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terça-feira, 18 de novembro de 2008

Informativo STF 434 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 1º a 4 de agosto de 2006 - Nº 434.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO




Plenário
Serviço de Transporte de Passageiros e Vício Formal - 1
Serviço de Transporte de Passageiros e Vício Formal - 2
CPI e Requisitos para a Criação - 1
CPI e Requisitos para a Criação - 2
Obrigatoriedade de Equipamentos Veiculares e Competência Legislativa
ADI. Prestadoras de Serviço de Telefonia Fixa. Individualização de Informações nas Faturas - 2
ADI. Prestadoras de Serviço de Telefonia Fixa. Individualização de Informações nas Faturas - 3
ADI. Prestadoras de Serviço de Telefonia Fixa. Contadores de Pulso em Pontos de Consumo
Atendimento Médico-Hospitalar e Vício Formal
IRPF: Atualização e Princípios da Capacidade Contributiva e do Não Confisco - 2
Crime Praticado por Indígena e Competência - 1
Crime Praticado por Indígena e Competência - 2
Genocídio e Competência - 2
Genocídio e Competência - 3
Genocídio e Competência - 4
Correção Monetária. Demonstrações Financeiras. Imposto de Renda. Lei 8.200/91 - 2
Suspensão de Liminar e Controle Abstrato de Constitucionalidade
ADI e Modulação Temporal dos Efeitos - 1
ADI e Modulação Temporal dos Efeitos - 2
1ª Turma
2ª Turma
Clipping do DJ
Transcrições
Crimes Contra a Ordem Tributária - Lei n.º 9.249/95, art. 34 - Derrogação Ulterior - Ultratividade da "Lex Mitior" (Pet 3377/AL)
"CPMI das Ambulâncias": Requisição de Documentos e Sigilo (Inq 2314/MT)
Exercício da Advocacia e Devido Processo Legal (RE 464963/GO)


PLENÁRIO


Serviço de Transporte de Passageiros e Vício Formal - 1

O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pela Confederação Nacional do Transporte - CNT para declarar a inconstitucionalidade da Lei 12.618/97, do Estado de Minas Gerais, que dispõe sobre o licenciamento de motocicletas destinadas ao transporte remunerado de passageiros e dá outras providências. Tendo em conta a orientação fixada pelo Tribunal no julgamento da ADI 2606/SC (DJU de 7.2.2003), entendeu-se que a lei impugnada ofende o art. 22, XI, da CF, que confere à União a competência privativa para legislar sobre trânsito e transporte. Ressaltou-se, também, inexistir lei complementar que autorize o Estado-membro a legislar sobre a matéria (CF, art. 22, XI, parágrafo único) e que a lei impugnada define e torna oficial nova forma de transporte coletivo remunerado não prevista no Código de Trânsito Brasileiro - CTB.
ADI 3136/MG, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1º.8.2006. (ADI-3136)

Serviço de Transporte de Passageiros e Vício Formal - 2

Na linha da orientação fixada no julgamento acima relatado, o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pela Confederação Nacional do Transporte - CNT para declarar a inconstitucionalidade da Lei 6.103/98, do Estado do Pará, que dispõe sobre a utilização de veículos ciclomotores, motonetas e motocicletas, para o serviço de transporte individual de passageiros.
ADI 3135/PA, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.8.2006. (ADI-3135)

CPI e Requisitos para a Criação - 1

O Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores para declarar inconstitucionais o trecho "só será submetido à discussão e votação decorridas 24 horas de sua apresentação, e", constante do § 1º do art. 34, e o inciso I do art. 170, ambos da XII Consolidação do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo que estabelecem, como requisito à criação de Comissão Parlamentar de Inquérito, a aprovação do respectivo requerimento em Plenário ("Art. 34... § 1º - O requerimento propondo a constituição de Comissão Parlamentar de Inquérito só será submetido à discussão e votação decorridas 24 horas de sua apresentação, e deverá indicar, desde logo:...; Art. 170 - Será escrito, dependerá de deliberação do Plenário e sofrerá discussão o requerimento que solicite: I - constituição de Comissão Parlamentar de Inquérito; "). Inicialmente, rejeitou-se a preliminar de não-conhecimento da ação, suscitada pela Assembléia Legislativa do aludido Estado-membro, no sentido de que os dispositivos impugnados comporiam texto normativo pré-constitucional. Entendeu-se que, embora regras semelhantes aos preceitos contestados tenham sido originalmente veiculadas em Resoluções anteriores ao advento da CF/88, estas foram consolidadas em texto único por ato normativo posterior à vigente Constituição, possuindo, assim, autonomia suficiente para ser submetido ao controle concentrado de constitucionalidade.
ADI 3619/SP, rel. Min. Eros Grau, 1º.8.2006. (ADI-3619)

CPI e Requisitos para a Criação - 2

Em seguida, asseverou-se que os requisitos indispensáveis à criação de Comissões Parlamentares de Inquérito encontram-se dispostos no art. 58, § 3º, da CF, preceito de observância compulsória pelas casas legislativas estaduais (princípio da simetria). Desse modo, entendeu-se que a criação de CPI independe de deliberação plenária, sendo bastante a apresentação do requerimento de 1/3 dos membros da Assembléia Legislativa ao seu Presidente, somada aos demais requisitos constitucionais. Salientou-se, também, que a publicação desse requerimento tem efeito meramente declaratório, de modo a conferir publicidade a ato anterior, constitutivo da criação da Comissão. Nesse sentido, afirmou-se que, no ato da apresentação do requerimento ao Presidente da Assembléia Legislativa, desde que cumpridas as condições necessárias, surge a comissão, cabendo aos subscritores do requerimento, depois de numerado, lido e publicado, reunirem-se, com qualquer número, para materializar a sua instalação. No ponto, ressaltou-se que a sujeição do requerimento de criação à deliberação plenária equivaleria à frustração da garantia das minorias parlamentares. Por fim, no tocante à expressão "só será submetido à discussão e votação decorridas 24 horas de sua apresentação, e", constante do aludido § 1º do art. 34, considerou-se não haver motivo para a submissão do requerimento de constituição de CPI a qualquer outro órgão da Assembléia Legislativa. Vencido o Min. Marco Aurélio que, diferenciando o ato de requerer do ato de criar, julgava improcedente o pedido ao fundamento de que os dispositivos referem-se ao crivo a ser exercido para a criação da própria CPI. Precedente citado: MS 24831/DF (DJU de 4.8.2006).
ADI 3619/SP, rel. Min. Eros Grau, 1º.8.2006. (ADI-3619)

Obrigatoriedade de Equipamentos Veiculares e Competência Legislativa

O Tribunal iniciou julgamento de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Distrito Federal contra o art. 1º, caput e §§ 1º e 2º, e o art. 2º, caput e incisos I e II da Lei distrital 3.680/2005, que estabelece a obrigatoriedade de equipar os ônibus utilizados no serviço público de transporte coletivo local com dispositivos redutores de estresse para motoristas e cobradores. O Min. Cezar Peluso, relator, por vislumbrar aparente ofensa à competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho e trânsito (CF, art. 22, I e XI, respectivamente), e considerando a inexistência de lei complementar autorizando o DF a dispor sobre essas matérias, as quais foram objeto de tratamento específico do Código de Trânsito Brasileiro e da Consolidação das Leis do Trabalho, deferiu a cautelar, para suspender, com efeitos ex tunc, até julgamento final da ação, a vigência dos dispositivos impugnados. Após, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista do Min. Carlos Britto.
ADI 3671 MC/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 1º.8.2006. (ADI-3671)

ADI. Prestadoras de Serviço de Telefonia Fixa. Individualização de Informações nas Faturas - 2

O Tribunal, por maioria, deferiu medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Distrito Federal para suspender a eficácia da Lei distrital 3.426/2004, que dispõe sobre a obrigatoriedade de as empresas concessionárias, prestadoras de serviços de telefonia fixa, individualizarem, nas faturas, as informações que especifica, sob pena de multa, e dá outras providências - v. Informativo 368. Entendeu-se que a lei impugnada, a princípio, viola os artigos 21, XI e 22, IV, da CF, mediante ingerência na regulamentação da exploração de serviços de competência da União. Ressaltou-se que o DF tem competência para instituir, arrecadar e fiscalizar o ICMS incidente sobre os serviços de comunicação (CF, art. 155, II), dispondo, no seu exercício, de prerrogativa para criar deveres instrumentais ao sujeito passivo da obrigação, dentre os quais o de emitir e escriturar notas fiscais que comprovem a ocorrência do fato gerador. Esclareceu-se que essa prerrogativa, entretanto, não é absoluta, pois a CF atribui à União a competência privativa para "explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais" (CF, art. 21, XI). Acrescentou-se que a União também possui, privativamente, competência para legislar sobre telecomunicações (CF, art. 22, IV) e que não há lei complementar autorizando os Estados a legislar, especificamente, sobre essa matéria.
ADI 3322 MC/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 2.8.2006. (ADI-3322)

ADI. Prestadoras de Serviço de Telefonia Fixa. Individualização de Informações nas Faturas - 3

Vencido o Min. Carlos Britto, que indeferia a liminar por entender que o Distrito Federal restringiu-se a legislar, suplementando as normas federais, no campo da informação e da prevenção de responsabilidade de dano ao consumidor, além de instituir medidas para que os usuários fossem esclarecidos acerca do ICMS incidente sobre o serviço público de telefonia fixa. Vencidos, parcialmente, os Ministros Joaquim Barbosa, que indeferia a liminar somente em relação ao art. 1º e seus incisos, ao fundamento de se tratar de matéria relativa a consumo (CF, art. 24, V), deferindo-a quanto aos demais dispositivos impugnados, por ofensa ao art. 22, IV, da CF, e Marco Aurélio, que a deferia em relação ao art. 3º, por vislumbrar aparente violação à competência privativa da União para legislar sobre normas de direito processual (CF, art. 22, I).
ADI 3322 MC/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 2.8.2006. (ADI-3322)

ADI. Prestadoras de Serviço de Telefonia Fixa. Contadores de Pulso em Pontos de Consumo

Na linha da orientação fixada no julgamento acima transcrito, o Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade da Lei distrital 3.596/2005, que determina que as concessionárias de telefonia fixa instalem contadores de pulso em cada ponto de consumo. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, Carlos Britto e Marco Aurélio que julgavam totalmente improcedente o pedido por considerar se tratar de matéria relativa a consumo (CF, art. 24, V). Precedente citado: ADI 2615/SC (DJU de 29.5.2002).
ADI 3533/DF, rel. Min. Eros Grau, 2.8.2006. (ADI-3533)

Atendimento Médico-Hospitalar e Vício Formal

O Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio - CNC para declarar a inconstitucionalidade da Lei 11.446/97, do Estado de Pernambuco, que obriga as empresas estabelecidas no Estado que exerçam, direta ou indiretamente, atividade de prestação de serviços médico-hospitalares a atender e a prestar assistência aos seus usuários sem quaisquer restrições a enfermidades mencionadas no Código Internacional de Doenças, editado pela Organização Mundial de Saúde. Reportando-se a precedente da Corte (ADI 1595 MC/SP, DJU de 19.12.2002), entendeu-se que a lei impugnada usurpa a competência privativa da União para legislar sobre direito civil, comercial e sobre política de seguros, nos termos do disposto no art. 22, I e VII, da CF. Vencidos os Ministros Celso de Mello e Carlos Britto que, adotando os fundamentos expendidos no voto vencido do primeiro no mencionado acórdão, julgavam o pedido improcedente.
ADI 1646/PE, rel. Min. Gilmar Mendes, 2.8.2006. (ADI-1646)

IRPF: Atualização e Princípios da Capacidade Contributiva e do Não Confisco - 2

O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário, afetado pela 1ª Turma ao Plenário, interposto contra acórdão do TRF da 1ª Região em que se discute se a não atualização das tabelas do imposto de renda e das respectivas deduções pelos índices utilizados na correção da UFIR (Lei 9.250/95, art. 2º) ofende ou não os princípios da capacidade contributiva e do não confisco - v. Informativo 405. Na espécie, o acórdão recorrido indeferira pedido de correção das tabelas do imposto de renda ao fundamento de que a sua não atualização, por si só, não violaria esses princípios constitucionais. Sustenta-se afronta aos artigos 146, III, a, e 150, II e IV, ambos da CF. O Min. Marco Aurélio, relator, deu provimento ao recurso para, a partir do ano-base subseqüente ao primeiro em que observada a Lei 9.250/95, serem os valores dela constantes tomados sob o ângulo real, presente a variação da UFIR, e, a partir da transformação desta em real, o que previsto na norma de atualização da dívida ativa da Fazenda. O relator não conheceu do recurso relativamente ao art. 146, III, da CF, em face da ausência de prequestionamento. No mais, entendeu ter havido ofensa aos princípios da legalidade, da capacidade contributiva e do não confisco, porquanto a tabela prevista na citada lei vigorara entre 1996 e 2001 sem que tivesse havido correção de seus valores, não obstante a inflação verificada nesse período (50%, conforme o IGMP/FIPE), a qual teria ocasionado, conseqüentemente, uma alteração, para maior, da carga tributária. Após, a Min. Cármen Lúcia pediu vista dos autos.
RE 388312/MG, rel. Min. Marco Aurélio, 3.8.2006. (RE-388312)

Crime Praticado por Indígena e Competência - 1

O Tribunal, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do STJ que, resolvendo conflito de competência suscitado nos autos de inquérito policial instaurado com o objetivo de apurar a prática dos crimes de ameaça, lesão corporal, constrangimento ilegal e/ou tentativa de homicídio, atribuídos a índios, concluíra pela competência da Justiça Comum Estadual, aplicando o Enunciado da Súmula 140 daquela Corte. Prevaleceu o voto do Min. Cezar Peluso, primeiro na divergência, que afirmou sua inclinação no sentido de acompanhar os fundamentos do voto do Min. Maurício Corrêa, quanto ao alcance do art. 109, XI, da CF, no julgamento do HC 81827/MT (DJU de 23.8.2002), qual seja, de caber à Justiça Federal o processo quando nele veiculadas questões ligadas aos elementos da cultura indígena e aos direitos sobre terras, não abarcando delitos isolados praticados sem nenhum envolvimento com a comunidade indígena (CF: "Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:... XI - a disputa sobre direitos indígenas."). Para o Min. Cezar Peluso, a expressão "disputa sobre direitos indígenas", contida no mencionado inciso XI do art. 109, significa: a existência de um conflito que, por definição, é intersubjetivo; que o objeto desse conflito sejam direitos indígenas; e que essa disputa envolva a demanda sobre a titularidade desses direitos. Asseverou, também, estar de acordo com a observação de que o art. 231 da CF se direciona mais para tutela de bens de caráter civil que de bens objeto de valoração estritamente penal (CF: "Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens."). Esclareceu, no entanto, que a norma também inclui todo o crime que constitua um atentado contra a existência do grupo indígena, na área penal, ou crimes que tenham motivação por disputa de terras indígenas ou outros direitos indígenas. Acentuou, por fim, que essa norma, portanto, pressupõe a especificidade da questão indígena. Ou seja, o delito comum cometido por índio contra outro índio ou contra um terceiro que não envolva nada que diga singularmente respeito a sua condição de indígena, não guarda essa especificidade que reclama da Constituição a tutela peculiar prevista no art. 231, nem a competência do art. 109, XI. Afastou, assim, a possibilidade de se ter uma competência "ratione personae" neste último dispositivo.
RE 419528/PR, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso, 3.8.2006. (RE-419528)

Crime Praticado por Indígena e Competência - 2

Os Ministros Carlos Britto, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski acompanharam o voto do relator no sentido de que a regra da competência contida no art. 109, XI, da CF está voltada à proteção dos direitos e interesses da comunidade indígena. O Min. Eros Grau acompanhou o relator quanto ao requisito da especificidade da questão indígena. Os Ministros convergiram quanto à necessidade de que a aludida norma seja interpretada em conjunto com o art. 231 da CF. Afastaram, também, a existência de uma competência "ratione personae". Acompanharam, ainda, a dissidência os Ministros Sepúlveda Pertence e Ellen Gracie. O Min. Sepúlveda Pertence afirmou que, apesar de não conferir ao conceito "disputa sobre direitos indígenas" uma interpretação estrita, não admitia a existência de um foro ratione personae. Asseverou, entretanto, que a aplicação do art. 109, XI, deve ser casuística, ou seja, há de se indagar se a condição étnica do agente ou da vítima tem a ver com a ocasião ou a motivação do fato criminoso, o que não vislumbrou no caso. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa, que davam provimento ao recurso para assentar a competência da Justiça Federal, ressaltando a necessidade de se emprestar a maior eficácia possível à Constituição - no que enfatizou a proteção dos índios - e, tendo em conta inexistir restrição ao que contido no inciso XI do seu art. 109, interpretar o vocábulo "disputa", dele constante, de forma a abranger qualquer conflito, em cujo âmbito se situam os crimes praticados pelos indígenas.
RE 419528/PR, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso, 3.8.2006. (RE-419528)

Genocídio e Competência - 2

O Tribunal negou provimento a recurso extraordinário, remetido pela 1ª Turma ao Plenário, em que se discutia a competência para processar e julgar os crimes cometidos por garimpeiros contra índios ianomâmis, no chamado massacre de Haximu - v. Informativo 402. Pretendia-se, na espécie, sob alegação de ofensa ao disposto no art. 5º, XXXVIII, d, da CF ("é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:... d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida."), a reforma de acórdão do STJ que, dando provimento a recurso especial do Ministério Público Federal, entendera ser o juízo singular competente para processar e julgar os recorrentes, condenados pela prática do crime de genocídio (Lei 2.889/56, art. 1º, a, b e c) em concurso material com os crimes de lavra garimpeira, dano qualificado, ocultação de cadáver, contrabando e formação de quadrilha. No caso, o processo tramitara perante juízo monocrático federal e resultara em decreto condenatório, contra o qual fora interposto, exclusivamente pela defesa, recurso de apelação, provido para anular a sentença e determinar a adoção do procedimento do Tribunal do Júri, ao fundamento de que o genocídio praticado contra índio, com conexão com outros delitos, seria crime doloso contra a vida.
RE 351487/RR, rel. Min. Cezar Peluso, 3.8.2006. (RE-351487)

Genocídio e Competência - 3

Inicialmente, asseverou-se que o objeto jurídico tutelado imediatamente pelos crimes dolosos contra a vida difere-se do bem protegido pelo crime de genocídio, o qual consiste na existência de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Assim, não obstante a lesão à vida, à integridade física, à liberdade de locomoção etc. serem meios de ataque a esse objeto jurídico, o direito positivo pátrio protege, de modo direto, bem jurídico supranacional ou coletivo. Logo, no genocídio, não se está diante de crime contra a vida e, por conseguinte, não é o Tribunal do Júri o órgão competente para o seu julgamento, mas sim o juízo singular. Desse modo, não se negou, no caso, ser a Justiça Federal competente para a causa. Ademais, considerou-se incensurável o entendimento conferido pelas instâncias inferiores quanto ao fato de os diversos homicídios praticados pelos recorrentes reputarem-se uma unidade delitiva, com a conseqüente condenação por um só crime de genocídio. Esclareceu-se, no ponto, que para a legislação pátria, a pena será única para quem pratica as diversas modalidades de execução do crime de genocídio, mediante repetições homogêneas ou não, haja vista serem consideradas como um só ataque ao bem jurídico coletivo. Ressaltou-se, ainda, que apesar da cominação diferenciada de penas (Lei 2.889/56, art. 1º), a hipótese é de tipo misto alternativo, no qual, cada uma das modalidades, incluídos seus resultados materiais, só significa distinto grau de desvalor da ação criminosa.
RE 351487/RR, rel. Min. Cezar Peluso, 3.8.2006. (RE-351487)
 
Genocídio e Competência - 4

Em seguida, entendeu-se que a questão recursal não se esgotaria no reconhecimento da prática do genocídio, devendo ser analisada a relação entre este e cada um dos 12 homicídios praticados. Nesse sentido, salientou-se que o genocídio corporifica crime autônomo contra bem jurídico coletivo, diverso dos ataques individuais que compõem as modalidades de sua execução. Caso contrário, ao crime mais grave, aplicar-se-ia pena mais branda, como ocorrera no caso. No ponto, afastou-se a possibilidade de aparente conflito de normas. Considerou-se que os critérios da especialidade (o tipo penal do genocídio não corresponderia à soma de um crime de homicídio mais um elemento especial); da subsidiariedade (não haveria identidade de bem jurídico entre os crimes de genocídio e de homicídio) e da consunção (o desvalor do homicídio não estaria absorvido pelo desvalor da conduta do crime de genocídio) não solucionariam a questão, existindo, pois, entre os diversos crimes de homicídio continuidade delitiva, já que presentes os requisitos da identidade de crimes, bem como de condições de tempo, lugar e maneira de execução, cuja pena deve atender ao disposto no art. 71, parágrafo único, do CP. Ademais, asseverou-se que entre este crime continuado e o de genocídio há concurso formal (CP, art. 70, parágrafo único), uma vez que no contexto dessa relação, cada homicídio e o genocídio resultam de desígnios autônomos. Por conseguinte, ocorrendo concurso entre os crimes dolosos contra a vida (homicídios) e o crime de genocídio, a competência para julgá-los todos será, por conexão, do Tribunal do Júri (CF, art. 5º, XXXVIII e CP, art. 78, I). Entretanto, tendo em conta que, na espécie, os recorrentes não foram condenados pelos delitos de homicídio, mas apenas pelo genocídio, e que o recurso é exclusivo da defesa, reconheceu-se incidente o princípio que veda a reformatio in pejus. Os Ministros Carlos Britto, Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence ressalvaram seu entendimento no tocante à adoção da tese de autonomia entre os crimes genocídio e homicídio quando este for meio de execução daquele.
RE 351487/RR, rel. Min. Cezar Peluso, 3.8.2006. (RE-351487)
Correção Monetária. Demonstrações Financeiras. Imposto de Renda. Lei 8.200/91 - 2

O Tribunal retomou julgamento de recurso extraordinário interposto pela União contra acórdão do TRF da 1ª Região que entendera, adotando precedente de sua Corte Especial, ser inconstitucional o inciso I do art. 3º da Lei 8.200/91, que dispõe sobre a correção monetária das demonstrações financeiras para efeitos fiscais e societários - v. Informativo 369. O Min. Eros Grau, em voto-vista, divergiu do relator e deu provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelos Ministros Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa. Adotou a jurisprudência firmada pelo Tribunal no julgamento do RE 201465/MG (DJU de 17.10.2003), no qual se concluíra pela constitucionalidade do referido dispositivo, com a redação que lhe foi dada pelo art. 11 da Lei 8.682/93, ao fundamento de que a dedução das diferenças resultantes da adoção do IPC em quatro períodos-base, a partir de 1993, como previsto na lei em questão, consubstancia benefício concedido ao contribuinte, que torna menos gravosa a carga tributária a que estava submetido em razão da substituição ou alteração de indexadores econômicos incidentes nas demonstrações financeiras. Em seguida, o Min. Marco Aurélio, relator, aditou seu voto para declarar também a inconstitucionalidade da Lei 8.088/90. Após os votos dos Ministros Ricardo Lewandowski e Carlos Britto, que acompanhavam o relator para negar provimento ao recurso, pediu vista dos autos o Min. Cezar Peluso.
RE 201512/MG, rel. Min. Marco Aurélio, 3.8.2006. (ADI-201512)

Suspensão de Liminar e Controle Abstrato de Constitucionalidade

O Tribunal iniciou julgamento de agravo regimental interposto contra decisão que negara seguimento a pedido de suspensão de liminar deferida, pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra a Emenda 17/2004, que alterou dispositivos da Lei Orgânica do Município de Jacutinga-MG, passando a exigir a participação do Poder Legislativo municipal em matérias administrativas. A Min. Ellen Gracie, presidente, manteve os fundamentos da decisão agravada no sentido de ser incabível medida de contracautela em processo objetivo e de que o pedido formulado tem natureza de recurso. Asseverou a orientação fixada pelo Tribunal de que o disposto no art. 4º da Lei 8.437/92 se dirige a direitos subjetivos, não sendo aplicável em controle abstrato de constitucionalidade, já que este se desenvolve num processo objetivo, destinado à defesa da ordem jurídico-constitucional. Acrescentou que, quando a aludida lei quis cuidar de liminar concedida em processo objetivo, expressamente o fez na hipótese específica da ação popular e, em certos casos, nas ações civis públicas (Lei 8.437/92, artigos 1º, § 2º; 2º e 4º, § 1º). Após, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista do Min. Gilmar Mendes.
SL 73 AgR/MG, rel. Min. Ellen Gracie, 3.8.2006. (SL-73)

ADI e Modulação Temporal dos Efeitos - 1

O Tribunal iniciou julgamento de embargos de declaração opostos pelo Governador do Estado do Amazonas contra acórdão que julgara parcialmente procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 2.749/2002, do Estado do Amazonas, que dispõem sobre a apuração e distribuição de parcelas do produto de arrecadação do ICMS destinadas aos Municípios - v. Informativo 310. Sustenta-se, na espécie, a ocorrência de omissão, ao fundamento de não se ter considerado a impossibilidade material de retroação dos efeitos do acórdão embargado a período anterior a sua prolação, haja vista a incapacidade financeira dos Municípios de restituir ou compensar os valores que receberam a maior. Assevera-se que referidos entes federados são carentes e que a devolução ou compensação do excesso recebido acarretará agravamento da já precária situação financeira desses entes e também comprometerá a continuidade da prestação de serviços públicos essenciais às populações locais. Pretende-se, dessa forma, sejam atribuídos efeitos ex nunc ao referido julgado, com base em precedentes jurisprudenciais e na norma inscrita no art. 27 da Lei 9.868/99.
ADI 2728 ED/AM, rel. Min. Marco Aurélio, 3.8.2006. (ADI-2728)

ADI e Modulação Temporal dos Efeitos - 2

Inicialmente, o Min. Marco Aurélio, relator, considerando o princípio da impessoalidade vigente no âmbito da Administração Pública, afastou a preliminar de ilegitimidade do Governador. No mérito, desproveu os embargos por entender não haver a omissão apontada. Asseverou que o recurso visa, na verdade, dirimir casos concretos relacionados com a conjuntura de Municípios do Estado do Amazonas. Em divergência, o Min. Gilmar Mendes deu provimento aos embargos por considerar que a manutenção da eficácia ex tunc à declaração acarreta sérios problemas de recomposição dos valores. Ressaltou que a aplicação do art. 27 da Lei 9.868/99, ao caso, justifica-se diante do princípio constitucional da segurança jurídica. Após, pediu vista dos autos a Min. Cármen Lúcia.
ADI 2728 ED/AM, rel. Min. Marco Aurélio, 3.8.2006. (ADI-2728)



PRIMEIRA TURMA


Não houve sessão da Primeira Turma.


SEGUNDA TURMA


Não houve sessão da Segunda Turma.

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno2.8.20061º e 3.8.200643
1ª Turma------
2ª Turma------



C L I P P I N G   D O   D J

4 de agosto de 2006

ADI N. 2.639-PR
RELATOR: MIN. NELSON JOBIM
CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO PARANÁ (EC 14/2001). INDENIZAÇÃO POR ATOS DE EXCEÇÃO. TERCEIROS DE BOA-FÉ. ARTS. 8º E 9º DO ADCT.
1. A anistia referida nos arts. 8º e 9º do ADCT foi prevista em benefício daqueles que foram vítimas de atos de "exceção, institucionais ou complementares" que, de alguma forma, sofreram prejuízos em suas atividades profissionais, em seus direitos ou por motivos políticos, mesmo que trabalhadores da iniciativa privada, dirigentes e representantes sindicais.
2. A anistia dos arts. 8º e 9º do ADCT tem índole político-institucional e, por essa mesma natureza, sua competência de concessão legislativa é exclusiva do poder constituinte originário federal.
Isso porque, muito embora seja previsão importante do ponto de vista da compensação financeira das vítimas de atos de exceção, constitui-se também na aceitação excepcional de uma responsabilidade civil extraordinária do Estado, quanto aos atos políticos do passado.
3. Essa repercussão política e financeira quando da concessão de anistia reveste o ato de absoluta excepcionalidade e, por isso, não é possível que norma constitucional estadual amplie tal benefício.
ADI que se julga procedente.
* noticiado no Informativo 415

AG. REG. NA RECLAMAÇÃO N. 2.680-MG
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
EMENTA: Agravo regimental. 2. Proventos de aposentadoria: complementação de valor 3. Reclamação: destinação constitucional específica. 4. Decisões alegadamente violadas - proferidas no RE nº 221.902-MG e na RCL nº 2.002-MG - não emitiram tese expressa sobre o valor da pensão nem sobre eventuais complementações devidas. 5. Não-cabimento de reclamação como instrumento de resolução de incidentes no processo de execução. 6. Impossibilidade de utilizar-se a reclamação para renovar debate sobre questões típicas do processo de execução, as quais receberam soluções desfavoráveis quando submetidas ao juízo natural da execução. 7. Agravo não provido.

AG. REG. NO MS N. 25.816-DF
RELATOR: MIN. EROS GRAU
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. ART. 179 DO REGIMENTO INTERNO DO TCU. INTIMAÇÃO DO ATO IMPUGNADO POR CARTA REGISTRADA, INICIADO O PRAZO DO ART. 18 DA LEI N. 1.533/51 DA DATA CONSTANTE DO AVISO DE RECEBIMENTO. DECADÊNCIA RECONHECIDA. AGRAVO IMPROVIDO.
1. O envio de carta registrada com aviso de recebimento está expressamente enumerado entre os meios de comunicação de que dispõe o Tribunal de Contas da União para proceder às suas intimações.
2. O inciso II do art. 179 do Regimento Interno do TCU é claro ao exigir apenas a comprovação da entrega no endereço do destinatário, bastando o aviso de recebimento simples.
3. O prazo decadencial para a impetração do mandado de segurança conta-se da data constante do aviso de recebimento e não admite suspensão ou interrupção.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.

AG. REG. NOS EMB. DECL. NA ADI N. 2.994-BA
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DESMEMBRAMENTO DE MUNICÍPIO SEM A PRÉVIA CONSULTA, MEDIANTE PLEBISCITO, DAS POPULAÇÕES ENVOLVIDAS. OFENSA AO ART. 18, § 4º, DA CARTA MAGNA. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EM SEDE DE CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE. PESSOAS POLÍTICAS SUBJETIVAMENTE INTERESSADAS. ILEGITIMIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ALEGADA OMISSÃO QUANTO À EFICÁCIA DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE HAVIDA NOS AUTOS. INEXISTÊNCIA.
1. Os Estados-Membros da Federação não estão no rol dos legitimados a agir como sujeitos processuais em sede de controle concentrado de constitucionalidade, sendo indevida, no modelo de processo objetivo, a intervenção de terceiros subjetivamente interessados no feito. Precedente: ADI 2.130-AgR, rel. Min. Celso de Mello, DJ 14.12.01.
2. O art. 21, § 1º, do Regimento Interno e o art. 557 do Código de Processo Civil conferem ao relator a prerrogativa de negar seguimento a recurso manifestamente incabível, como o é, na espécie, os embargos interpostos por parte ilegítima.
3. Aplicação, no acórdão impugnado - tal como ocorrido em vários outros julgados que trataram sobre as tentativas de desmembramento de municípios sem a consulta popular exigida pelo art. 18, § 4º, da Constituição Federal -, da regra segundo a qual as decisões do Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade possuem eficácia ex tunc, tendo em vista a nulidade do ato normativo atacado desde a sua edição.
4. Os embargos declaratórios e a excepcional fixação de eficácia ex nunc nas decisões proferidas em ação direta de inconstitucionalidade não se prestam para o alcance de pretensões político-eleitorais.
5. Agravo regimental não conhecido e embargos de declaração rejeitados.

Ext N. 994-REPÚBLICA ITALIANA
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
EXTRADIÇÃO - CRIMES POLÍTICO E COMUM - CONTAMINAÇÃO. Uma vez constatado o entrelaçamento de crimes de natureza política e comum, impõe indeferir a extradição. Precedentes: Extradições nºs 493-0 e 694-1, relatadas pelos ministros Sepúlveda Pertence e Sydney Sanches, respectivamente.
* noticiado no Informativo 413

MS N. 22.355-DF
RELATOR: MIN. EROS GRAU
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. HABILITAÇÃO DE HERDEIROS POR MORTE DO IMPETRANTE. IMPOSSIBILIDADE. CARÁTER MANDAMENTAL E NATUREZA PERSONALÍSSIMA DO DIREITO POSTULADO. EXTINÇÃO DO FEITO COM RELAÇÃO AO DE CUJUS. EXAME PELA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO FUNCIONAL INSTAURADO NO ÂMBITO DO SENADO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. REENQUADRAMENTO DE SERVIDORES. RESOLUÇÕES NS. 06/60, 18/73 E 42/93, DO SENADO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. SEGURANÇA DENEGADA.
1. A habilitação de herdeiros do impetrante de mandado de segurança é impossível em razão do caráter mandamental do writ e da natureza personalíssima do direito postulado. Impõe-se a extinção do feito sem julgamento de mérito com relação ao espólio.
2. Cabe à Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal apenas o exame de matéria legislativa, inexistindo preceito legal que determine a apreciação de processo administrativo funcional instaurado no âmbito do Senado Federal.
3. A Resolução n. 18/73 facultava aos funcionários do Senado Federal a opção entre permanecer em seus cargos originários [Resolução n. 06/60], integrando cargo suplementar em extinção, ou aderir ao novo plano de carreira [arts. 23 e 24].
4. A Resolução n. 42/93 previu a possibilidade de opção entre o novo plano e o cargo antigo, sem que isso implicasse a reabertura do prazo para a opção facultada pela Resolução n. 18/73 [art. 45, parágrafo único].
5. Mandado de segurança julgado extinto com relação ao espólio de Alexandre Dumas Paraguassu. Segurança denegada relativamente aos demais impetrantes.
* noticiado no Informativo 432

MS N. 24.831-DF
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
E M E N T A: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - DIREITO DE OPOSIÇÃO - PRERROGATIVA DAS MINORIAS PARLAMENTARES - EXPRESSÃO DO POSTULADO DEMOCRÁTICO - DIREITO IMPREGNADO DE ESTATURA CONSTITUCIONAL - INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO PARLAMENTAR E COMPOSIÇÃO DA RESPECTIVA CPI - TEMA QUE EXTRAVASA OS LIMITES "INTERNA CORPORIS" DAS CASAS LEGISLATIVAS - VIABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL - IMPOSSIBILIDADE DE A MAIORIA PARLAMENTAR FRUSTRAR, NO ÂMBITO DO CONGRESSO NACIONAL, O EXERCÍCIO, PELAS MINORIAS LEGISLATIVAS, DO DIREITO CONSTITUCIONAL À INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR (CF, ART. 58, § 3º) - MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO.
CRIAÇÃO DE COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO: REQUISITOS CONSTITUCIONAIS.
- O Parlamento recebeu dos cidadãos, não só o poder de representação política e a competência para legislar, mas, também, o mandato para fiscalizar os órgãos e agentes do Estado, respeitados, nesse processo de fiscalização, os limites materiais e as exigências formais estabelecidas pela Constituição Federal.
- O direito de investigar - que a Constituição da República atribuiu ao Congresso Nacional e às Casas que o compõem (art. 58, § 3º) - tem, no inquérito parlamentar, o instrumento mais expressivo de concretização desse relevantíssimo encargo constitucional, que traduz atribuição inerente à própria essência da instituição parlamentar.
- A instauração do inquérito parlamentar, para viabilizar-se no âmbito das Casas legislativas, está vinculada, unicamente, à satisfação de três (03) exigências definidas, de modo taxativo, no texto da Carta Política: (1) subscrição do requerimento de constituição da CPI por, no mínimo, 1/3 dos membros da Casa legislativa, (2) indicação de fato determinado a ser objeto de apuração e (3) temporariedade da comissão parlamentar de inquérito.
- Preenchidos os requisitos constitucionais (CF, art. 58, § 3º), impõe-se a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito, que não depende, por isso mesmo, da vontade aquiescente da maioria legislativa. Atendidas tais exigências (CF, art. 58, § 3º), cumpre, ao Presidente da Casa legislativa, adotar os procedimentos subseqüentes e necessários à efetiva instalação da CPI, não lhe cabendo qualquer apreciação de mérito sobre o objeto da investigação parlamentar, que se revela possível, dado o seu caráter autônomo (RTJ 177/229 - RTJ 180/191-193), ainda que já instaurados, em torno dos mesmos fatos, inquéritos policiais ou processos judiciais.
O ESTATUTO CONSTITUCIONAL DAS MINORIAS PARLAMENTARES: A PARTICIPAÇÃO ATIVA, NO CONGRESSO NACIONAL, DOS GRUPOS MINORITÁRIOS, A QUEM ASSISTE O DIREITO DE FISCALIZAR O EXERCÍCIO DO PODER.
- A prerrogativa institucional de investigar, deferida ao Parlamento (especialmente aos grupos minoritários que atuam no âmbito dos corpos legislativos), não pode ser comprometida pelo bloco majoritário existente no Congresso Nacional e que, por efeito de sua intencional recusa em indicar membros para determinada comissão de inquérito parlamentar (ainda que fundada em razões de estrita conveniência político-partidária), culmine por frustrar e nulificar, de modo inaceitável e arbitrário, o exercício, pelo Legislativo (e pelas minorias que o integram), do poder constitucional de fiscalização e de investigação do comportamento dos órgãos, agentes e instituições do Estado, notadamente daqueles que se estruturam na esfera orgânica do Poder Executivo.
- Existe, no sistema político-jurídico brasileiro, um verdadeiro estatuto constitucional das minorias parlamentares, cujas prerrogativas - notadamente aquelas pertinentes ao direito de investigar - devem ser preservadas pelo Poder Judiciário, a quem incumbe proclamar o alto significado que assume, para o regime democrático, a essencialidade da proteção jurisdicional a ser dispensada ao direito de oposição, analisado na perspectiva da prática republicana das instituições parlamentares.
- A norma inscrita no art. 58, § 3º, da Constituição da República destina-se a ensejar a participação ativa das minorias parlamentares no processo de investigação legislativa, sem que, para tanto, mostre-se necessária a concordância das agremiações que compõem a maioria parlamentar.
A CONCEPÇÃO DEMOCRÁTICA DO ESTADO DE DIREITO REFLETE UMA REALIDADE DENSA DE SIGNIFICAÇÃO E PLENA DE POTENCIALIDADE CONCRETIZADORA DOS DIREITOS E DAS LIBERDADES PÚBLICAS.
- O Estado de Direito, concebido e estruturado em bases democráticas, mais do que simples figura conceitual ou mera proposição doutrinária, reflete, em nosso sistema jurídico, uma realidade constitucional densa de significação e plena de potencialidade concretizadora dos direitos e das liberdades públicas.
- A opção do legislador constituinte pela concepção democrática do Estado de Direito não pode esgotar-se numa simples proclamação retórica. A opção pelo Estado democrático de direito, por isso mesmo, há de ter conseqüências efetivas no plano de nossa organização política, na esfera das relações institucionais entre os poderes da República e no âmbito da formulação de uma teoria das liberdades públicas e do próprio regime democrático. Em uma palavra: ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, aos princípios superiores consagrados pela Constituição da República.
- O direito de oposição, especialmente aquele reconhecido às minorias legislativas, para que não se transforme numa promessa constitucional inconseqüente, há de ser aparelhado com instrumentos de atuação que viabilizem a sua prática efetiva e concreta.
- A maioria legislativa, mediante deliberada inércia de seus líderes na indicação de membros para compor determinada Comissão Parlamentar de Inquérito, não pode frustrar o exercício, pelos grupos minoritários que atuam no Congresso Nacional, do direito público subjetivo que lhes é assegurado pelo art. 58, § 3º, da Constituição e que lhes confere a prerrogativa de ver efetivamente instaurada a investigação parlamentar em torno de fato determinado e por período certo.
O CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS PARLAMENTARES: POSSIBILIDADE, DESDE QUE HAJA ALEGAÇÃO DE DESRESPEITO A DIREITOS E/OU GARANTIAS DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL.
- O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República, ainda que essa atuação institucional se projete na esfera orgânica do Poder Legislativo.
- Não obstante o caráter político dos atos parlamentares, revela-se legítima a intervenção jurisdicional, sempre que os corpos legislativos ultrapassem os limites delineados pela Constituição ou exerçam as suas atribuições institucionais com ofensa a direitos públicos subjetivos impregnados de qualificação constitucional e titularizados, ou não, por membros do Congresso Nacional. Questões políticas. Doutrina. Precedentes.
- A ocorrência de desvios jurídico-constitucionais nos quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito justifica, plenamente, o exercício, pelo Judiciário, da atividade de controle jurisdicional sobre eventuais abusos legislativos (RTJ 173/805-810, 806), sem que isso caracterize situação de ilegítima interferência na esfera orgânica de outro Poder da República.
LEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM" DO PRESIDENTE DO SENADO FEDERAL - AUTORIDADE DOTADA DE PODERES PARA VIABILIZAR A COMPOSIÇÃO DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO.
- O mandado de segurança há de ser impetrado em face de órgão ou agente público investido de competência para praticar o ato cuja implementação se busca.
- Incumbe, em conseqüência, não aos Líderes partidários, mas, sim, ao Presidente da Casa Legislativa (o Senado Federal, no caso), em sua condição de órgão dirigente da respectiva Mesa, o poder de viabilizar a composição e a organização das comissões parlamentares de inquérito.
* noticiado no Informativo 393

MS N. 25.668-DF
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
E M E N T A: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO - AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FATOS CONCRETOS - FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA - INADMISSIBILIDADE - CONTROLE JURISDICIONAL - POSSIBILIDADE - CONSEQÜENTE INVALIDAÇÃO DO ATO DE "DISCLOSURE" - INOCORRÊNCIA, EM TAL HIPÓTESE, DE TRANSGRESSÃO AO POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO.
A QUEBRA DE SIGILO - QUE SE APÓIA EM FUNDAMENTOS GENÉRICOS E QUE NÃO INDICA FATOS CONCRETOS E PRECISOS REFERENTES À PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO - CONSTITUI ATO EIVADO DE NULIDADE.
- A quebra do sigilo inerente aos registros bancários, fiscais e telefônicos, por traduzir medida de caráter excepcional, revela-se incompatível com o ordenamento constitucional, quando fundada em deliberações emanadas de CPI cujo suporte decisório apóia-se em formulações genéricas, destituídas da necessária e específica indicação de causa provável, que se qualifica como pressuposto legitimador da ruptura, por parte do Estado, da esfera de intimidade a todos garantida pela Constituição da República. Precedentes. Doutrina.
O CONTROLE JURISDICIONAL DE ABUSOS PRATICADOS POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES.
- O Supremo Tribunal Federal, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, neutralizando, desse modo, abusos cometidos por Comissão Parlamentar de Inquérito, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República.
O regular exercício da função jurisdicional, nesse contexto, porque vocacionado a fazer prevalecer a autoridade da Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes. Doutrina. Precedentes.
* noticiado no Informativo 420

HC N. 87.263-MS
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE FIXADA NO MÁXIMO LEGAL. INSUFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. FIXAÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL: IMPOSSIBILIDADE.
I - Insuficiência de fundamentação da sentença condenatória que fixou a pena-base no máximo legal.
II - O reconhecimento da atenuante da confissão espontânea não tem o condão de reduzir a pena aquém do mínimo legal. Precedente: HC 70.883/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 24.6.94.
III - O habeas corpus não é a via adequada para correção da dosagem da pena.
IV - Habeas corpus conhecido de ofício. Ordem parcialmente concedida.

RE N. 328.956-AP
RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
EMENTA: Delegado de Polícia: Isonomia de vencimentos (Constituição, arts. 39, § 1º, 135 e 241, redação original): exigência de lei específica, ainda que independendo a implementação legal da isonomia da efetiva similitude das funções das carreiras declaradas equiparáveis por força das normas primitivas da Constituição: aplicação das diretrizes da ADIN 171 (RTJ 153/361).

RE N. 467.923-DF
RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO
EMENTAS: 1. COMPETÊNCIA CRIMINAL. Habeas corpus. Inquérito policial. Requisição por Promotor de Justiça do Distrito Federal. Membro do Ministério Público da União. Incompetência do Tribunal de Justiça. Feito da competência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Conflito aparente de normas entre o art. 96, III, e o art. 108, I, a, cc. 128, I, d, todos da CF. Aplicação do princípio da especialidade. Precedentes. Recurso provido. Não cabe ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal, mas ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, conhecer de habeas corpus contra ato de membro do Ministério Público do Distrito Federal.
2. INQUÉRITO CRIMINAL. Falta de justa causa. Trancamento definitivo. Procurador do Distrito Federal. Exercício legítimo da advocacia privada. Defesa de réu em processo penal por delito contra a ordem tributária. Crédito fiscal do Distrito Federal, que, no entanto, não é parte do processo. Suspensão condicional deste, mediante pagamento do débito. Requerimento de extinção da punibilidade. Delito de patrocínio infiel (art. 355 do CP). Não caracterização em tese. Atipicidade do comportamento. HC concedido de ofício. Voto vencido. Não pratica crime de patrocínio infiel, o procurador de ente federativo que, autorizado por lei a exercer advocacia privada, defende réu em processo por crime contra a ordem tributária, cujo tributo seria devido ao mesmo ente, cujos interesses não estavam confiado a seu patrocínio.
* noticiado no Informativo 423

HC N. 86.097-SP
RELATOR: MIN. EROS GRAU
EMENTA: HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO INFIEL. DECRETO DE PRISÃO. NÃO-OBSERVÂNCIA DE FORMA INDISPENSÁVEL À VALIDADE DO ATO. INSUBSISTÊNCIA. FORÇA MAIOR. EXONERAÇÃO.
1. A ausência de indicação do valor equivalente dos bens móveis em dinheiro torna insubsistente o decreto de prisão. Desobediência à forma indispensável à validade do ato (CPC, artigo 904).
2. Alienação e furto de máquinas por empregados: fatos que caracterizam situação que se pode ter como expressiva de força maior, a afastar a responsabilidade da paciente pelo encargo de fiel depositária dos bens tornados indisponíveis. prisão civil admitida pelo artigo 5º, LXVII da Constituição do Brasil, que, no caso, não se justifica.
Ordem concedida.
* noticiado no Informativo 431

HC N. 88.741-PR
RELATOR: MIN. EROS GRAU
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. VEDAÇÃO.
O entendimento desta Corte é no sentido de que a execução da pena restritiva de direitos só pode ocorrer após o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Ordem concedida.

RE N. 170.784-MG
REL. P/ O ACÓRDÃO: MIN. NELSON JOBIM
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISS. IMUNIDADE. Serviços de transporte de minerais. CF, art. 155, § 3º. Normas constitucionais concessivas de benefício. Interpretação Restritiva. Recurso improvido.
* noticiado no Informativo 419

RE N. 219.943-SP
REL. P/ O ACÓRDÃO: MIN. NELSON JOBIM
EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Servidores públicos do Estado de São Paulo. Magistério. Extensão a inativos das gratificações de função instituídas pelas Leis Complementares 670/91 e 744/93. Jurisprudência assentada no sentido de que a redação original do § 4º do artigo 40 da Constituição não assegura a extensão a servidores inativos de vantagem condicionada ao exercício de determinada função. A verificação da natureza da vantagem postulada e da existência ou não de direito dos recorrentes à percepção da mesma demandaria reexame da legislação local incabível no extraordinário (Súmula 280). Recurso a que se nega provimento.

RE N. 484.695-GO
RELATOR: MIN. EROS GRAU
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. COMPETÊNCIA. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL.
A análise de eventual ofensa ao artigo 98, I, da CB/88, dependeria do prévio exame do conceito legal de infração de menor potencial ofensivo. Ofensa indireta à Constituição do Brasil.
Recurso extraordinário não conhecido.

RMS N. 22.665-DF
REL. P/ O ACÓRDÃO: MIN. NELSON JOBIM
EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. Pedido de autorização para operar distribuição de sinais de televisão a cabo. Supremacia do interesse público sobre o privado. Autorização. Ato de natureza precária. Necessidade de preenchimento de requisitos objetivos e subjetivos (conveniência e oportunidade). Ausência de direito subjetivo da recorrente. Recurso a que se nega provimento.
* noticiado no Informativo 419


Acórdãos Publicados: 544



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Crimes Contra a Ordem Tributária - Lei n.º 9.249/95, art. 34 - Derrogação Ulterior - Ultratividade da "Lex Mitior" (Transcrições)

Pet 3377/AL*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E PREVIDENCIÁRIA. ALEGADA PRÁTICA DO DELITO DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. FATO QUE TERIA OCORRIDO QUANDO AINDA EM VIGOR O ART. 34 DA LEI Nº 9.249/95. COMPROVAÇÃO, NA ESPÉCIE, DO RECOLHIMENTO INTEGRAL, INCLUSIVE ACESSÓRIOS, DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DEVIDA, EFETIVADO EM MOMENTO ANTERIOR AO DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. DERROGAÇÃO ULTERIOR DO ART. 34 DA LEI Nº 9.249/95 EM FACE DA SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 9.983/2000. IRRELEVÂNCIA. ULTRATIVIDADE DA "LEX MITIOR" (LEI N 9.249/95, ART. 34). NECESSÁRIA APLICABILIDADE DA NORMA PENAL BENÉFICA - QUE POSSUI FORÇA NORMATIVA RESIDUAL - AOS FATOS DELITUOSOS COMETIDOS NO PERÍODO DE SUA VIGÊNCIA TEMPORAL. EFICÁCIA ULTRATIVA DA "LEX MITIOR" POR EFEITO DO QUE IMPÕE O ART. 5º, INCISO XL, DA CONSTITUIÇÃO (RTJ 140/514 - RTJ 151/525 - RTJ 186/252, V.G.). INCIDÊNCIA, NA ESPÉCIE, DO ART. 34 DA LEI Nº 9.249/95, PORQUE, NÃO OBSTANTE DERROGADO TAL PRECEITO LEGAL, O AGENTE PROMOVEU O PAGAMENTO DO DÉBITO PREVIDENCIÁRIO (REFERENTE A PERÍODO ANTERIOR À EDIÇÃO DA LEI Nº 9.983/2000) EM MOMENTO QUE PRECEDEU AO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. DOUTRINA. PRECEDENTES. RECONHECIMENTO, NO CASO, DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO AGENTE.

DECISÃO: Os fatos alegadamente delituosos, atribuídos ao ora denunciado, ocorreram - segundo consta da peça acusatória (fls. 299/302) - no período situado entre outubro de 1998 e setembro de 1999.

Vigorava, no momento das supostas práticas delituosas, a Lei nº 9.249, de 26/12/1995, cujo art. 34 definia, como causa extintiva da punibilidade, "o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia" (grifei).

Com a superveniência da Lei nº 9.983, de 15/10/2000, operou-se a derrogação dessa norma legal, eis que a mencionada Lei nº 9.983/2000 veio a acrescentar, ao Código Penal, o art. 168-A, cujo § 2º passou a conferir eficácia extintiva da punibilidade ao pagamento "das contribuições, importâncias ou valores" devidos à Previdência Social, desde que realizado "antes do início da ação fiscal" (grifei).

A derrogação do art. 34 da Lei nº 9.249/95, no entanto, não tem o condão de prejudicar, em tema de extinção da punibilidade, aqueles a quem se atribuiu a suposta prática de crimes previdenciários, alegadamente cometidos no período abrangido pelo diploma legislativo em referência.

É que a cláusula de extinção da punibilidade, por afetar a pretensão punitiva do Estado, qualifica-se como norma penal de caráter material, aplicando-se, em conseqüência, quando mais favorável, aos delitos cometidos sob o domínio de sua vigência temporal, ainda que já tenha sido revogada pela superveniente edição de uma "lex gravior".

Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a norma penal benéfica - como aquela inscrita no art. 34 (hoje derrogado) da Lei nº 9.249/95 - reveste-se de ultratividade, impregnada de força normativa residual, apta a torná-la aplicável, enquanto "lex mitior", a fatos delituosos alegadamente praticados sob sua égide.

Impende reconhecer, por necessário, que a eficácia ultrativa da lei penal benéfica possui extração constitucional, traduzindo, sob tal aspecto, inquestionável direito público subjetivo que assiste a qualquer suposto autor de infrações penais.

Esse entendimento reflete-se no magistério jurisprudencial que esta Suprema Corte (RTJ 140/514, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RTJ 151/525, Rel. Min. MOREIRA ALVES, v.g.) e outros Tribunais da República (RT 467/313 - RT 605/314 - RT 725/526 - RT 726/518 - RT 726/523 - RT 731/666) firmaram no exame do significado e do alcance normativo da regra consubstanciada no inciso XL do art. 5º da Constituição Federal:

"O sistema constitucional brasileiro impede que se apliquem leis penais supervenientes mais gravosas, como aquelas que afastam a incidência de causas extintivas da punibilidade (...), a fatos delituosos cometidos em momento anterior ao da edição da lex gravior.
A eficácia ultrativa da norma penal mais benéfica - sob cuja égide foi praticado o fato delituoso - deve prevalecer por efeito do que prescreve o art. 5º, XL, da Constituição, sempre que, ocorrendo sucessão de leis penais no tempo, constatar-se que o diploma legislativo anterior qualificava-se como estatuto legal mais favorável ao agente. Precedentes do Supremo Tribunal Federal."
(RTJ 186/252, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Vê-se, pois, que a circunstância de ordem temporal decorrente da sucessão de leis penais no tempo revela-se apta a conferir aplicabilidade, no caso, à cláusula de extinção da punibilidade em referência (Lei nº 9.249/95, art. 34), uma vez configuradas as situações nela previstas, eis que - como se sabe - as contribuições previdenciárias qualificam-se como espécies de natureza tributária (RTJ 143/313-314 - RTJ 143/684 - RTJ 148/932-933 - RTJ 149/654 - RTJ 181/73-79, v.g.).

Cumpre registrar, ainda, por necessário, que esse entendimento - pertinente à incidência, em casos que versam delitos previdenciários, da referida causa de extinção da punibilidade - tem o beneplácito de autorizado magistério doutrinário (LUIZ FLÁVIO GOMES, "Crimes Previdenciários", p. 58, item n. 2.12, 2001, RT; GEORGE TAVARES, "Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro", p. 126, 2002, Freitas Bastos Editora), bem assim o apoio da própria orientação jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou a respeito do tema (RTJ 168/249-251, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA):

"PENAL. PROCESSUAL PENAL. 'HABEAS CORPUS', NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PAGAMENTO DO DÉBITO ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. APLICAÇÃO DO ART. 34 DA LEI 9.249/95. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 'HABEAS CORPUS': CONCESSÃO DE OFÍCIO. LEIS 8.137/90, 8.212/91, 8.383/91 E 9.249/95.
I. - Aplicação do art. 34 da Lei 9.249/95, que determina a extinção da punibilidade dos crimes definidos na Lei 8.137/90, quando o agente promover o pagamento do débito antes do recebimento da denúncia.
II. - H.C. concedido de ofício."
(RTJ 164/246, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - grifei)

Como inicialmente enfatizado na presente decisão, os fatos delituosos supostamente cometidos pelo ora denunciado teriam sido praticados quando ainda vigorava a Lei nº 9.249, de 26/12/1995, cujo art. 34 assim dispunha:

"Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia." (grifei)

Não obstante derrogada tal norma legal, ela ainda subsiste, por efeito de expressa determinação constitucional (CF, art. 5º, XL), eis que qualificada pela nota de evidente benignidade penal, o que torna legítima a sua aplicação ultrativa ao caso ora em exame.

A análise dos autos evidencia que o ora denunciado solveu, integralmente, "uno actu", as obrigações previdenciárias referidas na peça acusatória, tal como o comprova a declaração emanada do próprio INSS, que atesta acharem-se extintos os créditos daquela autarquia federal (fls. 359), cujo alegado não-recolhimento motivou a instauração da presente persecução penal.

Por tais razões, acolho a promoção aprovada pelo eminente Procurador-Geral da República (fls. 363/365) e, nos termos do art. 3º, II, da Lei nº 8.038/90, declaro extinta a punibilidade do ora denunciado - Maurício Quintella Malta Lessa (fls. 299) - referentemente ao delito de apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A, § 1º, I) objeto do presente procedimento penal (Pet 3.377/AL).

Arquivem-se os presentes autos.

Publique-se.

Brasília, 30 de junho de 2006.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão publicada no DJU de 2.8.2006

"CPMI das Ambulâncias": Requisição de Documentos e Sigilo (Transcrições)

Inq 2314/MT*

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

DESPACHO: O Presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito - CPMI das "Ambulâncias", criada com a finalidade de apurar as denúncias envolvendo a denominada "Operação Sanguessuga", solicita, por meio do Ofício n° 095/06, a revogação do sigilo dos documentos em poder da comissão, tendo em vista a freqüente divulgação ocorrida através dos meios de comunicação.

Os referidos documentos constituem cópias dos autos dos Inquéritos n°s 2.314/DF, 2.315/DF, 2.316/DF, 2.317/DF, 2.318/DF, 2.319/DF, 2.320/DF, 2.321/DF, 2.322/DF, 2.323/DF, 2.324/DF, 2.325/DF, 2.326/DF, 2.327/DF e 2.328/DF, instaurados, a pedido do Procurador-Geral da República, com o objetivo de apurar a participação de parlamentares nos fatos objeto da denominada "Operação Sanguessuga"- que tramitam em segredo de justiça neste Supremo Tribunal Federal, todos sob minha relatoria -, cujo acesso foi autorizado ao Presidente da CPMI das Ambulâncias, por meio de despacho cujo teor transcrevo a seguir, verbis:

"Na Petição no 84.406/2006 (Ofício no 012/06), o Presidente da "Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das Ambulâncias" ("CPMI das Ambulâncias"), Deputado Federal Antônio Carlos Biscaia, pleiteia, verbis:

"Na qualidade de Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, criada pelo Requerimento n.° 245, de 2004, com a finalidade de apurar as denúncias envolvendo a 'Operação Sanguessuga', realizada pela Polícia Federal, para investigar quadrilha que atuava na aquisição fraudulenta de insumos estratégicos para a saúde, e em conformidade com o artigo 58 da Constituição Federal e 148 do Regimento Interno do Senado Federal combinado com o artigo 2° da Lei 1.579/52, solicito a Vossa Excelência, cópia dos requerimentos de instauração de inquérito e processos contra parlamentares deferidos ou não por essa Egrégia Corte, com relação à denominada 'Operação Sanguessuga'.
Por oportuno, informo que haverá manutenção de sigilo sobre os documentos e dados fornecidos."

A partir da interpretação do art. 58, § 3o, da Constituição, a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é pacífica ao admitir, inclusive, a possibilidade de decretação de quebra de sigilo promovida por comissões parlamentares de inquérito. Nesses casos, exige-se, entretanto, que a referida decretação apresente fundamentação idônea, ainda que sucinta, nos termos do art. 93, IX, da CF.

Ademais, é necessário que a fundamentação de eventual quebra de sigilo seja compatível com o objeto que tenha ensejado a instauração da Comissão Parlamentar em questão (Cf., entre outros: MS no 23.669/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 17.04.2000; MS no 24.750/DF, DJ de 02.02.2004, e MS no 24.751/DF, DJ de 02.02.2004, ambos de minha relatoria).

Em princípio, em que pese o caráter sigiloso da tramitação destes autos, observo relação de pertinência entre os motivos que ensejaram a instauração da "CPMI das Ambulâncias" e as investigações policiais na denominada "Operação Sanguessuga".

Nestes termos, não obstante os Inquéritos nos 2.314/DF, 2.315/DF, 2.316/DF, 2.317/DF, 2.318/DF, 2.319/DF, 2.320/DF, 2.321/DF, 2.322/DF, 2.323/DF, 2.324/DF, 2.325/DF, 2.326/DF, 2.327/DF e 2.328/DF tramitarem sob segredo de justiça, autorizo a entrega de cópias dos respectivos autos ao Presidente da "Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das Ambulâncias", o Deputado Federal Antônio Carlos Biscaia.

No entanto, esclareço que, de acordo com jurisprudência firmada nesta Corte Suprema (Cf., nesse sentido, o HC nº 87.827/RJ, Primeira Turma, julgado em 25.04.2006, DJ de 23.06.2006), o acesso aos autos, em circunstâncias similares às condições ora em apreço, deve se restringir tão-somente aos documentos cujas diligências foram concluídas.

Contudo, embora este Tribunal reconheça a possibilidade de acesso a dados e documentos relativos a inquéritos sigilosos nessa estrita hipótese referida, a "CPMI das Ambulâncias" está igualmente adstrita ao dever de sigilo quanto às informações obtidas. Nesse particular, é válido mencionar o seguinte trecho de decisão monocrática, de lavra do Min. Celso de Mello, proferida em sede de medida cautelar no MS no 25.617-DF, DJ de 03.11.2005, verbis:

"Cabe advertir, no entanto, como já proclamou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sob a égide da vigente Constituição, a propósito do inquérito policial (que também é conduzido de maneira unilateral, tal como ocorre com a investigação parlamentar), que a unilateralidade desse procedimento investigatório não confere ao Estado o poder de agir arbitrariamente em relação ao indiciado e às testemunhas, negando-lhes, abusivamente, determinados direitos e certas garantias - como a prerrogativa contra a auto-incriminação - que derivam do texto constitucional ou de preceitos inscritos em diplomas legais: 'INQUÉRITO POLICIAL - UNILATERALIDADE - A SITUAÇÃO JURÍDICA DO INDICIADO. - O inquérito policial, que constitui instrumento de investigação penal, qualifica-se como procedimento administrativo destinado a subsidiar a atuação persecutória do Ministério Público, que é - enquanto dominus litis - o verdadeiro destinatário das diligências executadas pela Polícia Judiciária. A unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado, que não mais pode ser considerado mero objeto de investigações. O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial.' (RTJ 168/896, Rel. Min. CELSO DE MELLO) Torna-se evidente, portanto, que a unilateralidade da investigação parlamentar - à semelhança do que ocorre com o próprio inquérito policial - não tem o condão de abolir os direitos, de derrogar as garantias, de suprimir as liberdades ou de conferir, à autoridade pública, poderes absolutos na produção da prova e na pesquisa dos fatos. É por essa razão que, embora amplos, os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito não são ilimitados nem absolutos, porque essencialmente subordinados, quanto ao seu exercício, à necessária observância das restrições definidas em sede constitucional ou em âmbito legal, consoante proclamam inúmeros precedentes firmados pela jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal." (Medida Cautelar no MS no 25.617-DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 03.11.2005)

Diante do exposto, com o objetivo de conferir efetividade à função institucional atribuída às Comissões Parlamentares de Inquérito em nosso ordenamento constitucional (CF, art. 58, § 3o), defiro o pedido formulado e determino que o exame das cópias obtidas fique restrito apenas à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, a qual deverá adotar rígidas providências para que seu conteúdo não seja indevidamente divulgado.

Comunique-se, com urgência. Cumpra-se.

Junte-se, oportunamente, a Petição no 84.406/2006 aos autos do Inquérito no 2.314/DF. Ademais, determino a juntada de cópia da referida petição, assim como de cópia desta decisão nos autos dos Inquéritos nos 2.315/DF, 2.316/DF, 2.317/DF, 2.318/DF, 2.319/DF, 2.320/DF, 2.321/DF, 2.322/DF, 2.323/DF, 2.324/DF, 2.325/DF, 2.326/DF, 2.327/DF e 2.328/DF. Brasília, 29 de junho de 2006. Ministro Gilmar Mendes. Relator."

Como se pode aferir, a autorização conferida ao presidente da comissão parlamentar para ter acesso às cópias dos autos dos referidos inquéritos está condicionada à observância de dois requisitos:

a) o acesso aos autos deve se restringir aos documentos cujas diligências já foram devidamente concluídas pela autoridade policial;

b) o exame das cópias obtidas deve ficar restrito à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, a qual deverá adotar rígidas providências para que seu conteúdo não seja indevidamente divulgado.

Tais medidas são imprescindíveis para se assegurar a eficácia das investigações criminais que no momento estão sendo realizadas com o escopo de elucidar os fatos objeto da denominada "Operação Sanguessuga".

Destarte, todo inquérito deve ser revestido do sigilo necessário à efetiva apuração dos fatos objeto da investigação criminal. Por isso, prescreve o Código de Processo Penal, em seu art. 20, que a autoridade deve assegurar, no inquérito, "o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade". Nesse sentido, a doutrina tem esclarecido que "sendo o inquérito um conjunto de diligências visando a apurar o fato infringente da norma penal e da respectiva autoria, parece óbvio deva ser cercado do sigilo necessário, sob pena de se tornar uma burla". Assim, pode-se afirmar, seguindo tal entendimento, que "não se concebe investigação sem sigilação."

É preciso esclarecer, por outro lado, que o sigilo que reveste a tramitação dos inquéritos não pode ser absoluto, devendo ser estabelecido na medida necessária, de acordo com as circunstâncias específicas de cada investigação, onde os indiciados, os fatos apurados e a conjuntura social são variantes determinantes da sigilação necessária.

Observe-se, oportunamente, que a Constituição de 1988 institui uma ordem democrática fundada no valor da publicidade (Öffentlichkeit), substrato axiológico de toda a atividade do Poder Público. No Estado Democrático de Direito, a publicidade é a regra; o sigilo, a exceção, que apenas se faz presente, como impõe a própria Constituição, quando seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (art. 5o, XXXIII) e quando não prejudique o interesse público à informação (art. 93, IX).

Assim, por meio de cláusula normativa aberta e conceito jurídico indeterminado, o Código de Processo Penal atribui à autoridade judiciária poderes discricionários para definir, em cada caso, qual a medida do sigilo necessário à elucidação dos fatos ou exigido pelo interesse da sociedade (art. 20). Deve a autoridade fazer o sopeso das razões em prol do segredo das investigações, por um lado, e da sua publicidade, por outro. Trata-se, enfim, de um exercício de ponderação condicionado pela conformação dos fatos determinantes do caso concreto. A cada caso será aplicada uma medida diferenciada do que seja o sigilo necessário à eficiência das investigações. E, nesse sentido, a mutação das circunstâncias fáticas poderá justificar tanto a ampliação como a restrição, total ou parcial, do sigilo inicialmente decretado, sempre tendo em vista a efetividade das investigações criminais, assim como o interesse social.

Quanto aos inquéritos que investigam os fatos objeto da denominada "Operação Sanguessuga", esclareço que, atendendo a pedido do Procurador-Geral da República, determinei sua tramitação em segredo de justiça, tendo em vista o próprio conteúdo dos documentos acostados aos autos, consistentes em transcrições de escutas telefônicas e outros documentos cujo teor deve ser resguardado de terceiros, com o intuito de assegurar o resultado das investigações.

Ressalto, no entanto, que o sigilo que reveste os referidos inquéritos abrange apenas o conteúdo dos documentos pertencentes aos autos, e tem o objetivo de assegurar a eficácia das investigações, como garantia do interesse da sociedade em ver os fatos supostamente delituosos devidamente esclarecidos.

Portanto, o dever imposto à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito - CPMI das "Ambulâncias" restringe-se ao resguardo do conteúdo dos documentos, não devendo representar qualquer empecilho aos trabalhos investigatórios reputados necessários pela própria comissão para o alcance de suas finalidades institucionais. A comissão não está impedida, por exemplo, de realizar convocações de parlamentares por ela investigados para prestar depoimentos ou de utilizar os dados obtidos dos documentos sigilosos para eventuais questionamentos, observações, comentários, perguntas e acareações.

Assim, se é certo, por um lado, que as CPI´s devem zelar pela confidencialidade dos documentos aos quais teve acesso - seja através do trabalho de cooperação e troca institucional de informações com os demais Poderes, seja pela quebra dos sigilos bancário e fiscal dos investigados - , por outro lado também devem ser assegurados às comissões os poderes que lhes foram constitucionalmente atribuídos para utilizar os dados obtidos como instrumento de realização de seus trabalhos investigatórios, os quais muitas vezes exigem a divulgação, ainda que relativa, de seu conteúdo sigiloso, como ocorre normalmente com a elaboração dos relatórios parciais e conclusivos das investigações legislativas, assim como em comunicações ao Ministério Público ou a outros órgãos do Poder Público.

Esse tem sido o entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto à questão, bem ilustrado em trechos de decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello, verbis:

"Não se desconhece que a Comissão Parlamentar de Inquérito, embora dispondo de competência constitucional para ordenar a quebra de sigilo de dados reservados, não pode, agindo arbitrariamente, conferir indevida publicidade a registros sobre os quais incide a cláusula de reserva derivada do sigilo bancário, do sigilo fiscal e do sigilo telefônico. Ocorre, no entanto, que essa vedação somente inibirá a CPI nos casos em que inexistir justa causa que autorize a divulgação, por esse órgão de investigação legislativa, dos dados informativos a que teve legítimo acesso. Foi por tal razão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o MS 23.452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, deixou assentado, no tema em questão, que a preservação da confidencialidade dos registros sigilosos poderá deixar de subsistir, se e quando houver justa causa que legitime, embora excepcionalmente, o ato de disclosure, tal como sucede naquelas hipóteses em que a revelação dos documentos reservados constitua uma imposição fundada em relevante motivo de interesse público: '- Havendo justa causa - e achando-se configurada necessidade de revelar os dados sigilosos, seja no relatório final dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (como razão justificadora da adoção de medidas a serem implementadas pelo Poder Público), seja para efeito das comunicações destinadas ao Ministério Público ou a outros órgãos do Poder Público, para os fins a que se refere o art. 58, § 3º, da Constituição, seja, ainda, por razões imperiosas ditadas pelo interesse social - a divulgação do segredo, precisamente porque legitimada pelos fins que a motivaram, não configurará situação de ilicitude, muito embora traduza providência revestida de absoluto grau de excepcionalidade.' (RTJ 173/805-810, 809, Rel. Min. Celso de Mello)." (MS 25.717-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 16-12-05, DJ de 1º-2-06)

As Comissões Parlamentares de Inquérito, cujos poderes investigatórios estão delimitados pela Constituição, em seu art. 58, § 3º, e pela legislação em vigor (Lei n° 1.579/1952, Lei n° 10.001/2000 e Regimentos da Câmara dos Deputados, arts. 35 a 37, e do Senado Federal, arts. 145 a 153) devem ser sempre dotadas dos meios instrumentais necessários ao natural exercício de suas atribuições, como a colheita de depoimentos de qualquer autoridade, a oitiva de indiciados, inquirição de testemunhas, notificações para comparecimento, requisição de documentos, quebras de sigilo bancário e fiscal, realização de sindicâncias e diligências, etc. Cabe apenas à própria comissão, respeitados os parâmetros legais e constitucionais, julgar quais são os meios necessários ao desempenho eficaz de suas atividades investigatórias, e como devem ser eles manejados para o fiel cumprimento de suas finalidades institucionais.

A ordem constitucional assegura às comissões parlamentares de inquérito um âmbito de autonomia investigatória em relação à esfera de investigação policial e, por isso, podem ser distintos os indiciados no inquérito parlamentar e no inquérito policial, mesmo que estes visem a apurar fatos conexos. A própria natureza peculiar de cada tipo de investigação - a primeira realizada no âmbito político das casas parlamentares; a segunda, pela polícia judiciária - acentua a separação que deve existir entre ambas as esferas de investigação. Portanto, as comissões parlamentares de inquérito, quando instauradas para apuração de fatos que já são objeto de inquérito policial, possuem poderes para, no âmbito de sua autonomia inquisitorial, investigar pessoas, assim como requisitar diligências, que não constam como objeto das investigações na esfera judicial e policial. Quanto aos seus próprios investigados e diligências realizadas autonomamente, cabe à comissão parlamentar, em atenção ao disposto no art. 20 do Código de Processo Penal (aplicável por força do art. 6o da Lei n° 1.579/1959), definir a medida do sigilo necessário à elucidação dos fatos ou exigido pelo interesse da sociedade.

Nesse sentido, é possível concluir que a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito - CPMI das "Ambulâncias" está incumbida do dever jurídico-constitucional de preservar o sigilo dos documentos cujas cópias foram retiradas dos inquéritos que tramitam neste Supremo Tribunal Federal, o que não a impede de realizar convocações de seus próprios investigados para prestar depoimento.

Ante o exposto, mantenho o sigilo quanto ao conteúdo dos documentos acostados aos autos dos inquéritos destinados à investigação dos fatos objeto da denominada "Operação Sanguessuga", que tramitam neste Supremo Tribunal Federal, esclarecendo, porém, que a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito - CPMI das "Ambulâncias" possui plenos poderes, delimitados pela Constituição e pela legislação em vigor, para fazer convocações de seus próprios investigados para prestar depoimento. No âmbito de sua autonomia investigatória, cabe à própria CPMI julgar a necessidade de manter em sigilo ou não os nomes de seus próprios investigados.

Comunique-se, com urgência.

Junte-se, oportunamente, cópia deste despacho aos autos dos Inquéritos nos 2.315/DF, 2.316/DF, 2.317/DF, 2.318/DF, 2.319/DF, 2.320/DF, 2.321/DF, 2.322/DF, 2.323/DF, 2.324/DF, 2.325/DF, 2.326/DF, 2.327/DF, 2.328/DF, 2.337/DF, 2.338/DF, 2.339/DF, 2.340/DF, 2.341/DF, 2.342/DF, 2.343/DF, 2.344/DF, 2.345/DF, 2.346/DF, 2.347/DF, 2.348/DF, 2.349/DF, 2.350/DF, 2.351/DF, 2.352/DF, 2.353/DF, 2.354/DF, 2.355/DF, 2.356/DF, 2.357/DF, 2.358/DF, 2.359/DF, 2.360/DF, 2.361/DF, 2.362/DF, 2.363/DF, 2.364/DF, 2.365/DF, 2.366/DF, 2.367/DF, 2.368/DF, 2.369/DF, 2.370/DF, 2.371/DF, 2.372/DF, 2.373/DF, 2.374/DF, 2.375/DF, 2.376/DF, 2.377/DF e 2.378/DF.

Brasília, 18 de julho de 2006.

Ministro Gilmar Mendes
Vice-Presidente
(RISTF, art. 37, I c/c art. 13, VIII)

* inquérito sob segredo de justiça

Exercício da Advocacia e Devido Processo Legal (Transcrições)

(v. Informativo 415)

RE 464963/GO*

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

RELATÓRIO: Trata-se de recurso extraordinário interposto com fundamento no art. 102, III, "a", da Constituição Federal, no qual se alega ofensa aos arts. 5º, LV, 37, caput e 93, IX, da Carta Magna.

O relator do acórdão recorrido, ao apreciar a controvérsia, assim se pronunciou (fls. 296/313):

"Entre as nulidades levantadas pelos embargantes consta a mirante a tornar absolutamente nulo o julgamento, a pretexto de o advogado Homero Sabino de Freitas, na condição de Diretor-Geral do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, encontrar-se no desempenho de atividade incompatível, mesmo em causa própria, com o exercício da advocacia.
Na verdade, a Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, é taxativa, na textura do seu art. 28, quanto à incompatibilidade da advocacia, ainda que em causa própria, dentre outras atividades, dos membros do Poder Judiciário.
A rigor, portanto, tal como suscitado pelos embargantes, o fato de o Dr. Homero Sabino de Freitas ter sido nomeado para o cargo de Diretor-Geral do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, o colocaria na condição de ocupante de atividade incompatível com o exercício da advocacia.
Impende ressaltar, a propósito, que o Pretório Excelso, no julgamento da Medida Liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.127-8-DF (in DJU de 14.10.94, seção 1, p.27.596), deu ao dispositivo em relevo a interpretação de que, de sua abrangência, estão excluídos os membros da Justiça Eleitoral e os Juízes Suplentes não remunerados.
Demais disso, no tocante às inocorrentes omissões, no julgado, assim respeitando a pseuda-nulidade quanto à intervenção, do Dr. Homero Sabino de Freitas, como advogado do ora embargado, peticionando e fazendo sustentação oral, quando estava impedido de advogar, por ocupação do mencionado cargo de Diretor-Geral do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, como ao impedimento da Secretária da egrégia 1ª Câmara Cível, para praticar quaisquer atos neste processo, por ser filha do Dr. Homero Sabino de Freitas, tenho em linha de total inconsistência os argumentos estereotipados.
É que, por não terem sido alegadas na fase própria, ou seja, 'na primeira oportunidade' em que falaram nos autos, particularmente a da sustentação oral, operou-se, irremediavelmente, a preclusão (inteligência do art. 245 do CPC).
O Dr. Homero Sabino de Freitas ingressou no feito, como advogado do embargado, juntando substabelecimento de mandato, em 08 de maio de 2.001, como pode ser verificado às fls. 204v. e 205, data em que também realizou-se a sessão onde houve sustentação oral por parte do mesmo.
Mister se faz salientar que na mesma sessão houve sustentação oral também por parte do advogado dos embargantes, Dr. Luiz Mauro Pires, que nada alegou a respeito naquela ocasião, nem sobre o impedimento de advogar do Dr. Homero, por exercer cargo de diretor do T.R.E.-GO, nem de sua filha, que é secretária da Primeira Câmara Cível.
Também não consta dos autos nenhuma petição protocolada após a sessão, argüindo tais nulidades.
Por que somente agora, através de embargos declaratórios, após vários meses, vêm os embargantes alegar tal matéria?
Se o fato era público e notório, e de conhecimento de todos, como afirmam às fls. 224 ('Todavia, conforme é de conhecimento público e notório, ...'), deveria o advogado dos embargantes ter alegado tais nulidades na primeira oportunidade que tivesse de falar nos autos, o que poderia ter ocorrido na própria sessão ou em momento posterior próximo e oportuno, e não em embargos declaratórios, após vários meses do conhecimento de tal situação, coincidentemente após verem improvido seu recurso.
Ademais, nenhum prejuízo causou às partes o ingresso de tal advogado como patrono do embargado, mormente quando se restringiu a fazer sustentação oral, o que não altera a força das provas constantes dos autos."

Os recorrentes sustentam que (fls. 356/374):

"2.1. Nos embargos de declaração interpostos pelos os ora recorrentes, foi suscitada nulidade absoluta consubstanciada no fato de que na data em que o ilustre patrono dos apelantes proferiu sustentação oral no julgamento do presente feito, o exercício da advocacia era e ainda é vedado ao mesmo pelo Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil.
2.2. É que, em fevereiro de 2001, o patrono do apelante, Doutor HOMERO SABINO DE FREITAS, foi nomeado e empossado no cargo de Diretor Geral do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Goiás, conforme demonstra a cópia do Diário da Justiça de 19 de fevereiro de 2001 (cf. documentos que acompanham os embargos de declaração). E tal cargo público é incompatível com a advocacia. A respeito, vejamos o teor dos artigos 27 e 28 da Lei nº 8.906, de 1994:

'Art.27.A incompatibilidade determina a proibição total, e o impedimento, a proibição parcial do exercício da advocacia.
Art.28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:
IV- ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro;'

2.3. Apesar disto, no dia 8 de maio de 2001, o ilustre causídico proferiu sustentação oral no julgamento da apelação, acarretando o pedido de adiamento do julgamento pelo próprio Relator, o que demonstra à exaustão a importância da intervenção do eminente patrono do apelante, ora recorrido (cf. fl. 209).Conforme decorre de disposição expressa da Lei nº 8.906, trata-se de nulidade absoluta e, portanto, insanável, in verbis:

'Art. 4º - São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas.
Parágrafo único - São também nulos os atos praticados por advogado impedido - no âmbito do impedimento - suspenso, licenciado ou que passar a exercer atividade incompatível com a advocacia.' (grifou-se)
[...]

2.6. Apesar disto, violando manifestamente o disposto no caput do artigo 37 da CF, a Colenda Turma do TJGO rejeitou tal nulidade entendendo que ocorreu a preclusão e que não houve prejuízo. Com relação à preclusão, tal parte da decisão já foi objeto do recurso especial interposto, meio hábil para tanto. Já no que se refere à parte do acórdão que reconheceu a inexistência de prejuízo como fundamento da rejeição da nulidade, tal decisão violou manifestamente o aludido dispositivo constitucional.
2.7. É que a matéria evidentemente não pode ser analisada pela face do prejuízo que tenham sofrido as partes, pois a decretação da nulidade não pretende apenas garantir a regularidade do processo, mas proteger a moralidade administrativa consagrada no artigo 37, caput, da Constituição Federal. Ao rejeitar a aplicação do princípio da moralidade administrativa, a Corte a quo contrariou a referida norma constitucional. Conforme ensina a doutrina:
[...]
2.8. Ademais, a existência de prejuízo é evidente. Não é demais lembrar que o eminente Desembargador-Relator pediu vista dos autos após as sustentações orais, o que revela à exaustão a importância da sustentação proferida pelo advogado substabelecido à folha 206 e os notórios prejuízos sofridos pelos ora recorrentes. Realmente, a apelação interposta pelo ora recorrido foi provida, com a conseqüente reforma da r. sentença de folhas 136/141, que reconheceu o direito dos embargantes, ora recorrentes.
[...]
3.1. Além da nulidade suscitada nos itens anteriores, nos embargos de declaração os ora recorrentes suscitaram também nulidade absoluta consubstanciada no fato de que a filha do patrono do ora recorrido, Dra. YASMINE SAAD SABINO DE FREITAS, participou do julgamento do feito como Diretora da 1ª Secretaria da Câmara Cível, tendo até mesmo assinado o extrato da ata(cf. certidão de fl. 211).
[...]
3.3. Em sendo parente consangüíneo em linha reta, a Dra. YASMINE SAAD SABINO DE FREITAS jamais poderia ter praticado ato no processo em que seu pai, o Doutor HOMERO SABINO DE FREITAS, é advogado de uma das partes. Se não bastasse ter participado do julgamento e assinado o extrato da ata (cf. certidão de fl. 211), tal servidora impedida também praticou outros atos no processo após o ingresso de seu pai como procurador do embargado (cf. fls. 205/206). Basta conferir as certidões de fls. 212 e 221.
3.4. Da mesma forma da nulidade anterior, a Colenda Turma do TJGO rejeitou tal nulidade ao fundamento de que ocorreu a preclusão e que não houve prejuízo. Ao reconhecer a inexistência de prejuízo como fundamento da rejeição da nulidade, tal decisão também violou manifestamente o caput do artigo 37 da CF.
3.5. E o fundamento de tal violação é o mesmo do exposto para a nulidade anterior. Sem dúvida, a matéria evidentemente não pode ser analisada pela face do prejuízo que tenham sofrido as partes, pois a decretação da nulidade em face da prática de ato por serventuária da justiça impedida não pretende garantir apenas a regularidade do processo, mas proteger a moralidade administrativa consagrada no artigo 37, caput, da Constituição Federal."

O Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas, em parecer de fls. 521/523, manifestou-se pelo improvimento do recurso nos seguintes termos:

"EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO - NULIDADE ABSOLUTA- INCOMPATIBILIDADE DO ADVOGADO - IMPEDIMENTO DO SERVENTUÁRIO DA JUSTIÇA- ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 5º, LV, E 93, IX, E 37, CAPUT - INCABÍVEL - OFENSA REFLEXA À CF- MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL - AUSÊNCIA DA PRETENDIDA DIMENSÃO CONSTITUCIONAL - PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO E, SE CONHECIDO, PELO SEU IMPROVIMENTO."

É o relatório.

VOTO: O acórdão recorrido deu provimento à apelação, para reformar a sentença e julgar improcedentes os embargos de terceiros interpostos pelos recorrentes, invertendo a condenação por litigância de má-fé.

Dessa decisão foram opostos embargos de declaração nos quais se argüiu a nulidade absoluta do julgado, por ter o Dr. Homero Sabino de Freitas, na qualidade de Diretor-Geral do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Goiás, proferido, no julgamento da apelação, sustentação oral como patrono dos ora recorridos.

Argüiu-se, ainda, nos embargos de declaração, o impedimento da Dra. Yasmine Saad Sabino de Freitas para a prática de qualquer ato no processo, como Secretária da 1ª Câmara Cível, onde tramitou o feito, por ser filha do referido advogado, Dr. Homero, também Diretor-Geral do TRE/GO.

Alegou-se violação ao princípio da moralidade, previsto no artigo 37, caput, da Carta Magna, ao princípio do devido processo legal e ao art. 93, IX, da Constituição, especialmente no que diz respeito à litigância de má-fé.

Preliminarmente, afasto o fundamento do acórdão dos embargos de declaração, no tocante à preclusão em virtude da não alegação da nulidade, uma vez que o referido vício foi argüido na primeira oportunidade após o julgamento da apelação, ou seja, pela via dos embargos de declaração.

Por outro lado, tendo em vista o sistema legal existente (art. 4o e arts. 27 e 28 do Estatuto da Advocacia), não há nenhuma dúvida quanto à incompatibilidade da advocacia com o exercício do cargo de Diretor-Geral de Tribunal Regional Eleitoral, o que gera a nulidade de todos os atos praticados no processo pelo Dr. Homero Sabino de Freitas, nulidade esta que, ao meu ver, é de ordem absoluta.

Esta 2ª Turma, ao julgar o RE 199.088, DJ 16.04.99, entendeu ser incompatível com a advocacia o exercício do cargo de assessor de juiz ou desembargador, tendo o Relator Carlos Velloso consignado em seu voto que tal incompatibilidade assenta-se na ética e na moralidade pública, verbis:

"É claro que as condições para o exercício de profissão deverão ser razoáveis. No caso, parece-me perfeitamente razoável ficar incompatível com a advocacia quem exerce cargo de assessor de juiz ou desembargador. A incompatibilidade, em tal caso, assenta-se, sobretudo, na ética, na moralidade administrativa, que é o princípio constitucional imposto à Administração Pública, direta ou indireta. (C.F. art. 37). Ora, o exercício da advocacia tem coloração pública, ainda mais se tivermos presente a sua indispensabilidade à administração da justiça, conforme está expresso na Constituição, art. 133."

Ressalte-se que, ao contrário do afirmado no acórdão recorrido, não se aplica ao caso em tela o entendimento desta Corte no julgamento da ADI 1.127, Rel. Paulo Brossard, DJ 29.06.01, que excluiu do rol dos impedidos de exercer a advocacia apenas os membros da Justiça Eleitoral e os Juízes suplentes 'não remunerados', conforme se pode verificar do trecho do voto do Relator, verbis:

"Assim, parece-me que a alteração pretendida pela lei de impedir os advogados que compõem, como juristas, o Tribunal Superior Eleitoral e o Tribunal Regional Eleitoral, de advogar, ofende diretamente esses artigos da Constituição, gerando proibição oblíqua, mas real e efetiva.
[...]
Entendo que no caso não foi feliz o legislador quando teve a idéia de estabelecer esta proibição para os Juízes dos Tribunais Eleitorais - de exercer a advocacia até em causa própria, pelo fato de serem Juízes - advogados. Nunca existiu essa incompatibilidade, e a fórmula está incorporada ao nosso direito; temos uma experiência de sessenta anos, a esse respeito, e não me consta ter havido, nesses anos, motivo de queixa, de censura, de critica, à atuação desses juízes; ao contrário, do depoimento de todos que têm servido ou freqüentado a Justiça Eleitoral, os juízes saídos da classe dos advogados têm prestado à Justiça Eleitoral os maiores e melhores serviços.
Assim, defiro em parte a liminar para dar ao dispositivo a interpretação de que a abrangência nele contida não se estende aos advogados membros da Justiça Eleitoral e aos Juízes Suplentes não remunerados, em respeito ao que dispõe os artigos 119, II e 120, § 1º, III, da Constituição."

Assim, entendo que existe, no caso em exame, violação aos princípios da moralidade, no sentido já delineado no citado precedente desta 2a Turma (RE 199.088, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 16.04.99) e do devido processo legal.

O princípio do devido processo legal, que lastreia todo o leque de garantias constitucionais voltadas para a efetividade dos processos jurisdicionais e administrativos, assegura que todo julgamento seja realizado com a observância das regras procedimentais previamente estabelecidas, e, além disso, representa uma exigência de fair trial, no sentido de garantir a participação equânime, justa, leal, enfim, sempre imbuída pela boa-fé e pela ética dos sujeitos processuais.

A máxima do fair trial é uma das faces do princípio do devido processo legal positivado na Constituição de 1988, a qual assegura um modelo garantista de jurisdição, voltado para a proteção efetiva dos direitos individuais e coletivos, e que depende, para seu pleno funcionamento, da boa-fé e lealdade dos sujeitos que dele participam, condição indispensável para a correção e legitimidade do conjunto de atos, relações e processos jurisdicionais e administrativos.

Nesse sentido, tal princípio possui um âmbito de proteção alargado, que exige o fair trial não apenas dentre aqueles que fazem parte da relação processual, ou que atuam diretamente no processo, mas de todo o aparato jurisdicional, o que abrange todos os sujeitos, instituições e órgãos, públicos e privados, que exercem, direta ou indiretamente, funções qualificadas constitucionalmente como essenciais à Justiça.

Contrárias à máxima do fair trial - como corolário do devido processo legal, e que encontra expressão positiva, por exemplo, no art. 14 e seguintes do Código de Processo Civil - são todas as condutas suspicazes praticadas por pessoas às quais a lei proíbe a participação no processo em razão de suspeição, impedimento ou incompatibilidade; ou nos casos em que esses impedimentos e incompatibilidades são forjados pelas partes com o intuito de burlar as normas processuais.

Em face do exposto, tendo em vista as condições que levaram à produção de um julgamento contaminado por fortes irregularidades e eventual suspicácia, entendo como violados, no presente caso, tanto o princípio da moralidade como o do devido processo legal.

Assim, conheço e dou provimento ao recurso extraordinário. Determino o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que seja realizado novo julgamento da Apelação Cível.


* acórdão publicado no DJU de 30.6.2006




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