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sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Informativo STF 487 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Informativo STF


Brasília, 5 a 9 de novembro de 2007 - Nº 487.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO


Plenário
Tribunal de Júri e Prerrogativa de Foro: Prevalência
Recebimento de Denúncia e Competência - 3
Pagamento de Precatórios - 2
Desconto de Remuneração e Princípios Constitucionais
ADI e Princípio do Concurso Público - 1
ADI e Princípio do Concurso Público - 2
Reajuste de Vencimentos e Vinculação
Competência Originária: Conflito Federativo - 5
1ª Turma
Impedimento de Ministro: Prejuízo e Utilidade na Anulação
Prisão Preventiva e Falta de Fundamentação - 1
Prisão Preventiva e Falta de Fundamentação - 2
Trancamento de Ação Penal: Crime Ambiental e Perigo de Dano Grave ou Irreversível
Lei 10.684/2003: Parcelamento Especial e Diligência Investigatória
2ª Turma
Crime contra Índio: Prisão Processual e Excesso de Prazo - 1
Crime contra Índio: Prisão Processual e Excesso de Prazo - 2
Crime contra Índio: Prisão Processual e Excesso de Prazo - 3
Transcrições
Transporte Gratuito para Idosos e Garantia Constitucional (ADI 3768/DF)


PLENÁRIO


Tribunal de Júri e Prerrogativa de Foro: Prevalência

O Tribunal iniciou julgamento de questão de ordem, suscitada pela defesa, em ação penal movida pelo Ministério Público Federal contra Deputado Federal, acusado da suposta prática de tentativa de homicídio, na qual alega a incompetência do Supremo para processar e julgar o feito, tendo em vista a competência constitucional do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (CF, art. 5º, XXXVIII). Na sessão de 5.11.2007, o Tribunal deu início ao exame de outra questão de ordem, relativa à possibilidade de prosseguimento no julgamento do feito mesmo após o parlamentar ter renunciado ao mandato, mas, por considerar que a segunda questão de ordem apresentada seria prejudicial à primeira, decidiu julgá-la antes. O Min. Joaquim Barbosa, relator, resolveu a segunda questão de ordem no sentido de que competência do Tribunal do Júri cede diante da norma que fixa o foro por prerrogativa de função (CF, art. 102, I, b). Reportando-se a vários precedentes nessa linha, asseverou que o art. 102, I, b, da CF firmou a competência do Supremo para julgar e processar os membros do Congresso Nacional em relação a quaisquer infrações penais comuns, e que não haveria hipótese de antinomia entre normas constitucionais, nem necessidade de ponderação entre princípios e/ou regras constitucionais. Assim, afastou o alegado conflito com o art. 5º, XXXVIII, da CF. Após os votos dos Ministros Eros Grau e Carlos Britto, que acompanhavam o relator, pediu vista dos autos o Min. Marco Aurélio.
AP 333/PB, rel. Min. Joaquim Barbosa, 5 e 7.11.2007. (AP-333)

Recebimento de Denúncia e Competência - 3

O Tribunal, por maioria, indeferiu habeas corpus impetrado contra ato do Min. Joaquim Barbosa, relator da Ação Penal 420/MG, que implicara a declaração de validade da decisão mediante a qual o Juiz da 4ª Vara Federal Criminal de Belo Horizonte recebera denúncia oferecida pela Procuradoria da República no Estado de Minas Gerais contra o paciente, Deputado Federal, por suposta prática dos delitos descritos nos artigos 4º, da Lei 7.492/86, e 299, do CP. Alegavam os impetrantes que a denúncia não poderia ter sido recebida em 18.12.2006, porquanto o protocolo eletrônico registrara, como data de entrada do documento, 19.12.2006, dia em que o paciente fora diplomado Deputado Federal, o que acarretaria, portanto, a incompetência do juízo federal - v. Informativo 476. Entendeu-se que a documentação própria aos processos jurisdicionais teria comprovado seqüência cronológica que não levaria à conclusão de que a denúncia teria sido recebida quando já diplomado o paciente, com a prática de falsidade ideológica, mediante lançamento de data anterior à do real efetivo recebimento da denúncia. Esclareceu-se que, conforme o relatório de andamentos do processo, a distribuição automática teria ocorrido em 18.12.2006, com remessa à Vara no mesmo dia, constando o imediato recebimento pela Secretaria, seguindo-se a autuação da denúncia e a conclusão do processo para o ato de cognição incompleta de recebimento. Asseverou-se, ademais, que a razão de o carimbo de protocolo registrar a distribuição em 19.12.2007 decorreria do fato de, apenas depois do recebimento da denúncia, os autos de inquérito terem sido encaminhados da distribuição para o competente registro, nos termos do disposto no art. 156, § 6º, do Regimento Interno do TRF da 1ª Região. Vencidos os Ministros Eros Grau, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence, que deferiam a ordem.
HC 91449/MG, rel. Min. Marco Aurélio, 7.11.2007. (HC-91449)

Pagamento de Precatórios - 2

O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade das expressões "prioritariamente" e "mesmo que de exercícios anteriores", contidas no art. 4º da Lei 11.334/96 do Estado de Pernambuco ("Os valores das vendas ou decorrentes de quaisquer operações de crédito realizadas com as Letras Financeiras do Tesouro do Estado de Pernambuco serão, prioritariamente, nos termos do art. 100 da Constituição Federal, utilizados no pagamento de condenações judiciais cujos créditos estejam inscritos em Precatórios, mesmo que de exercícios anteriores."). Entendeu-se que tais expressões afrontam o art. 33, parágrafo único, do ADCT ("Art. 33. Ressalvados os créditos de natureza alimentar, o valor dos precatórios judiciais pendentes de pagamento na data da promulgação da Constituição, incluído o remanescente de juros e correção monetária, poderá ser pago em moeda corrente, com atualização, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de oito anos, a partir de 1º de julho de 1989, por decisão editada pelo Poder Executivo até cento e oitenta dias da promulgação da Constituição. Parágrafo único. Poderão as entidades devedoras, para o cumprimento do disposto neste artigo, emitir, em cada ano, no exato montante do dispêndio, títulos de dívida pública não computáveis para efeito do limite global de endividamento."). Quanto à primeira expressão impugnada, asseverou-se que sua inclusão pela referida lei estadual representaria uma exceção, já que permitiria que o pagamento fosse efetuado de forma diversa da preconizada pela Constituição Federal. Em relação à segunda, aduziu-se que ela autorizaria o alcance, também, dos precatórios posteriores à promulgação da CF (5.10.88), tendo em conta a data de edição da lei estadual sob análise (3.4.96).
ADI 1593/PE, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, rel. p/ o acórdão Min. Menezes Direito, 7.11.2007. (ADI-1593)

Desconto de Remuneração e Princípios Constitucionais

O Tribunal negou provimento a recurso extraordinário, afetado ao Pleno pela 1ª Turma, interposto pelo Estado de Minas Gerais contra acórdão do tribunal de justiça local que declarara a inconstitucionalidade de norma estadual que estabeleceu o desconto nos vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em face de suposto cometimento de crime funcional. O recorrente sustentava, na espécie, a legitimidade dessa redução, porquanto efetuada com suporte na legislação estadual (Lei mineira 2.364/61, art. 2º), em consonância com os princípios da legalidade e da moralidade. Aduzia, ainda, que não haveria ofensa aos princípios da presunção de inocência e da irredutibilidade de vencimentos, já que prevista a devolução dos valores subtraídos, em caso de absolvição - v. Informativo 484. Preliminarmente, não se conheceu do recurso quanto aos princípios da legalidade e da moralidade, por ausência de prequestionamento (Enunciados da Súmula 282 e 356 do STF). Quanto às demais questões, entendeu-se que o referido dispositivo legal, de fato, não teria sido recepcionado pela Constituição Federal, por violar tanto o princípio da presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII) quanto o da irredutibilidade de vencimentos (CF, art. 37, XV). Asseverou-se que, se se admitisse a redução da remuneração dos servidores na hipótese prevista na mencionada lei, legitimar-se-ia verdadeira antecipação de pena, antes mesmo de eventual condenação, nada importando a previsão de devolução das diferenças, no caso de absolvição. Além disso, tal hipótese não se encontraria entre as exceções estabelecidas pelo art. 37, XV, da CF.
RE 482006/MG, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 7.11.2007. (RE-482006)

ADI e Princípio do Concurso Público - 1

Por vislumbrar ofensa ao art. 37, II, da CF, e aplicando o Enunciado da Súmula 685 do STF ("É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido"), o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 5.077/95, do Estado do Espírito Santo, que autoriza o Poder Judiciário local a firmar contratos administrativos para atendimento dos serviços vinculados aos cargos de provimento efetivo não providos, em caso de vacância, ou de afastamento de titular para exercício de outro cargo público. Precedentes citados: ADI 3190/GO (DJU de 24.11.2006); ADI 3061/AP (DJU de 9.6.2006); ADI 3332/MA (DJU de 14.10.2005); ADI 3519 MC/RN (DJU de 30.9.2005).
ADI 2912/ES, rel. Min. Gilmar Mendes, 7.11.2007. (ADI-2912)

ADI e Princípio do Concurso Público - 2

Na mesma linha do entendimento fixado no julgamento acima, o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 68, 69 e 70 da Lei 8.269/2004, do Estado de Mato Grosso, que dispõem sobre enquadramento de servidores das carreiras dos profissionais de desenvolvimento econômico e social, dos profissionais do sistema prisional e dos profissionais do sistema sócio-educativo, que ocupam cargos com perfil da área de saúde, na carreira de profissionais do Sistema Único de Saúde.
ADI 3442/MT, rel. Min. Gilmar Mendes, 7.11.2007. (ADI-3442)

Reajuste de Vencimentos e Vinculação

O Tribunal deu provimento a recurso extraordinário interposto pelo Estado de Santa Catarina contra acórdão do tribunal de justiça local para cassar mandado de segurança coletivo lá concedido e declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar estadual 101/93, que vincula o reajuste dos vencimentos dos servidores públicos do Poder Judiciário estadual ao incremento da arrecadação do ICMS. Entendeu-se que a lei impugnada ofende o art. 167, IV, da CF, que veda a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, o art. 37, XIII, da CF, na redação que lhe foi conferida pela EC 19/98, que proíbe a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, e, ainda, o art. 96, II, b, da CF, que somente autoriza aumento de remuneração de servidores do Poder Judiciário, por meio de lei específica, de iniciativa do respectivo Tribunal. Precedentes citados: AO 264/SC (DJU de 13.10.95); AO 389/SC (DJU de 16.8.96); AO 317/SC (DJU de 15.12.95).
RE 218874/SC, rel. Min. Eros Grau, 7.11.2007. (RE-218874)

Competência Originária: Conflito Federativo - 5

O Tribunal, por maioria, resolvendo questão de ordem, admitiu a competência do Supremo para julgamento de ação popular, em que se pretende a nulidade da Resolução 507/2001, da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - que instituiu Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI para apurar as causas do acidente da plataforma P-36 da PETROBRÁS, localizada na Bacia de Campos -, e em que o Estado do Rio de Janeiro figura como um dos réus e a União foi admitida no feito pelo juízo de origem como parte autora. Alega o autor popular que a Assembléia Legislativa estaria invadindo competência federal, porquanto a plataforma P-36 estaria localizada no mar territorial, bem que integra o patrimônio da União - v. Informativos 248 e 458. Entendeu-se que a competência do STF se daria por força do disposto no art. 102, I, f, da CF ("Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: ... f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;). Vislumbrou-se, na espécie, situação de potencial conflito federativo entre a União e o Estado do Rio de Janeiro, tendo em conta a existência de importante questão federativa a ser resolvida, qual seja, a competência investigatória de um órgão legislativo estadual numa demanda em que os referidos entes federados figuram em pólos opostos. Enfatizou-se, ainda, o fato de a União ter intervindo formalmente nos autos, assumindo o pólo ativo da ação. Vencidos os Ministros Cármen Lúcia e Marco Aurélio, que negavam a competência do Supremo para julgar a ação. Precedente citado: Rcl 424/RJ (DJU de 6.9.96).
ACO 622 QO/RJ, rel. orig. Min. Ilmar Galvão, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 7.11.2007. (ACO-622)


PRIMEIRA TURMA


Impedimento de Ministro: Prejuízo e Utilidade na Anulação

A Turma, em votação majoritária, indeferiu habeas corpus em que condenado pela prática do crime de peculato (CP, art. 312) pleiteava a nulidade do julgamento de embargos declaratórios em recurso especial, sob a alegação de que 2 Ministros que compuseram a unanimidade dos votos da Turma pela rejeição dos declaratórios estariam legalmente impedidos. Considerou-se que, embora verificada a participação dos Ministros impedidos naquele julgamento, o pronunciamento da nulidade não teria qualquer efeito prático, devendo imperar, na espécie, o disposto no art. 563 do CPP, segundo o qual "nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.". Ademais, tendo em conta a previsão no regimento interno do STJ no sentido de que as Turmas serão compostas por 5 Ministros cada uma e que funcionarão com a presença de, pelo menos, 3 deles (RISTJ, artigos 2º, § 4º e 179, respectivamente), entendeu-se não haver utilidade na anulação do julgamento que tivera como resultado votação unânime pela rejeição dos embargos. Assim, ainda que subtraídos os votos dos Ministros impedidos, permaneceriam válidos os votos dos demais, sem alteração do resultado verificado. Vencido o Min. Marco Aurélio que, por reputar viciado o pronunciamento, deferia o writ para determinar que outro julgamento fosse realizado, sem a participação desses integrantes. Precedente citado: HC 80281/SP (DJU de 29.9.2000).
HC 92235/PE, rel. Min. Menezes Direito, 6.11.2007. (HC-92235)

Prisão Preventiva e Falta de Fundamentação - 1

A Turma deferiu habeas corpus para relaxar a prisão do paciente, ordenando a expedição de alvará de soltura, a ser cumprido com as cautelas próprias, ou seja, caso ele não se encontre sob a custódia do Estado por motivo diverso da prisão em flagrante mantida pelo juízo de origem. Tratava-se, na espécie, de writ impetrado contra acórdão do STJ que liminarmente indeferira idêntica medida em que pleiteada a concessão de liberdade provisória a nacional espanhol preso em flagrante, há quase 7 meses, pela suposta prática do crime de atentado violento ao pudor perpetrado contra menor de 13 anos (CP, art. 214, c/c o art. 224, a), cuja custódia fora decretada para garantir a ordem pública, a instrução processual e a aplicação da lei penal. Preliminarmente, por maioria, superado o óbice do Enunciado da Súmula 691 do STF, conheceu-se da impetração, ficando vencido o Min. Menezes Direito que dela não conhecia, mas determinava que o STJ julgasse o mérito do writ.
HC 91690/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 6.11.2007. (HC-91690)

Prisão Preventiva e Falta de Fundamentação - 2

Em seguida, enfatizou-se que o recolhimento de acusado em prisão, sem culpa formada, é medida de excepcionalidade maior e que pressupõe situação enquadrável no art. 312 do CPP. Quanto ao fundamento da ordem pública, entendeu-se que se deveria aguardar a tramitação do processo penal e a imposição de pena para, imutável a condenação na via da recorribilidade, proceder-se à execução. No tocante à instrução e à aplicação da lei penal, aduziu-se que somente fora levada em conta a condição de estrangeiro do paciente, apontando-se para a possibilidade de sua fuga. Ademais, asseverou-se que, mesmo que verificado o flagrante, mostrar-se-ia possível ter-se o relaxamento, com ou sem fiança, da prisão quer em face das circunstâncias envolvidas na espécie, quer considerado o excesso de prazo. Salientou-se, ainda, que, se conforme dispõe a Lei 8.072/90, mesmo diante de sentença condenatória, ao juiz é permitido decidir se o réu poderá apelar em liberdade, com maior razão cumpre viabilizá-la quando se cuida de prisão em flagrante já projetada no tempo sem que haja, no processo, sentença proferida. Desse modo, reputou-se inexistir justificativa para a manutenção da custódia, uma vez que, se o paciente transgredira norma penal, agira de forma episódica, ao que tudo indica, presente a prostituição e, além disso, a violência citada na hipótese não teria sido real, mas presumida ante a idade da vítima. Ademais, tendo em conta o fato de o paciente ser piloto comercial e a existência de tratado celebrado entre o Brasil e o Reino da Espanha, em que assentada a possibilidade de cumprimento de pena, formalizada tanto aqui quanto lá, no país do qual seja originário o condenado, julgou-se conveniente viabilizar a continuidade de sua vida profissional, porquanto a sua retenção no país implicaria verdadeira apenação, e eventual perda, inclusive, da própria fonte de sustento do paciente e de sua família. Assim, concluiu-se pela devolução do passaporte ao paciente, ante o disposto no Decreto 2.576/98, mediante o qual foi promulgado o aludido tratado sobre transferência de presos.
HC 91690/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 6.11.2007. (HC-91690)
Trancamento de Ação Penal: Crime Ambiental e Perigo de Dano Grave ou Irreversível

A Turma indeferiu habeas corpus em que pleiteado o trancamento de ação penal instaurada contra denunciada, juntamente com indústria química, pela suposta prática do crime previsto no art. 54, § 3º, da Lei 9.605/98 ("Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: ... § 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental ou irreversível."). Requeria-se, subsidiariamente, a anulação do processo, desde o início. Na espécie, em virtude da contaminação da área em que situada a empresa, fora ajuizada ação civil pública relativamente às atividades por ela desenvolvidas entre os anos de 1932 e 1986, cujo pedido fora julgado procedente. Desativada a unidade de produção por exigência de órgão ambiental, a empresa recebera auto de infração e advertência por armazenar produto poluente. Com o advento da Lei 9.605/98, as denunciadas foram acusadas de deixar de adotar as medidas de precaução exigidas pelas autoridades competentes, apesar do risco de dano ambiental grave ou irreversível. Entendeu-se que a inicial acusatória preencheria os requisitos formais do art. 41 do CPP, indicando minuciosamente as condutas criminosas em tese praticadas pela paciente, de modo a permitir o exercício do direito de ampla defesa. Rejeitou-se a alegação de que o dano ambiental que poderia decorrer da conduta da paciente já se teria produzido, não havendo que se falar na possibilidade de aplicação do aludido art. 54, § 3º, da Lei 9.605/98, destinado a evitar resultados danosos ao meio ambiente. Asseverou-se que os autos demonstrariam que o resultado que se almejaria resguardar, apto a caracterizar o risco tutelado pela regra jurídica, não seria a contaminação do terreno por produtos químicos poluentes, uma vez que esta, eventualmente, poderia até ter ocorrido. Enfatizou-se, no ponto, que as medidas de precaução impostas pelas autoridades competentes objetivavam impedir que tal poluição trouxesse maiores conseqüências para o meio ambiente e para as pessoas em geral. Ressaltou-se que, a partir da denúncia, seria possível verificar que, apesar de a área estar degradada desde data anterior à vigência daquele diploma legal, persistiria o risco de dano ambiental grave ou irreversível consistente no possível agravamento dos efeitos da poluição. Ademais, considerou-se que o crime capitulado no tipo penal em referência não deixa vestígios, não sendo viável, pois, o pretendido trancamento da ação penal ao argumento de que não teria sido realizado exame de corpo de delito. Não bastasse isso, aduziu-se haver registro de diversos documentos técnicos elaborados pela autoridade incumbida da fiscalização ambiental indicando, de forma expressa, o perigo de dano grave ou irreversível ao meio ambiente.
HC 90023/SP, rel. Min. Menezes Direito, 6.11.2007. (HC-90023)

Lei 10.684/2003: Parcelamento Especial e Diligência Investigatória

A Turma, tendo em conta a articulação de inconstitucionalidade de preceito normativo, deliberou afetar ao Plenário julgamento de recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal contra acórdão do TRF da 4ª Região que indeferira correição parcial, em matéria criminal, ao fundamento de inexistência de erro na condução de processo pela 1ª instância. No caso, após o recebimento de representação fiscal para fins penais oriunda da delegacia da Receita Federal, o parquet requisitara a instauração de inquérito e a oitiva dos responsáveis pela empresa. Ocorre que a autoridade policial, considerando a existência de parcelamento de débito fiscal, encerrara as investigações. Por conseguinte, o Juízo Federal Criminal de Novo Hamburgo/RS aplicara o disposto no § 1º do art. 9º da Lei 10.864/2003 ("Art. 9º. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. § 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva."), enquanto perdurasse a inclusão dos investigados no Programa de Parcelamento Especial - PAES, e determinara, ainda, o trancamento do inquérito policial. O recorrente sustenta, na espécie, que a magistrada não poderia ter impedido a continuidade das investigações por ele requisitadas, na qualidade de dominus litis, e que a adesão ao mencionado programa não obsta o prosseguimento do inquérito. Ademais, assevera que a constitucionalidade do art. 9º da Lei 10.684/2003 está sendo questionada na ADI 3002/DF e que o acórdão recorrido ofende o princípio da proporcionalidade. Requer, ao final, o provimento do recurso para a retomada das investigações policiais.
RE 462790/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 6.11.2007. (RE-462790)


SEGUNDA TURMA


Crime contra Índio: Prisão Processual e Excesso de Prazo - 1

A Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de pronunciados pela suposta prática de diversos delitos cometidos contra indígenas, quais sejam: quadrilha ou bando armado (CP, art. 288, parágrafo único); tentativa de homicídio qualificado pelo cometimento mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe (CP, art. 121, § 2º, I, c/c art. 14, II); constrangimento ilegal (CP, art. 146); lesão corporal (CP, art. 129); disparo de arma de fogo (Lei 9.437/97, art. 10, § 1º, III); queima de fogos de artifício (Decreto-Lei 3.668/41, art. 28); tortura (Lei 9.455/97, art. 1º). Imputa-se, ainda, a apenas um dos pronunciados, a suposta prática de homicídio qualificado (CP, art. 121, § 2º, I e III). Na espécie, os fatos descritos envolveriam disputa por terras, cuja propriedade era reclamada pelos indígenas, e a prisão dos pacientes fora decretada e posteriormente mantida pelo juízo pronunciante com base na conveniência da instrução criminal, na garantia da ordem pública e na aplicação da lei penal. Alegava a impetração: a) incompetência da justiça federal para processar e julgar a ação penal; b) cerceamento de defesa pelo fato de haver sido denegada a realização de perícia complementar na fase do art. 499 do CPP; c) ilegalidade da manutenção da prisão preventiva, por inobservância da regra do art. 408, § 2º, do CPP; e d) excesso de prazo na custódia cautelar dos pacientes. Requeria, ainda, a decretação da nulidade do processo-crime instaurado contra os pacientes e conseqüente cassação dos decretos de prisão, para que pudessem aguardar em liberdade o julgamento.
HC 91121/MS, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.11.2007. (HC-91121)

Crime contra Índio: Prisão Processual e Excesso de Prazo - 2

Preliminarmente, não obstante as alegações de excesso de prazo e inobservância do disposto no art. 408, § 2º, do CPP não tivessem sido diretamente discutidas pelo STJ, asseverou-se que, em matéria penal, tal argumentação, típica da jurisprudência defensiva, apenas poderia ser aplicada nas hipóteses em que, do exame dos autos, não se verifique patente situação de constrangimento ilegal que possa, ao menos em tese, ser tutelada de ofício pelo STF. Em seguida, tendo em conta precedentes da Corte no sentido da competência da justiça federal para processar e julgar feitos que versarem sobre questões diretamente ligadas à cultura indígena, aos direitos sobre suas terras, ou, ainda, a interesses constitucionalmente atribuíveis à União (CF, artigos 22, XIV e 109, IV e XI), a Turma rejeitou o argumento de incompetência do juízo, haja vista a demonstração, nos autos, de que os supostos crimes estariam relacionados à "disputa sobre direitos indígenas". Aduziu-se, no ponto, que esse entendimento manter-se-ia independentemente da condição de indígena ou não de uma das vítimas, porquanto o complexo de imputações criminosas não se resumiria ao aludido homicídio e, ademais, o writ não seria a via processual adequada para a discussão de fatos e provas. De igual modo, indeferiu-se a ordem quanto à afirmação de cerceamento de defesa em virtude da denegação de perícia complementar, uma vez que a sua negativa estaria fundamentada (CF, art. 93, IX) em perícia anterior e em provas testemunhais produzidas.
HC 91121/MS, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.11.2007. (HC-91121)
Crime contra Índio: Prisão Processual e Excesso de Prazo - 3

Por fim, salientando as peculiaridades do caso, reputou-se que as últimas alegações mereceriam análise conjunta. Considerou-se que a mera explicitação textual dos requisitos previstos no art. 312 do CPP não basta para a constrição da liberdade, sendo necessário que tais aspectos estejam lastreados em elementos concretos, o que não ocorrera, já que os decretos de prisão cautelar e a sentença de pronúncia não apresentaram razões específicas para a determinação ou para a manutenção da custódia preventiva. Além disso, enfatizando que os pacientes encontram-se presos há mais de 4 anos, sem que a prestação jurisdicional efetiva e definitiva tenha sido exercitada e sem que tenham dado causa à mora processual, aduziu-se que essa situação de indefinição jurídica quanto às possibilidades de tutela da liberdade de locomoção dos pacientes afetaria a própria garantia constitucional de uma proteção judicial digna, legítima, eficaz e célere. Concluiu-se, assim, pelo deferimento do habeas corpus por duplo motivo: falta de fundamentação da custódia cautelar (CF, art. 93, IX) e excesso de prazo desde a determinação da custódia preventiva, sem que o tema tivesse sido submetido ao tribunal do júri em tempo razoável (CF, art. 5º, LXXVIII).
HC 91121/MS, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.11.2007. (HC-91121)


SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno7.11.20075.11.2007350
1ª Turma6.11.2007--221
2ª Turma6.11.2007--172



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Transporte Gratuito para Idosos e Garantia Constitucional (Transcrições)

(v. Informativo 480)

ADI 3768/DF*

RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 39 DA LEI N. 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003 (ESTATUTO DO IDOSO), QUE ASSEGURA GRATUIDADE DOS TRANSPORTES PÚBLICOS URBANOS E SEMI-URBANOS AOS QUE TÊM MAIS DE 65 (SESSENTA E CINCO) ANOS. DIREITO CONSTITUCIONAL. NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA PLENA E APLICABILIDADE IMEDIATO. NORMA LEGAL QUE REPETE A NORMA CONSTITUCIONAL GARANTIDORA DO DIREITO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
1. O art. 39 da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) apenas repete o que dispõe o § 2º do art. 230 da Constituição do Brasil. A norma constitucional é de eficácia plena e aplicabilidade imediata, pelo que não há eiva de invalidade jurídica na norma legal que repete os seus termos e determina que se concretize o quanto constitucionalmente disposto.
2. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.

VOTO:
Da ação

1. Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada, em 1º.8.2006, pela Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano - NTU, na qual se questiona pretensa inconstitucionalidade do art. 39, caput, da Lei n. 10.741, de 1º.10.2003 ("Estatuto do Idoso"), em face dos arts. 22, inc. XXIII, 37, inc. XXI, 175, caput, 194, 195, § 5º, 203, inc. I, e 230, § 2º, da Constituição da República.
2. A pretensão da Autora de ver afastada a aplicação do art. 39 da Lei n. 10.741/2003 em relação às empresas que exploram o serviço de transporte urbano sob o regime de concessão ou permissão não pode prosperar pelos fundamentos que se passa a expor.

O Direito à Qualidade de Vida Digna dos Idosos e os Deveres Constitucional da Sociedade (art. 230, § 2º da Constituição)

2. O § 2º do art. 230 da Constituição da República é taxativo ao estatuir que:

"Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
(...)
§ 2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos."

3. Ao aprovar a Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), o legislador ordinário nada mais fez que dotar de efetividade um dos direitos sociais do idoso (art. 230 e seu § 2º da Constituição da República).
O art. 39 da Lei n. 10.741/2003 ("Estatuto do Idoso") dispõe:

"Art. 39. Aos maiores de 65 (sessenta e cinco) anos fica assegurada a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos, exceto nos serviços seletivos e especiais, quando prestados paralelamente aos serviços regulares."

4. Em essência, tem-se que o direito ao transporte gratuito dos que têm mais de 65 anos não é um fim em si mesmo. A facilidade de deslocamento físico do idoso pelo uso de transporte coletivo haverá de ser assegurado, como afirmado constitucionalmente, como garantia da qualidade digna de vida para aquele que não pode pagar ou já colaborou com a sociedade em períodos pretéritos, de modo a que lhe assiste, nesta fase da vida, direito a ser assumido pela sociedade quanto aos ônus decorrentes daquele uso.
Na Nota Técnica do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (fls. 144-145), foram apresentados dados da Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social indicativos do contingente de idosos de baixa renda no Brasil, vulneráveis econômica e socialmente, e que se utiliza precipuamente do transporte coletivo gratuito.
Só em "(...) julho de 2006, 1.138.004 (hum milhão, cento e trinta e oito mil e quatro) idosos perceberam o benefício de prestação continuada (BPC), benefício não contributivo da assistência social destinado a idosos sem cobertura previdenciária, cuja renda per capita familiar é de 1/4 do salário mínimo." (fl. 144)
Os preços das tarifas de transporte podem constituir dificuldades a mais, quando não impossibilidades, enfrentadas pelos idosos e que os levam a manter-se acantonados em suas casas, impedidos de se deslocar e fadados a esperar visitas que não vêm, médicos que não chegam, enfim, vidas que se acomodam pela falta de condições para que a pessoa circule. No interior de Minas se diz que "velho quando não anda, desanda". É inimaginável que estejamos construindo uma sociedade em que uma geração, que ainda tem pernas a andar e estradas a palmilhar, permaneça aquietado por carência de condições para circular. Nem é isso que dispõe a Constituição brasileira.
5. Insiste a Autora que esse direito do idoso não seria de primeira, mas de segunda ou até mesmo de terceira dimensão. Essa discussão não tem cabimento aqui para o desate da questão posta a exame. Primeiro, porque independentemente da classificação, como consignado na Constituição, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a participação do idoso na comunidade. Segundo, porque essa participação demanda, salvo em casos específicos, a possibilidade de os idosos se locomoverem. Terceiro, porque a dignidade e o bem-estar dos idosos estão fortemente relacionados com a sua integração na comunidade para que se possa dar a sua participação na vida da sociedade. Não é aboletado e aquietado em razão de sua carência para pagar transportes por meio dos quais possam se locomover que se estará garantindo ao idoso o direito que a Constituição lhe assegura.
6. O transporte gratuito, especialmente para os idosos que sobrevivem de aposentadorias insuficientes para o suprimento de suas necessidades básicas, apresenta-se como verdadeiro suporte para que possam exercer, com menores dificuldades, seu direito de ir e vir.
7. Diferentemente do alegado pela Autora, o direito dos idosos ao transporte gratuito, previsto na norma do § 2º do art. 230 da Constituição da República, é de eficácia plena e tem aplicabilidade imediata. Assim, desde a promulgação da Constituição da República, esse direito compõe o sistema normativo na condição de direito exigível pelos idosos, sem a necessidade de criação de qualquer outra norma que trate da matéria.
Sobre a questão leciona José Afonso da Silva:

"O gozo desses direitos aqui reconhecidos, já decorre da própria Constituição, mas o Estatuto os especifica, porque há peculiaridades que não seriam reconhecidos sem essa especificação ... Aos maiores de sessenta e cinco anos é assegurada a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos (é justo lembrar que esse direito do idoso ao transporte nasceu na Prefeitura de São Paulo por obra do então Prefeito Mário Covas...)." (SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. 2ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 863)

8. A gratuidade do transporte coletivo representa uma condição mínima de mobilidade, a favorecer a participação dos idosos na comunidade, assim como viabiliza a concretização de sua dignidade e de seu bem-estar, não se compadece com condicionamento posto pelo princípio da reserva do possível.
Aquele princípio haverá de se compatibilizar com a garantia do mínimo existencial, sobre o qual disse, em outra ocasião, ser "o conjunto das condições primárias sócio-políticas, materiais e psicológicas sem as quais não se dotam de conteúdo próprio os direitos assegurados constitucionalmente, em especial aqueles que se referem aos fundamentais individuais e sociais ... que garantem que o princípio da dignidade humana dota-se de conteúdo determinável (conquanto não determinado abstratamente na norma constitucional que o expressa), de vinculabilidade em relação aos poderes públicos, que não podem atuar no sentido de lhe negar a existência ou de não lhe assegurar a efetivação, de densidade que lhe concede conteúdo específico sem o qual não se pode afastar o Estado."
Também afirmei antes que "O verbo constitucional, no qual (os direitos sociais) se põem assegurados normativamente, fez-se fruto de lutas que devoraram homens e desertaram comunidades inteiras. A verba constitucionalmente assegurada, para que não se cuidassem de verbo inativo aqueles direitos conquistados, ainda está em processo de aquisição, mas não pode ser negada."
9. No caso em foco, assegurou-se, constitucionalmente, aos idosos o direito ao transporte coletivo gratuito. A lei n. 10.741/2003 garantiu a forma de se dar cumprimento àquele comando constitucional.
10. A alegação de inconstitucionalidade do art. 39 da Lei n. 10.741/03, com o que não se poderia exigir o direito constitucional do idoso sem se dar forma à assunção dos deveres financeiros pelo poder público concedente (que, no caso dos transportes coletivos municipais é o ente local) não se resolve pela declaração de inconstitucionalidade da norma contida naquele diploma legal.
Não se comprova a alegada nódoa de inconstitucionalidade a macular aquela norma.
Põe-se ela em perfeita conformidade com o quanto estabelecido constitucionalmente. Tem razão, nesse passo, o Advogado-Geral da União ao afirmar que a pretensão da Autora acaba não passa, no fundo, de ser senão a de declarar inconstitucional o § 2º do art. 230 da própria Constituição, o que não é possível.
Como objeto de contratos de concessão, conforme já assentado na doutrina, sabe-se que a prestação de serviço público de transporte atribuída pelo Estado ao particular, que deve prestá-lo em nome próprio e por sua conta e risco e, para tanto, deve cumprir as condições fixadas pelo Poder Público, há de obedecer ao princípio da juridicidade. Ora, o sistema jurídico fundamental vigente estampa o direito do idoso ao transporte coletivo gratuito.
11. O investimento e os gastos oriundos da prestação dos serviços públicos de transporte coletivo, delegado pelo ente público ao particular, haverão de ser calculados e haverão de ser definidos na relação delegante-delegado, sem que tanto seja traspassado ao particular, menos ainda àquele que, por força da norma constitucional (art. 230, § 2o) e infraconstitucional (art. 39 da Lei n. 10.741/2003), haverá de fruir gratuitamente do serviço.
12. Imprópria juridicamente é a assertiva de que não se poderia exercer aquele direito constitucional do idoso antes que se fixasse, contratualmente (entre o ente delegante e a empresa delegada), a forma de assunção dos ônus financeiros pelo ente público.
Ao reconhecimento de que o Estado pode alterar, unilateralmente, as condições fixadas para os contratos de concessão e permissão, tem-se, de um lado, que o particular tem a garantia da preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato e, de outro, que as normas constitucionais devem ser cumpridas.
Compete ao contratado particular comprovar perante o ente contratante a ruptura do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, em quanto, como e porque para que seja refeito se for o caso e segundo dados específicos.
A constitucionalidade da garantia não ficará comprometida, em qualquer caso, pois o idoso tem, estampado na Constituição, o direito ao transporte coletivo urbano gratuito. Quem assume o ônus financeiro não é questão que se resolve pela inconstitucionalidade da norma que repete o quanto constitucionalmente garantido.
Isso bastaria para aniquilar o argumento da Autora, segundo o qual a exigência de cumprimento do direito dos idosos à gratuidade dos transportes estaria a romper com o equilíbrio econômico-financeiro.
A argumentação da Autora, nesse ponto, há de ser tido como perverso. Os idosos não são em número suficiente para aniquilar os ganhos dos empresários.
De outra parte, não há direito adquirido a se contrapor a direitos previstos constitucionalmente, como os que se referem aos idosos. Logo, mesmo nos contratos de concessão ou permissão assinados antes da promulgação da Constituição, em respeito à garantia de equilíbrio, o máximo que poderiam requerer os delegados dos serviços de transporte municipal e intermunicipal seria da alteração dos contratos para cobrir-se, financeiramente, com os ônus comprovados em planilha sobre o uso dos transportes delegados pelos idosos. Teriam, para tanto, de provar quantos e em que condições aqueles serviços onerariam os seus contratos.
De novo, a espécie não estaria a contemplar inconstitucionalidade do art. 39 da Lei n. 10.741/2003, senão que a forma de implementar o quanto nela posto.
Ademais, após a promulgação da Constituição da República, todos os concessionários e permissionários estão submetidos às suas normas, não podendo, desde então, alegar que não sabiam do direito dos idosos ao transporte coletivo gratuito.
Mais ainda, os custos advindos da gratuidade fazem parte de estudos de viabilidade do negócio assumido pelo particular e estão incluídos entre os custos do serviço, os quais são tidos, como ponderado pelo Advogado-Geral da União, "como fator importante na fixação da política tarifária, os aspectos econômicos atinentes à efetivação de tal direito." (fl. 158)
Conforme lembrado no Parecer do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, "qualquer cidadão sabe que, independentemente da quantidade de pessoas que utilizam o transporte público, ele deverá ser prestado em horários pré-determinados pela Administração. O custo desta operacionalização é estável. O que se quer demonstrar é que a empresa não tem um custo maior por estar transportando pessoas idosas. O transporte encontra-se ali, disponível, com o custo já estabelecido."
Logo, a compensação pela gratuidade de transporte coletivo urbano aos idosos, pleiteada pela Autora, que não encontra previsão na Constituição da República, só é admitida quando ficar provado que houve "(...) prejuízo real para as empresas de transporte público em regime de concessão ou permissão, um desequilíbrio extraordinário e inesperado." (fl. 142)
O que patentemente não ocorreu, haja vista ser praxe, entre concessionários e permissionários, a previsão dos custos e dos lucros, não se podendo dizer da existência de qualquer desequilíbrio econômico-financeiro causado pela norma do art. 39 da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que, repete-se, não criou exigência nova alguma no ordenamento jurídico brasileiro.
Como esclarecido no Parecer do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, esse "mecanismo compensatório, em tese, somente pode ser observado em casos específicos, com a comprovação de praxe ante a Administração ou o Poder Judiciário. Ora, o art. 65, "d" da Lei 8.666/93 que regula as licitações e contratos com a Administração Pública, prevê a possibilidade de alteração do contrato quando "para restabelecer a relação que as parte pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobreviverem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. (Redação dada pela Lei n° 8.883, de 1994). "
13. Deve ser, ao final, enfatizado que o direito dos idosos à gratuidade de transporte coletivo urbano não está incluído no rol de benefícios da seguridade social.
A despeito de estarem dispostas no Título VIII da Constituição República, que trata da Ordem Social, as disposições relativas à seguridade social (saúde, previdência e assistência social), previstas no Capítulo II, não se confundem com aquelas afeitas aos idosos, situadas no Capítulo VI, sendo correto, por isso mesmo, afirmar que as normas constitucionais atinentes à seguridade social (arts. 194 a 204) não são aplicáveis à específica disciplina do direito dos idosos (art. 230).
De se concluir que, além de as concessionárias e permissionárias terem a obrigação de cumprir as cláusulas estipuladas para a prestação dos serviços de transporte, devem respeitar a Constituição da República. Como membros da sociedade, são elas titulares do dever de contribuir, efetiva e diretamente, para que as pessoas idosas em específico, tenham assegurado o seu direito à gratuidade dos transportes coletivos urbanos por força do princípio da unidade do sistema jurídico republicano.
Pelo exposto, julgo improcedente a presente ação direta de inconstitucionalidade.
É como voto.

*acórdão publicado no DJU de 26.10.2007.



Assessora responsável pelo Informativo

Anna Daniela de A. M. dos Santos
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