Anúncios


sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Informativo STF 492 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Informativo STF


Brasília, 10 a 14 de dezembro de 2007 - Nº 492.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

Download deste Informativo

SUMÁRIO


Plenário
Importação de Pneus Usados e Grave Lesão - 1
Importação de Pneus Usados e Grave Lesão - 2
Importação de Pneus Usados e Grave Lesão - 3
Importação de Pneus Usados e Grave Lesão - 4
ADI e Reedição de Medida Provisória Revogada - 1
ADI e Reedição de Medida Provisória Revogada - 2
ADPF e Vinculação ao Salário Mínimo - 3
ADI e Direito do Trabalho
HC: Extradição e Aditamento de Tratado Bilateral
1ª Turma
Dosimetria e Suspensão Condicional da Pena
IPI: Insumos Não-Tributados - 2
2ª Turma
Súmula 716 do STF e Trânsito em Julgado
Art. 28 da Lei 11.343/2006 e Crime Militar
Turmas Suplementares e Princípio do Juiz Natural
Adicional de Insalubridade e Vinculação ao Salário Mínimo
Transcrições
Membro do Congresso Nacional - Declaração em CPI - Imunidade Parlamentar Material - Interpelação Judicial - Inadmissibilidade (Pet 4199/DF)


PLENÁRIO


Importação de Pneus Usados e Grave Lesão - 1

O Tribunal, por maioria, negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão da Min. Ellen Gracie, Presidente, que deferira pedido de suspensão de decisão monocrática que, em antecipação de tutela recursal nos autos de apelação em trâmite perante o TRF da 2ª Região, assegurara a expedição, em favor da empresa recorrente, de licenças de importação de carcaças de pneumáticos usados, matéria-prima utilizada em processo de industrialização de pneus reformados. Por votação majoritária, o Tribunal rejeitou a preliminar de não-conhecimento do pedido suspensivo, com base na orientação fixada pela Corte no sentido de que o Presidente do Supremo pode suspender liminares deferidas por relatores, no âmbito dos tribunais de justiça, independentemente de interposição de agravo pelo Poder Público. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio que não conhecia do pedido suspensivo, ao fundamento de não caber, per saltum, vir-se ao Supremo para pleitear uma reforma que deveria ser alcançada pelo próprio tribunal a que integrado o autor do ato que se pretende lesivo ao meio ambiente.
STA 118 AgR/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 12.12.2007. (STA-118)

Importação de Pneus Usados e Grave Lesão - 2

No mérito, entendeu-se que a decisão agravada deveria ser mantida, porquanto demonstradas, na espécie, as graves lesões previstas no art. 4º da Lei 8.427/92. Reputou-se objetivamente comprovada a grave lesão à ordem pública, considerada em termos de ordem administrativa, haja vista a proibição geral de importação de bens de consumo ou matéria-prima usada, bem como a ocorrência de grave lesão ao manifesto e inafastável interesse público decorrente da efetiva possibilidade de danos irreparáveis ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à saúde (CF, art. 225). Registrou-se que, à exceção do período compreendido entre as Portarias DECEX 1/92 e 18/92, desde a edição da Portaria DECEX 8/91, não é permitida a importação de bens de consumo usados. Asseverou-se que a proibição geral de importação de bens de consumo ou de matéria-prima usada vigorou até a edição da Portaria SECEX 2/2002, consolidada na Portaria SECEX 17/2003 e, mais recentemente, na Portaria SECEX 35/2006, que adequou a legislação nacional à decisão proferida pelo Tribunal Arbitral do Mercosul para reiterar a vedação, com exceção da importação de pneus recauchutados e usados remoldados originários de países integrantes do Mercosul.
STA 118 AgR/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 12.12.2007. (STA-118)

Importação de Pneus Usados e Grave Lesão - 3

Afirmou-se que o debate que se desenvolve na origem ultrapassaria os interesses circunscritos à atividade de certo setor da economia, adquirindo dimensão maior em face do problema global de gestão de tratamento dos pneumáticos usados (resíduos sólidos), ressaltando, no ponto, que o exercício da atividade empresarial deve ser compatível com os demais princípios constitucionais, principalmente com os fundamentos inscritos no art. 170 da CF. Enfatizou-se o fato de se ter, além do expressivo passivo ambiental brasileiro produzido anualmente, a importação, sub judice, de milhões de pneus usados, sem que o país disponha de processo tecnológico de destinação final ambientalmente segura, eficaz e econômica, haja vista que os métodos ora adotados não decompõem esses resíduos, mas apenas os transformam, por incineração, o que provoca a emissão de substâncias extremamente tóxicas e mutagênicas, que causam severos efeitos à saúde e ao meio ambiente. Aduziu-se, também, que a importação de carcaças de pneumáticos usados interfere nos programas desenvolvidos pelo Poder Público para a redução e o controle desses resíduos sólidos produzidos no Brasil, o que ensejou, inclusive, a posterior inserção, pela Resolução CONAMA 301/2003, do art. 12-A à Resolução CONAMA 258/99, que estendeu as regras contidas nesta aos pneus usados que ingressarem em território nacional por força de decisão judicial.
STA 118 AgR/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 12.12.2007. (STA-118)

Importação de Pneus Usados e Grave Lesão - 4

Acrescentou-se que os pneumáticos são notoriamente fontes de proliferação e disseminação de vetores, que possibilitam o desenvolvimento de muitas doenças graves. Observou-se, ainda, não haver no ordenamento jurídico brasileiro vedação ao exercício da atividade proposta pela agravante na industrialização de pneus remoldados, recauchutagem e vulcanização de pneumáticos, e que tanto o Poder Legislativo quanto o Executivo se empenham em promover o setor nacional de reaproveitamento dos resíduos e pneumáticos, para evitar a produção desnecessária de resíduos adicionais ao passivo ambiental nacional. Por fim, salientando não caber nos presentes autos o aprofundamento de todas questões apresentadas pela empresa recorrente a respeito da constitucionalidade do conjunto de normas em vigor - especialmente de ordem ambiental e de comércio exterior - que veda, especificamente, a importação de pneus usados, mencionou-se a existência de processos de controle concentrado de constitucionalidade, em trâmite perante a Corte, nos quais se busca discutir tal matéria. Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Marco Aurélio, que davam provimento ao recurso.
STA 118 AgR/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 12.12.2007. (STA-118)

ADI e Reedição de Medida Provisória Revogada - 1

O Tribunal, por maioria, deferiu medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB e pelo Democratas - DEM para suspender a eficácia da Medida Provisória 394/2007, que dá nova redação ao § 3º do art. 5º da Lei 10.826/2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - SINARM ("§ 3º Os registros de propriedade expedidos pelos órgãos estaduais, realizados até a data da publicação desta Lei, deverão ser renovados mediante o pertinente registro federal até o dia 2 julho de 2008."). Considerando plausível a alegação de que a MP 394/2007 seria mera reedição de parte da MP 379/2007, adotou-se a orientação fixada na ADI 2984 MC/DF (DJU de 4.5.2004), segundo a qual o sistema instituído pela EC 32/2001 impossibilita, sob pena de fraude à Constituição, a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória revogada.
ADI 3964 MC/DF, rel. Min. Carlos Britto, 12.12.2007. (ADI-3964)

ADI e Reedição de Medida Provisória Revogada - 2

Asseverou-se que adoção de tese contrária implicaria ofensa ao princípio da separação de poderes (CF, art. 2º), porquanto o Presidente da República passaria, por meio desses expedientes revocatório-reedicionais de medidas provisórias, a organizar e a operacionalizar a pauta mesma dos trabalhos legislativos (CF, artigos 51, IV e 52, XIII). Ressaltou-se que a autonomia das duas Casas do Congresso Nacional para organizar e operar suas pautas de trabalho seria a própria razão de ser da proibição contida no § 10 do art. 62 da CF ("É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo."). Essa razão de ser também transpareceria na proibição da reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória revogada, haja vista que o ato de revogação de uma medida provisória consistiria numa auto-rejeição, e reeditá-la significaria artificializar os requisitos constitucionais de urgência e relevância, já descaracterizados com a revogação. Por fim, enfatizou-se que, com tal proibição, o Presidente da República não estaria impedido de acudir a supervenientes situações de urgência, uma vez que poderia utilizar-se do processo legislativo sumário (CF, art. 64, §§ 1º, 2º e 3º). Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau, que indeferiam a cautelar.
ADI 3964 MC/DF, rel. Min. Carlos Britto, 12.12.2007. (ADI-3964)

ADPF e Vinculação ao Salário Mínimo - 3

Por vislumbrar ofensa ao princípio federativo e à proibição de vinculação do salário mínimo para qualquer fim (CF, art. 7º, IV), o Tribunal julgou procedente pedido formulado em argüição de descumprimento de preceito fundamental proposta pelo Governador do Pará para declarar o não recebimento, pela Constituição Federal de 1988, do art. 2º do Decreto estadual 4.726/87, que cria Tabela Especial de Vencimentos e Salários destinada a remunerar os ocupantes de cargos e funções-de-emprego privativos de titulares de cursos superiores ou habilitação legal equivalente do extinto Departamento de Estradas e Rodagem do referido Estado-membro, estabelecendo que a mesma será constituída por três níveis salariais correspondentes a múltiplos de salário mínimo.
ADPF 47/PA, rel. Min. Eros Grau, 12.12.2007. (ADPF-47)

ADI e Direito do Trabalho

Por entender usurpada a competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho e condições para o exercício de profissões (CF, art. 22, I e XVI, respectivamente), o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Distrito Federal para declarar a inconstitucionalidade da Lei distrital 3.136/2003, que disciplina a atividade de transporte de bagagens nos terminais rodoviários do Distrito Federal.
ADI 3587/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 12.12.2007. (ADI-3587)

HC: Extradição e Aditamento de Tratado Bilateral

Reafirmando jurisprudência no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisões do Supremo em processos de jurisdição única, o Tribunal, por maioria, não conheceu de writ impetrado contra acórdão que deferira extradição, formulada pelo Governo Americano, de nacional haitiano acusado da suposta prática dos delitos de tráfico de entorpecentes e lavagem de dinheiro. Asseverou-se, ademais, não estar configurada, na espécie, circunstância excepcionalíssima que justificasse a concessão da ordem de ofício, tendo em vista, especialmente, o fato de ser improcedente a alegação de que o crime de lavagem de dinheiro não constaria do rol de delitos previstos no tratado de extradição firmado entre o governo requerente e o Brasil. No ponto, afirmou-se que tal infração teria sido incluída nesse tratado bilateral por força do disposto no art. 44 da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Decreto 5.687/2006) e no art. 16 da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Decreto 5.015/2004) - das quais ambos os países seriam signatários, sem ressalva -, que prevêem que os crimes aos quais eles se aplicam, como o de lavagem de dinheiro, considerar-se-ão incluídos entre os delitos que dão lugar à extradição em todo tratado de extradição vigente entre os Estados Partes. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, Celso de Mello e Gilmar Mendes que, levando em conta a excepcionalidade da matéria discutida e, ainda, o debate em torno de tema novo, que permite ao Tribunal afastar a sua jurisprudência acerca da taxatividade do rol dos delitos que ensejam a extradição, conheciam do writ, mas o indeferiam, aplicando os aludidos dispositivos. Precedente citado: HC 76628 QO/DF (DJU de 12.6.98).
HC 92598/RJ, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Menezes Direito, 13.12.2007. (HC-92598)


PRIMEIRA TURMA


Dosimetria e Suspensão Condicional da Pena

A Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STM que condenara militar à pena de 6 meses de detenção pela prática do crime de desacato (CPM, art. 299), reformando decisão que, ao aplicar o princípio da insignificância, absolvera-o. No caso, contra essa decisão a defesa impetrara HC perante o STF, que fora deferido para determinar a manifestação do STM relativamente ao direito do paciente à suspensão condicional da pena (HC 88281/PA, DJU de 5.6.2006). Realizado novo julgamento, o STM denegara o referido benefício, concedendo-lhe o direito de recorrer em liberdade. A impetração requer a nulidade do referido acórdão, alegando a falta de fundamentação na dosimetria da reprimenda, porquanto não observados o princípio da individualização da pena e o critério trifásico. Pleiteia, também, a concessão da suspensão condicional da pena, ao argumento de tratar-se de direito subjetivo do paciente. A Min. Cármen Lúcia, relatora, indeferiu o writ, no que foi acompanhada pelos Ministros Ricardo Lewandowski e Carlos Britto. Enfatizou que a jurisprudência do Supremo é assente no sentido de não reconhecer a nulidade do tópico da decisão que, como na espécie, fixa a pena no mínimo legal, haja vista não haver como se comprovar qualquer prejuízo ao réu. Asseverou que, nessa impetração, sequer se aventa a presença de causa de diminuição da pena, única hipótese em que a defesa poderia questionar a fixação no mínimo legal. Ademais, salientou que, se vício houvesse, o seu reconhecimento e a conseqüente declaração de nulidade só favoreceria a acusação e não a defesa. No tocante à falta de fundamentação idônea para negar ao paciente a suspensão condicional da pena, aduziu que, em cumprimento à ordem do STF, o STM apresentara razões, em tese válidas, para negar esse benefício, considerando, notadamente, as circunstâncias e os motivos do crime, de modo que não seria possível, na via eleita, ponderar sobre a suficiência desses. Após, pediu vista o Min. Marco Aurélio.
HC 92322/PA, rel. Min. Cármen Lúcia, 11.12.2007. (HC-92322)

IPI: Insumos Não-Tributados - 2

Em conclusão de julgamento, a Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental para que o recurso extraordinário tenha regular seqüência, declarando insubsistente o ato atacado mediante o agravo. Tratava-se, na espécie, de agravo regimental interposto pela União contra decisão do Min. Sydney Sanches que negara seguimento a extraordinário, do qual relator, por concluir que o acórdão recorrido estaria em conformidade com a jurisprudência do STF quanto à possibilidade de creditamento do IPI na utilização de insumos tributados à alíquota zero, isentos e não-tributados - v. Informativo 299. Consideraram-se, no caso, precedentes da Turma no sentido de que, no julgamento de agravo regimental impugnando a aplicação do art. 557, do CPC, havendo discrepância de votos, o agravo deve ser provido para que o apelo extremo venha ao colegiado e as partes tenham direito à sustentação oral, à distribuição de memoriais, isto é, à instrução do processo. Vencidos os Ministros Sydney Sanches, que mantinha a decisão agravada, e Carlos Britto, que lhe dava parcial provimento na linha do que decidido no RE 353657/PR (j. em 25.6.2007).
RE 363777 AgR/RS, rel. Min. Sydney Sanches, 11.12.2007. (RE-363777)


SEGUNDA TURMA


Súmula 716 do STF e Trânsito em Julgado

Aplicando o Enunciado da Súmula 716 do STF ("Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória."), a Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de condenadas à pena de 6 anos de reclusão pela prática dos crimes tipificados nos artigos 12 e 14 da Lei 6.368/76 que, tendo cumprido praticamente a totalidade da reprimenda, aguardavam em regime fechado o julgamento de apelação interposta pelo Ministério Público há mais de 2 anos. Preliminarmente, superado o óbice do Enunciado da Súmula 691 do STF, conheceu-se da impetração por reputar-se manifesto o constrangimento a que submetidas as pacientes. Ressaltou-se que a Procuradoria-Geral da República, em parecer, manifestara-se no sentido da possibilidade da progressão de regime, tendo em conta o tempo de pena já cumprido, o fato de inexistirem elementos concretos capazes de exacerbar ao máximo a sanção imposta, bem como a generalidade da apelação. Todavia, entendeu-se que deveria ser conferido ao aludido verbete interpretação extensiva, de modo a permitir o implemento de outro benefício potencialmente adquirido: no caso, a liberdade condicional. Assim, deferiu-se o writ para conceder às pacientes a liberdade condicional, devendo o juiz sentenciante fixar as condições desse benefício após a soltura, que deverá ser imediata.
HC 92417/RJ, rel. Min. Eros Grau, 11.12.2007. (HC-92417)

Art. 28 da Lei 11.343/2006 e Crime Militar

A Turma deferiu habeas corpus para absolver militar condenado pela prática do crime de posse de substância entorpecente em lugar sujeito à administração castrense (CPM, art. 290), decorrente do fato de ter sido preso em flagrante quando fumava e portava cigarro de maconha no interior de unidade militar. Tratava-se, na espécie, de writ impetrado pela Defensoria Pública da União contra acórdão do STJ que mantivera entendimento do STM quanto à inaplicabilidade do princípio da insignificância no âmbito da justiça militar. Concluiu-se pela aplicação desse princípio, na hipótese, porquanto preenchidos seus requisitos objetivos, a saber: mínima ofensividade da conduta; ausência de periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica causada. Ademais, a despeito do princípio da especialidade e em atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana, considerou-se que a Nova Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) deveria incidir na hipótese, não obstante tal possibilidade não tivesse sido examinada pelo STJ. No ponto, ressaltou-se que a referida norma prevê que a distinção entre usuário de drogas e traficante deve ter por base o caso concreto e que o primeiro precisa ser recuperado ao invés de penalizado, tratando-se, pois, de norma claramente benéfica ao usuário e dependente de drogas. Por fim, salientou-se que o paciente já fora punido com exclusão das fileiras do Exército, sanção suficiente para que restassem preservadas a disciplina e a hierarquia militares.
HC 92961/SP, rel. Min. Eros Grau, 11.12.2007. (HC-92961)

Turmas Suplementares e Princípio do Juiz Natural

A Turma, acolhendo proposta do Min. Gilmar Mendes, deliberou afetar ao Plenário apreciação de habeas corpus no qual se discute a validade de julgamento de apelação realizado por turma suplementar do TRF da 1ª Região. Sustenta a impetração, na espécie, que a criação de turmas suplementares seria nula, porquanto tratar-se-ia de órgão jurisdicional anômalo - composto majoritariamente por juízes federais de 1º grau -, instituído mediante simples resolução daquela Corte (Resolução 5/2001). Afirma que a atuação simultânea dessas turmas com os demais órgãos fracionários do TRF da 1ª Região violaria o art. 4º da Lei 9.788/99 e a Resolução 210/99, do Conselho da Justiça Federal, já que extrapolaria os limites impostos para a convocação de juízes federais de 1º grau para auxiliar os magistrados integrantes dos tribunais. Por fim, alega ofensa ao postulado do juiz natural e da reserva legal e ao art. 118, § 4º, da LOMAN.
HC 83686/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 11.12.2007. (HC-83686)

Adicional de Insalubridade e Vinculação ao Salário Mínimo

A aplicação do salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade viola o disposto no art. 7º, IV, da CF, que veda sua vinculação para qualquer fim. Com base nesse entendimento, a Turma conheceu e deu provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do TST que reformara decisão do TRT de origem que determinara que, após a edição da CF/88, a remuneração do empregado seria a base de cálculo do adicional de insalubridade. Asseverou-se que o alcance do preceito constitucional é evitar que o atrelamento do salário mínimo a situações diversas iniba o legislador na necessária reposição do poder aquisitivo, isto objetivando o atendimento ao que nele previsto. Enfatizou-se que, no caso, o salário mínimo de referência fora desprezado, adotando-se, no período em discussão, fator vedado pela Constituição. RE provido para desvincular a base de cálculo do adicional e restabelecer o critério legal utilizado pelo TRT de origem para fixação da base de cálculo do adicional de insalubridade.
RE 439035/ES, rel. Min. Gilmar Mendes, 11.12.2007. (RE-439035)


SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno12.12.200713.12.2007535
1ª Turma11.12.2007--8
2ª Turma11.12.2007--283



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Membro do Congresso Nacional - Declaração em CPI - Imunidade Parlamentar Material - Interpelação Judicial - Inadmissibilidade (Transcrições)

Pet 4199/DF*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: INTERPELAÇÃO JUDICIAL. PEDIDO DE EXPLICAÇÕES FEITO A SENADOR DA REPÚBLICA. LEI DE IMPRENSA (ART. 25) E CÓDIGO PENAL (ART. 144 OFENSAS PROFERIDAS NO ÂMBITO DE COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. AUSÊNCIA DE DUBIEDADE, EQUIVOCIDADE OU AMBIGÜIDADE. INEXISTÊNCIA DE DÚVIDA OBJETIVA EM TORNO DO CONTEÚDO MORALMENTE OFENSIVO DAS AFIRMAÇÕES. INVIABILIDADE JURÍDICA DO AJUIZAMENTO DA INTERPELAÇÃO JUDICIAL POR FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. IMUNIDADE PARLAMENTAR EM SENTIDO MATERIAL. A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO PARLAMENTAR. AMPLITUDE DA GARANTIA INSTITUCIONAL DA IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO - PENAL E CIVIL - DE MEMBRO DO CONGRESSO NACIONAL, "POR QUAISQUER DE SUAS OPINIÕES, PALAVRAS E VOTOS" (CF, ART. 53, "CAPUT"), NOTADAMENTE QUANDO PROFERIDOS NO ÂMBITO DE COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. CONSEQÜENTE INADMISSIBILIDADE, EM TAL CONTEXTO, DE INTERPELAÇÃO JUDICIAL DE SENADOR DA REPÚBLICA OU DE DEPUTADO FEDERAL. DOUTRINA. PRECEDENTES. PEDIDO DE EXPLICAÇÕES A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

DECISÃO: Trata-se de "interpelação judicial" deduzida contra Senador da República. Pretende-se que este ofereça explicações necessárias ao esclarecimento de afirmações que foram feitas no âmbito de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI do "Apagão Aéreo").
Impõe-se verificar, preliminarmente, se assiste, ou não, competência a esta Suprema Corte para processar, originariamente, este pedido de explicações.
A notificação, como se sabe, considerada a natureza cautelar de que se reveste, deve processar-se perante o mesmo órgão judiciário que é competente para julgar a ação penal principal eventualmente ajuizável contra o suposto ofensor.
Essa é a razão pela qual, tratando-se de Senador da República, como o ora notificando, compete, ao próprio Supremo Tribunal Federal, processar, originariamente, o pedido de explicações, tal como formulado na espécie:

"COMPETÊNCIA PENAL ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA O PEDIDO DE EXPLICAÇÕES.
- A competência penal originária do Supremo Tribunal Federal, para processar pedido de explicações em juízo, deduzido com fundamento na Lei de Imprensa (art. 25) ou com apoio no Código Penal (art. 144), somente se concretizará quando o interpelado dispuser, 'ratione muneris', da prerrogativa de foro, perante a Suprema Corte, nas infrações penais comuns (CF, art. 102, I, 'b' e 'c')."
(RTJ 170/60-61, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Cumpre ter presente, de outro lado, que o pedido de explicações reveste-se de função instrumental, cuja destinação jurídica vincula-se, unicamente, ao esclarecimento de situações impregnadas de dubiedade, equivocidade ou ambigüidade (CP, art. 144; Lei nº 5.250/67, art. 25), em ordem a viabilizar, tais sejam os esclarecimentos prestados, a instauração de processo penal de conhecimento tendente à obtenção de um provimento condenatório, consoante o reconhece a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

"- O pedido de explicações constitui típica providência de ordem cautelar, destinada a aparelhar ação penal principal, tendente a sentença penal condenatória. O interessado, ao formulá-lo, invoca, em juízo, tutela cautelar penal, visando a que se esclareçam situações revestidas de equivocidade, ambigüidade ou dubiedade, a fim de que se viabilize o exercício futuro de ação penal condenatória.
A notificação prevista no Código Penal (art. 144) e na Lei de Imprensa (art. 25) traduz mera faculdade processual, sujeita à discrição do ofendido. E só se justifica na hipótese de ofensas equívocas."
(RTJ 142/816, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Também JULIO FABBRINI MIRABETE, em preciso magistério sobre o tema ("Código Penal Interpretado", p. 1.138, 5ª ed., 2005, Atlas), revela igual entendimento sobre os pressupostos legitimadores da utilização do pedido de explicações em juízo:

"O pedido de explicações previsto no art. 144 é uma medida preparatória e facultativa para o oferecimento da queixa, quando, em virtude dos termos empregados ou do sentido das frases, não se mostra evidente a intenção de caluniar, difamar ou injuriar, causando dúvida quanto ao significado da manifestação do autor, ou mesmo para verificar a que pessoa foram dirigidas as ofensas.
Cabe, assim, nas ofensas equívocas e não nas hipóteses em que, à simples leitura, nada há de ofensivo à honra alheia ou, ao contrário, quando são evidentes as imputações caluniosas, difamatórias ou injuriosas." (grifei)

Essa mesma orientação - que sustenta a inviabilidade do pedido de explicações, quando não houver situação de dubiedade ou equivocidade quanto ao conteúdo das imputações questionadas - é também observada por GUILHERME DE SOUZA NUCCI ("Código Penal Comentado", p. 626, 7ª ed., 2007, RT), ANÍBAL BRUNO ("Crimes Contra a Pessoa", p. 323/324, 3ª ed., Editora Rio), FERNANDO CAPEZ/STELA PRADO ("Código Penal Comentado", p. 281, item n. 1, 2007, Verbo Jurídico), ROGÉRIO GRECO ("Curso de Direito Penal", vol. II/564, 2005, Impetus) e CEZAR ROBERTO BITENCOURT ("Código Penal Comentado", p. 577, 4ª ed., 2007, Saraiva), cabendo referir, por valioso, o magistério de PAULO JOSÉ DA COSTA JUNIOR ("Código Penal Comentado", p. 442, 8ª ed., 2005, DPJ):

"Se a ofensa for equívoca, por empregar termos ou expressões dúbias, cabe o pedido de explicações previsto pelo art. 144.
Por vezes, o agente emprega frases ambíguas propositadamente, quiçá 'para excitar a atenção dos outros e dar mais efeito ao seu significado injurioso'.
Trata-se de medida facultativa, que antecede o oferecimento da queixa. Só tem cabimento o pedido nos casos de ofensas equívocas." (grifei)

Impende acentuar que esse entendimento reflete-se, por igual, na jurisprudência desta Suprema Corte e na dos Tribunais em geral (RT 488/316 - RT 519/402 - RT 534/377 - JTACrSP 86/227 - JTACrSP 97/287 - JTARGS 84/65, v.g.):

"O pedido de explicações em juízo acha-se instrumentalmente vinculado à necessidade de esclarecer situações, frases ou expressões, escritas ou verbais, caracterizadas por sua dubiedade, equivocidade ou ambigüidade. Ausentes esses pressupostos, a interpelação judicial, porque desnecessária, revela-se processualmente inadmissível.
A interpelação judicial, por destinar-se, exclusivamente, ao esclarecimento de situações dúbias ou equívocas, não se presta, quando ausente qualquer ambigüidade no discurso contumelioso, à obtenção de provas penais pertinentes à definição da autoria do fato delituoso.
O pedido de explicações em juízo não se justifica quando o interpelante não tem dúvida alguma sobre o caráter moralmente ofensivo das imputações que lhe foram dirigidas pelo suposto ofensor."
(RT 709/401, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

"(...) as explicações a que alude o artigo 25 da Lei nº 5.250/67 - daí exigir-se manifestação do Poder Judiciário -, visam a permitir se apure, objetivamente, se a inferência da calúnia, difamação ou injúria resultante de referência, alusão ou frase do notificado resulta, ou não, de imprecisão de linguagem. Visam, apenas, a isso, e não a ensejar a verificação da existência de crime, em seus elementos objetivos ou subjetivos, o que será objeto da ação penal própria, se promovida. O que se procura saber, por meio da explicação, é o que realmente quis dizer o autor da referência, da alusão ou da frase. Em outras palavras, as explicações do notificado se destinam a esclarecer se a inferência do notificante corresponde ao que aquele pretendeu exteriorizar. (...)."
(RTJ 79/718, 725, Rel. Min. MOREIRA ALVES - grifei)

"CRIME DE IMPRENSA - Pedido de explicações - Indeferimento - Alusão considerada ofensiva pelo requerente que não se reveste de forma dubitativa - Rejeição 'in limine' - Decisão mantida - Inteligência do art. 144 do CP de 1940."
(RT 607/334, Rel. Juiz RENATO MASCARENHAS - grifei)

Vê-se, portanto, que, onde não houver dúvida objetiva em torno do conteúdo moralmente ofensivo das afirmações questionadas ou, então, onde inexistir qualquer incerteza a propósito dos destinatários de tais declarações, aí não terá pertinência nem cabimento a interpelação judicial, pois ausentes, em tais hipóteses, os pressupostos necessários à sua utilização.
E é, precisamente, o que ocorre na espécie, pois a leitura das alegações contidas a fls. 06 deste processo não permite qualquer dúvida em torno do destinatário das afirmações alegadamente ofensivas.
Note-se que foi imputada, expressa e nominalmente, ao ora interpelante, a prática dos delitos de corrupção ativa e de formação de quadrilha (fls. 06), a tornar evidente a inocorrência, na espécie, de "ambigüidade e dubiedade" (fls. 03).
Em suma: o magistério da doutrina e a jurisprudência dos Tribunais orientam-se, como precedentemente enfatizado, no sentido de que não cabe o pedido de explicações, por ausência de interesse processual, se não se registrar, quanto às declarações questionadas, a situação de necessária dubiedade, ambigüidade ou indeterminação subjetiva.
De qualquer maneira, no entanto, e ainda que presentes os requisitos viabilizadores da interpelação judicial (CP, art. 144), mesmo assim tal providência de índole cautelar não se revelaria cabível na espécie, eis que o interpelando, por ostentar a condição de Senador da República, dispõe da prerrogativa constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, "caput").
Como se sabe, a cláusula inscrita no art. 53, "caput", da Constituição da República, na redação dada pela EC nº 35/2001, exclui, na hipótese nela referida, a própria natureza delituosa do fato, que, de outro modo, tratando-se do cidadão comum, qualificar-se-ia como crime contra a honra, consoante acentua o magistério da doutrina (JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Curso de Direito Constitucional Positivo", p. 532, item n. 15, 20ª ed., 2002, Malheiros; CELSO RIBEIRO BASTOS, "Comentários à Constituição do Brasil", vol. 4, tomo I/187, 1995, Saraiva; LUIZ FLÁVIO GOMES, "Imunidades Parlamentares: Nova Disciplina Jurídica da Inviolabilidade Penal, das Imunidades e das Prerrogativas Parlamentares (EC 35/01)", "in" "Juizados Criminais Federais, Seus Reflexos nos Juizados Estaduais e Outros Estudos", p. 94/97, item n. 4.9, 2002, RT; UADI LAMMÊGO BULOS, "Constituição Federal Anotada", p. 705/707, 4ª ed., 2002, Saraiva, v.g.).
Se é certo, portanto, que a garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material representa importante prerrogativa de ordem institucional, não é menos exato que a Carta da República somente legitima a sua invocação, quando o membro do Congresso Nacional, no exercício do mandato - ou em razão deste - proferir palavras ou expender opiniões que possam assumir qualificação jurídico-penal no plano dos denominados "delitos de opinião".
Impõe-se registrar, desse modo, presente esse contexto, que o exercício do mandato atua como verdadeiro suposto constitucional, apto a legitimar a invocação dessa especial prerrogativa jurídica, destinada a proteger, por suas "opiniões, palavras e votos", o membro do Congresso Nacional, independentemente do "locus" em que proferidas as expressões contumeliosas (RT 648/318 - RTJ 131/1039 - RTJ 133/90 - RTJ 135/509-510, v.g.), notadamente quando forem elas pronunciadas no âmbito de Comissão Parlamentar de Inquérito, circunstância esta que põe o congressista (como o Senador ora requerido) sob a imediata proteção da garantia da imunidade parlamentar, considerada a jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em exame (RTJ 104/441 - RTJ 112/481 - RTJ 129/970 - RTJ 135/509 - RTJ 141/406 - RTJ 166/844 - RTJ 167/180 - RTJ 169/969 - RTJ 191/448):

"QUEIXA-CRIME - DEPUTADO FEDERAL - IMPUTAÇÃO DE DELITO CONTRA A HONRA - EXPRESSÕES OFENSIVAS CONSTANTES DE DEPOIMENTO DO CONGRESSISTA PERANTE COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - INVIOLABILIDADE - IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL (CF, ART. 53, 'CAPUT') - QUEIXA-CRIME LIMINARMENTE REJEITADA.
- O Supremo Tribunal Federal tem acentuado que a prerrogativa constitucional da imunidade parlamentar em sentido material protege o congressista em todas as suas manifestações que guardem relação com o exercício do mandato, ainda que produzidas fora do recinto da própria Casa legislativa (RTJ 131/1039 - RTJ 135/509 - RT 648/318), ou, com maior razão, quando exteriorizadas no âmbito do Congresso Nacional (RTJ 133/90).
- O depoimento prestado por membro do Congresso Nacional a uma Comissão Parlamentar de Inquérito está protegido pela cláusula de inviolabilidade que tutela o legislador no desempenho do seu mandato, especialmente quando a narração dos fatos - ainda que veiculadora de supostas ofensas morais - guarda íntima conexão com o exercício do ofício legislativo e com a necessidade de esclarecer os episódios objeto da investigação parlamentar."
(RTJ 155/396-397, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

"IMUNIDADE PARLAMENTAR EM SENTIDO MATERIAL (INVIOLABILIDADE). SUPERVENIÊNCIA DA EC 35/2001. ÂMBITO DE INCIDÊNCIA. NECESSIDADE DE QUE OS 'DELITOS DE OPINIÃO' TENHAM SIDO COMETIDOS NO EXERCÍCIO DO MANDATO LEGISLATIVO OU EM RAZÃO DELE. INDISPENSABILIDADE DA EXISTÊNCIA DESSE NEXO DE IMPLICAÇÃO RECÍPROCA. CONEXÃO OCORRENTE NA ESPÉCIE. PEDIDO DE ARQUIVAMENTO DEFERIDO.
- A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, 'caput'), que representa um instrumento vital destinado a viabilizar o exercício independente do mandato representativo, somente protege o membro do Congresso Nacional, qualquer que seja o âmbito espacial ('locus') em que este exerça a liberdade de opinião - ainda que fora do recinto da própria Casa legislativa -, desde que as suas manifestações guardem conexão com o desempenho da função legislativa (prática 'in officio') ou tenham sido proferidas em razão dela (prática 'propter officium'), não obstante a superveniente promulgação da EC 35/2001, que não ampliou, em sede penal, a abrangência tutelar da cláusula de inviolabilidade.
- A prerrogativa indisponível da imunidade material - que constitui garantia inerente ao desempenho da função parlamentar (não traduzindo, por isso mesmo, qualquer privilégio de ordem pessoal) - não se estende a palavras, nem a manifestações do congressista, que nenhuma relação tenham com o exercício do mandato legislativo.
- É que a cláusula constitucional da inviolabilidade (CF, art. 53, 'caput'), para legitimamente proteger o parlamentar, supõe que exista o necessário nexo de implicação recíproca entre as declarações moralmente ofensivas, de um lado, e a prática inerente ao ofício congressional, de outro. Doutrina. Precedentes."
(Inq 617/RR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, "in" Informativo/STF nº 275, de 2002)

Esse entendimento jurisprudencial mostra-se fiel à "mens constitutionis", que reconhece, a propósito do tema, que o instituto da imunidade parlamentar em sentido material existe para viabilizar o exercício independente do mandato representativo, revelando-se, por isso mesmo, garantia inerente ao congressista que se encontre no pleno desempenho da atividade legislativa, como sucede com o Senador da República que figura como requerido nesta sede processual (PONTES DE MIRANDA, "Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969", tomo III/10 e 43, 2ª ed., 1970, RT; JOÃO BARBALHO, "Constituição Federal Brasileira", p. 64, edição fac-similar, 1992, Senado Federal; PINTO FERREIRA, "Comentários à Constituição Brasileira", vol. 2/625, 1990, Saraiva; JOSÉ CRETELLA JUNIOR, "Comentários à Constituição de 1988", vol. V/2624-2625, item n. 204, 1991, Forense Universitária; MICHEL TEMER, "Elementos de Direito Constitucional", p. 129/130, item n. 5, 18ª ed., 2002, Malheiros; PEDRO ALEIXO, "Imunidades Parlamentares", p. 59/65, 1961, Belo Horizonte; CELSO RIBEIRO BASTOS, "Comentários à Constituição do Brasil", vol. 4, tomo I/187, 1995, Saraiva; RENÉ ARIEL DOTTI, "Curso de Direito Penal - Parte Geral", p. 398, item n. 25, 2001, Forense, v.g.).
Cumpre assinalar, de outro lado, que a garantia constitucional da imunidade parlamentar material, considerada a função tutelar que lhe é inerente, estende-se, por identidade de razões, ao plano da responsabilidade civil, para, nesse outro domínio, também proteger, com o manto da inviolabilidade, o membro do Congresso Nacional "por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos" (CF, art. 53, "caput"), tal como tive o ensejo de decidir, nesta Suprema Corte, em julgamento que está assim ementado:

"IMUNIDADE PARLAMENTAR EM SENTIDO MATERIAL (INVIOLABILIDADE). DISCURSO PROFERIDO POR DEPUTADO DA TRIBUNA DA CASA LEGISLATIVA. ENTREVISTA JORNALÍSTICA DE CONTEÚDO IDÊNTICO AO DO DISCURSO PARLAMENTAR. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO MEMBRO DO PODER LEGISLATIVO. PRESSUPOSTOS DE INCIDÊNCIA DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IMUNIDADE PARLAMENTAR. PRÁTICA 'IN OFFICIO' E PRÁTICA 'PROPTER OFFICIUM'. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
- A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, 'caput') exclui a responsabilidade civil do membro do Poder Legislativo, por danos eventualmente resultantes de manifestações, orais ou escritas, desde que motivadas pelo desempenho do mandato (prática 'in officio') ou externadas em razão deste (prática 'propter officium'), qualquer que seja o âmbito espacial ('locus') em que se haja exercido a liberdade de opinião, ainda que fora do recinto da própria Casa legislativa.
- A EC 35/2001, ao dar nova fórmula redacional ao art. 53, 'caput', da Constituição da República, consagrou diretriz, que, firmada anteriormente pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 177/1375-1376, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), já reconhecia, em favor do membro do Poder Legislativo, a exclusão de sua responsabilidade civil, como decorrência da garantia fundada na imunidade parlamentar material, desde que satisfeitos determinados pressupostos legitimadores da incidência dessa excepcional prerrogativa jurídica.
- Essa prerrogativa político-jurídica - que protege o parlamentar em tema de responsabilidade civil - supõe, para que possa ser invocada, que exista o necessário nexo de implicação recíproca entre as declarações moralmente ofensivas, de um lado, e a prática inerente ao ofício legislativo, de outro, salvo se as declarações contumeliosas houverem sido proferidas no recinto da Casa legislativa, notadamente da tribuna parlamentar, hipótese em que será absoluta a inviolabilidade constitucional. Doutrina. Precedentes.
- Se o membro do Poder Legislativo, não obstante amparado pela imunidade parlamentar material, incidir em abuso dessa prerrogativa constitucional, expor-se-á à jurisdição censória da própria Casa legislativa a que pertence (CF, art. 55, § 1º). Precedentes: RE 140.867/MS, Rel. p/ o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA (Pleno) - Inq 1.958/AC, Rel. p/ o acórdão Min. CARLOS BRITTO (Pleno)."
(AI 473.092/AC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, "in" Informativo/STF nº 379, de 2005)

Impende observar, por oportuno, presente esse contexto, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, mesmo antes da promulgação da EC 35/2001, que deu nova fórmula redacional à regra inscrita no art. 53, "caput", da Constituição, já havia firmado entendimento no sentido de estender o alcance da imunidade material ao plano da responsabilidade civil, em ordem a impedir que o membro do Poder Legislativo pudesse ser condenado ao pagamento de indenização pecuniária, por palavras, opiniões, votos ou críticas resultantes da prática do ofício legislativo.
Cabe relembrar, neste ponto, que o Plenário desta Suprema Corte, ao julgar o RE 210.917/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE (RTJ 177/1375-1376), assim se pronunciou:
"A imunidade parlamentar material se estende à divulgação pela imprensa, por iniciativa do congressista ou de terceiros, do fato coberto pela inviolabilidade.
A inviolabilidade parlamentar elide não apenas a criminalidade ou a imputabilidade criminal do parlamentar, mas também a sua responsabilidade civil por danos oriundos da manifestação coberta pela imunidade ou pela divulgação dela: é conclusão assente, na doutrina nacional e estrangeira, por quantos se têm ocupado especificamente do tema." (grifei)

Essa diretriz jurisprudencial - que reconhece, uma vez satisfeitos determinados pressupostos, que a exclusão da responsabilidade civil (tanto quanto a da responsabilidade penal) do membro do Poder Legislativo qualifica-se como projeção decorrente da prerrogativa da imunidade parlamentar material - tem sido observada pelo Supremo Tribunal Federal:

"(...) A inviolabilidade parlamentar alcança, também, o campo da responsabilidade civil. (...)."
(RTJ 169/727, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - grifei)
"(...) As manifestações dos parlamentares, ainda que feitas fora do exercício estrito do mandato, mas em conseqüência deste, estão abrangidas pela imunidade material, que alcança, também, o campo da responsabilidade civil. (...)."
(RE 226.643/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - grifei)

Essa mesma orientação - que encontra apoio na autorizada lição de DAMÁSIO E. DE JESUS ("Direito Penal - Parte Geral", vol. 1/684, item n. 8, 24ª ed., 2001, Saraiva), de FERNANDO CAPEZ ("Curso de Processo Penal", p. 53/54, item n. 6.2, 7ª ed., 2001, Saraiva), de ÁLVARO MAYRINK DA COSTA ("Direito Penal - Parte Geral", vol. I, tomo I/488, item n. 12, 6ª ed., 1998, Forense), de UADI LAMMÊGO BULOS ("Constituição Federal Anotada", p. 705/707, 4ª ed., 2002, Saraiva), de ALEXANDRE DE MORAES ("Constituição do Brasil Interpretada", p. 1.016/1.017, item n. 53.2, 2002, Atlas), de LUIZ ALBERTO DAVID ARAUJO/VIDAL SERRANO NUNES JUNIOR ("Curso de Direito Constitucional", p. 297, item n. 3, 6ª ed., 2002, Saraiva) e de HELENO CLÁUDIO FRAGOSO ("Lições de Direito Penal - Parte Geral", p. 130, item n. 113, 12ª ed., 1990, Forense, v.g.) - foi exposta, em lapidar abordagem do tema, pelo saudoso e eminente RAUL MACHADO HORTA ("Estudos de Direito Constitucional", p. 597/598, item n. 3, 1995, Del Rey), que assim analisou a matéria em questão, examinando-a sob a perspectiva da responsabilidade civil:

"(...) A inviolabilidade abrange os discursos pronunciados, em sessões ou nas Comissões, os relatórios lidos ou publicados, e assim os votos proferidos pelos Deputados ou Senadores. Protege o congressista ou parlamentar pelos atos praticados na Comissão Parlamentar de Inquérito. Na tribuna, um deputado acusa funcionário de concussão; fornecedor do Estado, de furto; afirma que determinada pessoa é agente de potência estrangeira. Profere, afinal, palavras que, pronunciadas por outros, exporiam o seu autor à ação penal ou à responsabilidade civil. Mas, no caso do membro do Poder Legislativo, ele está protegido por ampla irresponsabilidade, que envolve os discursos, as palavras, os votos e as opiniões, manifestadas no exercício do mandato. A inviolabilidade obsta a propositura de ação civil ou penal contra o parlamentar, por motivo de opiniões ou votos proferidos no exercício de suas funções. (...). É absoluta, permanente, de ordem pública. A inviolabilidade é total. As palavras e opiniões sustentadas no exercício do mandato ficam excluídas de ação repressiva ou condenatória, mesmo depois de extinto o mandato. É a 'insindicabilità' das opiniões e dos votos, no exercício do mandato, que imuniza o parlamentar em face de qualquer responsabilidade: penal, civil, ou administrativa, e que perdura após o término do próprio mandato.
(...) O Deputado, na tribuna, pode injuriar; caluniar; atingir levianamente pessoas estranhas ao Poder Legislativo, que não poderão contestá-lo de imediato; incitar militares à desobediência. Só estará sujeito, para correção dos excessos ou dos abusos, ao poder disciplinar previsto nos Regimentos Internos. (...). É necessário fixar, todavia, que a inviolabilidade (...) está vinculada ao exercício do mandato ou das funções legislativas. (...). A cláusula que subordina a inviolabilidade ao exercício do mandato impõe acatamento ao caráter teleológico da imunidade." (grifei)

Cumpre enfatizar, a respeito desse aspecto do tema, que alguns eminentes autores, mesmo antes do advento da EC 35/2001, já proclamavam que a garantia da imunidade parlamentar em sentido material estendia-se, no domínio de sua específica proteção constitucional, também ao plano da responsabilidade civil (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, "Comentários à Constituição Brasileira de 1988", vol. 2/45, 1992, Saraiva; PONTES DE MIRANDA, "Comentários à Constituição de 1946", vol. II/243, 2ª ed., 1953, Max Limonad; CARLOS MAXIMILIANO, "Comentários à Constituição Brasileira", vol. II/49, item n. 297, 5ª ed., 1954, Freitas Bastos; PAULO M. DE LACERDA, "Princípios de Direito Constitucional Brasileiro", vol. II/173, item n. 387, Erbas de Almeida e Cia; MARCELO CAETANO, "Direito Constitucional", vol. II/183, item n. 71, 1978, Forense).
Esse entendimento reflete-se, hoje, notadamente a partir da promulgação da EC 35/2001, em autorizado magistério doutrinário (UADI LAMMÊGO BULOS, "Constituição Federal Anotada", p. 757, item n. 3, 5ª ed., 2003, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Curso de Direito Constitucional Positivo", p. 534, item n. 15, 24ª ed., 2005, Malheiros; ALEXANDRE DE MORAES, "Constituição do Brasil Interpretada", p. 1.020/1.021, item n. 53.2, 2ª ed., 2003, Atlas; RUI STOCO, "Tratado de Responsabilidade Civil", p. 886/887, item n. 40.00, 6ª ed., 2004, RT, v.g.).
Vê-se, portanto, que, por não se revelar cabível a instauração de processo de natureza penal ou de caráter civil (indenização por danos materiais e/ou morais) contra os congressistas (como o Senador da República ora requerido), "por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos" - porque amparados pela garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material -, torna-se juridicamente inviável a própria formulação, contra eles, do pedido de explicações.
É que - não custa rememorar - o pedido de explicações qualifica-se como verdadeira ação de natureza cautelar destinada a viabilizar o exercício ulterior de ação principal (tanto a ação penal quanto a ação de indenização civil), cumprindo, desse modo, a interpelação judicial, uma típica função instrumental inerente às providências processuais revestidas de cautelaridade.
Não se desconhece que, entre o pedido de explicações em juízo, de um lado, e a causa principal, de outro, há uma evidente relação de acessoriedade, pois a medida a que aludem o art. 25 da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67) e o art. 144 do Código Penal reveste-se, como precedentemente salientado, de um nítido caráter de instrumentalidade.
Tal observação se impõe, porque a incidência da imunidade parlamentar material - por tornar inviável o ajuizamento da ação penal de conhecimento e da ação de indenização civil, ambas de índole principal - afeta a possibilidade jurídica de formulação e, até mesmo, de processamento do próprio pedido de explicações, em face da natureza meramente acessória de que se reveste tal providência de ordem cautelar.
Em uma palavra: onde não couber a responsabilização penal e civil do congressista, por delitos contra a honra, porque amparado pela garantia constitucional da imunidade parlamentar material, aí também não se viabilizará a utilização, contra ele, da medida cautelar da interpelação judicial, porque juridicamente destituída de conseqüências tanto no âmbito criminal quanto na esfera civil.
Esse entendimento - que acentua o caráter de instrumentalidade, de acessoriedade e de conseqüente dependência da interpelação judicial - encontra apoio em expressivo magistério doutrinário (DAMÁSIO E. DE JESUS, "Direito Penal: Parte Especial", vol. 2/235, item n. 4, 26ª ed., 2004, Saraiva; JULIO FABBRINI MIRABETE, "Código Penal Interpretado", p. 1.139, item n. 144.1, 5ª ed., atualizada por Renato N. Fabbrini, 2005, Atlas; FERNANDO CAPEZ, "Curso de Direito Penal: Parte Especial", vol. 2/268, item n. 4, "d", 2ª ed., 2003, Saraiva; FREDERICO ABRAHÃO DE OLIVEIRA, "Crimes contra a Honra", p. 100, item n. 2.4.2, 2ª ed., 1996, Sagra-Luzzatto), valendo referir, no ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, a lição de CELSO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JÚNIOR e FÁBIO M. DE ALMEIDA DELMANTO ("Código Penal Comentado", p. 287, 5ª ed., 2000, Renovar):

"Entendemos que o pedido de explicações pressupõe a viabilidade de uma futura ação penal. Por isso, não se pode admitir a interpelação se, por exemplo, a eventual ofensa está acobertada pela exclusão do crime (CP, art. 142) ou a punibilidade já se acha extinta (CP, art. 107)." (grifei)

Também a jurisprudência dos Tribunais reflete essa mesma orientação (RT 546/364-365 - RT 613/341 - RT 717/411 - IJ 61/MG, Rel. Min. FELIX FISCHER - IJ 66/PB, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, v.g.).
Essa diretriz, por sua vez, tem sido igualmente observada em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Suprema Corte (Pet 3.205/DF, Rel. Min. EROS GRAU - Pet 3.585/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI - Pet 3.588/DF, Rel. Min. NELSON JOBIM - Pet 3.686/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Não há, pois, em face das razões expostas, como dar trânsito à presente interpelação judicial, motivo pelo qual, por entendê-la incabível, nego-lhe seguimento nesta Suprema Corte.

Arquivem-se os presentes autos.

Publique-se.

Brasília, 13 de dezembro de 2007.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão pendente de publicação



Assessora responsável pelo Informativo

Anna Daniela de A. M. dos Santos
informativo@stf.jus.br

 
Praça dos Três Poderes - Brasília - DF - CEP 70175-900 Telefone: 61.3217.3000

Informativo STF - 492 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário