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segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Informativo STF 516 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Informativo STF


Brasília, 18 a 22 de agosto de 2008 - Nº 516.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO

Plenário
ADC e Vedação ao Nepotismo - 3
Ação Trabalhista: Contratação de Servidores Temporários e Competência - 2
Parcelamento de Multas de Trânsito e Vício Formal
Repercussão Geral
Repercussão Geral: Benefício de Prestação Continuada e Requisitos para a Concessão
Repercussão Geral: Vedação ao Nepotismo e Aplicação aos Três Poderes - 1
Repercussão Geral: Vedação ao Nepotismo e Aplicação aos Três Poderes - 2
Repercussão Geral: Vedação ao Nepotismo e Aplicação aos Três Poderes - 3
Repercussão Geral: Contratação Temporária e Competência da Justiça Comum - 1
Repercussão Geral: Contratação Temporária e Competência da Justiça Comum - 2
1ª Turma
HC: Impetração em favor de Pessoa Jurídica e Não Conhecimento - 1
HC: Impetração em favor de Pessoa Jurídica e Não Conhecimento - 2
Trancamento de Ação Penal e Inépcia da Inicial - 3
Dosimetria: Tráfico de Drogas e Natureza do Entorpecente
Comutação de Pena a Beneficiado com Livramento Condicional
2ª Turma
Descaminho e Princípio da Insignificância
Repercussão Geral
Clipping do DJ
Transcrições
Crime Organizado - Vedação Legal de Liberdade Provisória - Inconstitucionalidade - Convenção de Palermo - Prisão Cautelar - Requisitos (HC 94404 MC/ SP)
Inovações Legislativas


PLENÁRIO

ADC e Vedação ao Nepotismo - 3

O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação declaratória de constitucionalidade proposta pela Associação dos Magistrados do Brasil - AMB para declarar a constitucionalidade da Resolução 7/2005, do Conselho Nacional de Justiça - CNJ - que veda o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito do Poder Judiciário -, e emprestar interpretação conforme a Constituição a fim de deduzir a função de chefia do substantivo "direção", constante dos incisos II, III, IV e V do art. 2º da aludida norma - v. Informativo 416. Inicialmente, o Tribunal acolheu questão de ordem suscitada pelo Min. Marco Aurélio no sentido de fazer constar a rejeição da preliminar de inadequação da ação declaratória, por ele sustentada, no julgamento da cautelar - ao fundamento de que não se trataria de questionamento de um ato normativo abstrato do CNJ - e em relação à qual restara vencido. No mérito, entendeu-se que a Resolução 7/2005 está em sintonia com os princípios constantes do art. 37, em especial os da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade, que são dotados de eficácia imediata, não havendo que se falar em ofensa à liberdade de nomeação e exoneração dos cargos em comissão e funções de confiança, visto que as restrições por ela impostas são as mesmas previstas na CF, as quais, extraídas dos citados princípios, vedam a prática do nepotismo. Afirmou-se, também, não estar a resolução examinada a violar nem o princípio da separação dos Poderes, nem o princípio federativo, porquanto o CNJ não usurpou o campo de atuação do Poder Legislativo, limitando-se a exercer as competências que lhe foram constitucionalmente reservadas. Vencidos, no ponto relativo à interpretação conforme, os Ministros Menezes Direito e Marco Aurélio, reputá-la desnecessária.
ADC 12/DF, rel. Min. Carlos Britto, 20.8.2008. (ADC-12)

Ação Trabalhista: Contratação de Servidores Temporários e Competência - 2

Em conclusão, o Tribunal, por maioria, deu provimento a agravo regimental e julgou procedente reclamação ajuizada pelo Município de São Miguel do Guamá - PA, para deslocar para a Justiça Comum ações em trâmite na Justiça do Trabalho, em que se discute a validade de contratações celebradas sem prévia aprovação em concurso público - v. Informativo 471. Inicialmente, esclareceu-se tratar-se de ações classificadas em dois grupos: 1) as relativas a contratações temporárias realizadas antes da CF/88, nas quais se sustenta a validade das mesmas, e se pretende a aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT; 2) as concernentes a contratações temporárias feitas depois da CF/88, em que se alega a nulidade delas, por ofensa ao art. 37, II, da CF, e a conseqüente submissão dos casos a direitos típicos de uma relação trabalhista. Entendeu-se caracterizada a afronta à decisão proferida pelo Supremo na ADI 3395 MC/DF (DJU de 10.11.2006), na qual referendada cautelar que suspendeu liminarmente toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da CF, na redação dada pela EC 45/2004, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. Vencido o Min. Marco Aurélio que julgava improcedente o pleito, e se reportava ao voto por ele proferido no julgamento do RE 573202/AM, a seguir relatado, e, ainda, ao que decidido pelo Plenário no julgamento do CC 7134/RS (DJU de 15.8.2003).
Rcl 4489 AgR/PA, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, 21.8.2008. (Rcl-4489)

Parcelamento de Multas de Trânsito e Vício Formal

Por entender usurpada a competência privativa da União para legislar sobre trânsito (CF, art. 22, XI), o Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Espírito Santo para declarar a inconstitucionalidade da Lei estadual 7.738/2004, que cria a possibilidade de parcelamento, em até 5 vezes, de débitos decorrentes de multas por infrações ao Código de Trânsito Brasileiro - CTB. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski que salientaram a necessidade de se adotar ótica que fortalecesse a Federação e levaram em conta o argumento de que a verbas provenientes do parcelamento ingressaram nos próprios cofres estaduais para julgar improcedente o pleito. Precedentes citados: ADI 2064 MC/MS (DJU de 5.11.99); ADI 2101/MS (DJU de 5.10.2001); ADI 2582/RS (DJU de 6.6.2003); ADI 2644/PR (DJU de 29.8.2003); ADI 2814/SC (DJU de 5.12.2003); ADI 2432 MC/RN (DJU de 21.9.2001); ADI 3444/RS (DJU de 3.2.2006); ADI 2432/RN (DJU de 26.8.2005).
ADI 3196/ES, rel. Min. Gilmar Mendes, 21.8.2008. (ADI-3196)


REPERCUSSÃO GERAL

Repercussão Geral: Benefício de Prestação Continuada e Requisitos para Concessão

Na linha do que decidido no AI 715423 QO/RS (j. 11.6.2008), e, tendo em conta que o recurso extraordinário trata de tema - requisitos para a concessão de benefício de prestação continuada a necessitado, em face do disposto no art. 203, V, CF - cuja repercussão geral já foi reconhecida (RE 567985/MT, DJE de 11.4.2008), o Tribunal, por maioria, acolheu questão de ordem suscitada pelo Min. Cezar Peluso, em recurso extraordinário, do qual relator, para, com fundamento no art. 328, parágrafo único, do RISTF ("Quando se verificar subida ou distribuição de múltiplos recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a Presidência do Tribunal ou o(a) Relator(a) selecionará um ou mais representativos da questão e determinará a devolução dos demais aos tribunais ou turmas de juizado especial de origem, para aplicação dos parágrafos do art. 543-B do Código de Processo Civil.") determinar a devolução dos autos, e de todos os recursos extraordinários que versem a mesma matéria, ao Tribunal de origem, para os fins do art. 543-B do CPC ("Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo. § 1o Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte. § 2o Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos. § 3o Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se. § 4o Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada. § 5o O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral."). Vencido o Min. Marco Aurélio que rejeitava a questão de ordem por não aplicar o art. 543-B a recursos interpostos antes da regulamentação do instituto da repercussão geral.
RE 540410 QO/RS, rel. Min. Cezar Peluso, 20.8.2008. (RE-540410)

Repercussão Geral: Vedação ao Nepotismo e Aplicação aos Três Poderes - 1

O Tribunal deu parcial provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte que reputara constitucional e legal a nomeação de parentes de vereador e Vice-Prefeito do Município de Água Nova, daquela unidade federativa, para o exercício dos cargos, respectivamente, de Secretário Municipal de Saúde e de motorista. Asseverou-se, inicialmente, que, embora a Resolução 7/2007 do CNJ seja restrita ao âmbito do Judiciário, a vedação do nepotismo se estende aos demais Poderes, pois decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da CF, tendo aquela norma apenas disciplinado, em maior detalhe, aspectos dessa restrição que são próprios a atuação dos órgãos jurisdicionais. Ressaltou-se que o fato de haver diversos atos normativos no plano federal que vedam o nepotismo não significaria que somente leis em sentido formal ou outros diplomas regulamentares fossem aptos para coibir essa prática, haja vista que os princípios constitucionais, que não configuram meras recomendações de caráter moral ou ético, consubstanciam regras jurídicas de caráter prescritivo, hierarquicamente superiores às demais e positivamente vinculantes, sendo sempre dotados de eficácia, cuja materialização, se necessário, pode ser cobrada por via judicial. Assim, tendo em conta a expressiva densidade axiológica e a elevada carga normativa que encerram os princípios contidos no caput do art. 37 da CF, concluiu-se que a proibição do nepotismo independe de norma secundária que obste formalmente essa conduta. Ressaltou-se, ademais, que admitir que apenas ao Legislativo ou ao Executivo fosse dado exaurir, mediante ato formal, todo o conteúdo dos princípios constitucionais em questão, implicaria mitigar os efeitos dos postulados da supremacia, unidade e harmonização da Carta Magna, subvertendo-se a hierarquia entre esta e a ordem jurídica em geral.
RE 579951/RN, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.8.2008. (RE-579951)

Repercussão Geral: Vedação ao Nepotismo e Aplicação aos Três Poderes - 2

Aduziu-se que art. 37, caput, da CF/88 estabelece que a Administração Pública é regida por princípios destinados a resguardar o interesse público na tutela dos bens da coletividade, sendo que, dentre eles, o da moralidade e o da impessoalidade exigem que o agente público paute sua conduta por padrões éticos que têm por fim último alcançar a consecução do bem comum, independentemente da esfera de poder ou do nível político-administrativo da Federação em que atue. Acrescentou-se que o legislador constituinte originário, e o derivado, especialmente a partir do advento da EC 1/98, fixou balizas de natureza cogente para coibir quaisquer práticas, por parte dos administradores públicos, que, de alguma forma, buscassem finalidade diversa do interesse público, como a nomeação de parentes para cargos em comissão ou de confiança, segundo uma interpretação equivocada dos incisos II e V do art. 37 da CF. Considerou-se que a referida nomeação de parentes ofende, além dos princípios da moralidade administrativa e da impessoalidade, o princípio da eficiência, haja vista a inapetência daqueles para o trabalho e seu completo despreparo para o exercício das funções que alegadamente exercem. Frisou-se, portanto, que as restrições impostas à atuação do administrador público pelo princípio da moralidade e demais postulados do art. 37 da CF são auto-aplicáveis, por trazerem em si carga de normatividade apta a produzir efeitos jurídicos, permitindo, em conseqüência, ao Judiciário exercer o controle dos atos que transgridam os valores fundantes do texto constitucional. Com base nessas razões, e fazendo distinção entre cargo estritamente administrativo e cargo político, declarou-se nulo o ato de nomeação do motorista, considerando hígida, entretanto, a nomeação do Secretário Municipal de Saúde.
RE 579951/RN, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.8.2008. (RE-579951)

Repercussão Geral: Vedação ao Nepotismo e Aplicação aos Três Poderes - 3

O Tribunal aprovou o Enunciado da Súmula Vinculante 13 nestes termos: "A nomeação de cônjuge, companheiro, ou parente, em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 3º grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.". A edição do verbete ocorreu após o julgamento do recurso extraordinário acima relatado. Precedentes citados: ADI 1521/RS (DJU de 17.3.2000); ADC 12 MC/DF (DJU de 1º.9.2006); MS 23780/MA (DJU de 3.3.2006); RE 579951/RN (j. em 20.8.2008 ).

Repercussão Geral: Contratação Temporária e Competência da Justiça Comum - 1

O Tribunal, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho - TST que entendera ser competente a Justiça do Trabalho para julgar pretensão deduzida pela recorrida, admitida como professora, pelo Estado do Amazonas, sob o regime de contratação temporária prevista em lei local (Lei 1.674/84). Na espécie, a recorrida ajuizou reclamação trabalhista, na qual pleiteia o reconhecimento de vínculo trabalhista e as verbas dele decorrentes, ao fundamento de que teria sido contratada pelo regime especial da Lei 1.674/84, mas que, em decorrência das prorrogações sucessivas desse contrato, esse vínculo teria se transmudado automaticamente num vínculo celetista. Aplicou-se a orientação fixada pelo Supremo em vários precedentes no sentido de que compete à Justiça Comum estadual processar e julgar causas instauradas entre a Administração Pública e seus servidores submetidos ao regime especial disciplinado por lei local editada antes da CF/88 com fundamento no art. 106 da CF/67, na redação que lhe conferiu a EC 1/69. Asseverou-se que esse entendimento foi reafirmado em inúmeros precedentes, já sob a égide da vigente Carta Magna. Enfatizou-se, ademais, que várias decisões vêm sendo prolatadas no sentido de que o processamento de litígio entre servidores temporários e a Administração Pública perante a Justiça do Trabalho afronta a decisão do Pleno na ADI 3395 MC/DF (DJU de 10.11.2006), na qual referendada cautelar que suspendeu liminarmente toda e qualquer interpretação conferida ao inciso I do art. 114 da CF, na redação dada pela EC 45/2004, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo.
RE 573202/AM, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21.8.2008. (RE-573202)

Repercussão Geral: Contratação Temporária e Competência da Justiça Comum - 2

Mencionou-se, também, o que afirmado no julgamento da Rcl 5381/AM (DJE 8.8.2008), no sentido de que, depois da decisão proferida na ADI 2135 MC/DF (DJE de 7.3.2008), que suspendera os efeitos da EC 19/98 para retornar ao regime jurídico único, não haveria como, no sistema jurídico-administrativo brasileiro constitucionalmente posto, comportar esse tipo de contratação pelo regime da CLT. Por fim, asseverou-se que a prorrogação indevida no contrato de trabalho de servidor temporário não transmuda esse vínculo original, de natureza tipicamente administrativa, num vínculo trabalhista. Aduziu-se que a prorrogação do contrato, nessas circunstâncias, seja ela expressa ou tácita, em que se opera a mudança do prazo de vigência deste, de temporário para indeterminado, pode até ensejar nulidade ou caracterizar ato de improbidade, com todas as conseqüências que isso acarreta, mas não alterar a natureza jurídica do vínculo. Vencido o Min. Marco Aurélio que afirmava que a competência seria definida pela causa de pedir e pelo pedido, e, tendo em conta que, no caso, a recorrida ajuizara uma reclamação trabalhista, evocando, a partir do princípio da realidade, a existência do vínculo empregatício, reputava ser da Justiça do Trabalho a competência para dirimir o conflito de interesses. Outros precedentes citados: RE 130540/DF (DJU de 18.8.95); RE 102358/MG (DJU de 28.9.84); RE 136179/DF (DJU de 2.8.96); RE 215819/RS (DJU de 28.5.99); RE 367638/AM (DJU de 28.3.2003); CJ 6829/SP (j. em 15.3.89); Rcl 4903 AgR/SE (DJE de 8.8.2008).
RE 573202/AM, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21.8.2008. (RE-573202)


PRIMEIRA TURMA

HC: Impetração em favor de Pessoa Jurídica e Não Conhecimento - 1

A pessoa jurídica não pode figurar como paciente de habeas corpus, pois jamais estará em jogo a sua liberdade de ir e vir, objeto que essa medida visa proteger. Com base nesse entendimento, a Turma, preliminarmente, em votação majoritária, deliberou quanto à exclusão da pessoa jurídica do presente writ, quer considerada a qualificação como impetrante, quer como paciente. Tratava-se, na espécie, de habeas corpus em que os impetrantes-pacientes, pessoas físicas e empresa, pleiteavam, por falta de justa causa, o trancamento de ação penal instaurada, em desfavor da empresa e dos sócios que a compõem, por suposta infração do art. 54, § 2º, V, da Lei 9.605/98. Sustentavam, para tanto, a ocorrência de bis in idem, ao argumento de que os pacientes teriam sido responsabilizados duplamente pelos mesmos fatos, uma vez que já integralmente cumprido termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público Estadual. Alegavam, ainda, a inexistência de prova da ação reputada delituosa e a falta de individualização das condutas atribuídas aos diretores.
HC 92921/BA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19.8.2008. (HC-92921)

HC: Impetração em favor de Pessoa Jurídica e Não Conhecimento - 2

Enfatizou-se possibilidade de apenação da pessoa jurídica relativamente a crimes contra o meio ambiente, quer sob o ângulo da interdição da atividade desenvolvida, quer sob o da multa ou da perda de bens, mas não quanto ao cerceio da liberdade de locomoção, a qual enseja o envolvimento de pessoa natural. Salientando a doutrina desta Corte quanto ao habeas corpus, entendeu-se que uma coisa seria o interesse jurídico da empresa em atacar, mediante recurso, decisão ou condenação imposta na ação penal, e outra, cogitar de sua liberdade de ir e vir. Vencido, no ponto, o Min. Ricardo Lewandowski, relator, que, tendo em conta a dupla imputação como sistema legalmente imposto (Lei 9.605/98, art. 3º, parágrafo único) - em que pessoas jurídicas e naturais farão, conjuntamente, parte do pólo passivo da ação penal, de modo que o habeas corpus, que discute a viabilidade do prosseguimento da ação, refletiria diretamente na liberdade destas últimas -, conhecia do writ também em relação à pessoa jurídica, dado o seu caráter eminentemente liberatório.
HC 92921/BA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19.8.2008. (HC-92921)

Trancamento de Ação Penal e Inépcia da Inicial - 3

Em seguida, rejeitou-se afirmação do Tribunal de origem de que o parquet estadual seria absolutamente incompetente para propor a ação penal ou para convalidar eventual medida despenalizadora, ante o caráter transfronteiriço do rio em que supostamente lançados resíduos poluentes. Asseverou-se que a preservação do meio ambiente está inserida no âmbito da competência comum, consoante fora afirmado pelo STJ. No mérito, indeferiu-se a ordem. Quanto à denúncia, aduziu-se que, embora sucinta, não impede o exercício da ampla defesa e está em conformidade com o disposto no art. 41 do CPP. Relativamente à alegada dupla persecução pelos mesmos fatos, registrou-se que, cuidando-se de delitos ambientais, o termo de ajustamento de conduta não pode consubstanciar salvo-conduto para que empresa potencialmente poluente deixe de ser fiscalizada e responsabilizada na hipótese de reiteração da atividade ilícita. Ademais, considerou-se não ser possível decretar o trancamento da ação penal, pela via do habeas corpus, porquanto não configurada situação excepcional autorizadora. Por fim, no que tange à falta de individualização das condutas dos dirigentes, aplicou-se jurisprudência do STF no sentido de que, em crimes societários, não há inépcia da inicial acusatória pela ausência de indicação individualizada da conduta de cada indiciado, sendo suficiente que os acusados sejam de algum modo responsáveis pela condução da sociedade sob a qual foram praticados os delitos.
HC 92921/BA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19.8.2008. (HC-92921)

Dosimetria: Tráfico de Drogas e Natureza do Entorpecente

A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que requerida a exclusão de circunstância judicial reputada inidônea para elevar a pena-base acima do mínimo legal. No caso, o paciente fora condenado à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão por tráfico ilícito de entorpecente (Lei 6.368/76, art. 12) e tivera sua pena redimensionada para 4 anos, em idêntico regime prisional, pelo STJ, que excluíra a circunstância de o réu utilizar-se de sua residência para comercializar drogas. Mantivera, contudo, o aumento decorrente da natureza da substância apreendida, cocaína, em razão de sua maior nocividade à saúde pública, dado o seu alto grau de dependência física e psíquica. A impetração sustentava que a natureza do entorpecente não poderia ser invocada para a majoração da pena, alegando ausência de elementos concretos aptos a legitimá-la. Inicialmente, salientou-se que, embora tipificadas por fontes heterônomas que complementam a norma penal em branco, as espécies de substâncias entorpecentes constituem elementares do tipo, e que cabe ao juiz conjugá-las a outros fatores, como a quantidade e a qualidade, ao individualizar a pena a ser aplicada. Nesse sentido, afirmou-se que a quantidade e a espécie de entorpecente traficado, quando combinadas, são circunstâncias judiciais que podem justificar a exasperação da pena-base para além do mínimo legal e que, na hipótese, a majoração não se amparara somente na circunstância de a cocaína deter maior potencial lesivo. Entendeu-se que, na espécie, houve a indicação de fatos concretos para que fosse efetuado o acréscimo da pena do paciente, enfatizando-se a apreensão de 14 g de cocaína, situação que, em tese, deveria ser diferenciada da apreensão da mesma quantidade de outras substâncias capazes de configurar o crime. Por fim, aduziu-se que não haveria que se falar em desproporcionalidade no aumento da pena-base em 1 ano de reclusão, sobretudo se levado em conta que a reprimenda cominada ao delito varia de 3 a 15 anos de reclusão. Vencido o Min. Ricardo Lewandowski que concedia a ordem para reduzir a pena-base ao patamar mínimo por considerar que a majoração da pena com fundamento na natureza da substância entorpecente ampliaria demais a discricionariedade do juiz, afetando os princípios da legalidade e da segurança jurídica.
HC 94655/MS, rel. Min. Cármen Lúcia, 19.8.2008. (HC-94655)

Comutação de Pena a Beneficiado com Livramento Condicional

A Turma deferiu habeas corpus contra acórdão do STJ que cassara benefício de comutação da pena ao fundamento de que, na ausência de disposição expressa no Decreto 5.295/2004 - que concede indulto condicional, comutação e dá outras providências -, estaria vedada a sua outorga àqueles que estivessem em livramento condicional. Enfatizou-se que, na espécie, não há impedimento decorrente do mencionado decreto, pois as condenações impostas ao paciente se referem a fatos ocorridos antes da edição da Lei 8.072/90. Ademais, tendo em conta as peculiaridades do caso, considerou-se que o paciente preencheu todos os requisitos exigidos para a comutação da pena previstos no art. 2º do referido decreto e que a omissão contida em tal diploma, quanto ao tratamento a ser conferido aos condenados à pena privativa de liberdade que obtiveram livramento condicional até determinada data, reforçaria a tese de silêncio eloqüente, devendo essa falta ser interpretada no sentido de, relativamente a esses reeducandos, não haver impedimento para a comutação pretendida. Assim, concluiu-se que a interpretação a ser dada ao citado Decreto 5.295/2004 é a de que a comutação de pena não é vedada àqueles que estão em livramento condicional. Ordem concedida para restabelecer a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que deferira a comutação da pena.
HC 94654/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 19.8.2008. (HC-94654)


SEGUNDA TURMA


Descaminho e Princípio da Insignificância

Por ausência de justa causa, a Turma deferiu habeas corpus para determinar o trancamento de ação penal instaurada contra acusado pela suposta prática do crime de descaminho (CP, art. 334), em decorrência do fato de haver iludido impostos devidos pela importação de mercadorias, os quais totalizariam o montante de R$ 5.118,60 (cinco mil cento e dezoito reais e sessenta centavos). No caso, o TRF da 4ª Região, por reputar a conduta do paciente materialmente típica, negara aplicação ao princípio da insignificância ao fundamento de que deveria ser mantido o parâmetro de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) para ajuizamento de execuções fiscais (Lei 10.522/2002) e não o novo limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais) instituído pela Lei 11.033/2004. Inicialmente, salientou-se o caráter vinculado do requerimento do Procurador da Fazenda para fins de arquivamento de execuções fiscais e a inexistência, no acórdão impugnado, de qualquer menção a possível continuidade delitiva ou acúmulo de débitos que conduzisse à superação do valor mínimo previsto na Lei 10.522/2002, com a redação dada pela Lei 11.033/2004 ["Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). § 1o Os autos de execução a que se refere este artigo serão reativados quando os valores dos débitos ultrapassarem os limites indicados."]. Entendeu-se não ser admissível que uma conduta fosse irrelevante no âmbito administrativo e não o fosse para o Direito Penal, que só deve atuar quando extremamente necessário para a tutela do bem jurídico protegido, quando falharem os outros meios de proteção e não forem suficientes as tutelas estabelecidas nos demais ramos do Direito.
HC 92438/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 19.8.2008. (HC-92438)

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno20.8.200821.8.2008465
1ª Turma19.8.2008--26
2ª Turma19.8.2008--92



R E P E R C U S S Ã O  G E R A L

DJE de 22 de agosto de 2008

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 559.994-RS
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - SELO DE CONTROLE DO IMPOSTO - RESSARCIMENTO - ARTIGO 3º DO DECRETO-LEI Nº 1.437/75 - AUSÊNCIA DE RECEPÇÃO PELA CARTA DE 1988 - DECLARAÇÃO NA ORIGEM. Na dicção da ilustrada maioria, não possui repercussão geral controvérsia sobre a harmonia, ou não, com a Carta da República, da delegação contemplada no artigo 3º do Decreto-Lei nº 1.437/75, considerado o princípio da legalidade estrita.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 567.935-SC
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - BASE DE CÁLCULO - DESCONTOS - INTEGRAÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA. Possui repercussão geral controvérsia sobre a constitucionalidade, ou não, do artigo 15 da Lei nº 7.798/89.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 579.167-AC
RELATOR: MIN. MENEZES DIREITO
EMENTA
DIREITO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME EM CRIME HEDIONDO COMETIDO ANTES DA LEI Nº 11.464/07. REQUISITO TEMPORAL - 1/6 DA PENA. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 585.740-RJ
RELATOR: MIN. MENEZES DIREITO
EMENTA
TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. PIS E COFINS. BASE DE CÁLCULO. DEDUÇÕES FIXADAS EM LEI PARA AS REVENDEDORAS DE VEÍCULOS USADOS. TRATAMENTO DIFERENCIADO EM RELAÇÃO ÀS INDÚSTRIAS. ISONOMIA TRIBUTÁRIA. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 586.068-PR
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
Processo Civil. Execução. Inexigibilidade do título executivo judicial (artigo 741, parágrafo único do CPC). Aplicabilidade no âmbito dos juizados especiais. Pensão por morte (Lei nº 9.032/1995). Decisão do Supremo Tribunal Federal. Extensão do precedente aos casos com trânsito em julgado. Coisa julgada (artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal). Existência de repercussão geral, dada a relevância da questão versada.

Decisões Publicadas: 5



C L I P P I N G  D O  DJ

22 de agosto de 2008

ADI N. 1.594-RN
RELATOR: MIN. EROS GRAU
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.000, 16 DE JANEIRO DE 1.997, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. CONCESSÃO DE ANISTIA ÀS FALTAS PRATICADAS POR SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 37, CAPUT E INCISO II, E 61, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
1. O artigo 61, § 1º, inciso II, alínea "c", da Constituição do Brasil foi alterado pela EC 19/98. A modificação não foi todavia substancial, consubstanciando mera inovação na sua redação.
2. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno - artigo 25, caput -, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. Precedentes.
3. O ato impugnado diz respeito a servidores públicos estaduais - concessão de anistia a faltas funcionais. A iniciativa de leis que dispõem sobre regime jurídico de servidores públicos é reservada ao Chefe do Poder Executivo. Precedentes.
4. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 7.000, 16 de janeiro de 1.997, do Estado do Rio Grande do Norte.
* noticiado no Informativo 509

MED. CAUT. EM ADI N. 4.048-DF
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
EMENTA: Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade. Medida Provisória n° 405, de 18.12.2007. Abertura de crédito extraordinário. Limites constitucionais à atividade legislativa excepcional do Poder Executivo na edição de medidas provisórias.
I. MEDIDA PROVISÓRIA E SUA CONVERSÃO EM LEI. Conversão da medida provisória na Lei n° 11.658/2008, sem alteração substancial. Aditamento ao pedido inicial. Inexistência de obstáculo processual ao prosseguimento do julgamento. A lei de conversão não convalida os vícios existentes na medida provisória. Precedentes.
II. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS ORÇAMENTÁRIAS. REVISÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade.
III. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS PARA ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO. Interpretação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea "d", da Constituição. Além dos requisitos de relevância e urgência (art. 62), a Constituição exige que a abertura do crédito extraordinário seja feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e urgentes. Ao contrário do que ocorre em relação aos requisitos de relevância e urgência (art. 62), que se submetem a uma ampla margem de discricionariedade por parte do Presidente da República, os requisitos de imprevisibilidade e urgência (art. 167, § 3º) recebem densificação normativa da Constituição. Os conteúdos semânticos das expressões "guerra", "comoção interna" e "calamidade pública" constituem vetores para a interpretação/aplicação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea "d", da Constituição. "Guerra", "comoção interna" e "calamidade pública" são conceitos que representam realidades ou situações fáticas de extrema gravidade e de conseqüências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social, e que dessa forma requerem, com a devida urgência, a adoção de medidas singulares e extraordinárias. A leitura atenta e a análise interpretativa do texto e da exposição de motivos da MP n° 405/2007 demonstram que os créditos abertos são destinados a prover despesas correntes, que não estão qualificadas pela imprevisibilidade ou pela urgência. A edição da MP n° 405/2007 configurou um patente desvirtuamento dos parâmetros constitucionais que permitem a edição de medidas provisórias para a abertura de créditos extraordinários.
IV. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. Suspensão da vigência da Lei n° 11.658/2008, desde a sua publicação, ocorrida em 22 de abril de 2008.
* noticiado no Informativo 506

EMB. DECL. NA Ext N. 1.104-REINO UNIDO DA GRÃ-BRETANHA E DA IRLANDA DO NORTE
RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO
EMENTAS: 1. EXTRADIÇÃO. Passiva. Pena. Prisão perpétua. Comutação prévia assegurada. Detração do tempo cumprido como prisão preventiva no Brasil. Efeito secundário e automático do deferimento do pedido. Exigência, porém, que toca ao Poder Executivo. Inteligência do art. 91, II, da Lei nº 6.815/80 - Estatuto do Estrangeiro. Precedentes. O destinatário do disposto no art. 91, II, do Estatuto do Estrangeiro, é o Poder Executivo, a que incumbe exigir, do Estado estrangeiro requerente, o compromisso de efetivar a detração penal, como requisito para entrega do extraditando.
2. RECURSO. Embargos de declaração. Pretensão de alteração do teor decisório. Inexistência de omissão, obscuridade ou contradição. Inadmissibilidade. Embargos rejeitados. Embargos declaratórios não se prestam a modificar capítulo decisório, salvo quando a modificação figure conseqüência inarredável da sanação de vício de omissão, obscuridade ou contradição do ato embargado.

Ext. N. 1.114-REPÚBLICA DO CHILE
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: EXTRADIÇÃO. ATENDIMENTO DOS REQUISITOS FORMAIS. IMPROCEDÊNCIA DAS ALEGAÇÕES DO EXTRADITANDO. EXTRADIÇÃO DEFERIDA.
1. A transmissão da Nota Verbal por via diplomática basta para conferir-lhe autenticidade, sendo dispensável a tradução por profissional juramentado. Ademais sequer cabe discutir eventual vício na Nota Verbal se os documentos que a acompanham contêm narração dos fatos que deram origem à persecução criminal no Estado requerente, viabilizando-se, assim, o exercício da defesa.
2. Assente a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que o modelo que rege, no Brasil, a disciplina normativa da extradição passiva não autoriza a revisão de aspectos formais concernentes à regularidade dos atos de persecução penal praticados no Estado requerente.
3. O Supremo Tribunal limita-se a analisar a legalidade e a procedência do pedido de extradição (Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, art. 207; Constituição da República, art. 102, Inc. I, alínea g; e Lei n. 6.815/80, art. 83): indeferido o pedido, deixa-se de constituir o título jurídico sem o qual o Presidente da República não pode efetivar a extradição; se deferida, a entrega do súdito ao Estado requerente fica a critério discricionário do Presidente da República.
4. Extradição deferida, nos termos do voto da Relatora.

Inq N. 2.648-SP
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: INQUÉRITO. DENÚNCIA OFERECIDA PELA SUPOSTA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ART. 24, INC. X, DA LEI N. 8.666/93. AQUIVAMENTO DA DENÚNCIA NA ORIGEM. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. REMESSA DOS AUTOS A ESTE SUPREMO TRIBUNAL. JULGAMENTO DO FEITO NO ESTADO EM QUE SE ENCONTRA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO NÃO PROVIDO.
1. Dada a incidência do princípio tempus regit actum, são válidos todos os atos processuais praticados na origem, antes da diplomação do parlamentar, devendo o feito prosseguir perante essa Corte na fase em que se encontrava: Precedentes.
2. Inviabilidade do Recurso em Sentido Estrito: a configuração do crime de dispensa irregular de licitação exige a demonstração da efetiva intenção de burlar o procedimento licitatório, o que não se demonstrou na espécie vertente.
3. Recurso ao qual se nega provimento.

HC N. 93.251-DF
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. MOEDA FALSA. ART. 289, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. DEZ NOTAS DE PEQUENO VALOR. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. DESVALOR DA AÇÃO E DO RESULTADO. IMPOSSIBILIDADE DE QUANTIFICAÇÃO ECONÔMICA DA FÉ PÚBLICA EFETIVAMENTE LESIONADA. DESNECESSIDADE DE DANO EFETIVO AO BEM SUPRA-INDIVIDUAL. ORDEM DENEGADA.
I - A aplicação do princípio da insignificância de modo a tornar a conduta atípica depende de que esta seja a tal ponto despicienda que não seja razoável a imposição da sanção.
II - Mostra-se, todavia, cabível, na espécie, a aplicação do disposto no art. 289, § 1º, do Código Penal, pois a fé pública a que o Título X da Parte Especial do CP se refere foi vulnerada.
III - Em relação à credibilidade da moeda e do sistema financeiro, o tipo exige apenas que estes bens sejam colocados em risco, para a imposição da reprimenda.
IV - Os limites da culpabilidade e a proporcionalidade na aplicação da pena foram observados pelo julgador monocrático, que substituiu a privação da liberdade pela restrição de direitos, em grau mínimo.
V - Ordem denegada.
* noticiado no Informativo 514
HC N. 85.955-RJ
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. NULIDADE DA SENTENÇA. PROVA PERICIAL. PERÍCIA INDIRETA. CRIMES CONTRA OS COSTUMES. DENEGAÇÃO.
1. A questão de direito argüida neste habeas corpus corresponde à possível nulidade da perícia realizada na pretensa vítima dos crimes previstos nos arts. 213 e 214, ambos do Código Penal, a contaminar a sentença e o acórdão que concluíram no sentido da condenação do paciente.
2. Nos crimes contra a liberdade sexual cometidos mediante grave ameaça ou com violência presumida, não se exige, obrigatoriamente, o exame de corpo de delito direto, porque tais infrações penais, quando praticadas nessas circunstâncias (com violência moral ou com violência ficta), nem sempre deixam vestígios materiais.
3. O exame de corpo de delito indireto, fundado em prova testemunhal idônea e/ou em outros meios de prova consistentes (CPP, art. 167) revela-se legítimo, desde que, por não mais subsistirem vestígios sensíveis do fato delituoso, não se viabilize a realização do exame direto.
4. A despeito da perícia inicial haver sido realizada apenas por um profissional nomeado ad hoc pela autoridade policial, atentou-se para a realização da perícia com base no art. 167, do Código de Processo Penal, ou seja, a realização do exame de corpo de delito indireto.
5. O juiz de direito não está adstrito às conclusões do laudo pericial, especialmente em se referindo a juízo de constatação de fatos.
6. Os impetrantes pretendem, na realidade, que haja reavaliação dos elementos probatórios que foram produzidos durante a instrução criminal, o que se revela inadmissível em sede de habeas corpus, notadamente na ação de competência originária do Supremo Tribunal Federal, eis que a ação constitucional não pode servir para mascarar conhecimento e julgamento de pretensão que na realidade somente poderia ser deduzida via recurso extraordinário.
7. Habeas corpus denegado.

HC N. 86.717-DF
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PECULATO-FURTO. PROCEDIMENTO EXPROPRIATÓRIO. ESCRITURA PÚBLICA DE DESAPROPRIAÇÃO AMIGÁVEL. ART. 312, § 1º, CP. DENEGAÇÃO.
1. Há quatro teses jurídicas desenvolvidas na petição inicial deste habeas corpus: a) a atipicidade do fato imputado ao paciente; b) a não-caracterização do crime de peculato-furto (e sim eventualmente advocacia administrativa); c) a falta de correlação entre o fato imputado ao paciente e o fato pelo qual ele foi condenado; d) a nulidade da sentença por exasperação da pena-base.
2. Da narração contida na denúncia, pode-se extrair que, diversamente do que normalmente ocorria em procedimentos visando possível desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária, houve desconsideração de recomendações técnicas que visavam esclarecer a real localização do imóvel, avocação do procedimento pelo paciente que, desse modo, exarou dois pareceres que foram utilizados para fins de ser editado o decreto expropriatório e ser lavrada escritura pública de desapropriação amigável com o pagamento do valor da indenização em títulos da dívida agrária.
3. Clara narração de atos concretos relacionados à retirada de quantidade significativa de títulos da dívida agrária através de expedientes administrativos verificados no âmbito do procedimento administrativo de expropriação, sendo que o paciente e mais dois denunciados eram funcionários públicos que atuaram efetivamente no bojo do procedimento com a realização de atos fundamentais para que ocorresse a subtração dos títulos da União Federal.
4. A denúncia apresenta um conjunto de fatos conhecidos e provados que, tendo relação com a entrega de mais de cinqüenta e cinco mil títulos da dívida agrária, autoriza, por indução, concluir-se pela existência de relação de causalidade material entre as condutas dos denunciados, entre eles o paciente.
5. Descabe acolher a pretensão de trancamento da ação penal por suposta inexistência de narração de conduta delituosa ou por motivo de atipicidade da conduta.
6. A denúncia expressamente acentua a existência de conluio entre todos os denunciados (inclusive o paciente) para que resultasse desfecho de liberação dos títulos da dívida agrária, aplicando-se o disposto nos arts. 29 e 30, do Código Penal.
7. Para a configuração do peculato-furto o agente não detém a posse da coisa (valor, dinheiro ou outro bem móvel) em razão do cargo que ocupa, mas sua qualidade de funcionário público propicia facilidade para a ocorrência da subtração devido ao trânsito que mantém no órgão público em que atua ou desempenha suas funções.
8. A sentença apreciou estritamente os fatos narrados na denúncia quanto ao concurso de agentes verificado entre os funcionários públicos (incluindo o paciente) e o particular na entrega espúria da quantidade de títulos da dívida agrária ao suposto proprietário de imóvel rural.
9. Descabe, com base nos elementos existentes nesse writ, cogitar de possível desclassificação da conduta do paciente para o tipo penal da advocacia administrativa (CP, art. 321).
10. Observo que o juiz sentenciante considerou duas circunstâncias judiciais desfavoráveis ao paciente (CP, art. 59), a saber, as circunstâncias e as conseqüências do crime perpetrado. A sentença cumpriu rigorosamente o disposto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, analisando detidamente as circunstâncias judiciais previstas no art. 59, do Código Penal.
11. Habeas corpus denegado.

HC N. 90.866-MA
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTOS CAUTELARES. PERICULUM LIBERTATIS DEMONSTRADO POR OCASIÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. LEGITIMIDADE DO DECRETO PRISIONAL. CONDENAÇÃO FUNDADA EM PROVAS COLIGIDAS DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL. IMPOSSIBILIDADE DO AMPLO REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS NA VIA DO HABEAS CORPUS. EXIGÊNCIA DO RECOLHIMENTO À PRISÃO PARA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE APELAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA, MANTIDO O DECRETO PRISIONAL.
1. A prisão preventiva, decretada por ocasião da sentença condenatória, trouxe fundamentos concretos que justificam a custódia cautelar do paciente, especialmente no que diz respeito ao perigo concreto de fuga.
2. Os requerimentos de expedição de passaporte, a posse de duas aeronaves de pequeno porte empregadas, segundo consta da sentença, na prática do crime de tráfico internacional de entorpecentes, utilizando-se de pistas de pouso clandestinas, e ainda a comprovação, durante a instrução criminal, da liderança exercida pelo paciente, que estava no comando da ação criminosa e dos valores utilizados na empreitada criminosa, conferem legitimidade ao decreto de prisão preventiva.
3. Paciente que possui contatos no exterior, especialmente na Colômbia e na Ilha de Cabo Verde, o que demonstra a probabilidade de sua fuga.
4. A sentença condenatória tem base nas provas colhidas durante a instrução criminal, sendo impossível acatar o pedido de absolvição por falta de provas. Ademais, é inviável o revolvimento de fatos e provas no writ.
5. A interposição e o juízo de admissibilidade do recurso de apelação não podem estar condicionados à efetivação do recolhimento do réu à prisão, tendo em vista tratar-se de pressuposto recursal draconiano e desproporcional. Impossibilidade de se declarar deserta a apelação, independentemente do cumprimento do mandado de prisão preventiva.
6. Ordem concedida apenas para fins de impedir que a apelação do paciente seja julgada deserta, mantido o decreto de prisão preventiva. Extensão aos co-réus.

HC N. 91.024-RN
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. POSTULADO DO JUIZ NATURAL. ESPECIALIZAÇÃO DE COMPETÊNCIA (RATIONE MATERIAE). RESOLUÇÃO DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
1. Alegação de possível violação do princípio do juiz natural em razão da resolução baixada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte.
2. Reconhece-se ao Ministério Público a faculdade de impetrar habeas corpus e mandado de segurança, além de requerer a correição parcial (Lei n° 8.625/93, art. 32, I).
3. A legitimidade do Ministério Público para impetrar habeas corpus tem fundamento na incumbência da defesa da ordem jurídica e dos interesses individuais indisponíveis (HC 84.056, rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma, DJ 04.02.2005), e o Ministério Público tem legitimidade para impetrar habeas corpus quando envolvido o princípio do juiz natural (HC 84.103, rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, DJ 06.08.2004).
4. O mérito envolve a interpretação da norma constitucional que atribui aos tribunais de justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, em consonância com os limites orçamentários, a alteração da organização e divisão judiciárias (CF, arts. 96, II, d, e 169).
5. O Poder Judiciário tem competência para dispor sobre especialização de varas, porque é matéria que se insere no âmbito da organização judiciária dos Tribunais. O tema referente à organização judiciária não se encontra restrito ao campo de incidência exclusiva da lei, eis que depende da integração dos critérios preestabelecidos na Constituição, nas leis e nos regimentos internos dos tribunais.
6. A leitura interpretativa do disposto nos arts. 96, I, a e d, II, d, da Constituição Federal, admite que haja alteração da competência dos órgãos do Poder Judiciário por deliberação do tribunal de justiça, desde que não haja impacto orçamentário, eis que houve simples alteração promovida administrativamente, constitucionalmente admitida, visando a uma melhor prestação da tutela jurisdicional, de natureza especializada.
7. Habeas corpus denegado.
* noticiado no Informativo 514

HC N. 91.505-PR
REL. P/ O ACÓRDÃO: MIN. CEZAR PELUSO
EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime militar. Causa processada perante a Justiça estadual. Suspensão condicional do processo. Aceitação. Benefício não revogado. Instauração de nova ação penal na Justiça castrense, pelo mesmo fato. Inadmissibilidade. Preclusão consumada. HC concedido. Voto vencido. Estando em curso suspensão condicional do processo penal, não pode, pelo mesmo fato, outro ser instaurado, ainda que em Justiça diversa.
* noticiado no Informativo 512

RHC N. 86.082-RS
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. NULIDADE DO PROCESSO. ALEGAÇÃO DE PROVA ILÍCITA E DE VIOLAÇÃO AO DOMICÍLIO. INEXISTÊNCIA. ESTADO DE FLAGRÂNCIA. CRIME PERMANENTE.
1. A questão controvertida consiste na possível existência de prova ilícita ("denúncia anônima" e prova colhida sem observância da garantia da inviolabilidade do domicílio), o que contaminaria o processo que resultou na sua condenação.
2. Legitimidade e validade do processo que se originou de investigações baseadas, no primeiro momento, de "denúncia anônima" dando conta de possíveis práticas ilícitas relacionadas ao tráfico de substância entorpecente. Entendeu-se não haver flagrante forjado o resultante de diligências policiais após denúncia anônima sobre tráfico de entorpecentes (HC 74.195, rel. Min. Sidney Sanches, 1ª Turma, DJ 13.09.1996).
3. Elementos indiciários acerca da prática de ilícito penal. Não houve emprego ou utilização de provas obtidas por meios ilícitos no âmbito do processo instaurado contra o recorrente, não incidindo, na espécie, o disposto no art. 5°, inciso LVI, da Constituição Federal.
4. Garantia da inviolabilidade do domicílio é a regra, mas constitucionalmente excepcionada quando houver flagrante delito, desastre, for o caso de prestar socorro, ou, ainda, por determinação judicial.
5. Outras questões levantadas nas razões recursais envolvem o revolver de substrato fático-probatório, o que se mostra inviável em sede de habeas corpus.
6. Recurso ordinário em habeas corpus improvido.

RHC N. 91.110-RJ
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELO STJ. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. FALTA GRAVE. CONFIGURAÇÃO.
1. A tese do habeas corpus consistiu na necessidade de se reinterpretar o parágrafo único, do art. 49, da LEP (Lei de Execução Penal), com base nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, para considerar que a mera tentativa de fuga não poderia ser considerada falta grave.
2. Contudo, a argumentação desenvolvida no recurso ordinário em habeas corpus foi diversa daquela apresentada por ocasião da impetração do writ no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a inviabilizar o conhecimento do recurso interposto, sob pena de supressão de instância.
3. No mérito, não seria possível acolher a tese segundo a qual o art. 49, parágrafo único, da LEP, deveria ser interpretado à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Não há qualquer óbice a que, em razão de critérios de política legislativa, seja estabelecida idêntica sanção, às hipóteses de consumação ou tentativa de determinados ilícitos, inclusive no campo da execução da pena.
4. Recurso não conhecido.

RHC N. 91.110-SP
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. MATÉRIA ELEITORAL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO E AÇÃO PENAL. IMPROVIMENTO.
1. O recurso ordinário em habeas corpus apresenta, fundamentalmente, duas questões centrais: a) nulidade do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral por julgar matéria diversa daquela que foi objeto da impetração do habeas corpus; b) ausência de justa causa para a deflagração da ação penal com base na imputação de possível prática do crime do art. 299, do Código Eleitoral, em relação ao paciente. 2. Nas próprias razões do recurso ordinário em habeas corpus há nítida argumentação que associa a falta de justa causa para a deflagração da ação penal à narração dos fatos, tal como realizada na denúncia. Obviamente que o Tribunal Superior Eleitoral não formulou juízo de recebimento da denúncia, eis que a matéria somente foi analisada no tópico da fundamentação do julgamento de habeas corpus impetrado pelo próprio recorrente. 3. O tema envolve a relativa independência das instâncias (civil e criminal), não sendo matéria desconhecida no Direito brasileiro. De acordo com o sistema jurídico brasileiro, é possível que de um mesmo fato (aí incluída a conduta humana) possa decorrer efeitos jurídicos diversos, inclusive em setores distintos do universo jurídico. Logo, um comportamento pode ser, simultaneamente, considerado ilícito civil, penal e administrativo, mas também pode repercutir em apenas uma das instâncias, daí a relativa independência. 4. No caso concreto, houve propositura de ação de impugnação de mandato eletivo em face do paciente e de outras pessoas, sendo que o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo considerou o acervo probatório insuficiente para demonstração inequívoca dos fatos afirmados. 5. Somente haveria impossibilidade de questionamento em outra instância caso o juízo criminal houvesse deliberado categoricamente a respeito da inexistência do fato ou acerca da negativa de autoria (ou participação), o que evidencia a relativa independência das instâncias (Código Civil, art. 935). No caso em tela, a improcedência do pedido deduzido na ação de impugnação de mandato eletivo se relaciona à responsabilidade administrativo-eleitoral e, consequentemente, se equipara à idéia de responsabilidade civil, a demonstrar a incorreção da tese levantada no habeas corpus impetrado. 6. Há justa causa para a deflagração e prosseguimento da ação penal contra o recorrente, não se tratando de denúncia inepta, seja formal ou materialmente. Nota-se, inclusive, a indicação da localização de notas fiscais referentes à venda de combustíveis ao recorrente, a indicar que as pessoas foram beneficiadas com o pagamento de combustíveis adquiridos por ele. 7. A denúncia apresenta um conjunto de fatos conhecidos e provados que, tendo relação com a possível prática de atos de corrupção eleitoral, autoriza, por indução, concluir-se pela existência de relação de causalidade material entre as condutas dos denunciados, entre eles o paciente. 8. Recurso ordinário improvido.
HC N. 94.524-DF
RELATOR: MIN. EROS GRAU
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. ART. 1º, III DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
1. Paciente, militar, preso em flagrante dentro da unidade militar portando, para uso próprio, pequena quantidade de entorpecentes.
2. Condenação por posse e uso de entorpecentes. Não-aplicação do princípio da insignificância, em prol da saúde, disciplina e hierarquia militares. 3. A mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores da aplicação do princípio da insignificância. 4. A Lei n. 11.343/2006 - nova Lei de Drogas - veda a prisão do usuário. Prevê, contra ele, apenas a lavratura de termo circunstanciado. Preocupação, do Estado, em mudar a visão que se tem em relação aos usuários de drogas. 5. Punição severa e exemplar deve ser reservada aos traficantes, não alcançando os usuários. A estes devem ser oferecidas políticas sociais eficientes para recuperá-los do vício. 6. O Superior Tribunal Militar não cogitou da aplicação da Lei n. 11.343/2006. Não obstante, cabe a esta Corte fazê-lo, incumbindo-lhe confrontar o princípio da especialidade da lei penal militar, óbice à aplicação da nova Lei de Drogas, com o princípio da dignidade da pessoa humana, arrolado na Constituição do Brasil de modo destacado, incisivo, vigoroso, como princípio fundamental (art. 1º, III). 7. Paciente jovem, sem antecedentes criminais, com futuro comprometido por condenação penal militar quando há lei que, em lugar de apenar - Lei n. 11.343/2006 - possibilita a recuperação do civil que praticou a mesma conduta. 8. Exclusão das fileiras do Exército: punição suficiente para que restem preservadas a disciplina e hierarquia militares, indispensáveis ao regular funcionamento de qualquer instituição militar.

RHC N. 93.248-SP
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. APELAÇÃO. SOBERANIA DOS VEREDICTOS DO TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. IMPROVIMENTO.
1. A questão central, neste recurso ordinário, diz respeito à possível violação à garantia da soberania dos veredictos do tribunal do júri no julgamento do recurso de apelação da acusação, nos termos do art. 593, III, b, do Código de Processo Penal. 2. A soberania dos veredictos do tribunal do júri não é absoluta, submetendo-se ao controle do juízo ad quem, tal como disciplina o art. 593, III, d, do Código de Processo Penal. O fundamento do voto do relator da apelação foi exatamente o de que o julgamento pelo corpo dos jurados se realizou de modo arbitrário, sem obedecer parâmetros respaldados nos elementos de prova constantes dos autos. 3. Caso os jurados alcancem uma conclusão manifestamente contrária à prova produzida durante a instrução criminal e, que portanto, consta dos autos, o error in procedendo deverá ser corrigido pelo Tribunal de Justiça. 4. Esta Corte tem considerado não haver afronta à norma constitucional que assegura a soberania dos veredictos do tribunal do júri no julgamento pelo tribunal ad quem que anula a decisão do júri sob o fundamento de que ela se deu de modo contrário à prova dos autos (HC 73.721/RJ, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 14.11.96; HC 74.562/SP, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 06.12.96; HC 82.050/MS, rel. Min. Maurício Correa, DJ 21.03.03). 5. O sistema recursal relativo às decisões tomadas pelo tribunal do júri é perfeitamente compatível com a norma constitucional que assegura a soberania dos veredictos (HC 66.954/SP, rel. Min. Moreira Alves, DJ 05.05.89; HC 68.658/SP, rel. Min. Celso de Mello, RTJ 139:891, entre outros). 6. O juízo de cassação da decisão do tribunal do júri, de competência do órgão de 2º grau do Poder Judiciário (da justiça federal ou das justiças estaduais), representa importante medida que visa impedir o arbítrio, harmonizando-se com a natureza essencialmente democrática da própria instituição do júri. 7. O habeas corpus não pode ser utilizado, em regra, como sucedâneo de revisão criminal. 8. Recurso ordinário improvido.

Acórdãos Publicados: 220




T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Crime Organizado - Vedação Legal de Liberdade Provisória - Inconstitucionalidade - Convenção de Palermo - Prisão Cautelar - Requisitos (Transcrições)

HC 94404 MC/SP*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: "HABEAS CORPUS". ESTRANGEIRO NÃO DOMICILIADO NO BRASIL. CONDIÇÃO JURÍDICA QUE NÃO O DESQUALIFICA COMO SUJEITO DE DIREITOS E TITULAR DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS. PLENITUDE DE ACESSO, EM CONSEQÜÊNCIA, AOS INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE TUTELA DA LIBERDADE. RESPEITO, PELO PODER PÚBLICO, ÀS PRERROGATIVAS JURÍDICAS QUE COMPÕEM O PRÓPRIO ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE DEFESA. VEDAÇÃO LEGAL ABSOLUTA, EM CARÁTER APRIORÍSTICO, DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. LEI DO CRIME ORGANIZADO (ART. 7º). INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, DO "DUE PROCESS OF LAW", DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROPORCIONALIDADE. O SIGNIFICADO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, VISTO SOB A PERSPECTIVA DA "PROIBIÇÃO DO EXCESSO": FATOR DE CONTENÇÃO E CONFORMAÇÃO DA PRÓPRIA ATIVIDADE NORMATIVA DO ESTADO. ENTENDIMENTO DE AUTORIZADO MAGISTÉRIO DOUTRINÁRIO (LUIZ FLÁVIO GOMES, ALBERTO SILVA FRANCO, ROBERTO DELMANTO JUNIOR, GERALDO PRADO E WILLIAM DOUGLAS, "INTER ALIA"). PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ADI 3.112/DF (ESTATUTO DO DESARMAMENTO, ART. 21). CONVENÇÃO DE PALERMO (CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL). TRATADO MULTILATERAL, DE ÂMBITO GLOBAL, REVESTIDO DE ALTÍSSIMO SIGNIFICADO, DESTINADO A PROMOVER A COOPERAÇÃO PARA PREVENIR E REPRIMIR, DE MODO MAIS EFICAZ, A MACRODELINQÜÊNCIA E AS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS DE CARÁTER TRANSNACIONAL. CONVENÇÃO INCORPORADA AO ORDENAMENTO POSITIVO INTERNO BRASILEIRO (DECRETO Nº 5.015/2004). INADMISSIBILIDADE DA INVOCAÇÃO DO ART. 11 DA CONVENÇÃO DE PALERMO COMO SUPORTE DE LEGITIMAÇÃO E REFORÇO DO ART. 7º DA LEI DO CRIME ORGANIZADO. A SUBORDINAÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA, À AUTORIDADE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, DOS TRATADOS INTERNACIONAIS QUE NÃO VERSEM MATÉRIA DE DIREITOS HUMANOS. JURISPRUDÊNCIA (STF). DOUTRINA. CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL. INVIABILIDADE DE SUA DECRETAÇÃO, QUANDO FUNDADA NA GRAVIDADE OBJETIVA DO DELITO, NA SUPOSTA OFENSA À CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES, NO CLAMOR PÚBLICO E NA SUPOSIÇÃO DE QUE O RÉU POSSA INTERFERIR NAS PROVAS. NÃO SE DECRETA PRISÃO CAUTELAR, SEM QUE HAJA REAL NECESSIDADE DE SUA EFETIVAÇÃO, SOB PENA DE OFENSA AO "STATUS LIBERTATIS" DAQUELE QUE A SOFRE. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

DECISÃO: Trata-se de "habeas corpus", com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão emanada da Quinta Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, que, em sede de outra ação de "habeas corpus", denegou o "writ" constitucional (HC 100.090/SP).
Registro, desde logo, por necessário, tal como assinalei na decisão por mim proferida no exame de pedido de medida cautelar formulado no HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, que o fato de o paciente ostentar a condição jurídica de estrangeiro e de não possuir domicílio no Brasil não lhe inibe, só por si, o acesso aos instrumentos processuais de tutela da liberdade nem lhe subtrai, por tais razões, o direito de ver respeitadas, pelo Poder Público, as prerrogativas de ordem jurídica e as garantias de índole constitucional que o ordenamento positivo brasileiro confere e assegura a qualquer pessoa que sofra persecução penal instaurada pelo Estado.
Isso significa, portanto, na linha do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (RDA 55/192 - RF 192/122) e dos Tribunais em geral (RDA 59/326 - RT 312/363), que o súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no Brasil, tem plena legitimidade para impetrar os remédios constitucionais, como o mandado de segurança ou, notadamente, o "habeas corpus":

"- É inquestionável o direito de súditos estrangeiros ajuizarem, em causa própria, a ação de 'habeas corpus', eis que esse remédio constitucional - por qualificar-se como verdadeira ação popular - pode ser utilizado por qualquer pessoa, independentemente da condição jurídica resultante de sua origem nacional." (RTJ 164/193-194, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Cabe advertir, ainda, que também o estrangeiro, inclusive aquele que não possui domicílio em território brasileiro, tem direito público subjetivo, nas hipóteses de persecução penal, à observância e ao integral respeito, por parte do Estado, das prerrogativas que compõem e dão significado à cláusula do devido processo legal, pois - como reiteradamente tem proclamado esta Suprema Corte (RTJ 134/56-58 - RTJ 177/485-488 - RTJ 185/393-394, v.g.) - a condição jurídica de não-nacional do Brasil e a circunstância de esse mesmo réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório.
Nesse contexto, impõe-se, ao Judiciário, o dever de assegurar, mesmo ao réu estrangeiro sem domicílio no Brasil, a preservação da integridade do seu direito de ir, vir e permanecer ("jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque"), bem assim os direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante.
O fato irrecusável é um só: o súdito estrangeiro, ainda que não domiciliado no Brasil, assume, sempre, como qualquer pessoa exposta a atos de persecução penal, a condição indisponível de sujeito de direitos e titular de garantias, cuja intangibilidade há de ser preservada pelos magistrados e Tribunais deste país, especialmente por este Supremo Tribunal Federal.
Por reconhecer, desse modo, que o súdito estrangeiro, mesmo aquele sem domicílio no Brasil, tem direito a todas as prerrogativas básicas que lhe asseguram a preservação do "status libertatis" e a observância, pelo Poder Público, da cláusula constitucional do "due process", passo a examinar o pedido de medida cautelar ora formulado nesta sede processual.
Registro, inicialmente, que o ilustre magistrado federal de primeira instância, na decisão até agora mantida pelas instâncias judiciárias que denegaram a ordem de "habeas corpus", invocou, para justificar a medida excepcional da prisão cautelar ora questionada, o que se contém no art. 7º da Lei nº 9.034/95 (Apenso 01, fls. 207):

"O artigo 7º da Lei n.º 9.034, de 03 de maio de 1995 (acerca das ações praticadas por organizações criminosas), na esteira das orientações da Convenção ONU contra o Crime Organizado Transnacional (adotada em Nova Iorque, no ano de 2000, sendo aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n.º 231, de 29.05.2003, e promulgada pelo Decreto n.º 5015, de 12.03.2004, artigo 11), veda a liberdade provisória 'aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa', de molde que o pedido deve ser deferido." (grifei)

Como se sabe, a Convenção de Palermo (designação dada à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional) foi incorporada ao ordenamento positivo interno brasileiro pelo Decreto nº 5.015/2004, que a promulgou e lhe conferiu executoriedade e vigência no plano doméstico.
Trata-se de relevantíssimo instrumento jurídico, de projeção e aplicabilidade globais, aprovado sob a égide das Nações Unidas (RODRIGO CARNEIRO GOMES, "O Crime Organizado na Visão da Convenção de Palermo", 2008, Del Rey), destinado a "promover a cooperação para prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional".
Essa Convenção multilateral dispõe, em seu Artigo 11, que cada Estado Parte adotará, "em conformidade com seu direito interno, e tendo na devida conta os direitos da defesa", medidas apropriadas para que as autoridades competentes tenham presente a gravidade das infrações nela previstas, "quando considerarem a possibilidade de uma libertação antecipada" (n. 4), prescrevendo, ainda, que cada Estado Parte estabelecerá meios adequados para que "as condições a que estão sujeitas as decisões de aguardar julgamento em liberdade" não impeçam a presença do réu "em todo o processo penal ulterior" (n. 3).
É importante assinalar, neste ponto, na linha da jurisprudência prevalecente no Supremo Tribunal Federal, que os tratados internacionais (a Convenção de Palermo, p. ex.), que não versem, como na espécie, matéria concernente aos direitos humanos, estão hierarquicamente subordinados à autoridade da Constituição da República, como resulta claro de decisão emanada do Plenário desta Suprema Corte:

"SUBORDINAÇÃO NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
- No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República. Em conseqüência, nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais, que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da Carta Política.
O exercício do treaty-making power, pelo Estado brasileiro - não obstante o polêmico art. 46 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ainda em curso de tramitação perante o Congresso Nacional) -, está sujeito à necessária observância das limitações jurídicas impostas pelo texto constitucional."(ADI 1.480-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Desse modo, vale enfatizar, por necessário e relevante, e no que concerne à hierarquia das fontes, tratando-se de convenções internacionais que não veiculem cláusulas de salvaguarda pertinentes aos direitos humanos, que estas se sujeitam, de modo incondicional, nos planos da existência, da validade e da eficácia, à superioridade jurídica da Constituição.
Não foi por outro motivo que o eminente Professor CELSO LAFER, quando Ministro das Relações Exteriores, ao propor à Presidência da República o encaminhamento, ao Congresso Nacional, do texto da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, entendeu conveniente enfatizar, em sua Exposição de Motivos, com inteira correção e absoluto rigor acadêmico, a necessária subordinação hierárquica dos atos internacionais à ordem normativa fundada na Constituição da República:

"Infelizmente, o Brasil até hoje não ratificou a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, em cuja elaboração participaram brilhantes especialistas nacionais. Dúvidas, a meu ver infundadas, surgidas no seio do próprio Executivo, acerca da compatibilidade de algumas cláusulas sobre entrada em vigor de tratados e a prática constitucional brasileira em matéria de atos internacionais (...) retardaram sua submissão ao referendo do Congresso Nacional. Esse impedimento é tanto mais injustificado quando se considera a possibilidade de fazer-se, no momento da ratificação, alguma reserva ou declaração interpretativa, se assim for o desejo do Poder Legislativo. Seja como for, a eventual aprovação integral da Convenção, mesmo sem qualquer reserva, pelo Congresso Nacional, nunca poderia ser tomada como postergatória de normas constitucionais, já que no Brasil não se tem admitido que os tratados internacionais se sobreponham à Constituição."
(Diário do Congresso Nacional, Seção I, de 19/05/92, p. 9.241 - grifei)

Daí a advertência - que cumpre não ignorar - de PONTES DE MIRANDA ("Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969", tomo IV/146, item n. 35, 2ª ed., 1974, RT), no sentido de que, "Também ao tratado, como a qualquer lei, se exige ser constitucional" (grifei).
A observação que venho de fazer, apoiada no reconhecimento que confere irrestrita precedência hierárquica à Constituição da República sobre as convenções internacionais em geral (ressalvadas as hipóteses excepcionais previstas nos §§ 2º e 3º do art. 5º da própria Lei Fundamental), torna evidente que cláusulas inscritas nos textos de tratados internacionais que imponham a compulsória adoção, por autoridades judiciárias nacionais, de medidas de privação cautelar da liberdade individual, ou que vedem, em caráter imperativo, a concessão de liberdade provisória, não podem prevalecer em nosso sistema de direito positivo, sob pena de gravíssima ofensa à garantia constitucional da presunção de inocência, dentre outros princípios constitucionais que informam e compõem o estatuto jurídico daqueles que sofrem persecução penal instaurada pelo Estado.
Daí não ser apropriado invocar-se o art. 7º da Lei nº 9.034/95 para, com apoio nele, justificar-se um decreto judicial de privação cautelar da liberdade individual (Apenso 01, fls. 207).
Mostra-se importante ter presente, no caso, que o referido art. 7º da Lei do Crime Organizado (Lei nº 9.034/95) proíbe, de modo abstrato e "a priori", a concessão da liberdade provisória "aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa".
Essa regra legal veio a ser reproduzida, com conteúdo material virtualmente idêntico, pela Lei nº 10.826/2003, cujo art. 21 estabelecia que "Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade provisória" (grifei).
A vedação apriorística de concessão de liberdade provisória é repelida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a considera incompatível, independentemente da gravidade objetiva do delito, com a presunção de inocência e a garantia do "due process", dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República.
Foi por tal razão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.112/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, declarou a inconstitucionalidade do art. 21 da Lei nº 10.826/2003, (Estatuto do Desarmamento), em decisão que, no ponto, está assim ementada:

"(...) V - Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão 'ex lege', em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente." (grifei)

O eminente penalista LUIZ FLÁVIO GOMES, em obra escrita com Raúl Cervini ("Crime Organizado", p. 171/178, item n. 4, 2ª ed., 1997, RT), expõe, de modo irrefutável, a evidente inconstitucionalidade do art. 7º da Lei nº 9.034/95, advertindo, com absoluta correção, que a vedação legal em abstrato da concessão da liberdade provisória transgride "o princípio da presunção de inocência", afronta "a dignidade humana" e viola "o princípio da proibição do excesso".
Essa mesma orientação é perfilhada por GERALDO PRADO e WILLIAM DOUGLAS ("Comentários à Lei contra o Crime Organizado", p. 87/91, 1995, Del Rey), que também vislumbram, no art. 7º da Lei do Crime Organizado, o vício nulificador da inconstitucionalidade, resultante da ofensa ao postulado da presunção de inocência e do desrespeito ao princípio da proporcionalidade, analisado este na dimensão que impõe, ao Estado, a proibição do excesso.
Diversa não é, na matéria, e com referência específica ao art. 7º da Lei do Crime Organizado, a lição de ROBERTO DELMANTO JUNIOR ("As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração", p. 142/150, item n. 2, "c", 2ª ed., 2001, Renovar), que adverte, com inteira razão, apoiando-se em magistério de outro eminente autor (ALBERTO SILVA FRANCO, "Crimes Hediondos", p. 489/500, item n. 3.00, 5ª ed., 2005, RT), que se mostra inconstitucional a proibição abstrata, em lei, da concessão da liberdade provisória, pois tal vedação, além de lesar os postulados do "due process of law" e da presunção de inocência, também se qualifica como ato estatal que transgride o princípio da proporcionalidade, no ponto em que este impõe, ao Estado, a proibição do excesso.
Vê-se, portanto, que o Poder Público, especialmente em sede processual penal, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade.
Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo.
O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, com fundamento no art. 5º, LV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do Poder Público.

Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade.
Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica - enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, "Curso de Direito Administrativo", p. 56/57, itens ns. 18/19, 4ª ed., 1993, Malheiros; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, "Curso de Direito Administrativo", p. 46, item n. 3.3, 2ª ed., 1995, Malheiros) - como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público.
Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa - adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do "due process of law" (RAQUEL DENIZE STUMM, "Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro", p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, "Direitos Humanos Fundamentais", p. 111/112, item n. 14, 1995, Saraiva; PAULO BONAVIDES, "Curso de Direito Constitucional", p. 352/355, item n. 11, 4ª ed., 1993, Malheiros).
Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.
Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal.
A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Em suma, cabe advertir que a interdição legal "in abstracto", vedatória da concessão de liberdade provisória, como na hipótese prevista no art. 7º da Lei nº 9.034/95, incide na mesma censura que o Plenário do Supremo Tribunal Federal estendeu ao art. 21 do Estatuto do Desarmamento, considerados os múltiplos postulados constitucionais violados por semelhante regra legal, eis que o legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição da existência, ou não, de situação configuradora da necessidade de utilização, em cada situação concreta, do instrumento de tutela cautelar penal.
O magistrado, no entanto, sempre poderá, presente situação de real necessidade, evidenciada por fatos que dêem concreção aos requisitos previstos no art. 312 do CPP, decretar, em cada caso, quando tal se mostrar imprescindível, a prisão cautelar da pessoa sob persecução penal.
Foi sob tal perspectiva que esta Corte, tendo presente o requisito legitimador da cautelaridade, julgou (e indeferiu) o HC 89.143/PR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, por haver entendido, naquele caso, que o decreto de custódia cautelar achava-se adequadamente fundamentado segundo os critérios fixados pelo art. 312 do CPP e de acordo com os padrões estabelecidos pela jurisprudência desta Suprema Corte.
Tenho por inadequada, desse modo, a invocação do art. 7º da Lei do Crime Organizado para justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do ora paciente, sendo irrelevante, consideradas as razões expostas, que a regra legal em questão busque encontrar suporte e reforço, para efeito de sua aplicabilidade, em texto superveniente de convenção internacional, como a Convenção de Palermo, que também não pode transgredir a autoridade da Constituição da República.
Afastada a mera invocação do art. 7º do diploma legislativo em referência, cabe examinar as outras razões expostas no ato decisório contra o qual se insurgem os autores desta ação de "habeas corpus".
Ao fazê-lo, tenho para mim, em juízo de sumária cognição, que os fundamentos em que se apóia a presente impetração revestem-se de inquestionável relevo jurídico, especialmente se se examinar o conteúdo da decisão que decretou a prisão preventiva do ora paciente, confrontando-se, para esse efeito, as razões que lhe deram suporte com os padrões que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em análise.
Eis, em síntese, os fundamentos da decisão, que, emanada do ilustre magistrado federal de primeira instância, deu causa às sucessivas impetrações de "habeas corpus" em favor do ora paciente (Apenso 01, fls. 204/210):

"As pessoas denunciadas possuem considerável poder de decisão, autonomia e representação dentro de seu âmbito de atuação, interligando-se entre si, reiterando práticas ilegais de forma velada, tentando sempre frustrar a persecução penal de modo que a elas devem ser dispensadas atenção especial porquanto soltas continuariam seguramente a persistir na prática das atividades delitivas, ou, o que é pior, a tudo fazer para neutralizar os elementos probatórios até aqui produzidos, colocando em sério risco a eficácia da ação penal.
.......................................................
Evidente o desprezo pelas autoridades constituídas e o destemor pela atuação dos órgãos estatais de controle (Banco Central do Brasil, Receita Federal, Polícia Federal, Ministério Público Federal e Justiça Federal), sendo de notar que parte dos denunciados já tinha sido ouvida anteriormente (fls. 135/141 - Boris Berezovsky dos autos n.º 2006.61.81.005118-0/Apenso VII do IPL e fls. 482/488 - Kia Joorabchian do Apenso III do IPL), mas persistiram na prática delituosa, agora contando com o suposto assessoramento de autoridades federais, que teriam sido consultadas para viabilizar 'investimentos' no país.
.......................................................
Todos os denunciados estrangeiros demonstram já de antemão não possuírem qualquer intenção de colaborar para a aplicação da lei penal. Em liberdade, certamente tudo farão para inviabilizar a persecução criminal, além de continuarem na prática de tais atividades, circunstância esta que desde logo coloca em grave risco a ordem pública e a credibilidade da Justiça.
.......................................................
Não se decreta a custódia cautelar pela gravidade dos eventuais atos ilícitos praticados, mas pela reiterada tentativa de lhes conferir idoneidade, o que provoca, ainda nos dias atuais, grande repercussão e clamor público, fragilizando a atividade jurisdicional e a ordem pública.
Não se trata, também, de mera detenção cautelar pela simples repercussão dos fatos, mas porquanto se observou cupidez e manobras, que não inibiram, antes reforçaram, condutas que ainda causam indignação na opinião pública com repulsa profunda." (grifei)

Parece-me que a decisão em causa, ao decretar a prisão preventiva do ora paciente, considerados os fundamentos nela invocados, teria transgredido os critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal construiu em tema de privação cautelar da liberdade individual.
Todos sabemos que a privação cautelar da liberdade individual é sempre qualificada pela nota da excepcionalidade. Não obstante o caráter extraordinário de que se reveste, a prisão preventiva pode efetivar-se, desde que o ato judicial que a formalize tenha fundamentação substancial, com base em elementos concretos e reais que se ajustem aos pressupostos abstratos - juridicamente definidos em sede legal - autorizadores da decretação dessa modalidade de tutela cautelar penal (RTJ 134/798, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO).
É por essa razão que esta Corte, em pronunciamento sobre a matéria (RTJ 64/77), tem acentuado, na linha de autorizado magistério doutrinário (JULIO FABBRINI MIRABETE, "Código de Processo Penal Interpretado", p. 376, 2ª ed., 1994, Atlas; PAULO LÚCIO NOGUEIRA, "Curso Completo de Processo Penal", p. 250, item n. 3, 9ª ed., 1995, Saraiva; VICENTE GRECO FILHO, "Manual de Processo Penal", p. 243/244, 1991, Saraiva), que, uma vez comprovada a materialidade dos fatos delituosos e constatada a existência de meros indícios de autoria (pressupostos da prisão preventiva) - e desde que concretamente ocorrente qualquer das situações referidas no art. 312 do Código de Processo Penal (fundamentos da prisão preventiva) -, torna-se legítima a decretação, pelo Poder Judiciário, dessa especial modalidade de prisão cautelar.

Presente esse contexto, cabe verificar se os fundamentos subjacentes à decisão ora questionada ajustam-se, ou não, ao magistério jurisprudencial firmado pelo Supremo Tribunal Federal no exame do instituto da prisão preventiva.

É inquestionável que a antecipação cautelar da prisão - qualquer que seja a modalidade autorizada pelo ordenamento positivo (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente da decisão de pronúncia e prisão resultante de sentença penal condenatória recorrível) - não se revela incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência (RTJ 133/280 - RTJ 138/216 - RTJ 142/855 - RTJ 142/878 - RTJ 148/429 - HC 68.726/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, v.g.).
Impõe-se advertir, no entanto, que a prisão cautelar ("carcer ad custodiam") - que não se confunde com a prisão penal ("carcer ad poenam") - não objetiva infligir punição à pessoa que sofre a sua decretação. Não traduz, a prisão cautelar, em face da estrita finalidade a que se destina, qualquer idéia de sanção. Constitui, ao contrário, instrumento destinado a atuar "em benefício da atividade desenvolvida no processo penal" (BASILEU GARCIA, "Comentários ao Código de Processo Penal", vol. III/7, item n. 1, 1945, Forense), tal como esta Suprema Corte tem proclamado:

"A PRISÃO PREVENTIVA - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO TEM POR OBJETIVO INFLIGIR PUNIÇÃO ANTECIPADA AO INDICIADO OU AO RÉU.
- A prisão preventiva não pode - e não deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.
A prisão preventiva - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal."
(RTJ 180/262-264, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Isso significa, portanto, que o instituto da prisão cautelar - considerada a função exclusivamente processual que lhe é inerente - não pode ser utilizado com o objetivo de promover a antecipação satisfativa da pretensão punitiva do Estado, pois, se assim fosse lícito entender, subverter-se-ia a finalidade da prisão preventiva, daí resultando grave comprometimento ao princípio da liberdade (HC 89.501/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
É por isso que esta Suprema Corte tem censurado decisões que fundamentam a privação cautelar da liberdade no reconhecimento de fatos que se subsumem à própria descrição abstrata dos elementos que compõem a estrutura jurídica do tipo penal:

"(...) PRISÃO PREVENTIVA - NÚCLEOS DA TIPOLOGIA - IMPROPRIEDADE. Os elementos próprios à tipologia bem como as circunstâncias da prática delituosa não são suficientes a respaldar a prisão preventiva, sob pena de, em última análise, antecipar-se o cumprimento de pena ainda não imposta (...)."
(HC 83.943/MG, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - grifei)

Essa asserção permite compreender o rigor com que o Supremo Tribunal Federal tem examinado a utilização, por magistrados e Tribunais, do instituto da tutela cautelar penal, em ordem a impedir a subsistência dessa excepcional medida privativa da liberdade, quando inocorrente hipótese que possa justificá-la.
Nem se diga que a gravidade em abstrato dos crimes bastaria para justificar a privação cautelar da liberdade individual do paciente.
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal tem advertido que a natureza da infração penal não se revela circunstância apta, só por si, para justificar a privação cautelar do "status libertatis" daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.
Esse entendimento vem sendo observado em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, ainda que o delito imputado ao réu (não é o caso destes autos!) seja legalmente classificado como crime hediondo (RTJ 172/184, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RTJ 182/601-602, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RHC 71.954/PA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):

"A gravidade do crime imputado, um dos malsinados 'crimes hediondos' (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, 'ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória' (CF, art. 5º, LVII)."
(RTJ 137/287, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)

"A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU.
- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada."
(RTJ 187/933-934, Rel. Min. CELSO DE MELLO)


Também não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual, a alegação de que o paciente deveria ser mantido na prisão, em ordem a garantir a credibilidade da Justiça.
Esse entendimento já incidiu, por mais de uma vez, na censura do Supremo Tribunal Federal, que, acertadamente, tem destacado a absoluta inidoneidade dessa particular fundamentação do ato que decreta a prisão preventiva do réu (RTJ 180/262-264, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 72.368/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE):

"O clamor social e a credibilidade das instituições, por si sós, não autorizam a conclusão de que a garantia da ordem pública está ameaçada, a ponto de legitimar a manutenção da prisão cautelar do paciente enquanto aguarda novo julgamento pelo Tribunal do Júri."
(RTJ 193/1050, Rel. Min. EROS GRAU - grifei)

Por sua vez, a suposição - fundada em juízo meramente conjectural (sem qualquer referência a situações concretas) - de que o réu poderia interferir nas provas, se mantido em liberdade, constitui, quando destituída de base empírica, presunção arbitrária que não pode legitimar a privação cautelar da liberdade individual.
A mera afirmação, desacompanhada de indicação de fatos concretos, de que o ora paciente, em liberdade, poderia frustrar, ilicitamente, a regular instrução processual revela-se insuficiente para fundamentar o decreto de prisão cautelar, se essa alegação - como parece ocorrer na espécie dos autos - deixa de ser corroborada por necessária base empírica (que necessariamente deve ser referida na decisão judicial), tal como tem advertido, a propósito desse específico aspecto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 170/612-613, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RTJ 175/715, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.).
Sustentou-se, ainda, para justificar a prisão preventiva do ora paciente, que os eventos que lhe foram imputados teriam provocado "grande repercussão e clamor público, fragilizando a atividade jurisdicional e a ordem pública" (Apenso 01, fls. 210 - grifei).
Cabe relembrar, neste ponto, que o clamor público não pode erigir-se em fator subordinante da decretação ou da preservação da prisão cautelar de qualquer réu.
A própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem enfatizado que o estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso.
Bem por isso, já se decidiu, nesta Suprema Corte, que "a repercussão do crime ou o clamor social não são justificativas legais para a prisão preventiva, dentre as estritamente delineadas no artigo 312 do Código de Processo Penal (...)" (RTJ 112/1115, 1119, Rel. Min. RAFAEL MAYER - grifei).
A prisão cautelar, em nosso sistema jurídico, não deve condicionar-se, no que concerne aos pressupostos de sua decretabilidade, ao clamor emergente das ruas, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade.
Esse entendimento constitui diretriz prevalecente no magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que a repercussão social do delito e o clamor público por ele gerado não se qualificam como causas legais de justificação da prisão processual do suposto autor da infração penal, não sendo lícito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica do que se contém no art. 323, V, do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal (RT 598/417 - RTJ 172/159, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - HC 71.289/RS, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - RHC 64.420/RJ, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO, v.g.):

"O CLAMOR PÚBLICO NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE.
- O estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade.
O clamor público - precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312) - não se qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu, não sendo lícito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica do que se contém no art. 323, V, do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal. Precedentes."
(RTJ 187/933-934, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, para, até final julgamento desta ação de "habeas corpus", suspender, cautelarmente, a eficácia da decisão que decretou a prisão preventiva do ora paciente, proferida nos autos do Processo nº 2006.61.81.008647-8 (6ª Vara Criminal da 1ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo).
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao Excelentíssimo Senhor Ministro-Relator do HC 100.090/SP (Superior Tribunal de Justiça), à Presidência do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região (HC nº 2007.03.00.097239-7) e ao Senhor Juiz da 6ª Vara Federal Criminal da 1ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo (Processo nº 2006.61.81.008647-8).

Publique-se.

Brasília, 19 de agosto de 2008.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão publicada no DJE de 26.8.2008

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS

18 a 22 de agosto de 2008


STF - Súmula vinculante - Universidade Pública - Taxa de matrícula - Cobrança
Súmula vinculante nº 12 - A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal. Publicada no DJE, n. 157, de 22/8/2008, p.1.

STF - Súmula vinculante - Preso - Algema - Uso
Súmula vinculante nº 11 - Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo a integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. Publicada no DJE, n. 157, de 22/8/2008, p.1.



Assessora responsável pelo Informativo

Anna Daniela de A. M. dos Santos
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Informativo STF - 516 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

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