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sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Informativo STF 403 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 26 a 30 de setembro de 2005 - Nº 403.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO





Plenário
Fundo de Participação dos Municípios e Anualidade
Registro de Pensão e Contraditório
Conflito de Atribuições e Competência Originária do Supremo
Adicional por Tempo de Serviço: Coisa Julgada e Art. 17 do ADCT
1ª Turma
Prisão Preventiva e Fundamentação
Crime de Imprensa e Competência
Crime Hediondo e Substituição de Pena Privativa de Liberdade por Restritiva de Direitos
Soberania das Decisões do Júri e Justiça Militar
"Mutatio Libelli" e Prejuízo à Defesa
Execução Provisória de Pena e Princípio da Presunção da Não-Culpabilidade
OJ 177 do TST e Fundamento Constitucional
Honorários Advocatícios e Limites da Coisa Julgada - 1
Honorários Advocatícios e Limites da Coisa Julgada - 2
Servidores Públicos Municipais: Remoção e Conveniência - 1
Servidores Públicos Municipais: Remoção e Conveniência - 2
2ª Turma
Prisão Preventiva e Fundamentação
Rejeição de Denúncia e Exame de Mérito - 3
Auxílio-Alimentação e Não Extensão a Inativos
Transcrições
Conflito de Atribuições e Competência Originária do Supremo (PET 3528/BA)


PLENÁRIO


Fundo de Participação dos Municípios e Anualidade

O Tribunal concedeu mandado de segurança impetrado pelo Município de Santo Antônio do Amparo/MG contra a Decisão Normativa 38/2001 que, alterando a de nº 37/2001, ambas do TCU, reduziu, de 1,2% para 1%, o coeficiente de participação municipal no Fundo de Participação dos Municípios - FPM. Aplicou-se a jurisprudência da Corte no sentido de que a alteração do coeficiente em meio ao exercício financeiro viola o princípio da anualidade, extraído do art. 244 do Regimento Interno do TCU e do art. 91, § 3º c/c art. 92 do CTN, que estabelecem que os coeficientes individuais de participação dos municípios devem ser fixados até o último dia útil de cada exercício, para vigorarem durante todo o exercício subseqüente. Writ concedido para cassar, relativamente ao impetrante, os efeitos da decisão normativa impugnada produzidos durante o exercício de 2001, garantindo-lhe as diferenças devidas por força do índice previsto na decisão normativa alterada no período de julho a dezembro de 2001.
MS 24151/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 28.9.2005. (MS-24151)

Registro de Pensão e Contraditório

O Tribunal, por maioria, concedeu mandado de segurança impetrado contra ato do TCU, que indeferira o registro de pensão vitalícia concedida à impetrante e determinara a devolução das quantias recebidas, sob o fundamento de má-fé, ante a inexistência de provas da sua condição de companheira do instituidor do benefício. Inicialmente, foram afastadas as preliminares de ilegitimidade passiva do TCU, por ser este a autoridade que ordenara o cumprimento do ato, bem como o de decadência, haja vista que os efeitos da publicação do ato administrativo não poderiam alcançar a pensionista, que não é parte regularmente integrada no processo administrativo, devendo o prazo de 120 dias ser contado da data em que a impetrante efetivamente tivera ciência do ato. Quanto ao mérito, tendo em conta o longo período em que a pensão vinha sendo concedida (4 anos) e o resultado gravoso do ato impugnado, entendeu-se que a impetrante tinha o direito líquido e certo de ser ouvida, no procedimento administrativo, por força dos princípios do contraditório e da ampla defesa, antes de a autoridade decidir sobre a legalidade ou não da pensão percebida. O Min. Sepúlveda Pertence, embora ressalvando seu entendimento quanto à possibilidade de contraditório antes da homologação do benefício, acompanhou o voto do relator, em razão de dado peculiar do caso - a imputação de fraude - a exigir a manifestação da interessada, no que foi acompanhado pelos Ministros Gilmar Mendes, Eros Grau e Joaquim Barbosa. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Nelson Jobim, presidente, que indeferiam a ordem por considerar que, tratando-se de ato complexo, o registro de pensão, ainda não aperfeiçoado, prescinde do contraditório. Writ deferido para suspender a ordem de cancelamento do pagamento do benefício até que, com observância do contraditório e da ampla defesa, seja ouvida a impetrante no processo administrativo, ficando cassada a decisão impugnada. Precedentes citados: RE 179351/SP (27.10.99); MS 24859/DF (DJU de 27.8.2004); MS 23816 MC/BA (DJU de 7.2.2001); MS 24268/MG (DJU de 17.9.2004 ); MS 22938/PA (DJU de 25.10.2004); MS 24850/DF (DJU de 20.6.2005).
MS 24927/RO, rel. Min. Cezar Peluso, 28.9.2005. (MS-24927)

Conflito de Atribuições e Competência Originária do Supremo

Compete ao Supremo Tribunal Federal dirimir conflito de atribuições entre os Ministérios Públicos Federal e Estadual, quando não configurado virtual conflito de jurisdição que, por força da interpretação analógica do art. 105, I, d, da CF, seja da competência do Superior Tribunal de Justiça . Com base nesse entendimento, o Tribunal, resolvendo conflito instaurado entre o MP do Estado da Bahia e o Federal, firmou a competência do primeiro para atuação em inquérito que visa apurar crime de roubo (CP, art. 157, § 2º, I). Considerou-se a orientação fixada pelo Supremo no sentido de ser dele a competência para julgar certa matéria diante da inexistência de previsão específica na Constituição Federal a respeito, e emprestou-se maior alcance à alínea f do inciso I do art. 102 da CF, ante o fato de estarem envolvidos no conflito órgãos da União e de Estado-membro. Asseverou-se, ademais, a incompetência do Procurador-Geral da República para a solução do conflito, em face da impossibilidade de sua interferência no parquet da unidade federada. Precedentes citados: CJ 5133/RS (DJU de 22.5.70); CJ 5267/GB (DJU de 4.5.70); MS 22042 QO/RR (DJU de 24.3.95). Leia o inteiro teor do voto do relator na seção Transcrições deste Informativo.
Pet 3528/BA, rel. Min. Marco Aurélio, 28.9.2005. (Pet-3528)

Adicional por Tempo de Serviço: Coisa Julgada e Art. 17 do ADCT

O Tribunal iniciou julgamento de mandado de segurança em que se pretende restabelecer, sob a alegação de ofensa à coisa julgada e ao direito adquirido, o recebimento da parcela relativa ao adicional por tempo de serviço, suprimida dos proventos dos impetrantes pelo TCU com base no art. 17 do ADCT ("Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título."). O Min. Eros Grau, relator, concedeu a ordem por entender que o ato impugnado viola o art. 5º, XXXVI, da CF, haja vista que o adicional em questão fora garantido, aos impetrantes, por sentença com trânsito em julgado. Asseverou, ademais, que o art. 17 do ADCT, conforme jurisprudência do Supremo, não abrange situações protegidas pelo manto da coisa julgada [MS 22891/RS (DJU de 7.11.2003)]. Após, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista do Min. Gilmar Mendes.
MS 22423/RS, rel. Min. Eros Grau, 28.9.2005. (MS-22423)


PRIMEIRA TURMA


Prisão Preventiva e Fundamentação

A Turma, por maioria, deferiu, em parte, habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que dera por prejudicada igual medida pela superveniência de sentença de pronúncia, ao fundamento de que esta configuraria novo título legitimador da prisão do paciente. Pretendia-se, na espécie, a revogação da prisão preventiva, sob a alegação de excesso de prazo e de que o novo título não convalidaria o vício do decreto anterior. Asseverando que a sentença de pronúncia reproduzira os fundamentos do decreto de prisão preventiva, entendeu-se que caberia ao tribunal a quo apreciar a validade da custódia, não obstante a novação do título judicial, uma vez que nenhuma outra motivação fora acrescida. Deixou-se de analisar a possibilidade de concessão da ordem de oficio, tendo em conta as peculiaridades do caso, em especial o argumento no tocante à influência que o paciente poderia exercer nos depoimentos de testemunhas que para ele trabalhavam. No ponto, reconheceu-se que o eventual desacolhimento ex officio do writ redundaria em prejuízo ao próprio paciente. HC concedido, em menor extensão, para determinar o retorno dos autos ao STJ, a fim de que este aprecie as alegações quanto aos requisitos da custódia cautelar e ao excesso de prazo na formação da culpa. Vencido o Min. Marco Aurélio que, em face do excesso de prazo, desde logo deferia o writ.
HC 86019/RS, rel. Min. Carlos Britto, 27.9.2005. (HC-86019)

Crime de Imprensa e Competência

Reconhecendo a incompetência dos Juizados Especiais Criminais para processar e julgar o feito, a Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de acusado pela suposta prática do crime de difamação (Lei 5.250/67, art. 21), consistente em matéria tida por ofensiva publicada em revista, de circulação nacional, da qual o paciente era diretor. Na espécie, a queixa-crime fora inicialmente distribuída ao Juízo de Direito da 3ª Vara da Comarca de Barueri que declinara da competência para o Foro Central da Capital, recaindo, por nova distribuição, na 28ª Vara Criminal, que também declinara da competência, desta vez, para o Juizado Especial Criminal. Entendeu-se que os crimes de imprensa, cuja apuração está regida pela Lei 5.250/67, não se submetem à competência dos Juizados Especiais, porquanto o art. 61 da Lei 9.099/95 excetua o julgamento dos casos em que a lei preveja procedimento especial. Asseverou-se, ademais, que o parágrafo único do art. 2º da Lei 10.529/2001, ao conferir novo conceito a crime de menor potencial ofensivo, não revogara tacitamente o referido art. 61 da Lei 9.099/95. Por fim, ressaltou-se que o querelante ajuizara a queixa-crime no juízo de direito, em observância ao critério determinador da competência territorial, que é o local onde realizada a impressão da revista, consoante disposto no art. 42 da Lei de Imprensa. HC deferido para declarar a incompetência do Juizado Especial da Família Central de São Paulo e determinar que os autos sejam remetidos ao Juízo de Direito da 3ª Vara da Comarca de Barueri. Precedente citado: HC 83814/PR (DJU de 2.4.2004).
HC 86102/SP, rel. Min. Eros Grau, 27.2005. (HC-86102)

Crime Hediondo e Substituição de Pena Privativa de Liberdade por Restritiva de Direitos

A Turma deferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que, aplicando o princípio da especialidade, mantivera decisão que determinara a condenado pela prática do crime de tráfico de entorpecentes (Lei 6.368/76, art. 12) o cumprimento da pena em regime integralmente fechado. No caso concreto, o juiz, considerando presentes os requisitos do art. 44 do CP, procedera à substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, sendo esta decisão modificada pelo tribunal de origem e confirmada pela Corte a quo, ao fundamento de ser incabível a aludida substituição de pena - trazida ao CP pela Lei 9.714/98 - aos delitos elencados ou equiparados a hediondo, haja vista a vedação de progressão do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90. Entendeu-se não haver óbice à aplicação da regra do art. 44 do CP à pena privativa de liberdade imposta pela prática de crime em questão, tendo em conta que: a) embora a Lei 8.072/90 determine o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime integralmente fechado, nada dispôs acerca da suspensão condicional ou da substituição da mesma pena; b) a constitucionalidade do impedimento de progressão de regime encontra-se em discussão pelo Plenário do STF (HC 82959/SP, v. Informativos 315, 334 e 372); c) a Lei 9.714/98, posterior à Lei 8.072/90, ao ampliar a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, não abrigou princípio ou norma que obstasse a sua aplicação aos chamados "crimes hediondos", senão apenas àqueles cujo cometimento envolva violência ou grave ameaça à pessoa; d) no crime de tráfico ilícito de entorpecentes não há, em regra, o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa. Asseverou-se, ainda, que a exigência do regime fechado instituída pela Lei 8.072/90 refere-se à execução de pena privativa de liberdade imposta e, sendo esta substituída por pena restritiva de direitos, não haveria pertinência em cogitar-se do teórico regime fechado de execução como obstáculo à substituição já operada. HC deferido para cassar a decisão do STJ, restabelecendo a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, na forma da sentença condenatória de 1º grau.
HC 84928/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 27.9.2005. (HC-84928)

Soberania das Decisões do Júri e Justiça Militar

A Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia a nulidade de acórdão do STM que, ao prover apelação do Ministério Público, condenara o paciente pela prática de homicídio qualificado (CPM, art. 205, § 2º, I e IV). No caso concreto, a decisão condenatória do Tribunal do Júri fora posteriormente anulada pelo STJ, que fixara a competência da Justiça Militar para o feito. Remetidos os autos para o Conselho de Justiça da Auditoria Militar, o paciente fora absolvido por insuficiência de provas. Contra esta decisão, o parquet interpusera recurso que, acolhido pelo STM, ensejara a referida condenação. Sustentava-se a ausência de motivação do julgado recorrido e a impossibilidade de o Tribunal a quo alterar a decisão do Conselho de Justiça quanto ao mérito, sob a alegação de soberania dos veredictos, já que se trataria de hipótese semelhante às decisões do Tribunal do Júri. Assim, afirmava-se que ao Tribunal Superior competiria apenas verificar se a decisão fora manifestamente dissociada dos elementos apurados no processo, tendo o acórdão impugnado concluído contrariamente à evidência dos autos. Asseverou-se que a restrição, no processo penal comum, do efeito devolutivo da apelação do mérito dos veredictos do Conselho de Sentença não tem por base o crime cogitado, na espécie, o de homicídio, mas sim a nota de soberania das decisões do júri que a estrutura da Justiça Militar não comporta. Deste modo, entendeu-se incabível a simples cassação do julgado, porquanto esta seria exclusiva dos casos submetidos ao júri, não se aplicando quando o homicídio tem conotação de crime militar. Ademais, rejeitou-se o argumento de deficiência na motivação, uma vez que o acórdão recorrido fundamentara-se em fatos e provas, cujo revolvimento seria inviável nesta sede. Precedentes citados: RE 122706/RJ (RTJ 137/418); HC 71893/ES (DJU de 3.3.95).
HC 84690/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 27.9.2005. (HC-84690)

"Mutatio Libelli" e Prejuízo à Defesa

A Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de denunciado pela suposta prática do crime de embriaguez ao volante (CTB, art. 306), cuja acusação, nos termos do art. 383 do CPP, fora retificada pelo Ministério Público, em memorial, para a contravenção penal de direção perigosa de veículo na via pública (LCP, art. 34), tipo este acolhido pela sentença condenatória. Pretendia-se, na espécie, a anulação da ação penal, desde o recebimento da denúncia ou a declaração de nulidade do acórdão da Turma Recursal, por incompetência, a fim de que fosse a apelação julgada pelo tribunal de justiça local. Rejeitou-se o pedido de anulação do acórdão, uma vez que o Juizado Especial Criminal é o competente para julgar a contravenção penal. Por outro lado, entendeu-se que, no caso, trata-se de mutatio libelli (CPP, art. 384) e não de emendatio libelli (CPP, art. 383), porquanto houvera alteração na definição jurídica do fato, dado que o parquet não conseguira provar que o paciente estaria alcoolizado. No ponto, tendo em conta que a aludida mudança ocorrera quando já encerrada a instrução realizada com fundamento na imputação pelo crime anterior, qual seja, o do art. 306 do CTB e que o paciente suscitara a nulidade em alegações finais, considerou-se manifesto o prejuízo à defesa, na medida em que o paciente e suas testemunhas não foram ouvidos em juízo sobre a nova tipificação. Asseverou-se, destarte, que o juiz deveria ter baixado o processo e concedido o prazo de 8 dias para a defesa produzir provas e apresentar testemunhas, conforme previsto no citado art. 384 do CPP. HC deferido para anular o processo, a partir das alegações finais da defesa, inclusive, para que seja dada aplicação ao art. 384 do CPP.
HC 86276/MG, rel. Min. Eros Grau, 27.9.2005. (HC-86276)

Execução Provisória de Pena e Princípio da Presunção da Não-Culpabilidade

A Turma concedeu liminar em habeas corpus para assegurar a condenado pelo crime do art. 157, § 2º, II, do CP, o direito a liberdade provisória até que seja julgado pelo Plenário o HC 85591/SP, no qual se discute a constitucionalidade da execução provisória da pena, diante do princípio da presunção da não-culpabilidade. No caso, o STJ, por entender que, esgotados os recursos sem efeito suspensivo, é lícita a execução da pena, denegou o writ lá impetrado contra acórdão do Tribunal de Justiça local que, ao manter condenação de 1º grau, determinara a prisão do paciente. Ressaltou-se, ainda, que esse acórdão do Tribunal de Justiça não declinara fundamentos para a prisão cautelar, que não era a hipótese, já que a ordem de prisão derivara da circunstância de haver título passível de execução, embora não transitado em julgado.
HC 86328/RS, rel. Min. Eros Grau, 27.9.2005. (HC-86328)

OJ 177 do TST e Fundamento Constitucional

A Turma manteve decisão monocrática do Min. Marco Aurélio, relator, que, ao entender que a controvérsia dizia respeito a cabimento de recurso trabalhista, de competência do TST, desprovera agravo de instrumento interposto para a subida de recurso extraordinário inadmitido, contra acórdão do TST que, aplicando o Enunciado 363 e a Orientação Jurisprudencial 177 daquela Corte, decidira que a aposentadoria espontânea extingue o contrato de trabalho, razão pela qual, caso o trabalhador continue na empresa e posteriormente venha a ser demitido, não teria direito à multa de 40% incidente sobre o saldo do FGTS. Repisava-se, no agravo regimental, que a jurisprudência do Tribunal a quo estaria em sentido diametralmente oposto à interpretação firmada pelo STF em situação similar. Considerou-se que o art. 10, II, do ADCT não fora examinado pelo TST e, quanto ao art. 37, da CF, ressaltou-se a Corte a quo reportara-se ao Enunciado 363 da própria súmula ("A contratação de servidor público após a CF/88, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º somente conferindo direito ao pagamento da contraprestação, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.") e que esse artigo não alcançaria a aposentadoria espontânea relativamente ao contrato de trabalho. Por fim, asseverou-se que o acórdão recorrido revelava interpretação de normas estritamente legais. No ponto, o Min. Sepúlveda Pertence acompanhou a conclusão do julgamento, no sentido de que os dispositivos invocados ou seriam impertinentes ou não foram prequestionados, entretanto, ressalvou seu entendimento de que não se poderia negar conteúdo constitucional à OJ 177 do TST ("A aposentadoria espontânea extingue o contrato de trabalho, mesmo quando o empregado continua a trabalhar na empresa após a concessão do benefício previdenciário. Assim sendo, indevida a multa de 40% do FGTS em relação ao período anterior à aposentadoria.").
AI 515061AgR/PR, rel. Min. Marco Aurélio, 27.9.2005. (AI-515061)

Honorários Advocatícios e Limites da Coisa Julgada - 1

A Turma retomou julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul que, ao fundamento de tratar-se de mera correção de erro material, confirmara a utilização do valor da causa como parâmetro para o cálculo de honorários advocatícios, embora a parte dispositiva da decisão do tribunal local tivesse utilizado a expressão "valor da execução". No caso concreto, o Banco do Brasil, em execução por ele promovida, fora condenado ao pagamento de verba honorária fixada em 10 salários mínimos, sendo tal valor alterado, em embargos à execução, pelo tribunal de origem que, tendo em conta o porte econômico do ora recorrido, arbitrara a verba em 15% sobre o valor da execução, após concluir que não haveria óbice para que essa fosse determinada com base no valor da causa, devidamente corrigido. Em cumprimento ao aresto, o juiz interpretara que os honorários foram fixados sobre o valor da causa. Sustenta-se a inexistência de erro material, sob a alegação de ofensa ao princípio da isonomia, haja vista que se o banco fosse vitorioso, a verba honorária incidiria também sobre o valor da execução, e à coisa julgada, já que o acórdão fora claro ao estabelecer que os honorários seriam calculados sobre o valor da execução.
RE 420909/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 27.9.2005. (RE-420909)

Honorários Advocatícios e Limites da Coisa Julgada - 2

Na sessão do dia 16.8.2005, o Min. Marco Aurélio, relator, seguido pelos Ministros Eros Grau e Carlos Britto, deu provimento ao recurso extraordinário para reformar o acórdão impugnado, determinando que se observe a parte dispositiva do título executivo judicial, ou seja, os honorários advocatícios na percentagem de 15% sobre o valor da execução devidamente atualizado. Ressaltando que os fundamentos da decisão não transitam em julgado, e sim a sua parte dispositiva, afastou o argumento de mero erro na redação, porquanto, constatada a contradição entre os fundamentos da decisão e a parte dispositiva, não haveria como solucioná-la na fase de execução. Entendeu, por conseguinte, que a coisa julgada sofrera substancial modificação, visto que o Tribunal a quo não poderia alterar os limites objetivos do aresto para tornar prevalecentes os fundamentos sobre a parte dispositiva. Por outro lado, em voto-vista, o Min. Cezar Peluso não conheceu do recurso, por considerar que a pretensão da recorrente reporta-se a normas constantes do CPC. Aplicou, no ponto, mutatis mutandis, o Enunciado da Súmula 636 do STF ("não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida"). Salientou que, ainda que se pudesse examinar o mérito do recurso, o resultado seria o desprovimento, afirmando que não haveria que se falar em violação à coisa julgada, já que o acórdão recorrido apenas corrigira erro material, sem modificação do conteúdo do pronunciamento judicial. Nesse sentido, concluiu que a motivação do decisório destinara-se a justificar o arbitramento dos honorários com parâmetro no valor da causa, sendo que ao ser redigido o dispositivo, fizera-se constar o termo valor da execução. O Min. Eros Grau retificou seu voto e acompanhou o Min. Cezar Peluso. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Sepúlveda Pertence.
RE 420909/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 27.9.2005. (RE-420909)

Servidores Públicos Municipais: Remoção e Conveniência - 1

A Turma retomou julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, reconhecendo o juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública, reformara sentença que concedera a servidores públicos municipais, removidos para outras unidades, o direito de retornarem ao local de origem ou de optarem por outro de sua conveniência. Sustenta-se, na espécie, ofensa aos arts. 5º, XX e LXIX, e 37, da CF, sob a alegação de que as transferências ocorreram de modo arbitrário e mediante abuso de poder do Município de São Paulo, sem observância aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade, com o objetivo de viabilizar a criação de cooperativas de servidores e a celebração de convênios. Aduz-se, ainda, a ausência de critérios para o deslocamento, embora existente portaria tratando do tema, o caráter punitivo do procedimento, em represália pela não-adesão ao novo programa, bem como a inconstitucionalidade da Lei local 11.866/95.
RE 275280/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 27.9.2005. (RE-275280)

Servidores Públicos Municipais: Remoção e Conveniência - 2

Na sessão de 22.3.2005, o Min. Marco Aurélio, relator, tendo em conta as peculiaridades do caso, deu provimento ao recurso para, reformando o acórdão impugnado, restabelecer a sentença de 1º grau. Preliminarmente, asseverou que a única matéria ventilada refere-se à possibilidade de a Administração imprimir mudança de local de trabalho, sem atentar para a norma disciplinadora da matéria. No ponto, afirmando que a Administração pode remover servidor, à luz da conveniência do serviço, desde que fundada na impessoalidade, registrou o fato de as instâncias ordinárias explicitarem a falta de observância ao critério de antiguidade e escolha de vaga pelo servidor, constantes da portaria baixada. Tendo em conta os fundamentos da sentença - princípios da impessoalidade e da moralidade -, reconheceu que, de fato, a Administração não se preocupara, presentes as balizas de tal portaria, em conciliar o próprio interesse com a conveniência do servidor. Por sua vez, o Min. Carlos Britto, em voto-vista, em face da ausência de prequestionamento, não conheceu do recurso extraordinário (Súmulas 282 e 356). Entendeu que, para se chegar à conclusão pretendida pelos recorrentes, no sentido de que o ato de remoção tivera caráter punitivo, seria necessário o reexame do conjunto fático probatório dos autos, vedado pela Súmula 279. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Cezar Peluso.
RE 275280/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 27.9.2005. (RE-275280)


SEGUNDA TURMA


Prisão Preventiva e Fundamentação

A Turma indeferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que denegara idêntica medida, em que se pretendia o reconhecimento da ausência de circunstâncias autorizadoras de decreto de prisão preventiva expedido contra o paciente, um juiz de direito acusado pela suposta prática do crime de homicídio. No caso, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará determinara a prisão cautelar, sob os fundamentos da garantia da ordem pública, com ênfase no aspecto do clamor público, decorrente da brutalidade da conduta investigada, e da conveniência da instrução criminal, uma vez que, na condição de magistrado, o ora paciente poderia interferir nos procedimentos instrutórios. Não obstante ressaltando a pacífica jurisprudência do STF no sentido de que o clamor público não constitui fundamento idôneo a lastrear a decretação de prisão preventiva, entendeu-se, com base no acórdão do STJ, haver elementos suficientes para configurar o argumento da garantia da ordem pública, tendo em conta a posição institucional ocupada pelo paciente e seu comportamento no episódio ocorrido. Ressaltou-se, ademais, que restou devidamente fundamentada a decisão quanto à conveniência da instrução criminal, porquanto, a partir dos fatos narrados na denúncia, seria plausível inferir o despreparo ético-profissional do paciente e a probabilidade de que ele viesse a influir sobre testemunhas arroladas no processo, em razão de sua condição de autoridade judiciária. Afirmou-se, por fim, que, apesar de já encerrada a instrução criminal, ainda prevaleceria o fundamento da garantia da ordem pública.
HC 86286/CE, rel. Min. Gilmar Mendes, 27.9.2005.(HC-86286)

Rejeição de Denúncia e Exame de Mérito - 3

Em conclusão de julgamento, a Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia, sob a alegação de ausência de fundamentação e ofensa à coisa julgada, a nulidade de acórdão do STJ que, ao dar provimento a recurso especial interposto pelo Ministério Público estadual, recebera denúncia contra a paciente, juíza de direito, pela suposta prática de vários delitos em concurso material - v. Informativo 388. Inicialmente, afastou-se o argumento de ausência de fundamentação, porquanto, embora sucinto, o acórdão impugnado restara suficientemente motivado, tendo examinado todas as imputações feitas à paciente e repelido os motivos apresentados para a rejeição da denúncia. Quanto à alegação de que os fundamentos que ensejaram a rejeição da denúncia teriam transitado em julgado, entendeu-se não assistir razão aos impetrantes, haja vista que tanto o recurso especial quanto o acórdão ora recorrido versaram sobre a questão da atipicidade das condutas, não se limitando aos aspectos meramente formais da inépcia. No ponto, salientou-se que o STJ reconhecera a existência, ao menos, de crime em tese, fazendo juízo diverso do firmado pelo tribunal de justiça estadual. Refutou-se, também, a hipótese de rejeição da denúncia por improcedência, com base no art. 6º da Lei 8.038/90, já que a elucidação dos crimes em questão demandaria produção de outras provas, a impedir que, no momento do recebimento da denúncia, o tribunal deliberasse sobre a improcedência da acusação. Asseverou-se, ademais, que o tribunal de justiça rejeitara a denúncia, e não a julgara improcedente. Por fim, afirmou-se que tanto o juízo de atipicidade, constante do inciso I do art. 43 do CPP, como a rejeição por improcedência, prevista na parte final do art. 6º da Lei 8.038/90, devem ser entendidos sempre com a observância ao princípio in dubio pro societatis, que incide na fase de recebimento da denúncia.
HC 84860/MS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27.9.2005. (HC-84860)

Auxílio-Alimentação e Não Extensão a Inativos

A Turma deu provimento a recurso extraordinário para reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe que estendera aos recorridos, militares inativos, o direito a adicional provisório e de etapa alimentar, concedido aos servidores em atividade e regulado pela Lei estadual 4.289/2000. Entendeu-se que a verba indenizatória em questão, destinada a cobrir os custos de uma refeição diária, é devida exclusivamente ao servidor que se encontra no exercício de suas funções, não se incorporando à remuneração nem aos proventos de aposentadoria, por força do § 4º do art. 40 da CF, na redação original. Precedentes citados: RE 231389/RS (DJU de 25.6.99) e RE 236449/RS (DJU de 6.8.99).
RE 411998/SE, rel. Min. Gilmar Mendes, 27.9.2005. (RE-411998)


SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno28.9.2005-- 17
1ª Turma27.9.2005--231
2ª Turma27.9.2005--102



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.


Conflito de Atribuições e Competência Originária do Supremo (Transcrições)

Pet 3528/BA*

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

RELATÓRIO: Este processo veio à Corte ante pronunciamento do Procurador-Geral de Justiça Adjunto do Ministério Público do Estado da Bahia, de folha 119 a 123, sobre os seguintes fatos:

a) o inquérito policial visa a elucidar a prática de crime de roubo - artigo 157, § 2º, inciso I, do Código Penal;
b) o processo revelador do inquérito foi enviado à Promotoria de Justiça de Feira de Santana, que se manifestou pela incompetência da Justiça Estadual da Bahia, em face de conexão com crime da competência da Justiça Federal - o descaminho, presentes os objetos roubados;
c) a Juíza de Direito da 2ª Vara Criminal de Feira de Santana assentou a inexistência de conexão, acionando o disposto no artigo 28 do Código de Processo Penal;
d) o Procurador-Geral de Justiça, após consignar a ausência de conflito negativo de competência, ante a fase do processo - simplesmente investigatória -, entendeu competir a atuação à Procuradoria da República na Bahia;
e) o Ministério Público Federal refutou tratar-se, no inquérito, do crime previsto no artigo 334 do Código Penal, tendo em conta as balizas subjetivas e objetivas da espécie;
f) o Juízo federal, corroborando a conclusão do Juízo estadual, rechaçou o que se poderia enquadrar como conflito virtual de jurisdição e, apontando o procedimento como única solução, devolveu o processo de inquérito à 2ª Vara Criminal de Feira de Santana;
g) a Procuradoria-Geral de Justiça do Estado da Bahia considerou configurado o conflito entre órgãos integrantes da União e de um Estado federado, a atrair a incidência da norma da alínea "f" do inciso I do artigo 102 da Carta da República.
Determinei a remessa do processo ao Procurador-Geral da República, que se pronunciou em peça que tem a seguinte síntese:

Conflito de atribuições entre membros do Ministério Público Estadual e Federal. Possível conexão entre os crimes previstos no art. 157, § 2º, I e art. 334, ambos do Código Penal. Inocorrência (sic). Investigações voltadas exclusivamente para o delito de roubo. Conflito decidido para determinar a remessa dos autos ao Ministério Público Estadual.

O Fiscal da Lei remete à jurisprudência desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça. Na Petição nº 1.503/MG, o Supremo, ante virtual conflito de jurisdição entre os juízos federal e estadual, conferira interpretação ao artigo 105, inciso I, alínea "d", da Constituição Federal, decidindo pela competência do Superior Tribunal de Justiça para apreciar a matéria - Plenário, relator ministro Maurício Corrêa, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 14 de novembro de 2002. No Conflito de Atribuição nº 154, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, reportando-se a precedentes, proclamara, na dicção do ministro José Delgado - acórdão publicado no Diário da Justiça de 18 de abril de 2005:

PROCESSO CIVIL. CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL X MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. NÃO-CONHECIMENTO. PRECEDENTES.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que não se conhece de conflito de atribuições, por incompetência da Corte, em que são partes o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual, por não se enquadrar em quaisquer das hipóteses previstas no art. 105, I, "g", da CF/1988".
(...)

O Procurador-Geral da República alude à circunstância de o Conflito de Atribuição nº 154 haver sido remetido pelo Superior Tribunal de Justiça ao Órgão, concluindo o então Subprocurador-Geral Cláudio Lemos Fonteles pela competência do Procurador-Geral da República para dirimi-lo. Daí haver Sua Excelência passado ao julgamento do conflito, retornando-me o processo.
É o relatório.

VOTO: - De início, tem-se a impossibilidade de se adotar a solução que prevaleceu quando o Plenário apreciou a Petição nº 1.503/MG. É que aqui não é dado sequer assentar um virtual conflito de jurisdição entre os juízos federal e estadual. Ambos estão uníssonos quanto à atribuição do Ministério Público Estadual. Assim, cabe expungir o envolvimento de órgãos investidos no ofício judicante em conflito, quer presente a configuração do fenômeno, quer a capacidade intuitiva e, portanto, a presunção de virem a discordar sobre a matéria. Afasta-se, assim, a interpretação analógica que prevaleceu quando do pronunciamento anterior e que girou em torno do preceito da alínea "d" do inciso I do artigo 105 da Constituição Federal, a revelar competir ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no artigo 102, inciso I, alínea "o", da Carta da República bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos.
Eis o precedente, sendo que não compus o Plenário quando formalizado, ante ausência justificada:

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E ESTADUAL. DENÚNCIA. FALSIFICAÇÃO DE GUIAS DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. AUSÊNCIA DE CONFLITO FEDERATIVO. INCOMPETÊNCIA DESTA CORTE. 1. Conflito de atribuições entre o Ministério Público Federal e o Estadual. Empresa privada. Falsificação de guias de recolhimento de contribuições previdenciárias devidas à autarquia federal. Apuração do fato delituoso. Dissenso quanto ao órgão do Parquet competente para apresentar denúncia.
2. A competência originária do Supremo Tribunal Federal, a que alude a letra "f" do inciso I do artigo 102 da Constituição, restringe-se aos conflitos de atribuições entre entes federados que possam, potencialmente, comprometer a harmonia do pacto federativo. Exegese restritiva do preceito ditada pela jurisprudência da Corte. Ausência, no caso concreto, de divergência capaz de promover o desequilíbrio do sistema federal.
3. Presença de virtual conflito de jurisdição entre os juízos federal e estadual perante os quais funcionam os órgãos do Parquet em dissensão. Interpretação analógica do artigo 105, I, "d", da Carta da República, para fixar a competência do Superior Tribunal de Justiça a fim de que julgue a controvérsia.
Conflito de atribuições não conhecido.

Também não é possível assentar-se competir ao Procurador-Geral da República a última palavra sobre a matéria. A razão é muito simples: de acordo com a norma do § 1º do artigo 128 do Diploma Maior chefia ele o Ministério Público da União, não tendo ingerência, considerados os princípios federativos, nos Ministérios Públicos dos Estados. Todavia, diante da inexistência de disposição específica na Lei Fundamental relativa à competência, o impasse não pode continuar. Esta Corte tem precedente segundo o qual, diante da conclusão sobre o silêncio do ordenamento jurídico a respeito do órgão competente para julgar certa matéria, a ela própria cabe a atuação:

CONFLITO DE JURISDIÇÃO - 1. No silêncio da Constituição, que não estabelece o órgão para decidir conflitos de jurisdição entre Tribunais Federais e Juizes, a competência cabe ao Supremo Tribunal Federal.
2. É competente o Tribunal Regional Eleitoral para processar e julgar mandado de segurança contra atos de sua Presidência ou dele próprio (Conflito de Jurisdição nº 5.133, relator ministro Aliomar Baleeiro, DJ de 22 de maio de 1970).

C.J. - I. Compete ao S.T.F., no silêncio da C.F., na redação da Emenda nº 1/1969, decidir conflitos de jurisdição entre um Tribunal e um juiz.
II. Cabe à Justiça Federal, nos termos do art. 110 da C.F. e Emenda nº 1/1969, processar e julgar reclamações trabalhistas contra o INPS (Conflito de Jurisdição nº 5.267, relator ministro Aliomar Baleeiro, DJ de 4 de maio de 1970).

Esse entendimento é fortalecido pelo fato de órgãos da União e de Estado membro estarem envolvidos no conflito, e aí há de se emprestar à alínea "f" do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal alcance suficiente ao afastamento do descompasso, solucionando-o o Supremo, como órgão maior da pirâmide jurisdicional.
Aliás, pela propriedade, cumpre ressaltar o que citado na manifestação do Ministério Público do Estado da Bahia, na óptica proficiente do ex-Subprocurador de Justiça e professor da Faculdade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ - Dr. Paulo Cézar Pinheiro Carneiro:

O juiz quando determina o encaminhamento dos autos do inquérito para outro órgão do Ministério Público, o faz exercitando unicamente atividade administrativa, como chefe que é dos serviços administrativos do cartório... O despacho de encaminhamento tem natureza simplesmente administrativa... Não existe nenhuma atividade jurisdicional e mesmo judicial na hipótese. Uma vez que, na prática, existe um despacho administrativo, lacônico que seja, não podemos transformá-lo de uma penada, sem o exame mais cauteloso de cada hipótese em declinação da competência de um juízo, sob pena de subvertermos toda ordem processual, além dos demais e gravíssimos inconvenientes e ilegalidades que tal medida acarretaria.

Então, a seguir, em análise da problemática versada neste processo, o autor da consagrada obra "O Ministério Público no Processo Civil e Penal" - Rio de Janeiro - Forense, 5ª Edição, 1995, página 212, observa:

(...)
Não há nada de estranho, de anormal, em conferir a órgão judiciário da nação o poder de dirimir conflitos de atribuições entre órgãos autônomos e independentes entre si. Pelo contrário, a relevância das questões em jogo exige que o órgão encarregado de dirimir estes conflitos tenham os predicados que atualmente só a magistratura tem, de sorte a garantir julgamento técnico e isenção total. Não é o STF que, originariamente, julga as causas judiciais entre Estados membros? Como, então, se poderia afirmar que haveria quebra de independência e autonomia dos Estados membros se a ele fosse também conferido o poder de decidir os conflitos de natureza administrativa entre estes mesmos entes? Não existe, até o momento, no nosso sistema constitucional, nenhum órgão ou ente superior que tenha o poder de decidir a que Estado competiria determinado tipo de atribuição.

Transporte-se o enfoque para o conflito de atribuições entre o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal. A solução há de decorrer não de pronunciamento deste ou daquele Ministério Público, sob pena de se assentar hierarquização incompatível com a Lei Fundamental. Uma coisa é atividade do Procurador-Geral da República no âmbito do Ministério Público da União, como também o é atividade do Procurador-Geral de Justiça no Ministério Público do Estado. Algo diverso, e que não se coaduna com a organicidade do Direito Constitucional, é dar-se à chefia de um Ministério Público, por mais relevante que seja, em se tratando da abrangência de atuação, o poder de interferir no Ministério Público da unidade federada, agindo no campo administrativo de forma incompatível com o princípio da autonomia estadual. Esta apenas é excepcionada pela Constituição Federal e não se tem na Carta em vigor qualquer dispositivo que revele a ascendência do Procurador-Geral da República relativamente aos Ministérios Públicos dos Estados. Tomo a manifestação do Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Fernando Barros Silva de Souza, contida à folha 130 à 137, não como uma decisão sobre o conflito, mas como parecer referente à matéria.
A competência para dirimir o conflito de atribuições envolvido o Ministério Público do Estado da Bahia e o Federal é realmente do Supremo, conforme decidido no Mandado de Segurança n° 22.042-2, relatado pelo ministro Moreira Alves e assentado sem discrepância de votos:

MANDADO DE SEGURANÇA. QUESTÃO DE ORDEM QUANTO A COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
- Tendo sido o presente mandado de segurança impetrado, por se tratar de ato complexo, contra o governador e o Tribunal do Estado de Roraima, bem como contra o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, e versando ele a questão de saber se a competência para a constituição da lista sêxtupla e do impetrante - o Ministério Público desse Estado - ou de um dos impetrados - o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios -, não há duvida de que, nos termos da impetração da segurança, há causa entre órgão de um Estado-membro e órgão do Distrito Federal, configurando-se, assim, hipótese prevista na competência originária desta corte (artigo 102, I, "f", da Constituição Federal), uma vez que o litígio existente envolve conflito de atribuições entre órgãos de membros diversos da Federação, com evidente substrato político.
- Correta a inclusão do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios no pólo passivo do mandado de segurança, pois, em se tratando de ato complexo de que participam, dentro da esfera de competência própria, órgãos e autoridades sucessivamente, mas que não estão subordinados uns aos outros, para a formação de ato que só produz efeito quando o último deles se manifesta, entrelaçando-se essa manifestação as anteriores, esses órgãos e autoridades, a partir daquele de que emanou o vício alegado, devem figurar, como litisconsortes, no pólo passivo do mandado de segurança.
Reconhecimento da competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar originariamente o presente mandado de segurança, com fundamento na letra "f" do inciso i do artigo 102 da Constituição Federal.

Suplantada essa questão preliminar, valho-me do mesmo pronunciamento para assentar que compete ao Ministério Público do Estado da Bahia a atuação no inquérito formalizado e que tem como escopo, tão-somente, apurar o crime de roubo, pouco importando, no caso, a origem da mercadoria roubada:

19. Assiste razão, na presente controvérsia, ao Procurador da República.
20. In casu, instaurou-se o incluso inquérito policial com o único objetivo de se apurar eventual crime de roubo, mediante o emprego de arma de fogo, previsto no art. 157, § 2°, I, do Código Penal, perpetrado pelos indiciados JOSÉ CARLOS DA SILVA, JOSÉ AGNALDO DA PUREZA COUTINHO E JORGE DO NASCIMENTO, no dia 29/03/2003, na cidade de Feira de Santana/BA.
21. Conforme se depreende dos elementos probatórios coligidos, sequer chegou a se comprovar, nestes autos, a materialidade do suposto delito de contrabando ou descaminho, previsto no art. 334 do Código Penal, e inicialmente imputado ao indiciados.
22. Nesse sentido, em que pese a elaboração de laudo pericial pela polícia civil do Estado da Bahia, a fls. 113/114, não se conseguiu apurar autenticidade dos selos e embalagens dos cigarros subtraídos pelos indiciados, bem como a eventual ilicitude de seu ingresso no território nacional, eis que, no exame pericial realizado, verificou-se a ausência de material padrão para confronto, em razão da falta de selos sobre as carteiras de cigarros (fls. 113/114).
23. Ademais, ainda que restasse comprovada nestes autos a existência material do crime de contrabando ou descaminho (art. 334 do CP), de competência da Justiça Federal, não haveria nenhum motivo para justificar a unidade de processo e julgamento na esfera federal, tendo em vista a inexistência de qualquer das espécies de conexão, previstas no art. 76 do Código de Processo Penal, capazes de demonstrar algum ponto de afinidade com relação ao delito de roubo.
24. Isto porque, na hipótese, em primeiro lugar, não se poderia imputar a autoria de um eventual crime de contrabando ou descaminho aos indiciados. É que a mercadoria alienígena pertencia à vitima do crime de roubo, e não aos imputados. Em segundo lugar, se, realmente, crime de contrabando ou descaminho ocorreu, foi em contexto diverso, constituindo-se em infração autônoma e sem qualquer vínculo de interligação com o delito de roubo ora investigado.
25. Nessa perspectiva, a circunstância de ter a mercadoria roubada, provavelmente, origem ilícita, foi absolutamente casual em relação à conduta realizada pelos indiciados, não importando em qualquer ponto de afinidade, contato, aproximação ou influência na respectiva apuração de um e outro evento criminoso.
26. Dessa forma, nem mesmo a conexão probatória ou instrumental, prevista no art. 76, III, do Código de Processo Penal, serviria como fundamento para a unidade de processo e julgamento dos delitos em apreço na Justiça Federal.
27. A conexão probatória ou instrumental encontra seu fundamento, segundo ensina Fernando da Costa Tourinho Filho, "na manifesta prejudicialidade homogênea que existe. Se aprova de uma infração influi na prova de outra, é evidente que deva haver unidade de processo e julgamento, pois, do contrário, teria o Juiz de suspender o julgamento de uma, aguardando a decisão quanto à outra." (Processo Penal, 2° Volume, 24ª edição, revista e atualizada, São Paulo: Saraiva, 2002, página 184/185).
28. No caso dos autos, não há qualquer vínculo de interdependência entre a prova do crime de roubo e a prova de um eventual crime de contrabando ou descaminho. É indiferente, para a comprovação do delito de roubo, a identificação, por intermédio de exame merceológico, da origem alienígena e da introdução ilícita em território nacional da mercadoria roubada. Não existe, nesse aspecto, nenhuma prejudicialidade homogênea entre as provas referentes a ambos os delitos, a qual poderia sugerir a unidade de processo e julgamento do feito perante a Justiça Federal. Qualquer que seja o resultado de perícia destinada à comprovação do crime de contrabando ou descaminho, em nada influirá na materialidade e autoria referentes ao delito de roubo objeto desses autos.
29. A propósito, verifica-se, inclusive, a instauração de inquérito pela Polícia Federal, no intuito de apurar o suposto crime de contrabando ou descaminho ora debatido, sem que isso prejudique ou influa na instrução probatória realizada nestes autos, referente ao crime de roubo, o que demonstra, mais uma vez, a autonomia entre os dois eventos criminosos e a distinção entre as condutas examinadas (fls. 116 e 118).
30. Portanto, resta à Justiça Estadual da Bahia processar e julgar o crime de roubo apurado nestes autos, e, por sua vez, à Justiça Federal a apreciação de eventual crime de contrabando ou descaminho objeto de investigação diversa.

Dirimo o conflito proclamando, portanto, a atribuição do Ministério Público do Estado da Bahia.


*acórdão pendente de publicação


Assessora responsável pelo Informativo

Anna Daniela de A. M. dos Santos e Silva
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Informativo STF - 403 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

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