725/MS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 21.3.2007. (Rcl-1725)

Reclamação e Art. 102, I, n, da CF - 2

No mais, ressaltou-se que, no caso, a fumaça do bom direito ao inverso, vedada pelo Código de Processo Civil (artigos 134 e 135) e pela Constituição, é que daria a solução: art. 102, I, n, 2ª parte, da CF ("Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal...: I - processar e julgar, originariamente:... n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;"). Considerou-se o fato de que 5 atos administrativos foram abertos contra o reclamante, 3 dos quais judicializados como ações originárias no Supremo, quais sejam, um impedimento de remoção, um inquérito por acumulação de cargos, um por abandono de cargo, um criminal por falsidade ideológica e este de demissão por ofensa à honra de desembargadores. Enfatizando-se não se estar discutindo o mérito dos atos administrativos, nem dos mandados de segurança que resultaram em reclamações e ações originárias no Supremo, mas de estar o debate restrito em saber da incidência ou não do comando "mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam... indiretamente interessados", concluiu-se que o conjunto desses atos propostos contra o reclamante estaria a demonstrar a competência originária deste Tribunal.
Rcl 1725/MS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 21.3.2007. (Rcl-1725)

Art. 93, XI, da CF: Tribunal Pleno e Órgão Especial - 1

O Tribunal iniciou julgamento de liminar em mandado de segurança impetrado por desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - TJSP contra decisão do Conselho Nacional de Justiça - CNJ que deferira, em parte, medida liminar em procedimento de controle administrativo - PCA para anular a expressão "a ser submetida à apreciação do Tribunal Pleno", contida no art. 1º e todo o art. 5º da Portaria 7.348/2006 do Presidente do TJSP, bem como para cassar todas as deliberações administrativas ou normativas do Tribunal Pleno que usurparam atribuições do Órgão Especial, em violação do Enunciado Administrativo 2 do CNJ e das Constituições Estadual e Federal. Entendera o voto condutor da decisão do CNJ que, criado o Órgão Especial, passariam automaticamente para a sua competência todas as atribuições administrativas e jurisdicionais que eram do Pleno, exceto a eletiva. Na espécie, diante da extinção dos Tribunais de Alçada paulistas (EC 45/2004, art. 4º), o Presidente do TJSP convocara o Plenário para deliberar sobre as competências a delegar ao seu Órgão Especial, haja vista o disposto no novo inciso XI do art. 93 da CF, o que resultara no requerimento de instauração do aludido PCA, ao CNJ, por integrantes do Órgão Especial, visando manter a supremacia jurisdicional e administrativa deste (CF, art. 93: "XI - nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antigüidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno;").
MS 26411/DF , rel. Min. Sepúlveda Pertence, 22.3.2007. (MS-26411)

Art. 93, XI, da CF: Tribunal Pleno e Órgão Especial - 2

Inicialmente, o Tribunal, por maioria, em questão de ordem, admitiu que o pedido liminar fosse submetido ao Pleno pelo relator. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio que considerava caber ao próprio relator definir a procedência ou não do pedido de concessão de liminar, tendo em conta o disposto na Lei 1.533/51 e no Regimento Interno do STF, bem como o Enunciado da Súmula 622 do STF ("Não cabe agravo regimental contra decisão do relator que concede ou indefere liminar em mandado de segurança"). Em seguida, afirmou-se a legitimidade ativa dos impetrantes. Salientou-se estar diante de mandado de segurança utilizado como substitutivo do conflito de competências ou atribuições entre órgãos não personalizados de estatura constitucional, e citou-se jurisprudência da Corte no sentido de ser reconhecida a legitimação do titular de uma função pública para requerer segurança contra ato do detentor de outra tendente a obstar ou usurpar o exercício da integralidade de seus poderes ou competências (MS 21239/DF, DJU de 23.4.93; MS 20499/DF, DJU de 6.11.87). Asseverou-se ser improcedente, ademais, objeção acerca da legitimidade em virtude de a ordem ter sido impetrada por uma parcela de integrantes do Plenário do TJSP, e não por titular individual do direito-função vindicado. Considerou-se bastar a legitimá-los para impetração que, como desembargadores, participem do Plenário, cuja competência sustentam, e, nessa condição, se pretendam titulares do direito de voto nas suas deliberações respectivas, incidindo, no caso, o § 2º do art. 1º da Lei 1.533/51 ("Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança").
MS 26411/DF , rel. Min. Sepúlveda Pertence, 22.3.2007. (MS-26411)

Art. 93, XI, da CF: Tribunal Pleno e Órgão Especial - 3

Quanto à questão de mérito, o Min. Sepúlveda Pertence, relator, deferiu a liminar para suspender, até a decisão do mandado de segurança, a eficácia da decisão impugnada. Reputou densa a plausibilidade dos fundamentos do pedido de segurança, haja vista que a decisão do CNJ minimiza a inovação substancial do texto ditado pela EC 45/2004 para o inciso XI do art. 93 da CF. Ressaltou, de início, ser de importância decisiva a menção, nele contida, ao exercício de atribuições delegadas da competência do Tribunal Pleno, inexistente nos textos anteriores concernentes à instituição do Órgão Especial - compulsória na EC 7/77 à Carta decaída, e facultada no texto original da Constituição. Afirmou que a Constituição não delega competências, mas as confere aos órgãos que ela própria constitui, e que, por isso, a delegação introduzida pela EC 45/2004 tem dois pressupostos sucessivos: primeiro, que o seu objeto seja da competência original do órgão delegante e, segundo, o ato deste que delega a outro o seu exercício. Assim, a Constituição nem institui, ela própria, o Órgão Especial nos grandes tribunais - diferentemente do que determinava a EC 7/77 -, nem lhe concede todas as atribuições jurisdicionais e administrativas do Tribunal Pleno, mas apenas faculta a este que, por meio de delegação, transfira o exercício dessas atribuições ao Órgão Especial que resolva instituir. Diante disso, concluiu caber ao Tribunal Pleno constituir ou manter o Órgão Especial e delegar-lhe parcial ou totalmente suas atribuições com, pelo menos, uma única exceção, qual seja, o poder normativo de elaborar o regimento interno do tribunal e nele dispor sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos. Considerou, por fim, que, patente a relevância constitucional dos fundamentos da impetração, o risco de manter a eficácia do ato impugnado, até a decisão definitiva do mandamus, seria manifesto na eventualidade de ter-se um regimento votado pelo Órgão Especial, cuja invalidade seria de declaração provável, com todas as conseqüências que poderiam advir para o funcionamento o TJSP. Após, pediu vista o Min. Cezar Peluso.
MS 26411/DF , rel. Min. Sepúlveda Pertence, 22.3.2007. (MS-26411)

Aquisição Interestadual de Mercadorias e Antecipação de ICMS - 1

O Tribunal conheceu, em parte, de ação direta ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio - CNC, e, na parte conhecida, julgou, por maioria, improcedente o pedido, nela formulado, de declaração de inconstitucionalidade do art. 12-A - que estabelece que, nas aquisições interestaduais de mercadoria para fins de comercialização, será exigida antecipação parcial do ICMS, a ser efetuada pelo próprio adquirente, independentemente do regime de apuração adotado -, e, por arrastamento, dos §§ 1º, I, II, III, e 2º desse artigo, do inciso III do art. 23 e do § 6º do art. 26, todos acrescentados à Lei estadual 7.014/96 (lei básica do ICMS baiano), pela Lei estadual 8.967/2003. Não se conheceu da ação relativamente ao § 4º do art. 16 da Lei estadual 7.014/96, acrescentado pela Lei estadual 8.967/2003, ao fundamento de que a matéria nele disciplinada nada tem a ver com a antecipação parcial instituída pelo art. 12-A, objeto da ação, o que impediria a aplicação da inconstitucionalidade por arrastamento pleiteada.
ADI 3426/BA, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 22.3.2007. (ADI-3426)

Aquisição Interestadual de Mercadorias e Antecipação de ICMS - 2

Quanto aos demais artigos impugnados, entendeu-se se tratar, na espécie, de substituição tributária para frente, reputada legítima pelo Tribunal. Asseverou-se que o Estado-membro, no exercício de sua competência para disciplinar e cobrar o ICMS (CF, art. 155, II), dispôs a respeito do momento da exigência desse tributo, e que a antecipação parcial do ICMS no momento das aquisições interestaduais para fins de comercialização é situação expressamente autorizada pelo § 7º do art. 150 da CF. Afastou-se a alegação de ofensa ao art. 150, V, da CF, porquanto a antecipação parcial do imposto objetivou alterar a data de vencimento da obrigação e não onerar o ingresso de aquisições originárias de outros estados. Além disso, ressaltou-se que, posteriormente, o crédito será escriturado, observando o princípio da não-cumulatividade, não havendo afronta aos artigos 150, IV e 152, da CF. Rejeitou-se, também, a apontada violação ao princípio da livre iniciativa e da livre concorrência, por não se verificar restrição às operações mercantis, bem como aos artigos 22, VIII e 155, § 2º, VI, da CF, pois em nenhum momento se regulou o comércio ou se fez restrição ao comércio interestadual, nem se fixou nova alíquota incidente sobre operações e prestações interestaduais, sendo aplicáveis as mesmas alíquotas referidas pela Resolução 22/99, do Senado Federal. Por fim, não se vislumbrou agressão aos artigos 170, IX, e 179, da CF, uma vez que observado o tratamento favorecido às empresas de pequeno porte e às microempresas. Vencido, parcialmente, o Min. Marco Aurélio, que julgava o pedido procedente relativamente ao referido art. 12-A da lei impugnada, por considerar que, ao estabelecer tratamento diferenciado, tendo em conta apenas a origem da mercadoria, o dispositivo estaria em conflito com a Constituição, por solapar a própria federação, privilegiando o que produzido no Estado da Bahia em detrimento da produção e comercialização de bens em outras unidades da federação.
ADI 3426/BA, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 22.3.2007. (ADI-3426)


PRIMEIRA TURMA


Tribunal do Júri: Réu Indefeso e Devido Processo Legal - 1

A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que condenado como incurso nos artigos 121, § 2º, I e IV; 213 e 214, todos do CP, pretende a decretação de nulidade de julgamento realizado pelo tribunal do júri, sob a alegação de falta de defesa técnica, ante os seguintes fatos: a) tempo exíguo utilizado pela defesa na sustentação oral em plenário, bem como para o estudo do processo, dado que a nomeação ocorrera 2 dias antes do júri; b) tempo gasto em matéria preliminar já indeferida pelo juiz-presidente da sessão; c) ausência de defesa no que se refere à tipicidade do crime de estupro, assim como no tocante à autoria dos delitos de estupro e homicídio e d) inexistência de sustentação quanto ao afastamento de qualificadoras. No caso, as penas aplicadas ao paciente, por cada crime, foram fixadas no seu máximo, totalizando 50 anos. Em razão disso, a defesa protestara por novo júri relativamente ao homicídio e interpusera apelação quanto aos delitos conexos, restando sobrestado o julgamento desta. Em face da renúncia do advogado constituído, fora designado defensor dativo para patrocinar os interesses do paciente, que requerera que o novo júri alcançasse toda a acusação e não somente a imputação de homicídio e que impetrara, também, habeas corpus junto ao tribunal de justiça local, pleiteando a anulação do primeiro julgamento por ausência de defesa técnica. Este pedido fora denegado ao fundamento de que, com a extensão do protesto por novo júri, restara desfeita a validade do julgamento. Em conseqüência, o Ministério Público impetrara mandado de segurança que fora concedido para determinar que apenas o crime doloso contra a vida fosse submetido a novo julgamento. Contra esta decisão, impetrara-se novo habeas corpus junto à Corte de origem, que decretara a sustação do júri até o exame da apelação, a qual, provida parcialmente, reduzira a pena aplicada pela suposta prática dos crimes conexos. Entrementes, o STJ denegara a ordem por entender que a qualidade da defesa não seria medida pelo tempo por ela utilizado e que a conexão probatória não determinaria a unicidade de julgamento, em protesto por novo júri, se fixada pena inferior a 20 anos.
HC 85969/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 20.3.2007. (HC-85969)

Tribunal do Júri: Réu Indefeso e Devido Processo Legal - 2

O Min. Marco Aurélio, relator, acompanhado pelos Ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, deferiu o writ para que o paciente seja submetido a novo júri, consideradas as imputações constantes da sentença de pronúncia. Inicialmente, ressaltou que, quando em jogo o devido processo legal, pouco importa a acusação envolvida no processo e que o Estado há de prestar assistência jurídica, integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recurso (CF, art. 5º, LXXIV). Tendo em conta que a constituição de defensor dativo ocorrera em prazo escasso para a implementação dos atos processuais; que a diligência requerida pela defesa demonstrara o seu distanciamento do que exigido pela ordem jurídica em vigor; que se pedira simplesmente a absolvição do paciente por negativa de autoria, considerou que, em última análise, o réu estivera indefeso, haja vista a complexidade do julgamento. Entendeu que o diminuto espaço de tempo não viabilizara o domínio desejável do processo pelo defensor dativo, motivo pelo qual, não implementara, como deveria fazer, a defesa do acusado. Asseverou que, na espécie, a insubsistência do primeiro júri somente não fora declarada em virtude de se haver vislumbrado o efeito que seria próprio, qual seja, a realização do segundo júri, pressupondo-se que o julgamento do primeiro tenha transcorrido de modo regular, o que não ocorrera na hipótese. Assim, não se trataria de medir o tempo da defesa, mas de se constatar, em face dos parâmetros em que realizada, a eficácia minimamente aceitável. Quanto à afirmação do STJ de que o protesto por novo júri não alcança os crimes conexos, porquanto, em relação a cada qual, fixada pena inferior a 20 anos, reputou que o acórdão não mereceria censura. Entretanto, no tocante à abrangência do júri, concedeu, de ofício, a ordem para que englobe os citados temas, no que o desprovimento da apelação, considerado o vício relativo à defesa, implicara constrangimento ilegal. Após, pediu vista o Min. Carlos Britto.
HC 85969/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 20.3.2007. (HC-85969)

Dosimetria da Pena e Fundamentação

Por ausência de fundamentação, a Turma, em votação majoritária, deferiu, em parte, habeas corpus para anular acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no capítulo referente à fixação da pena-base, de modo a restabelecer, no ponto, a sentença condenatória, determinando o cumprimento da pena de 5 anos e 8 meses em regime inicial fechado. No caso, o tribunal de origem acolhera o recurso de apelação do Ministério Público local e majorara para 8 anos, com fundamento em circunstâncias judiciais desfavoráveis e nos princípios da necessidade e suficiência à reprovação e prevenção do delito, a pena-base imposta pela sentença que condenara o paciente por tentativa de homicídio simples. Entendeu-se que, na espécie, a mera alegação de "bondade" do juiz de primeiro grau, que fixara a pena-base em patamar pouco acima do mínimo legal (4 anos de reclusão em regime inicial aberto), não poderia servir de motivo para o aumento da reprimenda básica, haja vista a sua discricionariedade e distanciamento das circunstâncias enumeradas no art. 59 do CP. Asseverou-se, ademais, que o argumento de necessidade e suficiência da pena para justificar tal acréscimo divergiria, na hipótese, do ordenamento jurídico e não encontraria respaldo no exame das circunstâncias que definem a pena-base no caso concreto. Rejeitaram-se, ainda, as demais questões suscitadas, porquanto a reincidência estaria reconhecida pelo juiz natural da causa, bem como justificada a redução da pena decorrente da tentativa. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence que indeferiam o writ por não vislumbrar ilicitude na aludida majoração, fundamentada a partir das circunstâncias judiciais retratadas na sentença.
HC 88422/RS, rel. Min. Carlos Britto, 20.3.2007. (HC-88422)

Legitimidade do Ministério Público e Reconhecimento de Incompetência Absoluta

Em face do empate na votação, a Turma deferiu, em parte, habeas corpus para assentar a legitimidade do parquet para postular o reconhecimento da incompetência absoluta do juízo originário. Tratava-se, na espécie, de writ impetrado pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte em que requerida, ante disposição da Constituição Estadual e da lei de organização judiciária, a declaração de incompetência de vara criminal para o julgamento do paciente. Entendeu-se que, no caso, o aludido reconhecimento afetaria diretamente a defesa de um direito individual indisponível do paciente, qual seja, o de ser julgado por um juiz competente (CF, art. 5º, LIII), e que o Ministério Público, órgão de defesa de toda a ordem jurídica (CF, art. 127, caput), seria parte legítima para impetrar habeas corpus em que se visa ao reconhecimento da incompetência absoluta de juiz processante da ação penal. De outro lado, no tocante à alegada incompetência do juízo, para se evitar dupla supressão de instância e tendo em conta o fato de não haver constrangimento iminente à liberdade do paciente, entendeu-se recomendável remeterem-se os autos ao Tribunal de Justiça local a fim de que, afastada a preliminar de conhecimento, aprecie o pedido como entender de direito. Vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence e Ricardo Lewandowski que indeferiam a ordem por considerar que a natureza da via eleita estaria sendo desvirtuada para se discutir questão de lei de organização judiciária estadual.
HC 90305/RN, rel. Min. Carlos Britto, 20.3.2007. (HC-90305)


SEGUNDA TURMA


Demora no Julgamento de HC e Injusto Constrangimento

A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pretende a concessão da ordem para que o STJ julgue, o mais breve possível, idêntica medida lá impetrada, ao argumento de excesso de prazo no julgamento do writ, que se encontra concluso ao relator desde 17.3.2006. O Min. Celso de Mello, relator, tendo em conta esse lapso temporal, concedeu a ordem para determinar que o STJ proceda de imediato ao julgamento do habeas corpus, por entender configurado, na espécie, o excesso de prazo no exame da medida, no que foi acompanhado pelo Min. Eros Grau. Asseverou que o réu tem o direito público subjetivo de ser julgado pelo Poder Público dentro de um prazo razoável, sob pena de caracterizar-se situação de injusto constrangimento ao seu status libertatis. Após, pediu vista o Min. Joaquim Barbosa.
HC 90147/SC, rel. Min. Celso de Mello, 20.3.2007. (HC-90147)

HC contra ato de Tribunal de Justiça e Medida Adequada - 1

A Turma não conheceu de habeas corpus impetrado contra ato do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em favor de condenado a medida de internação, mas deferiu-o, de ofício, para declarar ilegal o constrangimento à liberdade do paciente e substituir a medida de internação a ele aplicada pela de liberdade assistida, que vem se revelando adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. Na espécie, o paciente respondera a inúmeros procedimentos infracionais, pelos quais lhe fora aplicada a medida de internação, por prazo indeterminado, sem possibilidade de atividades externas. Posteriormente, em razão de ter sido verificada uma evolução positiva no seu desenvolvimento, sobretudo quanto aos estudos, passara a realizar atividades externas. Depois de cumprir mais de 1 ano de internação e em face dos avanços comportamentais e da concreta perspectiva de vida que acabara construindo, viera a ter progressão para a liberdade assistida por um período inicial de 6 meses. Não obstante, em virtude de outro fato por ele praticado anteriormente, o TJRS, em recurso interposto pelo Ministério Público, determinara o retorno do paciente à medida de internação, substituindo a prestação de serviços à comunidade a ele imposta pela sentença condenatória.
HC 90306/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 20.3.2007. (HC-90306)

HC contra ato de Tribunal de Justiça e Medida Adequada - 2

Conheceu-se, de ofício, do writ ao fundamento de que, embora dirigido contra autoridade a qual não compete o Supremo julgar, estariam em jogo garantias constitucionais de extrema relevância, quais sejam, o direito do adolescente à educação, à profissionalização, à convivência familiar e comunitária e à liberdade. Considerou-se estar configurado, no caso, um ato de cerceamento da liberdade de um jovem por fato que praticara há quase 4 anos, o qual já respondera, posteriormente, internado, por outros fatos até mais graves. Ressaltou-se que, diante do quadro apresentado, seria muito prejudicial à evolução pessoal do paciente, reconhecida nos relatórios de orientação, a determinação de cumprimento de nova medida de internação por ato infracional praticado há tanto tempo. Asseverou-se, no ponto, que as medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA visam assegurar à criança e ao adolescente proteção integral, e que as razões invocadas pelo TJRS para decretar a internação pareciam incoerentes com essa finalidade, haja vista que se levara em conta não o ato em si praticado (resistência), mas atos infracionais anteriores pelos quais o paciente já fora internado e obtivera progressão para medida menos gravosa. Em vista disso, entendeu-se que o acórdão impugnado, ao não atentar para a realidade do paciente, cujo comportamento se mostrara adequado a ensejar a progressão das medidas, violara a razoabilidade, os ditames constitucionais e o ECA, devendo incidir o art. 122, § 2º do ECA ("Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada").
HC 90306/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 20.3.2007. (HC-90306)

Regime de Cumprimento de Pena e Falta de Vagas

A Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para determinar o imediato encaminhamento do paciente a estabelecimento penitenciário adequado à execução de regime semi-aberto, sob pena de, não sendo possível à administração penitenciária executar a presente ordem no prazo de 72 horas, ser-lhe assegurado o direito de permanecer em liberdade, se por al não estiver preso, até que o Poder Público providencie vaga em estabelecimento apropriado. Tratava-se, na espécie, de writ em que se discutia a possibilidade de o réu, condenado a cumprimento de pena em regime semi-aberto, aguardar em regime prisional mais gravoso (regime fechado) o surgimento de vaga em colônia penal agrícola e/ou colônia penal industrial ou em estabelecimento similar. Tendo em conta a circunstância relevante de o juiz haver reconhecido que o paciente preencheria os requisitos necessários para iniciar a execução da pena em regime semi-aberto, entendeu-se inaceitável que - ao argumento de deficiências estruturais do sistema penitenciário ou de incapacidade de o Estado prover recursos materiais que viabilizem a implementação de determinações impostas pela Lei Execução Penal - LEP, que constitui exclusiva obrigação do Poder Público - venha a ser frustrado o exercício, pelo sentenciante, de direitos subjetivos que lhe foram conferidos pelo ordenamento positivo, como o de começar, desde logo, quando assegurado por sentença penal já transitada em julgado, o cumprimento da pena em regime semi-aberto. Rejeitou-se, ainda, a pretendida concessão de prisão domiciliar, prevista no art. 117 da LEP, considerado o caráter excepcional e taxativo das hipóteses constantes desse dispositivo. Vencido, em parte, o Min. Joaquim Barbosa que deferia o habeas corpus de modo mais limitado, para que o paciente fosse colocado em prisão domiciliar ou cumprisse pena em outra comarca. Precedente citado: HC 76930/SP (DJU de 26.3.99).
HC 87985/SP, rel. Min. Celso de Mello, 20.3.2007. (HC-87985)

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno21.3.200722.3.200712
1ª Turma20.3.2007--18
2ª Turma20.3.2007--212



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Errata: Comunicamos que o correto teor da decisão proferida na SL 125/PA, veiculada pelo Informativo em 28.3.2007, é este:

Juízo Mínimo de Delibação Meritório e Decreto Legislativo 788/2005 (Transcrições)

SL 125/PA*

RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE (PRESIDENTE)

DECISÃO: 1. A União, com fundamento nos arts. 25 da Lei 8.038/90, 4º da Lei 8.437/92 e 267 do RISTF, requer a suspensão da execução da decisão (fls. 475-480), proferida pela Relatora do Agravo de Instrumento 2006.01.00.017736-8/PA, em trâmite no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, a qual, ao conceder efeito suspensivo ao citado recurso, sustou os efeitos do decisum de fls. 377-413 que, por sua vez, revogara liminar anteriormente deferida (fls. 164-169) nos autos da Ação Civil Pública 2006.39.03.000711-8, ajuizada pelo Ministério Público Federal perante a Vara Federal de Altamira/PA.

Inicialmente, para melhor compreensão dos fatos, esclarece a requerente o seguinte:

a) ajuizou-se referida ação civil pública, com pedido de liminar, "para obstar o processo de licenciamento no IBAMA do empreendimento denominado Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu; bem como o reconhecimento de nulidade do Decreto Legislativo nº 788/2005, do Congresso Nacional" (inicial, fls. 81-82), uma vez que o processo legislativo (fls. 106-162) que culminou com a promulgação do mencionado decreto legislativo (fl. 268) estaria eivado de vícios insanáveis, a saber:

a.1) violação aos arts. 170, VI e 231, § 3º, da Constituição da República, porque as comunidades afetadas, mormente as indígenas, não teriam sido consultadas;
a.2) modificação do projeto de decreto legislativo pelo Senado Federal sem o devido retorno à Câmara dos Deputados, o que ofenderia o art. 123 do RICD;
a.3) ausência de lei complementar, prevista no art. 231, § 6º, da CF, que disponha sobre a forma de exploração dos recursos hídricos em área indígena.

b) em 28.3.2006, o juiz substituto da Vara Federal de Altamira/PA deferiu a liminar para determinar a suspensão de todo e qualquer ato concernente ao licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, especialmente as audiências públicas que se realizariam nos dias 30 e 31 daquele mês (decisão, fls. 164-169);
c) todavia, em 16.5.2006, o magistrado titular daquele juízo revogou a liminar outrora concedida para que fosse retirado, doravante, "qualquer óbice judicial à prática dos procedimentos a serem empreendidos pela União, pela ELETROBRÁS, pela ELETRONORTE e, especialmente, pelo IBAMA, este na condução do licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, inclusive a realização de estudos, consultas públicas, audiências públicas, enfim, tudo que seja necessário a possibilitar a conclusão final da autarquia ambiental quanto ao licenciamento, ou não, da obra, ficando assegurado o pleno exercício do poder de polícia, com integral e estrita observância do Decreto Legislativo nº 788/2005, do Congresso Nacional" (fls. 04 e 413);
d) inconformado, o MPF interpôs perante o TRF da 1ª Região o supracitado AI 2006.01.00.017736-8/PA (inicial, fls. 24-73), ao qual foi concedido efeito suspensivo (fls. 475-480) pela decisão ora impugnada.

Ademais, a União sustenta, em síntese, o seguinte:

a) cabimento do presente pedido de suspensão de liminar, com fundamento no art. 25 da Lei 8.038/90, dado que se trata de decisão proferida por relatora de agravo de instrumento em curso no TRF da 1ª Região;
b) competência da Presidência do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista a fundamentação de índole constitucional do feito principal: alegação de inconstitucionalidade do Decreto Legislativo 788/2005, porque ofensivo ao art. 231, § 3º, da CF;
c) possibilidade de demonstração, à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (SS 1.272-AgR/RJ, rel. Ministro Carlos Velloso, DJ 18.5.2001), da plausibilidade jurídica da tese defendida pela União: constitucionalidade do Decreto Legislativo 788/2005, pelos seguintes motivos:

c.1) ter sido editado no pleno exercício da competência do Congresso Nacional (art. 49, XVI, da CF) e em termos condicionais, vale dizer, a autorização em tela somente será válida se as conclusões dos estudos forem positivas e o empreendimento receber o devido licenciamento ambiental pelo órgão da União competente para tanto, conforme disposições contidas nos arts. 1º e 2º do citado decreto;
c.2) inexistência de violação ao art. 231, § 3º, da Constituição da República, porquanto citado dispositivo não impõe um momento determinado para a oitiva das populações afetadas pelo empreendimento, sendo ainda certo que mencionada consulta depende de estudos prévios de natureza antropológica que indiquem, com certeza, quais as comunidades afetadas; ademais, "a promulgação prévia deveu-se, acima de tudo, à relevância do projeto, definido pelo Governo Federal como um dos pilares da política energética brasileira" (fl. 14);
c.3) a realização posterior da oitiva das populações nativas não lhes acarreta qualquer prejuízo, visto que a autorização está condicionada à conclusão favorável dos estudos de viabilidade;
c.4) cuidou-se de "emenda de redação" aquela efetuada pelo Senado Federal no projeto original, não sendo obrigatório, portanto, seu retorno à Câmara dos Deputados, certo que o art. 65 da CF, ao impor a restituição do projeto à casa iniciadora, na hipótese de emenda, refere-se apenas a "projetos de lei";

d) ocorrência de lesão à ordem pública, aqui entendida no contexto da ordem administrativa em geral e à economia pública, assim fundamentados:

d.1) o sobrestamento do "Projeto de Aproveitamento Energético de Belo Monte" compromete sobremaneira a política energética do país, instrumento de vital importância para a efetivação das políticas públicas necessárias à satisfação do interesse público, não se tratando de mero empreendimento de empresa pública, pessoa jurídica de direito privado, mas de projeto com enorme repercussão sobre a oferta energética brasileira, com aporte técnico, financeiro e jurídico da União;
d.2) "o complexo hidrelétrico de Belo Monte afigura-se como empreendimento estratégico para o sistema gerador de energia, pois fará a integração entre bacias hidrográficas com diferentes regimes hidrológicos, resultando em ganho de energia garantida e vital para o Sistema Integrado Nacional de Energia", além de constituir "a maior bacia hidrelétrica genuinamente brasileira, cuja operação, entre outras vantagens, permitirá a postergação da construção de novas usinas, mitigando os impactos ambientais futuros" (fl. 17);
d.3) caso referido complexo não seja viabilizado, seria necessária a construção de dezesseis outras usinas na região, o que implicaria a ampliação da área inundada em quatorze vezes, além de outros efeitos deletérios, relacionados ao impacto ambiental, ao custo e à possibilidade de colapso do Sistema Energético Nacional;
d.4) a decisão ora impugnada viola o art. 49, XVI, da CF, que atribui ao Congresso Nacional a competência para autorizar, ou não, o aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas; assim, o Poder Judiciário afrontou a esfera de discricionariedade atribuída ao Administrador Público, uma vez que "não se pode ditar ao Poder Executivo qual política energética deve ser, ou não, adotada, se, ao executá-la, não restam ofendidos quaisquer ditames constitucionais ou legais" (fl. 19).

2. A Procuradoria-Geral da República opinou pelo indeferimento do pedido (fls. 486-493).

3. Tendo em vista informação de provimento parcial, em 13.12.2006, do Agravo de Instrumento 2006.01.00.017736-8/PA/TRF da 1ª Região (fl. 499), aqui impugnado, determinei que a requerente informasse se ainda possuía interesse na apreciação do presente pedido, o que foi cumprido às fls. 523-524, quando a União acentuou que o presente pedido de suspensão encontra-se prejudicado, em parte, subsistindo, contudo, o interesse "em ver apreciado o pedido que objetiva, até o trânsito em julgado da ação civil pública, buscar a suspensão de qualquer restrição judicial ao andamento dos trâmites de licenciamento e de consulta às comunidades envolvidas, afastando-se, ainda, qualquer óbice quanto à validade do Decreto Legislativo 788/2005" (fl. 524).

Determinei a juntada, às fls. 527-544, do inteiro teor do acórdão referente ao julgamento, em 13.12.2006, do AI 2006.01.00.017736-8/PA/TRF da 1ª Região, aqui impugnado.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, à fl. 546, afirma que não mais possui interesse na apreciação do presente pedido, uma vez que, em decorrência do provimento parcial do citado AI, lhe foi autorizado "dar continuidade aos estudos preliminares atinentes à elaboração de Termo de Referência a subsidiar o EIA/RIMA".

4. Inicialmente, reconheço que a controvérsia instaurada na ação civil pública e no agravo de instrumento em apreço evidencia a existência de matéria constitucional: alegação de inconstitucionalidade do Decreto Legislativo 788/2005, porque teria ofendido os arts. 170, VI e 231, § 3º da Constituição da República (petição inicial: fls. 81-99; decisão impugnada: fls. 475-480 e acórdão: fls. 527-544). Dessa forma, cumpre ter presente que a Presidência do Supremo Tribunal Federal dispõe de competência para examinar questão cujo fundamento jurídico é de natureza constitucional (art. 297 do RISTF, c/c art. 25 da Lei 8.038/90), conforme firme jurisprudência desta Corte, destacando-se os seguintes julgados: Rcl 475, rel. Ministro Octavio Gallotti, Plenário, DJ 22.4.1994; Rcl 497-AgR, rel. Ministro Carlos Velloso, Plenário, DJ 06.4.2001; SS 2.187-AgR, rel. Ministro Maurício Corrêa, DJ 21.10.2003; e SS 2.465, rel. Ministro Nelson Jobim, DJ 20.10.2004.

5. Passo ao exame do mérito do presente pedido de suspensão de decisão. Assevero, todavia, que a decisão monocrática impugnada pela requerente na inicial encontra-se superada, tendo em vista o julgamento meritório, em 13.12.2006, pela 5ª Turma do TRF da 1ª Região, do AI 2006.01.00.017736-8/PA (acórdão, fls. 527-544), bem como manifestação de subsistência parcial de interesse na apreciação do presente feito formulada pela União à fl. 524. Limitar-me-ei, portanto, a estas novas balizas processuais.

Desse modo, para melhor compreensão da matéria, transcrevo os seguintes trechos do Decreto Legislativo 788/2005 e do dispositivo do voto da relatora proferido no agravo de instrumento, cujo acórdão ora se impugna:

Decreto Legislativo 788/2005:

"O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º É autorizado o Poder Executivo a implantar o Aproveitamento Hidroelétrico Belo Monte no trecho do Rio Xingu, denominado 'Volta Grande do Xingu', localizado no Estado do Pará, a ser desenvolvido após estudos de viabilidade técnica, econômica, ambiental e outros que julgar necessários.
Art. 2º Os estudos referidos no art. 1º deste Decreto Legislativo deverão abranger, dentre outros, os seguintes:
I - Estudo de Impacto Ambiental - EIA;
II - Relatório de Impacto Ambiental - Rima;
III - Avaliação Ambiental Integrada - AAI da bacia do Rio Xingu; e
IV - estudo de natureza antropológica, atinente às comunidades indígenas localizadas na área sob influência do empreendimento, devendo, nos termos do § 3º do art. 231 da Constituição Federal, ser ouvidas as comunidades afetadas.
Parágrafo único. Os estudos referidos no caput deste artigo, com a participação do Estado do Pará, em que se localiza a hidroelétrica, deverão ser elaborados na forma da legislação aplicável à matéria.
Art. 3º Os estudos citados no art. 1º deste Decreto Legislativo serão determinantes para viabilizar o empreendimento e, sendo aprovados pelos órgãos competentes, permitem que o Poder Executivo adote as medidas previstas na legislação objetivando a implantação do Aproveitamento Hidroelétrico Belo Monte." (fl. 268)

Dispositivo do voto-condutor proferido no AI 2006.01.00.017736-8/PA:

"CONCLUSÃO:

Como conseqüência dessa decisão, dou parcial provimento ao agravo para o efeito de:
a) considerar inválido o Decreto Legislativo 788/2005, por violação ao § 3º do art. 231 da CF/88;
b) proibir ao IBAMA que faça a consulta política às comunidades indígenas interessadas, pois esta é competência exclusiva do Congresso Nacional, condicionante do poder de autorizar a exploração de recursos energéticos em área indígena;
c) Permitir a realização do EIA e do laudo antropológico que deverão ser submetidos à apreciação do Parlamento.
É como voto." (fl. 540-v)

A Lei 8.437/92, em seu art. 4º e § 1º, autoriza o deferimento do pedido de suspensão da execução de liminar ou de acórdão, nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, no processo de ação popular e na ação civil pública, em caso de manifesto interesse público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas.

Ademais, conforme autoriza a jurisprudência pacificada do Supremo Tribunal Federal, quando da análise do pedido de suspensão de decisão (SS 846-AgR/DF, rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 29.5.96; SS 1.272-AgR, rel. Ministro Carlos Velloso, DJ 18.5.2001, dentre outros), permite-se o proferimento de um juízo mínimo de delibação a respeito da questão jurídica deduzida na ação principal. No presente caso, porque se discute fundamentalmente, nos 1º e 2º graus de jurisdição, a constitucionalidade ou não do Decreto Legislativo e as conseqüências dessa declaração - sendo este também o fundamento precípuo da requerente para sustentar a ofensa à ordem e à economia públicas - torna-se necessário o proferimento do citado juízo mínimo de delibação meritório.

Assim, considero o acórdão impugnado ofensivo à ordem pública, aqui entendida no contexto da ordem administrativa, e à economia pública, quando considerou inválido, neste momento, o Decreto Legislativo 788/2005 e proibiu ao IBAMA que elaborasse a consulta política às comunidades interessadas; faço-o mediante os seguintes fundamentos:

a) o Congresso Nacional, em 13 de julho de 2005, aprovou o decreto legislativo em questão, no legítimo exercício de sua competência soberana e exclusiva (art. 49, XVI, da Constituição da República). É relevante, pois, a plena vigência desse ato legislativo. Não consta dos autos, até a presente data, notícia de sua revogação. Quanto à eficácia, frise-se que o Supremo Tribunal Federal, em 1º de dezembro de 2005, ao julgar a ADI 3.573/DF (rel. para acórdão Ministro Eros Grau, DJ 19.12.2005), que tinha por objeto a declaração de inconstitucionalidade do mencionado decreto legislativo, não conheceu da citada ação direta de inconstitucionalidade;
b) analisando os termos do supracitado decreto legislativo (arts. 1º e 2º), evidencia-se caráter meramente programático no sentido de autorizar ao Poder Executivo a implantação do "Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte" em trecho do Rio Xingu, localizado no Estado do Pará, "a ser desenvolvido após estudos de viabilidade técnica, econômica, ambiental e outros que julgar necessários". Por isso que considero, neste momento, prematura e ofensiva à ordem administrativa, decisão judicial que impede ao Poder Executivo a elaboração de consulta às comunidades indígenas. Aliás, o importante debate jurídico a respeito da natureza dessa consulta (se política ou técnica) não é cabível na presente via da suspensão de decisão, tendo em vista os estritos termos do art. 4º da Lei 8.437/92;
c) no que concerne à alegada violação ao art. 231, § 3º, da CF, e considerando os termos do retrotranscrito dispositivo do voto-condutor do AI em questão, assevere-se que o art. 3º do Decreto Legislativo 788/2005 prevê que os estudos citados no art. 1º são determinantes para viabilizar o empreendimento e, se aprovados pelos órgãos competentes, permitirão que o Poder Executivo adote as medidas previstas em lei objetivando a implantação do aproveitamento hidroelétrico em apreço. Esses estudos estão definidos no art. 2º, o qual, em seu inciso IV, prevê a explícita observância do mencionado art. 231, § 3º, da Constituição Federal. Sobreleva, também, o argumento no sentido de que os estudos de natureza antropológica têm por finalidade indicar, com precisão, quais as comunidades que serão afetadas. Dessa forma, em atenção ao contido no art. 231, § 3º, da CF e no decreto legislativo em tela, estes em face do dispositivo do voto-condutor, entendo que a consulta do Ibama às comunidades indígenas não deve ser proibida neste momento inicial de verificação de viabilidade do empreendimento;
d) é também relevante o argumento no sentido de que a não-viabilização do empreendimento, presentemente, compromete o planejamento da política energética do país e, em decorrência da demanda crescente de energia elétrica, seria necessária a construção de dezesseis outras usinas na região com ampliação em quatorze vezes da área inundada, o que agravaria o impacto ambiental e os vultosos aportes financeiros a serem despendidos pela União;
e) a proibição ao Ibama de realizar a consulta às comunidades indígenas, determinada pelo acórdão impugnado, bem como as conseqüências dessa proibição no cronograma governamental de planejamento estratégico do setor elétrico do país, parece-me invadir a esfera de discricionariedade administrativa, até porque repercute na formulação e implementação da política energética nacional.

6. Finalmente, assevere-se que os relevantes argumentos deduzidos na ação civil pública, no sentido da ofensa ao devido processo legislativo e da ausência de lei complementar prevista no art. 231, § 6º, da CF, porque dizem respeito especificamente ao mérito da referida ação, não podem ser aqui sopesados, tendo em vista o contido no art. 4º da Lei 8.437/92, mas serão a tempo e modo apreciados, o que também ocorrerá, na via administrativa, mediante a realização dos estudos de viabilidade técnica, econômica, ambiental e outros que forem necessários à implantação do "Aproveitamento Hidroelétrico Belo Monte", conforme prevê o Decreto Legislativo 788/2005.

7. Ante o exposto, com fundamento no art. 4º da Lei 8.437/92, defiro o pedido para suspender, em parte, a execução do acórdão proferido pela 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nos autos do AI 2006.01.00.017736-8/PA (fls. 527-544), para permitir ao Ibama que proceda à oitiva das comunidades indígenas interessadas. Fica mantida a determinação de realização do EIA e do laudo antropológico, objeto da alínea "c" do dispositivo do voto-condutor (fl. 540-v).

Comunique-se.

Publique-se.

Brasília, 16 de março de 2007.


Ministra Ellen Gracie
Presidente

*decisão pendente de publicação


Assessora responsável pelo Informativo

Anna Daniela de A. M. dos Santos
informativo@stf.jus.br

 
Praça dos Três Poderes - Brasília - DF - CEP 70175-900 Telefone: 61.3217.3000

Informativo STF - 460 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário