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sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Informativo STF 398 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 22 a 26 de agosto de 2005 - Nº 398.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO





Plenário
Emenda Parlamentar e Vício Formal
Revisão Geral de Remunerações e Subsídios e Iniciativa - 2
Resolução do TSE e Fixação do Número de Vereadores - 1
Resolução do TSE e Fixação do Número de Vereadores - 2
1ª Turma
Inobservância de Rito e Constitucionalidade do art. 28 da Lei de Tóxicos
Depositário Infiel e Citação por Edital
Opção de Nacionalidade e Requisitos
2ª Turma
Prescrição da Pretensão Punitiva e Marcos Interruptivos
Imunidade Tributária: Derivados do Petróleo e Tancagem
Competência da Justiça Comum Estadual e Entidades Federais
Clipping do DJ
Transcrições
Competência Originária do STF e Divisão Constitucional de Competências (ACO 684 QO/MG)
Liberdade de Imprensa e Direito de Crítica (Pet 3486/DF)


PLENÁRIO

Emenda Parlamentar e Vício Formal

O Tribunal julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Estado de São Paulo contra o parágrafo único do art. 25 e o caput do art. 46, da Lei Complementar paulista 836/97 (que instituiu o plano de carreira, vencimentos e salários dos servidores públicos integrantes do quadro do magistério da Secretaria de Educação), resultantes de emenda parlamentar. Em relação ao parágrafo único do art. 25, que dispõe que a composição da Comissão de Carreira do Magistério será feita de forma paritária e fixa prazo de regulamentação da matéria pelo Poder Executivo, entendeu-se que a previsão não extravasa a competência da Assembléia Legislativa para emenda, dado que esse dispositivo, além de decorrer do projeto de lei do Poder Executivo - que, no caput do art. 25, instituiu a Comissão com a atribuição de propor critérios para a evolução funcional -, não gera aumento de despesa pública, sendo, ademais, razoável o prazo nele previsto para sua regulamentação. Por outro lado, deu-se pela procedência parcial do pedido em relação ao art. 46 - que, inserindo o inciso X no art. 64 da Lei Complementar 444/85, estabeleceu hipótese de afastamento de servidores do magistério - para se declarar a inconstitucionalidade da expressão "Na hipótese de o afastamento ocorrer sem prejuízo de vencimentos, o Município ressarcirá ao Estado os valores referentes aos respectivos contra-cheques, bem como aos encargos sociais correspondentes, com recursos provenientes do repasse do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental.", contida na segunda parte do referido dispositivo. Considerou-se, neste ponto, que a exigência do modo de ressarcimento imposta ao Município ofende o art. 63, I, por acarretar aumento de despesas, e, ainda, o art. 61, § 1º, II, c, ambos da CF, por dispor sobre o regime jurídico dos servidores em questão.
ADI 3114/SP, rel. Min. Carlos Britto, 24.8.2005. (ADI-3114)


Revisão Geral de Remunerações e Subsídios e Iniciativa - 2

O Tribunal concluiu julgamento de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul contra a expressão "do Poder Executivo", inserida, por meio de emenda parlamentar, no art. 1º da Lei estadual 12.222/2004, que prevê revisão de remunerações e subsídios de servidores e agentes públicos do referido Estado - v. Informativo 387. Tendo em conta que a Assembléia Legislativa - afastando, como revisão geral, o índice previsto no projeto de lei - restringiu o âmbito de validez da norma aos servidores do Poder Executivo, o Min. Marco Aurélio, relator, acompanhado pela maioria do Plenário, reformulou seu voto para não conhecer da ação e extinguir o processo sem julgamento de mérito, em face da impossibilidade jurídica do pedido. Entendeu-se que a retirada da expressão impugnada implicaria a aprovação do que fora rejeitado pela Assembléia, estendendo a revisão proposta a todos os servidores dos três Poderes do Estado. Vencidos o Min. Carlos Britto, que conhecia da ação e indeferia a liminar, e os Ministros Gilmar Mendes e Carlos Velloso, que apenas conheciam da ação.
ADI 3459 MC/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 24.8.2005. (ADI-3459)

Resolução do TSE e Fixação do Número de Vereadores - 1

O Tribunal, por maioria, julgou improcedentes os pedidos formulados em duas ações diretas de inconstitucionalidade propostas pelo Partido Progressista - PP (ADI 3345/DF) e pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT (ADI 3365/DF) em face da Resolução 21.702/2004, editada pelo Tribunal Superior Eleitoral - TSE, que estabeleceu instruções sobre o número de Vereadores a eleger segundo a população de cada Município. Inicialmente, reconheceu-se inexistir, em relação aos Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso e Ellen Gracie, que subscreveram, no TSE, o ato impugnado, qualquer hipótese de impedimento ou suspeição para julgamento das ações diretas em questão, haja vista o entendimento predominante do Supremo no sentido de não se aplicarem, em regra, ao processo de controle normativo abstrato, os institutos do impedimento e da suspeição. Em seguida, rejeitando a preliminar de não-conhecimento da ação, suscitada pelo Procurador-Geral da República, reputou-se dotada de suficiente densidade normativa a Resolução em causa, revelando-se, assim, suscetível de fiscalização abstrata de constitucionalidade.
ADI 3345/DF, rel. Min. Celso de Mello, 25.8.2005. (ADI-3345)
ADI 3365/DF, rel. Min. Celso de Mello, 25.8.2005. (ADI-3365)

Resolução do TSE e Fixação do Número de Vereadores - 2

Em relação ao mérito, concluiu-se pela inexistência das apontadas violações aos princípios da reserva de lei, da separação de poderes, da anterioridade da lei eleitoral e da autonomia municipal. Esclareceu-se que a Resolução 21.702/2004 foi editada com o propósito de dar efetividade e concreção ao julgamento do Pleno no RE 197917/SP (DJU de 27.4.2004), já que nele o STF dera interpretação definitiva à cláusula de proporcionalidade inscrita no inciso IV do art. 29 da CF, conferindo efeito transcendente aos fundamentos determinantes que deram suporte ao mencionado julgamento. Salientando que a norma do art. 16 da CF, consubstanciadora do princípio da anterioridade da lei eleitoral, foi prescrita no intuito de evitar que o Poder Legislativo pudesse inserir, casuisticamente, no processo eleitoral, modificações que viessem a deformá-lo, capazes de produzir desigualdade de participação dos partidos e respectivos candidatos que nele atuam, entendeu-se não haver afronta ao referido dispositivo, uma vez que a Resolução sob análise não ocasionou qualquer alteração que pudesse comprometer a finalidade visada pelo legislador constituinte. Da mesma forma, foram afastadas as demais alegações de infringência a postulados constitucionais. Afirmou-se que o TSE, dando expansão à interpretação constitucional definitiva assentada pelo Supremo - na sua condição de guardião maior da supremacia e da intangibilidade da Constituição Federal - em relação à citada cláusula de proporcionalidade, submeteu-se, na elaboração do ato impugnado, ao princípio da força normativa da Constituição, objetivando afastar as divergências interpretativas em torno dessa cláusula, de modo a conferir uniformidade de critérios de definição do número de Vereadores, bem como assegurar normalidade às eleições municipais. Vencido o Min. Marco Aurélio que dava pela procedência dos pedidos, ao fundamento de que o TSE extrapolou sua competência para editar resoluções - a qual estaria limitada ao cumprimento do Código Eleitoral (Cód. Eleitoral, art. 23, IX) - ao fixar tabela quanto ao número de vereadores, cuja incumbência, nos termos do inciso IV do seu art. 29 da CF, e desde que observados os limites mínimo e máximo previstos neste último dispositivo, seria de cada Câmara de Vereadores, por meio de Lei Orgânica dos Municípios.
ADI 3345/DF, rel. Min. Celso de Mello, 25.8.2005. (ADI-3345)
ADI 3365/DF, rel. Min. Celso de Mello, 25.8.2005. (ADI-3365)



PRIMEIRA TURMA


Inobservância de Rito e Constitucionalidade do art. 28 da Lei de Tóxicos

A Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática dos crimes de tráfico de entorpecentes e porte ilegal de arma, em concurso de pessoas (Lei 6.368/76, arts. 12, 13 e 14 e Lei 9.437/97, art. 10, caput e § 2º), em que se pretendia a nulidade do processo, desde o recebimento da denúncia, em virtude da adoção do rito especial da Lei de Tóxicos, até a inquirição de testemunhas, e não, integralmente, do procedimento ordinário, sob a alegação de que a denúncia também descrevera fato punido com pena de reclusão. Ressaltando a diferença substancial entre os procedimentos, a maior gravidade dos delitos previstos na Lei 6.368/76 em relação aos da Lei 9.437/97, assim como a divergência doutrinária no tocante à definição do que seja "infração mais grave", expressão esta prevista no art. 28 da aludida Lei 6.368/76 ("Nos casos de conexão e continência entre os crimes definidos nesta Lei e outras infrações penais, o processo será o previsto para a infração mais grave, ressalvado os da competência do júri e das jurisdições especiais."), considerou-se não haver nulidade na aplicação do mencionado artigo. Asseverou-se a recepção deste pela Constituição e, ainda, que os princípios da ampla defesa e do devido processo legal não significam a adoção do melhor dos procedimentos, mas sim que o procedimento incidente, segundo as regras processuais, atenda a essas garantias constitucionais. Salientou-se, também, não se ter questionado, no caso, a aplicação da Lei 10.409/2002, vigente na data do oferecimento da denúncia, a qual, nada obstante, apresenta rito mais simplificado, salvo quanto à possibilidade de resposta preliminar antes do recebimento da peça acusatória. Conclui-se que, na espécie, a adoção do procedimento da Lei 6.368/76 e a sua posterior conversão em ordinário, já que mais amplo, não causara ao paciente nenhum prejuízo, cuja demonstração é indispensável, sempre que possível. Precedentes citados: HC 68490/DF (RTJ 136/213); HC 73344/SP (DJU de 1º.7.96); HC 82993/SP DJU de 29.8.2003); HC 81510/PR (DJU de 12.4.2002); HC 74671/AP (DJU de 11.4.97).
HC 86022/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 23.8.2005. (HC-86022)
 
Depositário Infiel e Citação por Edital

A Turma deferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ, que denegara igual medida, para afastar prisão civil determinada, sob o fundamento de infidelidade depositária, contra o paciente. No caso concreto, este fora nomeado fiel depositário de bens penhorados em execução, porquanto sócio majoritário de empresa detentora de ações de transportadora, que figura como executada. Ocorre que as quotas da empresa do paciente foram alienadas a terceiro que se obrigara a substituir todas as garantias reais e pessoais já ofertadas, inclusive as de depositário, tendo o paciente requerido em juízo a sua dispensa do encargo. Com o prosseguimento da execução, o juiz de 1º grau determinara a intimação do paciente para que apresentasse os bens penhorados, sem, contudo, manifestar-se sobre o seu requerimento. Em virtude de não ter sido encontrado, fora feita a citação por edital, que, não atendida, resultara na expedição de mandado de prisão civil. Considerou-se abusiva a expedição do mandado, já que não foram observadas as formalidades legais indispensáveis à regular intimação por edital. Asseverou-se que a circunstância de alguém não ter sido encontrado em seu endereço, porque em férias, não justifica, por si só, a intimação editalícia, dado que não foram esgotados todos os meios para a intimação pessoal. Ressaltou-se, ademais, que o edital não estaria em conformidade com o disposto no art. 225 do CPC, o qual exige os nomes do autor e do réu, bem como seus respectivos domicílios ou residências, tendo em conta que, na espécie, o nome do paciente fora grafado incorretamente. HC deferido para determinar a expedição de contramandado de prisão.
HC 86160/SP, rel. Min. Eros Grau, 23.8.2005. (HC-86160)

Opção de Nacionalidade e Requisitos

Considerando a orientação do STF no sentido de que a opção da nacionalidade, prevista no art. 12, I, c, da CF (alterado pela ECR 3/94), tem caráter personalíssimo, somente podendo ser manifestada depois de alcançada a capacidade plena e, uma vez atingida a maioridade civil, enquanto não manifestada a opção, esta passa a constituir-se em condição suspensiva da nacionalidade brasileira, a Turma manteve acórdão do TRF da 4ª Região que deferira o registro provisório de nascimento a menores, nascidos na Argentina, de mãe brasileira e domiciliados no Brasil. Sustentava-se, na espécie, a concessão definitiva da nacionalidade brasileira, sob a alegação de que a opção independeria da maioridade, já que o optante poderia manifestá-la "a qualquer tempo", conforme disposto no referido dispositivo constitucional ("Art 12. São brasileiros: I - natos:... c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira;"). Asseverou-se que a aludida condição suspensiva só vigora a partir da maioridade, haja vista que, antes, o menor, por intermédio do registro provisório (Lei 6.015/73, art. 3º, § 2º), desde que residente no país, é considerado brasileiro nato para todos os efeitos. Salientou-se o acerto do acórdão recorrido, tendo em conta, ainda, o fato de ser comum que a eleição da nacionalidade brasileira possa ocasionar a perda, pelo optante, da nacionalidade do seu país de nascimento.
RE 415957/RS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 23.8.2005. (RE-415957)


SEGUNDA TURMA


Prescrição da Pretensão Punitiva e Marcos Interruptivos

Não tendo fluído o prazo de dois anos (CP, art. 109, VI) entre os vários marcos interruptivos (data do crime, recebimento da denúncia e sentença condenatória recorrível) e sobrevindo acórdão confirmatório da condenação, antes do decurso do período fixado em lei, está exaurida a chamada prescrição da pretensão punitiva. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado à pena de quatro meses de detenção pela prática do crime de lesões corporais dolosas (CP, art. 129), em que se pleiteava o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva. Considerou-se irrelevante que tenha decorrido prazo superior a dois anos entre a data da publicação da sentença e o trânsito em julgado da decisão monocrática que negara seguimento a agravo de instrumento interposto contra o despacho que indeferira recurso extraordinário. Salientando que o trânsito em julgado da condenação é marco divisório de duas espécies de prescrição - a da pretensão punitiva, que termina com o trânsito em julgado, e a da prescrição executória, que se inicia com ele -, asseverou-se que o condenado pode obstar a formação da coisa julgada com a interposição de recursos especial e extraordinário. Entretanto, deve-se ter em conta que o recurso capaz de impedir essa qualidade da sentença é o recurso admissível, mas se o STF e o STJ reconhecem a inadmissibilidade, confirmando o que decidido no juízo a quo, os efeitos desse reconhecimento retroagem.
HC 86125/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 16.8.2005. (HC-86125)

Imunidade Tributária: Derivados do Petróleo e Tancagem

Iniciado o julgamento de recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio de Janeiro contra acórdão do Tribunal de Justiça local que concedera a imunidade prevista no art. 155, § 2º, X, b, da CF, a empresa distribuidora de petróleo e seus derivados, sediada em Minas Gerais, ao fundamento de ser indevido o ICMS na operação de compra e venda de derivados de petróleo destinados a outra unidade da federação. Alega-se, na espécie, violação ao citado dispositivo, eis que nele não estaria abrangida a operação de bombeamento dos combustíveis, realizada pela empresa recorrida, para tanques situados dentro da refinaria no Estado recorrente. O Min. Joaquim Barbosa, relator, deu parcial provimento ao recurso para explicitar que a regra inscrita no art. 155, § 2º, X, b, da CF, firma a incidência do ICMS nas operações interestaduais de circulação de derivados de petróleo e afeta a competência para a arrecadação ao Estado em que se verificar o consumo da mercadoria, estando, porém, a tancagem dos combustíveis absorvida na operação de remessa do produto para outro Estado da federação por constituir etapa intermediária. Levou em conta o entendimento firmado no julgamento do RE 198088/SP (DJU de 5.9.2003), no sentido de que o benefício fiscal previsto naquele dispositivo foi instituído em prol do Estado de destino dos produtos derivados de petróleo, ao qual cabe, em sua totalidade, o ICMS sobre eles incidente, desde a remessa até o consumo. Assim, entendeu não ser possível isolar o primeiro ato de tancagem do produto, e atribuir ao Estado do Rio de Janeiro a competência para arrecadação do tributo. Após, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista do Min. Gilmar Mendes.
RE 358956/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 23.8.2005. (RE-358956)


Competência da Justiça Comum Estadual e Entidades Federais

Com base no § 3º do art. 109 da CF ("Serão processadas e julgadas na Justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual"), a Turma negou provimento a recurso extraordinário e manteve acórdão do TRF da 3ª Região que, aplicando a regra do art. 15, I, da Lei estadual 5.010/66 - segundo a qual a Justiça Estadual é competente para julgar os executivos fiscais contra devedores domiciliados naquelas comarcas -, reconhecera a competência da Justiça Comum Estadual para julgar execução fiscal movida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra a Indústria de Material Bélico do Brasil - IMBEL. Sustentava-se, na espécie, a prevalência da regra do art. 109, I, da CF, que fixa a competência da Justiça Federal para julgar causas em que empresas públicas da União figurem como autoras, rés, assistentes ou oponentes. Considerou-se que, embora o processo envolvesse duas entidades federais - uma autarquia, na condição de autora, e uma empresa pública, como ré -, em razão desta, ora recorrente, ser domiciliada em cidade onde existe apenas vara estadual, haveria incidência da exceção prevista no § 3º do art. 109 da CF. Salientou-se, ademais, que o dispositivo infraconstitucional citado, visando facilitar a defesa do contribuinte e garantir a própria eficácia do processo de execução fiscal, seguiu o mesmo propósito da exceção constitucional, qual seja, o de evitar que uma das partes precise se deslocar até cidades com varas da Justiça Federal para propor ações judiciais, o que, além de aumentar custos, muitas vezes pode inviabilizar o próprio acesso ao Judiciário, especialmente na hipótese de litígio acerca de benefício social.
RE 390664/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 23.8.2005. (RE-390664)


SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno24.8.200525.8.20053
1ª Turma23.8.2005--179
2ª Turma23.8.2005--163




T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.



Competência Originária do STF e Divisão Constitucional de Competências (Transcrições)

(v. Informativo 395)

ACO 684 QO/MG*

RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE

RELATÓRIO - Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais - entidade autárquica federal, o Sindicato dos Médicos de Minas Gerais e a Associação Médica de Minas Gerais, com pedido de tutela antecipada, no Juízo Federal de primeira instância daquela unidade da Federação, com o objetivo de obter a nulidade do Decreto 42.178, de 20 de dezembro de 2001, DOE 21.12.2001, pelo qual o Governador do Estado de Minas Gerais credenciou a Faculdade de Medicina de Caratinga, mantida pela Fundação Educacional de Caratinga, e autorizou o funcionamento do respectivo Curso de Medicina.
Funda-se o pedido na ilegalidade e inconstitucionalidade do decreto estadual, por afronta à L. 9.394/96 (Lei de 'Diretrizes e Bases da Educação Nacional') e aos artigos 22, XXIV e 24, IX - regras que determinam a competência privativa da União para estabelecer as diretrizes e bases da educação nacional e para legislar concorrentemente sobre educação - bem como ao artigo 211, todos da Constituição Federal.
O Juiz Federal da 21ª Vara de Minas Gerais, invocando o artigo 102, I, f, da Constituição Federal, declinou da competência para o Supremo Tribunal Federal (f. 621/626).
Extrato da decisão de primeiro grau:

(...) No caso em pauta, em face da suspensão cautelar da eficácia do art. 58, caput e seus parágrafos (com exceção do § 3º), da Lei 9.649/98, na decisão proferida na ADIN 1.717/DF pelo Supremo Tribunal Federal, as entidades fiscalizadoras de profissões, entre elas o Conselho Regional de Medicina, retornaram a condição de autarquias federais, dotadas de personalidade jurídica de direito público, integrantes, portanto, da administração indireta.
Consoante se percebe, são conflitantes os interesses da autarquia federal de fiscalização do exercício profissional (CRM) e o interesse do Estado-Membro que credenciou e autorizou o funcionamento do Curso de Medicina, a despeito de se tratar de instituição de ensino superior mantida pela iniciativa privada e, nestas condições, apto a desencadear um possível desequilíbrio no pacto federativo tendo em vista as normas encartadas na Lei Fundamental acerca da repartição de competência entre a União, Estados e o Distrito Federal para a organização de seus sistemas de ensino e ainda a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional.
Não desconheço que a competência prevista no art. 102, I, "f", da Constituição restringe-se, segundo iterativos julgados da Suprema Corte, às hipóteses de litígios cuja potencialidade ofensiva revele-se apta a ofender o pacto federativo.
Conquanto reconheça que a autarquia em questão, tenha sede e estrutura regional de representação no território estadual respectivo, na hipótese dos autos, todavia o tema em questão (organização dos respectivos sistemas de ensino) poderá deflagrar um possível desequilíbrio no pacto federativo, tendo em vista o disposto no art. 81 e 82 e respectivos parágrafos, ambos do Ato das Disposições Transitórias do Estado de Minas Gerais nos quais - não é demasiado recordar - o Estado-Membro sustenta a sua competência para credenciar e autorizar o funcionamento do Curso de Medicina ao fundamento de que a Fundação mantenedora do estabelecimento educacional integra o Sistema Estadual de Ensino, a despeito de se tratar de instituição de ensino superior mantida pela iniciativa privada".

Após invocar precedente do STF (ACO-QO 593, Néri da Silveira), no qual se decidiu pela competência deste Tribunal para "julgar demanda que comprometa o equilíbrio federativo e ainda disponha a respeito de competências no âmbito federativo", continua o magistrado:

"No caso sob apreciação, a competência da Suprema Corte para conhecer e julgar a questão se revela ainda mais evidente quando se verifica que os arts. 81 e 82, ambos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado de Minas Gerais, estão sendo alvo de controle concentrado de constitucionalidade mediante a propositura da ADIN 2.501-5, Rel. o Sr. Ministro MOREIRA ALVES, tendo o Tribunal conhecido parcialmente da ação relativamente aos parágrafos primeiro e segundo do art. 81 e ao artigo 82, com exceção do parágrafo terceiro, mas nesta parte, indeferido a medida cautelar, para suspender-lhes a eficácia.
Diante deste quadro, o pano de fundo da presente ação - notadamente a alegada impossibilidade de a instituição de ensino superior mantida pela iniciativa privada permanecer sob a supervisão pedagógica do Conselho Estadual de Educação (art. 82, parágrafo primeiro, inciso II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado de Minas Gerais - continua pendente de apreciação pela Suprema Corte a recomendar o julgamento simultâneo e decisão uniforme dos feitos".

A Procuradoria-Geral da República, em parecer do eminente Procurador-Geral Cláudio Fonteles, opina pela devolução dos autos ao Juízo de origem, competente, no seu entender, para a causa.
Lê-se no parecer (f. 642/648):

"Manifestando-se acerca do alcance da norma prevista o artigo 102, inciso I, alínea "f", da Constituição Federal, este Excelso Pretório "tem enfatizado o seu caráter de absoluta excepcionalidade, restringindo a sua incidência às hipóteses de litígios cuja potencialidade ofensiva revele-se apta a vulnerar os valores que informam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico, o pacto da Federação. Ausente qualquer situação que introduza a instabilidade no equilíbrio federativo ou que ocasione a ruptura da harmonia que deve prevalecer nas relações entre as entidades integrantes do Estado Federal, deixa de incidir, ante a inocorrência dos seus pressupostos de atuação, a norma de competência prevista no art. 102, I, f, da Constituição". (STF - Tribunal Pleno - ACO 359 QO / SP. Ministro-Relator: CELSO DE MELLO, D.J. de 11.03.1994, p. 4110).
(...)
Depreende-se da análise dos autos que o âmago da discussão em apreço circunscreve-se a possível usurpação de competência da União para "autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior", criadas e mantidas pela iniciativa privada, consoante preceituam os artigos 9.º e 16, da Lei Federal n.º 9394/96.
A despeito da regra jurídica supracitada, releva ressaltar que, eventual usurpação da competência da União, como no presente caso, não tem o condão de gerar instabilidade no equilíbrio do pacto federativo, como decidiu o Juízo a quo. Existe, no ordenamento jurídico pátrio, meio adequado para resolver pendências desta natureza - controle concentrado de constitucionalidade.
(...)
Neste contexto, afigura-se relevante trazer à colação decisão proferida por este Excelso Pretório em caso análogo, cujo teor restou consignado nos seguintes termos:

"DECISÃO: Cabe verificar, preliminarmente, se a presente causa inclui-se, ou não, na esfera de competência originária do Supremo Tribunal Federal, especialmente em face da decisão, proferida pelo magistrado de primeira instância, de que se subsume, a espécie ora em exame, à regra consubstanciada no art. 102, I, "f", da Constituição da República (fls. 270/271). Impõe-se ter presente, neste ponto, considerada a norma inscrita no art. 102, I, "f", da Constituição, que essa regra de competência confere, ao Supremo Tribunal Federal, a posição eminente de Tribunal da Federação, atribuindo, a esta Corte, em tal condição institucional, o poder de dirimir as controvérsias, que, ao irromperem no seio do Estado Federal, culminam, perigosamente, por antagonizar as unidades federadas. Essa magna função jurídico-institucional da Suprema Corte impõe-lhe o gravíssimo dever de velar pela intangibilidade do vínculo federativo e de zelar pelo equilíbrio harmonioso das relações políticas entre as pessoas estatais que integram a Federação brasileira. (...) É por tal razão que esse preceito constitucional somente incide naquelas controvérsias que possam provocar situações caracterizadoras de conflito federativo (RTJ 132/109 - RTJ 132/120). O alcance dessa regra de competência originária do Supremo Tribunal Federal foi claramente exposto pelo eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, que, ao julgar a ACO 417/PA, destacou a ratio subjacente à norma constitucional em questão, assinalando-lhe o caráter de absoluta excepcionalidade: "(...) a jurisprudência da Corte traduz uma audaciosa redução do alcance literal da alínea questionada da sua competência original: cuida-se, porém, de redução teleológica e sistematicamente bem fundamentada, tão-manifesta, em causas como esta, se mostra a ausência dos fatores determinantes da excepcional competência originária do S.T.F. para o deslinde jurisdicional dos conflitos federativos." (RTJ 133/1059-1062, 1062 - grifei)
(...)
A partir dessa orientação, mostra-se inequívoco que o preceito constante do art. 102, I, "f", in fine, da Constituição revela-se inaplicável aos litígios, que, desvestidos de qualquer projeção de caráter institucional, em nada afetam as relações políticas entre as unidades federadas (RTJ 81/675, Rel. Min. LEITÃO DE ABREU - RTJ 95/485, Rel. Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE), tal como ocorre na espécie ora em exame. A diretriz jurisprudencial prevalecente no Supremo Tribunal Federal, firmada a partir da exegese da regra inscrita no art. 102, I, "f", da Constituição, resultou de sucessivas decisões que não têm reconhecido, na mera instauração de processos judiciais, a possibilidade de ocorrência de conflito federativo, notadamente quando se tratar de causas promovidas (a) por sociedade de economia mista federal contra entidade da administração indireta de Estado-membro (RTJ 132/109, Rel. Min. SYDNEY SANCHES - RTJ 132/120, Rel. Min. SYDNEY SANCHES), ou (b) por sociedade de economia mista federal contra Estado-membro da Federação (RTJ 98/5, Rel. Min. LEITÃO DE ABREU), ou (c) por sociedade de economia mista, instituída pelo Distrito Federal, contra Estado-membro (ACO 597-AgR/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO), ou (d) por Estado-membro contra sociedade de economia mista federal (ACO 193/PE, Rel. Min. DJACI FALCÃO), ou (e) por autarquia federal contra Estado-membro (RTJ 133/1059, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - ACO 482/RJ, Rel. Min. CARLOS VELLOSO), ou (f) por empresa pública federal contra o Distrito Federal (ACO 428/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO), ou, ainda, (g) por Estado-membro contra autarquia federal (RTJ 62/563, Rel. Min. BILAC PINTO - ACO 450/PE, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), mesmo porque - consoante tem sido sempre enfatizado - tais controvérsias não caracterizam, só por si, "conflito de interesses capaz de pôr em risco a harmonia federativa" (ACO 537/MG, Rel. Min. NELSON JOBIM - grifei). (...)
(STF - ACO 641/AC. Ministro-Relator: CELSO DE MELLO. D.J. 19.12.2002, p. 136, sem grifos no original).

Na esteira de tal entendimento, infere-se que a controvérsia em apreço não é suficiente para atrair a competência desta Excelsa Corte para julgar o presente feito. A discussão travada nos autos da ação civil pública não tem o condão de colocar em risco a harmonia federativa, razão porque a presente ação cível originária não deve ser conhecida."

Para que se decida sobre a competência, submeto o caso ao Plenário, em questão de ordem.
É o relatório.

VOTO - Não têm pertinência à espécie os precedentes recordados no parecer da Procuradoria-Geral da República, nos quais o Tribunal se declarou incompetente.
Assim, v.g., na ACO 417, Pertence, cuidava-se de mera ação de cobrança de contribuições previdenciárias movida pelo IAPAS contra Estado-membro; na ACO 597, Celso, instituição financeira de economia mista questionava "a validade jurídica de operações de índole financeira e de conteúdo negocial e obrigacional".
Para temas como esses, de cunho meramente patrimonial, é que entendo sustentável a "redução teleológica" a que procedeu o Tribunal na dicção literal do art. 102, I, "f", da Constituição.
Ao contrário, não há como negar que é desta Corte a competência originária para conhecer de causa em que pessoas jurídicas relacionadas naquele inciso litigam acerca da divisão constitucional de competência entre a União e os Estados-membros.
Nesse sentido, por exemplo, a afirmação da competência originária do Supremo na ACO 593, 7.6.01, relator o em. Ministro Néri da Silveira, que dizia "com as competências da União Federal e dos Estados, acerca do aproveitamento dos potenciais hidráulicos e da realização de obras atingindo rios de curso interestadual e ainda a respeito da partição de competências, no âmbito federativo, sobre a proteção ambiental e os embaraços que Estados possam opor a obras atinentes à geração de energia elétrica".
Estou em que, igualmente, se impõe reconhecê-la na espécie, onde autarquia federal controverte com Estado-membro sobre a competência federal ou estadual para credenciar e autorizar o funcionamento de curso de nível superior de entidade privada de ensino.
Desnecessário demonstrar que, para o fim cogitado, não se reduz o risco de "conflito federativo" à iminência de guerra civil ou similar; basta cuidar-se de controvérsia jurídica relevante sobre a demarcação dos âmbitos materiais de competência dos entes que compõem a Federação.
Resolvo, pois, a questão de ordem no sentido de declarar a competência originária do Supremo Tribunal para o caso: é o meu voto.

acórdão pendente de publicação


Liberdade de Imprensa e Direito de Crítica (Transcrições)

Pet 3486/DF*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: LIBERDADE DE IMPRENSA (CF, ART. 5º, IV, c/c O ART. 220). JORNALISTAS. DIREITO DE CRÍTICA. PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL CUJO SUPORTE LEGITIMADOR REPOUSA NO PLURALISMO POLÍTICO (CF, ART. 1º, V), QUE REPRESENTA UM DOS FUNDAMENTOS INERENTES AO REGIME DEMOCRÁTICO. O EXERCÍCIO DO DIREITO DE CRÍTICA INSPIRADO POR RAZÕES DE INTERESSE PÚBLICO: UMA PRÁTICA INESTIMÁVEL DE LIBERDADE A SER PRESERVADA CONTRA ENSAIOS AUTORITÁRIOS DE REPRESSÃO PENAL. A CRÍTICA JORNALÍSTICA E AS AUTORIDADES PÚBLICAS. A ARENA POLÍTICA: UM ESPAÇO DE DISSENSO POR EXCELÊNCIA.

DECISÃO: O ora requerente postula seja instaurado procedimento penal contra jornalistas da revista Veja (edição de 03/08/2005, págs. 75 e 125), por vislumbrar tenham eles praticado, no exercício de sua atividade profissional (fls. 06/07), "crime de subversão contra a segurança nacional, que está colocando em perigo o regime representativo e democrático brasileiro, a Federação e o Estado de Direito e crime contra a pessoa dos Chefes dos Poderes da União (...)" (fls. 02 - grifei).
Observo, no entanto, que as pessoas indicadas na petição de fls. 02/05 não estão sujeitas à jurisdição imediata do Supremo Tribunal Federal, razão pela qual nada justifica a tramitação originária, perante esta Suprema Corte, do procedimento em causa.
Cabe assinalar que a competência originária do Supremo Tribunal Federal, por revestir-se de extração eminentemente constitucional, sujeita-se, por tal razão, a regime de direito estrito, o que impede venha ela a ser estendida a situações não contempladas no rol exaustivo inscrito no art. 102, inciso I, da Constituição da República, consoante adverte a doutrina (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, "Comentários à Constituição Brasileira de 1988", vol. 2/217, 1992, Saraiva) e proclama a jurisprudência desta própria Corte (RTJ 43/129 - RTJ 44/563 - RTJ 50/72 - RTJ 53/776 - RTJ 159/28):

"(...) A COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - CUJOS FUNDAMENTOS REPOUSAM NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - SUBMETE-SE A REGIME DE DIREITO ESTRITO.
- A competência originária do Supremo Tribunal Federal, por qualificar-se como um complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional - e ante o regime de direito estrito a que se acha submetida - não comporta a possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os limites fixados, em 'numerus clausus', pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, I, da Constituição da República. Precedentes. (...)."
(RTJ 171/101-102, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

A "ratio" subjacente a esse entendimento, que acentua o caráter absolutamente estrito da competência constitucional do Supremo Tribunal Federal, vincula-se à necessidade de inibir indevidas ampliações descaracterizadoras da esfera de atribuições institucionais desta Suprema Corte, conforme ressaltou, a propósito do tema em questão, em voto vencedor, o saudoso Ministro ADALÍCIO NOGUEIRA (RTJ 39/56-59, 57).
Desse modo, os fundamentos ora expostos levam-me a reconhecer a impossibilidade de tramitação originária deste procedimento perante o Supremo Tribunal Federal.
2. Não obstante as considerações que venho de fazer no sentido da plena incognoscibilidade do pleito ora formulado, impõe-se observar que o teor da petição em referência, longe de evidenciar supostas práticas delituosas contra a segurança nacional, alegadamente cometidas pelos jornalistas mencionados, traduz, na realidade, o exercício concreto, por esses profissionais da imprensa, da liberdade de expressão e de crítica, cujo fundamento reside no próprio texto da Constituição da República, que assegura, ao jornalista, o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e exposta em tom contundente e sarcástico, contra quaisquer pessoas ou autoridades.
Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão penal ao pensamento, ainda mais quando a crítica - por mais dura que seja - revele-se inspirada pelo interesse público e decorra da prática legítima, como sucede na espécie, de uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional (CF, art. 5º, IV, c/c o art. 220).
Não se pode ignorar que a liberdade de imprensa, enquanto projeção da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar.
A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer parcela de autoridade no âmbito do Estado, pois o interesse social, fundado na necessidade de preservação dos limites ético-jurídicos que devem pautar a prática da função pública, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar os detentores do poder.
Uma vez dela ausente o "animus injuriandi vel diffamandi", tal como ressalta o magistério doutrinário (CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY, "A Liberdade de Imprensa e os Direitos da Personalidade", p. 100/101, item n. 4.2.4, 2001, Atlas; VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR, "A Proteção Constitucional da Informação e o Direito à Crítica Jornalística", p. 88/89, 1997, Editora FTD; RENÉ ARIEL DOTTI, "Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação", p. 207/210, item n. 33, 1980, RT, v.g.), a crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, especialmente às autoridades e aos agentes do Estado, por mais acerba, dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos da personalidade.
Lapidar, sob tal aspecto, a decisão emanada do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, consubstanciada em acórdão assim ementado:

"Os políticos estão sujeitos de forma especial às críticas públicas, e é fundamental que se garanta não só ao povo em geral larga margem de fiscalização e censura de suas atividades, mas sobretudo à imprensa, ante a relevante utilidade pública da mesma."
(JTJ 169/86, Rel. Des. MARCO CESAR - grifei)

Vê-se, pois, que a crítica jornalística, quando inspirada pelo interesse público, não importando a acrimônia e a contundência da opinião manifestada, ainda mais quando dirigida a figuras públicas, com alto grau de responsabilidade na condução dos negócios de Estado, não traduz nem se reduz, em sua expressão concreta, à dimensão de abuso da liberdade de imprensa, não se revelando suscetível, por isso mesmo, em situações de caráter ordinário, à possibilidade de sofrer qualquer repressão estatal ou de se expor a qualquer reação hostil do ordenamento positivo.
É certo que o direito de crítica não assume caráter absoluto, eis que inexistem, em nosso sistema constitucional, como reiteradamente proclamado por esta Suprema Corte (RTJ 173/805-810, 807-808, v.g.), direitos e garantias revestidos de natureza absoluta.
Não é menos exato afirmar-se, no entanto, que o direito de crítica encontra suporte legitimador no pluralismo político, que representa um dos fundamentos em que se apóia, constitucionalmente, o próprio Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, V).
Na realidade, e como assinalado por VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR ("A Proteção Constitucional da Informação e o Direito à Crítica Jornalística", p. 87/88, 1997, Editora FTD), o reconhecimento da legitimidade do direito de crítica, tal como sucede no ordenamento jurídico brasileiro, qualifica-se como "pressuposto do sistema democrático", constituindo-se, por efeito de sua natureza mesma, em verdadeira "garantia institucional da opinião pública":

"(...) o direito de crítica em nenhuma circunstância é ilimitável, porém adquire um caráter preferencial, desde que a crítica veiculada se refira a assunto de interesse geral, ou que tenha relevância pública, e guarde pertinência com o objeto da notícia, pois tais aspectos é que fazem a importância da crítica na formação da opinião pública." (grifei)

Não foi por outra razão que o Tribunal Constitucional espanhol, ao proferir as Sentenças nº 6/1981 (Rel. Juiz FRANCISCO RUBIO LLORENTE), nº 12/1982 (Rel. Juiz LUIS DÍEZ-PICAZO), nº 104/1986 (Rel. Juiz FRANCISCO TOMÁS Y VALIENTE) e nº 171/1990 (Rel. Juiz BRAVO-FERRER), pôs em destaque a necessidade essencial de preservar-se a prática da liberdade de informação, inclusive o direito de crítica que dela emana, como um dos suportes axiológicos que informam e que conferem legitimação material à própria concepção do regime democrático.
É relevante observar, aqui, que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), em mais de uma ocasião, também advertiu que a limitação do direito à informação e do direito (dever) de informar, mediante (inadmissível) redução de sua prática "ao relato puro, objetivo e asséptico de fatos, não se mostra constitucionalmente aceitável nem compatível com o pluralismo, a tolerância (...), sem os quais não há sociedade democrática (...)" (Caso Handyside, Sentença do TEDH, de 07/12/1976).
Essa mesma Corte Européia de Direitos Humanos, quando do julgamento do Caso Lingens (Sentença de 08/07/1986), após assinalar que "a divergência subjetiva de opiniões compõe a estrutura mesma do aspecto institucional do direito à informação", acentua que "a imprensa tem a incumbência, por ser essa a sua missão, de publicar informações e idéias sobre as questões que se discutem no terreno político e em outros setores de interesse público (...)", vindo a concluir, em tal decisão, não ser aceitável a visão daqueles que pretendem negar, à imprensa, o direito de interpretar as informações e de expender as críticas pertinentes.
Não custa insistir, neste ponto, na asserção de que a Constituição da República revelou hostilidade extrema a quaisquer práticas estatais tendentes a restringir ou a reprimir o legítimo exercício da liberdade de expressão e de comunicação de idéias e de pensamento.
Essa repulsa constitucional bem traduziu o compromisso da Assembléia Nacional Constituinte de dar expansão às liberdades do pensamento. Estas são expressivas prerrogativas constitucionais cujo integral e efetivo respeito, pelo Estado, qualifica-se como pressuposto essencial e necessário à prática do regime democrático. A livre expressão e manifestação de idéias, pensamentos e convicções não pode e não deve ser impedida pelo Poder Público nem submetida a ilícitas interferências do Estado.
É preciso advertir, bem por isso, notadamente quando se busca promover, como no caso, a repressão penal à crítica jornalística, que o Estado não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as idéias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais dos meios de comunicação social.
Essa garantia básica da liberdade de expressão do pensamento, como precedentemente assinalado, representa, em seu próprio e essencial significado, um dos fundamentos em que repousa a ordem democrática. Nenhuma autoridade pode prescrever o que será ortodoxo em política, ou em outras questões que envolvam temas de natureza filosófica, ideológica ou confessional, nem estabelecer padrões de conduta cuja observância implique restrição aos meios de divulgação do pensamento. Isso, porque "o direito de pensar, falar e escrever livremente, sem censura, sem restrições ou sem interferência governamental" representa, conforme adverte HUGO LAFAYETTE BLACK, que integrou a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, "o mais precioso privilégio dos cidadãos..." ("Crença na Constituição", p. 63, 1970, Forense).
Vale registrar, finalmente, por relevante, fragmento expressivo da obra do ilustre magistrado federal SÉRGIO FERNANDO MORO ("Jurisdição Constitucional como Democracia", p. 48, item n. 1.1.5.5, 2004, RT), no qual põe em destaque um "landmark ruling" da Suprema Corte norte-americana, proferida no caso "New York Times v. Sullivan" (1964), a propósito do tratamento que esse Alto Tribunal dispensa à garantia constitucional da liberdade de expressão:

"A Corte entendeu que a liberdade de expressão em assuntos públicos deveria de todo modo ser preservada. Estabeleceu que a conduta do jornal estava protegida pela liberdade de expressão, salvo se provado que a matéria falsa tinha sido publicada maliciosamente ou com desconsideração negligente em relação à verdade. Diz o voto condutor do Juiz William Brennan:
'(...) o debate de assuntos públicos deve ser sem inibições, robusto, amplo, e pode incluir ataques veementes, cáusticos e, algumas vezes, desagradáveis ao governo e às autoridades governamentais.'" (grifei)

Concluo a minha decisão: as razões que venho de expor levam-me a reconhecer que a pretensão deduzida pela parte requerente não se mostra compatível com o modelo consagrado pela Constituição da República, considerando-se, para esse efeito, as opiniões jornalísticas ora questionadas (Veja, edição de 03/08/2005), cujo conteúdo traduz - como precedentemente assinalei - legítima expressão de uma liberdade pública fundada no direito constitucional de crítica.
Sendo assim, presentes tais razões, e tendo em vista que este procedimento foi impropriamente instaurado perante o Supremo Tribunal Federal, não conheço da medida proposta pelo Advogado ora requerente.
Arquivem-se os presentes autos (RISTF, art. 21, § 1º), incidindo, na espécie, para tal fim, a orientação jurisprudencial firmada por esta Suprema Corte (Pet 2.653-AgR/AP, Rel. Min. CELSO DE MELLO - MS 24.261/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO - AO 175-AgR-ED/RN, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, v.g.).
Publique-se.
Brasília, 22 de agosto de 2005.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão pendente de publicação


Assessora responsável pelo Informativo

Anna Daniela de A. M. dos Santos e Silva
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