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quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Informativo STF 385 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 25 a 29 de abril de 2005 - Nº 385.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO




Plenário
ADPF. Anencefalia. Aborto - 2
ADPF. Anencefalia. Aborto - 3
CNMP: EC 45/2004 e Vício Formal
Demarcação de Terras Indígenas e Devido Processo Legal
1ª Turma
Art. 113 do CP e Prisão Cautelar
Notícia-Crime e Delação Anônima - 2
2ª Turma
Sociedade Civil de Direito Privado e Ampla Defesa - 3
Empregada Gestante e Contrato por Prazo Determinado - 2
Clipping do DJ
Transcrições
Fiador. Contrato de Locação. Bem de Família. Impenhorabilidade (RE 352940/SP)
Porte Ilegal de Arma sem Munição (RHC 81057/SP)


PLENÁRIO

ADPF. Anencefalia. Aborto - 2

Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, resolveu questão de ordem suscitada pelo Procurador-Geral da República, no sentido de assentar a adequação da argüição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS, na qual se pretende obter posicionamento do STF sobre o aborto de feto anencéfalo - v. Informativos 354, 366 e 367. A argüente aponta como violados os preceitos dos artigos 1º, IV (dignidade da pessoa humana); 5º, II (princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade); 6º, caput, e 196 (direito à saúde), todos da CF, e, como ato do Poder Público, causador da lesão, o conjunto normativo ensejado pelos artigos 124, 126, caput, e 128, I e II, do Código Penal, requerendo, em última análise, a interpretação conforme à Constituição dos referidos dispositivos do CP, a fim de explicitar que os mesmos não se aplicam aos casos de aborto de feto anencéfalo. Entendeu-se, nos termos do voto do relator, que os requisitos concernentes à ação foram devidamente atendidos (Lei 9.882/99, arts. 1º, 3º e 4º, § 1º). Salientando de um lado a presença de argumentos em torno de valores básicos inafastáveis no Estado Democrático de Direito e, de outro, os enfoques do Judiciário com arrimo em conclusões sobre o alcance dos dispositivos do Código Penal que dispõem sobre o crime de aborto, concluiu-se pela necessidade do pronunciamento do Tribunal, a fim de se evitar a insegurança jurídica decorrente de decisões judiciais discrepantes acerca da matéria. Assentou-se a inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesividade alegada, apontando-se, como fundamento, o que verificado relativamente ao habeas corpus 84025/RJ (DJU de 25.6.2004), da relatoria do Min. Joaquim Barbosa, no qual a paciente, não obstante recorrer a essa via processual, antes do pronunciamento definitivo pela Corte, dera à luz a feto que veio a óbito em minutos, ocasionando o prejuízo da impetração. Ressaltou-se, também, o que consignado na ADPF 33 MC/PA (DJU de 6.8.2004), por seu relator, Min. Gilmar Mendes, quanto ao caráter acentuadamente objetivo da ADPF e a necessidade de o juízo da subsidiariedade ter em vista os demais processos objetivos já consolidados no sistema constitucional - a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade. Assim, incabíveis estas, como no caso de controle de legitimidade do direito pré-constitucional, possível a utilização daquela.
ADPF 54 QO/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 27.4.2005. (ADPF-54)

ADPF. Anencefalia. Aborto - 3

Em acréscimo aos fundamentos do relator, o Min. Carlos Britto asseverou a possibilidade do emprego da interpretação conforme à Constituição, tendo em conta a pluralidade de entendimentos quanto ao conteúdo e alcance dos citados artigos do CP, bem como a diversidade de decisões dela resultantes. O Min. Gilmar Mendes retomou fundamentos por ele adotados na citada ADPF 33 MC/PA. O Min. Sepúlveda Pertence, também acompanhando o voto do relator, mas, ressalvando a tese de que só o cabimento de um processo objetivo outro obstaria a utilização da ADPF, entendeu ser patente a relevância da controvérsia constitucional e que apenas uma medida extrema, como a utilizada, com efeitos erga omnes e eficácia vinculante, seria capaz de reparar a lesão ocorrida ou obviar a ameaça identificada. Refutou, ainda, o fundamento de que a ADPF se reduziria a requerer que fizesse incluir uma 3ª alínea no art. 128 do CP, por considerar que a pretensão formulada é no sentido de se declarar, em homenagem aos princípios constitucionais aventados, não a exclusão de punibilidade, mas a atipicidade do fato. Por sua vez, o Min. Nelson Jobim, Presidente, ressaltou que o art. 128 e seus incisos pressupõem sempre que há vida possível do feto, e que essa potencialidade de vida nos conduz a examinar o art. 124 para discutir se, sob sua égide, se inclui um tipo de feto que não tenha essa possibilidade, a fim de verificar se essa interpretação é ou não compatível com o caput do art. 5º da CF, que se refere à inviolabilidade do direito à vida. Concluiu estar tanto aí quanto na insegurança jurídica das decisões contraditórias a controvérsia constitucional posta. Vencidos os Ministros Eros Grau, Cezar Peluso e Ellen Gracie que não conheciam da ação por considerar, em síntese, que o pedido de interpretação conforme dos artigos implicaria ofensa ao princípio da reserva legal, criando mais uma hipótese de excludente de punibilidade. Vencido, da mesma forma, o Min. Carlos Velloso que julgava incabível a argüição, em razão de a pretensão da argüente equivaler, em última análise, a uma declaração de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, de disposições legais pré-constitucionais. Determinou-se, por fim, o retorno dos autos ao relator para examinar se é caso ou não da aplicação do art. 6º, § 1º da Lei 9.882/99.
ADPF 54 QO/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 27.4.2005. (ADPF-54)
CNMP: EC 45/2004 e Vício Formal

Por considerar densa a plausibilidade da alegação de desrespeito ao § 2º do art. 60 da CF, que dispõe sobre o processo legislativo referente à proposta de emenda constitucional, o Tribunal concedeu liminar requerida em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - CONAMP para suspender a eficácia das expressões "e do Ministério Público", "respectivamente" e "e ao Ministério Público da União", contidas no § 1º do art. 5º da Emenda Constitucional 45/2004 ("Art. 5º O Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público serão instalados no prazo de cento e oitenta dias a contar da promulgação desta Emenda, devendo a indicação ou escolha de seus membros ser efetuada até trinta dias antes do termo final. § 1º Não efetuadas as indicações e escolha dos nomes para os Conselhos Nacional de Justiça e do Ministério Público dentro do prazo fixado no caput deste artigo, caberá, respectivamente, ao Supremo Tribunal Federal e ao Ministério Público da União realizá-las."). Entendeu-se que a inovação promovida pelo Senado quanto à indicação e escolha supletiva de nomes para o Conselho Nacional do Ministério Público teria implicado alteração substancial no texto aprovado, em dois turnos, pela Câmara dos Deputados, segundo o qual caberia, também ao STF, o aludido mister.
ADI 3472 MC/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 28.4.2005. (ADPF-54)
Demarcação de Terras Indígenas e Devido Processo Legal

O Tribunal, por maioria, denegou mandado de segurança impetrado por proprietários de glebas rurais no Município de Pesqueira, no Estado de Pernambuco, contra o decreto presidencial de 30.4.2001, publicado no Diário Oficial de 2.5.2001, que homologou a demarcação de terras indígenas da Tribo Xucuru, na região onde localizadas as propriedades dos impetrantes. Insurgiam-se estes contra a distinção feita pelo Decreto 1.775/96 relativa ao direito de defesa em processos demarcatórios iniciados antes e depois de seu advento, pois, neste caso, haveria uma única oportunidade para defesa e, naquele, a defesa alcançaria todas as fases do processo de demarcação. Inicialmente, por maioria, afastou-se a preliminar de nulidade do processo por ausência de citação da FUNAI como litisconsorte passiva, bem como a de ausência de direito líquido e certo dos impetrantes. No mérito, entendeu-se, com base no que decidido no MS 21649/MS (DJU de 15.12.2000), que o Decreto 1.775/96, ao invés de violar o princípio da ampla defesa, veio a corrigir erros que se encontravam no decreto anterior que disciplinava a matéria (Decreto 22/91). Ressaltou-se que, nos processos iniciados antes do advento do Decreto 1.775/96, o nível de impugnação à demarcação das terras não poderia ser o mesmo que o outorgado aos processos surgidos após o seu advento, uma vez que, na primeira hipótese, os trabalhos referentes à demarcação já teriam tido início. Afirmou-se que o decreto poderia estabelecer tanto um procedimento diferenciado para os processos iniciados antes de seu advento como anulá-los, e que, neste caso, haveria um ônus redobrado tanto para os interessados quanto para a Administração. Concluiu-se que o direito à ampla defesa fora observado, porquanto concedido a todos os interessados o direito de se manifestarem em prazos razoáveis, salientando-se, por fim, o fato de o decreto homologatório impugnado ter sido precedido de contestação dos impetrantes. Vencido o Min. Marco Aurélio que concedia a ordem por considerar que, a despeito de o Decreto 1.775/96 prever a defesa quanto aos processos em curso, por não ter sido esta viabilizada desde o início do processo administrativo, restaria violado o princípio do contraditório.
MS 24045/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 28.4.2005. (ADPF-54)


PRIMEIRA TURMA

Art. 113 do CP e Prisão Cautelar

O art. 113 do Código Penal tem aplicação vinculada às hipóteses de evasão do condenado ou de revogação do livramento condicional, não se referindo ao tempo de prisão cautelar para efeito do cálculo da prescrição (CP: "Art. 113 - No caso de evadir-se o condenado ou de revogar-se o livramento condicional, a prescrição é regulada pelo tempo que resta da pena"). Com base nesse entendimento, a Turma, por maioria, negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus no qual se pretendia que a prescrição da pretensão executória fosse calculada com base no restante da pena a cumprir, descontados os dias em que o réu estivera preso provisoriamente, como resultado da detração operada com base no art. 42 do CP. No caso, o recorrente fora preso em flagrante delito e condenado a um ano de reclusão e dez dias-multa, pena substituída por restritiva de direitos e, posteriormente, convertida em privativa de liberdade, em razão do descumprimento da pena alternativa. Considerou-se o princípio da legalidade estrita, de observância cogente em matéria penal, que impede a interpretação extensiva ou analógica das normas penais. Vencido o Min. Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso. Precedentes citados: HC 69865/PR (DJU de 26.11.93); HC 74071/SP (DJU de 11.4.97).
RHC 85026/SP, rel. Min. Eros Grau, 26.4.2005. (RHC-85026)

Notícia-Crime e Delação Anônima - 2

A Turma retomou julgamento de habeas corpus em que se pretende o trancamento, por falta de justa causa, de notícia-crime, instaurada no STJ, por requisição do Ministério Público Federal, contra juiz estadual e dois desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de Tocantins, pela suposta prática do delito de tráfico de influência (CP, art. 332). Sustenta o impetrante que a atuação do parquet se fez com base unicamente em denúncia anônima, o que violaria o inciso IV do art. 5º da CF ("IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;") e o disposto nos artigos 144 da Lei 8.112/90 e 14, § 1º, da Lei 8.429/92, no que versam sobre a inidoneidade da denúncia anônima para os fins quer de instauração de processo administrativo, quer de ação concernente à improbidade administrativa - v. Informativo 376. O Min. Carlos Britto, em voto-vista, indeferiu o habeas corpus por entender que a requisição assentara-se não apenas no documento apócrifo, mas, também, na análise de decisões proferidas pela Justiça do Estado do Tocantins, valendo-se, portanto, de outros elementos para chegar à conclusão no sentido da necessidade de melhor esclarecimento dos fatos. Considerou que os indícios de irregularidades constatados nas referidas decisões judiciais, dado o caráter público destas, poderiam ter chegado ao conhecimento do parquet independemente da existência da denúncia anônima, não havendo se falar, por isso, em ofensa a direitos à honra, vida privada, imagem ou intimidade do paciente como conseqüência da atuação da Procuradoria-Geral da República. Em seguida, os Ministros Eros Grau, que ratificou seu voto anterior, e Cezar Peluso acompanharam o voto do Min. Marco Aurélio, relator, deferindo o writ. O julgamento foi suspenso com o pedido de vista do Min. Sepúlveda Pertence.
HC 84827/TO, rel. Min. Marco Aurélio, 26.4.2005. (HC-84827)


SEGUNDA TURMA

Sociedade Civil de Direito Privado e Ampla Defesa - 3

A Turma retomou julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que mantivera decisão que reintegrara associado excluído do quadro da sociedade civil União Brasileira de Compositores - UBC, sob o entendimento de que fora violado o seu direito de defesa, em virtude de o mesmo não ter tido a oportunidade de refutar o ato que resultara na sua punição - v. Informativos 351 e 370. O Min. Joaquim Barbosa, em voto-vista, acompanhando o Min. Gilmar Mendes, negou provimento ao recurso. Entendeu que os princípios fundamentais têm aplicação no âmbito das relações privadas e que, na espécie, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório deveriam ter sido observados na exclusão de sócio, tendo em conta a natureza peculiar da associação em causa, a qual possui caráter quase público. Por fim, asseverou que a incidência de direitos fundamentais nas relações privadas há de ser aferida caso a caso, para não se suprimir a autonomia privada. Por outro lado, o Min. Carlos Velloso dissentiu e, seguindo o voto da Min. Ellen Gracie, relatora, deu provimento ao recurso. Considerou que a questão cinge-se ao âmbito infraconstitucional, haja vista tratar-se de alegação de ofensa ao princípio do devido processo legal, cuja lei, no caso, seria o estatuto da associação a qual o recorrido aderira. Ressaltou, ainda, que, aplicado o Novo Código Civil, o tema seria de legalidade e que, incidente o antigo, de matéria regimental. Após, pediu vista o Min. Celso de Mello.
RE 201819/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 26.4.2005. (RE-201819)

Empregada Gestante e Contrato por Prazo Determinado - 2

A Turma retomou julgamento de recurso extraordinário interposto pelo Estado de Santa Catarina contra acórdão do Tribunal de Justiça desse Estado que concedera, em parte, mandado de segurança à recorrida, contratada temporariamente como professora, sob o regime da Lei 8.391/91, para assegurar-lhe o direito à licença-maternidade. Na espécie, o acórdão recorrido entendera que, em razão de a impetrante estar a menos de dois meses do parto no momento em que encerrado o contrato de trabalho, o direito à licença deveria ser ao mesmo integrado, haja vista ser uma proteção ao nascituro e ao infante e não uma benesse ao trabalhador - v. Informativo 364. O Min. Joaquim Barbosa, em voto-vista, acompanhou a Min. Ellen Gracie, relatora, e deu provimento ao recurso por considerar incompatíveis os institutos da estabilidade provisória com o do contrato temporário. Afirmou que não estariam presentes os dois requisitos objetivos condicionantes da estabilidade provisória, quais sejam, dispensa arbitrária e ausência de justa causa, os quais, somados à gravidez, ensejariam o pedido, uma vez que, na espécie, a extinção do contrato ocorrera em virtude de prazo prefixado. Asseverou, também, que o contrato temporário, exceção ao contrato por prazo determinado vigorante no sistema da CLT, segue normas próprias e, deste modo, admitir-se a estabilidade provisória no seu curso seria violar o princípio da autonomia da vontade. Após, o julgamento foi suspenso em razão do pedido de vista do Min. Carlos Velloso.
RE 287905/SC, rel. Min. Ellen Gracie, 26.4.2005. (RE-287905)

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno27.4.200528.4.20055
1ª Turma26.4.2005--117
2ª Turma26.4.2005--185



C L I P P I N G   D O   D J

29 de abril de 2005


ADI N. 246-RJ
RELATOR: MIN. EROS GRAU
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 368 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. RENUMERAÇÃO DO PRECEITO, MANTIDO O TEXTO ORIGINAL. ADITAMENTO PROMOVIDO PELO AUTOR. PRELIMINAR DE PREJUDICIALIDADE REJEITADA. NORMA CONSTITUCIONAL ESTADUAL QUE DISPÕE SOBRE APLICAÇÃO, INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DE TEXTOS NORMATIVOS ESTADUAIS. CONSTITUCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL EXCLUSIVA DA UNIÃO. QUEBRA DO PRINCÍPIO FEDERATIVO E DA INTERDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES. INOCORRÊNCIA. 1. A renumeração do preceito constitucional estadual impugnado, mantido na íntegra o texto original, não implica a prejudicialidade da ação direta, desde que promovido o aditamento à petição inicial. Precedente [ADI 1.874, Relator o Ministro MAURÍCIO CORREA, DJ 07.02.2003]. 2. Inexistente atribuição de competência exclusiva à União, não ofende a Constituição do Brasil norma constitucional estadual que dispõe sobre aplicação, interpretação e integração de textos normativos estaduais, em conformidade com a Lei de Introdução ao Código Civil. 3. Não há falar-se em quebra do pacto federativo e do princípio da interdependência e harmonia entre os poderes em razão da aplicação de princípios jurídicos ditos "federais" na interpretação de textos normativos estaduais. Princípios são normas jurídicas de um determinado direito, no caso, do direito brasileiro. Não há princípios jurídicos aplicáveis no território de um, mas não de outro ente federativo, sendo descabida a classificação dos princípios em "federais" e "estaduais". 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.
* noticiado no Informativo 374

ADI N. 951-SC
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DISPOSITIVOS DAS LEIS COMPLEMENTARES 78/1993 E 90/1993 DO ESTADO DE SANTA CATARINA E DA RESOLUÇÃO 40/1992 DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA CATARINA. Inadmissibilidade, à luz da Constituição de 1988, de formas derivadas de investidura em cargos públicos. Inconstitucionalidade de normas estaduais que prevêem hipóteses de progressão funcional por acesso, transposição (em modalidade individual, diversa das exceções admitidas pela jurisprudência do STF), enquadramento a partir de estabilidade não decorrente de investidura por concurso público, acesso por seleção interna, transferência entre quadros e enquadramento por correção de disfunção relativamente ao nível de escolaridade do servidor.
Ação prejudicada em parte, em decorrência da revogação de dispositivos atacados. Ação procedente na parte restante, para se declarar a inconstitucionalidade do art. 12, caput e § 1º, § 2º e § 3º, da Lei Complementar estadual 78/1993 e do inciso II, § 2º e § 3º do art. 17 da Resolução 40/1992 da Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina.
* noticiado no Informativo 370

ADI N. 1.442-DF
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE ATIVA DE CENTRAL SINDICAL (CUT) - IMPUGNAÇÃO A MEDIDA PROVISÓRIA QUE FIXA O NOVO VALOR DO SALÁRIO MÍNIMO - ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DA INSUFICIÊNCIA DESSE VALOR SALARIAL - REALIZAÇÃO INCOMPLETA DA DETERMINAÇÃO CONSTANTE DO ART. 7º, IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - HIPÓTESE DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PARCIAL - IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA ADIN EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO - AÇÃO DIRETA DE QUE NÃO SE CONHECE, NO PONTO - MEDIDA PROVISÓRIA QUE SE CONVERTEU EM LEI - LEI DE CONVERSÃO POSTERIORMENTE REVOGADA POR OUTRO DIPLOMA LEGISLATIVO - PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO DIRETA.
FALTA DE LEGITIMIDADE ATIVA DAS CENTRAIS SINDICAIS PARA O AJUIZAMENTO DE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
- No plano da organização sindical brasileira, somente as confederações sindicais dispõem de legitimidade ativa "ad causam" para o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103, IX), falecendo às centrais sindicais, em conseqüência, o poder para fazer instaurar, perante o Supremo Tribunal Federal, o concernente processo de fiscalização normativa abstrata. Precedentes.
SALÁRIO MÍNIMO - VALOR INSUFICIENTE - SITUAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PARCIAL.
- A insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo - definido em importância que se revele incapaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família - configura um claro descumprimento, ainda que parcial, da Constituição da República, pois o legislador, em tal hipótese, longe de atuar como sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe trabalhadora um piso geral de remuneração digna (CF, art. 7º, IV), estará realizando, de modo imperfeito, porque incompleto, o programa social assumido pelo Estado na ordem jurídica.
- A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também compromete a eficácia da declaração constitucional de direitos e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.
- As situações configuradoras de omissão inconstitucional, ainda que se cuide de omissão parcial, refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado - além de gerar a erosão da própria consciência constitucional - qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança ilegítima da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário. Precedentes: RTJ 162/877-879, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO.
O DESPREZO ESTATAL POR UMA CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA REVELA-SE INCOMPATÍVEL COM O SENTIMENTO CONSTITUCIONAL RESULTANTE DA VOLUNTÁRIA ADESÃO POPULAR À AUTORIDADE NORMATIVA DA LEI FUNDAMENTAL.
- A violação negativa do texto constitucional, resultante da situação de inatividade do Poder Público - que deixa de cumprir ou se abstém de prestar o que lhe ordena a Lei Fundamental - representa, notadamente em tema de direitos e liberdades de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), um inaceitável processo de desrespeito à Constituição, o que deforma a vontade soberana do poder constituinte e que traduz conduta estatal incompatível com o valor ético-jurídico do sentimento constitucional, cuja prevalência, no âmbito da coletividade, revela-se fator capaz de atribuir, ao Estatuto Político, o necessário e indispensável coeficiente de legitimidade social.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE E REVOGAÇÃO SUPERVENIENTE DO ATO ESTATAL IMPUGNADO.
- A revogação superveniente do ato estatal impugnado faz instaurar situação de prejudicialidade que provoca a extinção anômala do processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, eis que a ab-rogação do diploma normativo questionado opera, quanto a este, a sua exclusão do sistema de direito positivo, causando, desse modo, a perda ulterior de objeto da própria ação direta, independentemente da ocorrência, ou não, de efeitos residuais concretos. Precedentes.

HC N. 85.059-MS
RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
EMENTA: I. Competência para o processo de crime de tráfico internacional de entorpecente apreendido no interior de aeronave que pousou em Município que não é sede de Vara da Justiça Federal: Alegada competência da Justiça estadual (art. 27 da L. 6.368/76): nulidade relativa: preclusão: Precedente. Conforme o decidido no HC 70.627, 1ª T., Sydney Sanches, DJ 18.11.94, é federal a jurisdição exercida por Juiz estadual na hipótese do art. 27 da L. 6.368/76. Corrobora a tese o disposto no art. 108, II, da Constituição, segundo o qual cabe aos Tribunais Regionais Federais "julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição". É territorial, portanto, o critério para saber se ao Juiz federal ou estadual, na hipótese do art. 27 da L. 6.368/76, cabe o "exercício de competência federal"; e, por isso, se nulidade houvesse seria ela relativa, sanada à falta de argüição oportuna. II. Competência da Justiça Federal: crime praticado a bordo de navios ou aeronaves (art. 109, IX, da Constituição): Precedente (HC 80.730, Jobim, DJ 22.3.02). É da jurisprudência do STF que, para o fim de determinação de competência, a incidência do art. 109, IX, da Constituição, independe da espécie do crime cometido "a bordo de navios ou aeronaves", cuja persecução, só por isso, incumbe por força da norma constitucional à Justiça Federal.
* noticiado no Informativo 377







Acórdãos Publicados: 389




T R A N S C R I Ç Õ E S

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.



Fiador. Contrato de Locação. Bem de Família. Impenhorabilidade (Transcrições)

RE 352940/SP*

RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO

EMENTA: CONSTITUCIONAL. CIVIL. FIADOR: BEM DE FAMÍLIA: IMÓVEL RESIDENCIAL DO CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR: IMPENHORABILIDADE. Lei nº 8.009/90, arts. 1º e 3º. Lei 8.245, de 1991, que acrescentou o inciso VII, ao art. 3º, ressalvando a penhora "por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação": sua não-recepção pelo art. 6º, C.F., com a redação da EC 26/2000. Aplicabilidade do princípio isonômico e do princípio de hermenêutica: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Recurso extraordinário conhecido e provido.

DECISÃO: - Vistos. O acórdão recorrido, em embargos à execução, proferido pela Quarta Câmara do Eg. Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, está assim ementado:

"A norma constitucional que inclui o direito à moradia entre os sociais (artigo 6º do Estatuto Político da República, texto conforme a Emenda 26, de 14 de fevereiro de 2000) não é imediatamente aplicável, persistindo, portanto, a penhorabilidade do bem de família de fiador de contrato de locação imobiliária urbana.
A imposição constitucional, sem distinção ou condicionamento, de obediência ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada é inarredável, ainda que se cuide, a regra eventualmente transgressora, de norma de alcance social e de ordem pública." (Fl. 81)

Daí o RE, interposto por ERNESTO GRADELLA NETO e GISELDA DE FÁTIMA GALVES GRADELLA, fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal, sustentando, em síntese, o seguinte:

a) impenhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação, dado que o art. 6º da Constituição Federal, que se configura como auto-aplicável, assegura o direito à moradia, o que elidiria a aplicação do disposto no art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, redação da Lei 8.245/91;

b) inexistência de direito adquirido contra a ordem pública, porquanto "(...) a norma constitucional apanha situações existentes sob sua égide, ainda que iniciadas no regime antecedente" (fl. 88).

Admitido o recurso, subiram os autos.
A Procuradoria-Geral da República, em parecer lavrado pela ilustre Subprocuradora-Geral da República, Drª. Maria Caetana Cintra Santos, opinou pelo não-conhecimento do recurso.
Autos conclusos em 15.10.2004.
Decido.

A Lei 8.009, de 1990, art. 1º, estabelece a impenhorabilidade do imóvel residencial do casal ou da entidade familiar e determina que não responde o referido imóvel por qualquer tipo de dívida, salvo nas hipóteses previstas na mesma lei, art. 3º, inciso I a VI.
Acontece que a Lei 8.245, de 18.10.91, acrescentou o inciso VII, a ressalvar a penhora "por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação."
É dizer, o bem de família de um fiador em contrato de locação teria sido excluído da impenhorabilidade.
Acontece que o art. 6º da C.F., com a redação da EC nº 26, de 2000, ficou assim redigido:

"Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, a segurança a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."

Em trabalho doutrinário que escrevi - "Dos Direitos Sociais na Constituição do Brasil", texto básico de palestra que proferi na Universidade de Carlos III, em Madri, Espanha, no Congresso Internacional de Direito do Trabalho, sob o patrocínio da Universidade Carlos III e da ANAMATRA, em 10.3.2003 - registrei que o direito à moradia, estabelecido no art. 6º, C.F., é um direito fundamental de 2ª geração - direito social - que veio a ser reconhecido pela EC 26, de 2000.
O bem de família - a moradia do homem e sua família - justifica a existência de sua impenhorabilidade: Lei 8.009/90, art. 1º. Essa impenhorabilidade decorre de constituir a moradia um direito fundamental.
Posto isso, veja-se a contradição: a Lei 8.245, de 1991, excepcionando o bem de família do fiador, sujeitou o seu imóvel residencial, imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, à penhora. Não há dúvida que ressalva trazida pela Lei 8.245, de 1991, - inciso VII do art. 3º - feriu de morte o princípio isonômico, tratando desigualmente situações iguais, esquecendo-se do velho brocardo latino: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou em vernáculo: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito.
Isto quer dizer que, tendo em vista o princípio isonômico, o citado dispositivo - inciso VII do art. 3º, acrescentado pela Lei 8.245/91, não foi recebido pela EC 26, de 2000.
Essa não recepção mais se acentua diante do fato de a EC 26, de 2000, ter estampado, expressamente, no art. 6º, C.F., o direito à moradia como direito fundamental de 2ª geração, direito social. Ora, o bem de família - Lei 8.009/90, art. 1º - encontra justificativa, foi dito linha atrás, no constituir o direito à moradia um direito fundamental que deve ser protegido e por isso mesmo encontra garantia na Constituição.
Em síntese, o inciso VII do art. 3º da Lei 8.009, de 1990, introduzido pela Lei 8.245, de 1991, não foi recebido pela CF, art. 6º, redação da EC 26/2000.
Do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento, invertidos os ônus da sucumbência.
Publique-se.
Brasília, 25 de abril de 2005.

Ministro CARLOS VELLOSO
- Relator -

* decisão pendente de publicação

Porte Ilegal de Arma sem Munição (Transcrições)

RHC 81057/SP*

(v. Informativo 349)

RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE

VOTO: Cuida-se de saber da incriminação, à luz do art. 10, caput, e § IV, da L. 9437/97, do fato de o agente - portador de condenação anterior por crime contra o patrimônio - trazer consigo, à cintura, arma de fogo (denúncia, f. 6), no entanto, desmuniciada (f. 11).

02. Como a denúncia, ambas as decisões das instâncias de mérito julgaram irrelevante estar o revólver sem munição.

03. Aduz a sentença - f. 109:

"... uma arma, ainda que não municiada, oferece potencial lesivo ao convívio social e é este convívio que o legislador busca tutelar. Uma arma tem força intimidativa, pois a vítima, não sabe se em seu tambor há munição ou não."

04. Na mesma linha, o acórdão que confirmou a condenação e que se pretende baseado em Damásio de Jesus (f. 121, 123).

05. Donde, o habeas corpus por falta de justa causa, que o STJ denegou.

06. O julgado, da lavra do il. Ministro Gilson Dipp, assinala - f. 136:

"O art. 10 da Lei nº 9.437/97, assim dispõe:

"Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Pena - detenção de um a dois anos e multa."

Nos termos do r. art. de lei, no qual incurso o ora paciente, entende-se como suficiente para a configuração do delito, tão-somente o porte de arma de fogo sem autorização da autoridade competente.
Assim, a circunstância de a arma estar desmuniciada não pode excluir a tipicidade, sob o singelo argumento de que não acarretaria lesão a qualquer bem jurídico, como sustentado pela impetração.
Como bem ressaltado em sede de parecer ministerial, o porte ilegal de arma de fogo coloca em risco toda a paz social, bem jurídico a ser protegido pelo art. de lei ora em comento, não sendo escusável pelo fato de a arma estar desmuniciada, porque, mesmo assim, ela oferece potencial poder de lesão (fl. 132)."

07. Invoca-se precedente daquele Tribunal, a propósito da contravenção de porte de arma (REsp 43234, Cid Scartezzini, DJ 16.6.97).

08. O recurso ordinário insiste na inexistência do crime, dado que o porte desmuniciado não lesa nem gera dano potencial ao bem jurídico.

09. Cita-se excerto do d. Ministro Cernicchiaro, em decisão do STJ - REsp 32322, DJ 2.8.93:

"A infração penal não é só conduta. Impõe-se, ainda, resultado no sentido normativo do termo, ou seja, dano ou perigo ao bem juridicamente tutelado. A doutrina vem reiterada e insistentemente renegando os delitos de perigo abstrato. Com efeito, não faz sentido, punir pela simples ação, se ela não trouxer, pelo menos, probabilidade (não possibilidade) de risco ao objeto jurídico."

10. Referem-se decisões do TACRIM - ainda a respeito da contravenção - julgada inexistente quando a arma estava despida de munição.

11. Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso, de autoria do il. Subprocurador-Geral Raimundo de Bonis, que, além de endossar as razões dos julgados anteriores, entende de aplicação analógica ao caso o entendimento que dá por qualificado o roubo com emprego de arma de brinquedo.

12. Relatora, a em. Ministra Ellen Gracie nega provimento ao recurso e assinala:

"O crime é de mera conduta e, segundo dicção de Fernando Capez, de perigo abstrato, não tendo a lei exigido a efetiva exposição de outrem a risco, sendo irrelevante a avaliação subsequente sobre a ocorrência de perigo à coletividade. Nos crimes de perigo abstrato, segundo Capez, "a opção política do Poder Legislativo em considerar o fato, formal e materialmente, típico independentemente de alguém, no caso concreto, vir a sofrer perigo real, não acoima a lei definidora de atentatória à dignidade humana. Ao contrário. Revela, por parte do legislador, disposição ainda maior de tutelar o bem jurídico, reprimindo a conduta violadora desde o seu nascedouro, procurando não lhe dar qualquer chance de desdobramento progressivo capaz de convertê-la em posterior perigo concreto e, depois, em dano efetivo. Trata-se de legítima opção política de resguardar, de modo mais abrangente e eficaz, a vida, a integridade corporal e a dignidade das pessoas, ameaçadas com a mera conduta de sair de casa ilegalmente armado. Realizando a conduta descrita no tipo, o autor já estará colocando a incolumidade pública em risco, pois protegê-la foi o desejo manifestado pela lei. Negar vigência ao dispositivo nos casos em que não se demonstra perigo real, sob o argumento de que atentaria contra a dignidade da pessoa humana, implica reduzir o âmbito protetor do dispositivo, com base em justificativas no mínimo discutíveis. Diminuindo a proteção às potenciais vítimas de ofensas mais graves, produzidas mediante o emprego de armas de fogo, deixando-as a descoberto contra o dano em seu nascedouro, o intérprete estará relegando o critério objetivo da lei ao seu, de cunho subjetivo e pessoal. Privilegia-se a condição do infrator em detrimento do ofendido, contra a expressa letra da lei. A presunção da injuria, por essa razão, caracteriza mero critério de política criminal, eleito pelo legislador com a finalidade de ofertar forma mais ampla e eficaz de tutela do bem jurídico." ("Arma de Fogo - Comentários à Lei nº 9.437, de 20.2.1997", ed. Saraiva, 1997, págs. 25/26)"

13. Pedi vista e passo a proferir meu voto.

14. Assinalo, de logo, que a superveniência da L. 10826/2003 - o chamado "Estatuto do Desarmamento" - não afeta a questão, pois se limitou, no que interessa, a aumentar as penas cominadas ao porte de arma de fogo, exacerbação inaplicável ao fato anterior.

15. O dissídio jurisprudencial a respeito é notório (cf. L.C. Betanho in Silva Franco e outros - Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial, RT, 7ª, 2/2113, 2118 ss.).

16. Dentre os precedentes, alguns se alinham à postura de Fernando Capez, acolhida pela Relatora, mas, salvo engano, solitária na doutrina.

17. Para a teoria moderna - que dá realce primacial aos princípios da necessidade da incriminação e da lesividade do fato criminoso (v.g., Luigi Ferrajoli, Derecho y Razon, trad., 5ª ed., Madri, 2001, p. 465; Nilo Batista, Introdução Crítica ao D. Penal, Revan, 1990, p. 91; Maurício Ribeiro Lopes, Teoria Constitucional do Dir. Penal, ed. RT, 2000, p. 314) - o cuidar-se de crime de mera conduta - no sentido de não se exigir à sua configuração um resultado material exterior à ação - não implica admitir sua existência independentemente de lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico tutelado pela incriminação da hipótese de fato.

18. Donde a posição de Damásio de Jesus (Crimes de Porte de Arma de Fogo e Assemelhados, 2ª ed., Saraiva, 1999, p. 11 e 14) - por equívoco, referido pelo acórdão do Tribunal local -, quando assevera que "os delitos de porte de arma não são de perigo nem abstrato: são crimes de lesão e de mera conduta (de simples atividade)", para explicar, adiante, que "os delitos de porte de arma e figuras correlatas são crimes de lesão porque o infrator, com sua conduta, reduz o nível de segurança coletiva exigido pelo legislador, atingindo a objetividade jurídica concernente à incolumidade pública. E são crimes de mera conduta porque basta à sua existência a demonstração da realização do comportamento típico, sem necessidade de prova de que o risco atingiu, de maneira séria e efetiva, determinada pessoa".

19. A mesma questão é analisada, a partir dos princípios teóricos da lesividade e da ofensividade, em preciosa monografia de Luiz Flávio Gomes e William Terra (Lei das Armas de Fogo, ed. RT, 2ª, 2002), para unificá-las - no que diz respeito aos "delitos de posse" - na exigência da disponibilidade, que, acentuam (ob.cit., p. 93), "é o veículo que une duas outras categorias (danosidade real do objeto + conduta criadora de risco proibido relevante) à ofensividade".

20. "Enquanto a danosidade real do objeto pode ser percebida concretamente (v.g., com a análise pericial de uma arma carregada) a periculosidade da conduta é imaterial em sua essência (por se tratar da representação valorada de uma conduta humana criadora de risco)".

21. "Somente quando as duas órbitas da disponibilidade (uma, material, a da arma carregada, e outra jurídica, a do comportamento humano que rompe o princípio de confiança criando um risco proibido relevante) se encontram é que surge a ofensividade típica (aquela não querida pela norma penal, reprovável, punível). Em outras palavras, o fato torna-se penalmente relevante (exclusivamente) quando o bem jurídico coletivo (no caso) entra no raio de ação da conduta criadora do risco proibido e relevante."

22. É raciocínio que se funda em axiomas da moderna teoria geral do Direito Penal; para o seu acolhimento, convém frisar, não é necessário, de logo, acatar a tese mais radical que erige a exigência da ofensividade a limitação de raiz constitucional ao legislador, de forma a proscrever a legitimidade da criação por lei de crimes de perigo abstrato ou presumido.

23. Basta, por ora, aceitá-los como princípios gerais contemporâneo da interpretação da lei penal, que hão de prevalecer sempre que a regra incriminadora os comporte.

24. Na figura criminal cogitada, os princípios bastam, de logo, para elidir a incriminação do porte da arma de fogo inidônea para a produção de disparos: aqui, falta à incriminação da conduta o objeto material do tipo.

25. "A inaptidão da arma" - aduzem Gomes e Terra - com razão - (op.cit, p. 82) "gera a atipicidade da conduta, porque, com sua impropriedade material, ela perderá a potencialidade lesiva que caracteriza o conteúdo do injusto. Isso decorre do fato de que a finalidade do tipo é evitar o perigo emergente do relacionamento ilícito com armas de fogo, de maneira que, no exato momento em que não existir mais este "perigo" (porque o objeto material é incapaz de produzir qualquer tipo de dano), deixará de existir o delito".

26. A réplica sói fundar-se no poder de intimidação para a prática de outros crimes - particularmente, os comissíveis mediante ameaça -, da arma de fogo, posto que ineficaz ou desmuniciada, ou até pelo artefato de brinquedo que a simule.

27. Certo, a arma verdadeira, mas incapaz de disparar, ou a arma de brinquedo podem servir de instrumento de intimidação, mas, como tal, também se podem utilizar inúmeros outros objetos - da faca à pedra e ao caco de vidro -, cujo porte não constitui crime autônomo e cuja utilização não se erigiu em causa especial de aumento de pena: a falácia do argumento, por isso, ficou evidenciada a meu ver, na discussão sobre o emprego de arma de brinquedo para a prática do roubo (v.g., HC 77872, RTJ 168/288) - questão, no entanto, que ganhou novos contornos e não menos dificuldades - com o art. 10, § 1º, II, da L. 9347/97, que passou a incriminar, com as penas do porte, o "utilizar arma de brinquedo, simulacro de arma capaz de atemorizar outrem, para o fim de cometer crimes".

28. O caso vertente, porém, é de arma eficaz, mas desmuniciada.
29. Estou - com os doutrinadores cujas premissas endossei - em que, nessa hipótese, é preciso distinguir duas situações, à luz do princípio da disponibilidade.
30. Se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em conseqüência, o eventual disparo, tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo.

31. Ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal - isto é, como artefato idôneo a produzir disparo - e, por isso, não se realiza a figura típica.

32. "Com certeza, a realidade irá proporcionar um grande número de situações em que a aferição da ofensividade não será algo simples" - advertem Gomes e Terra (op. cit., pag. 85) - "revelando a complexidade do tema. Imagine-se, v.g., os casos em que a arma esteja desmontada ou desmuniciada. Essas situações" - dilucidam com razão os autores -, "somente serão resolvidas pelos princípios gerais da "disponibilidade" e da efetiva "ofensividade" do objeto: a) se, uma vez montada, a arma pode disparar e se esta operação pode ser realizada com certa facilidade, estão cumpridos os dois requisitos mínimos - ofensividade e disponibilidade; b) se a munição está ao alcance do agente, possibilitando a pronta utilização da arma, estará cumprido o requisito da disponibilidade, mas ainda assim é necessária uma segunda aferição, que permitirá verificar se a arma, uma vez municiada, poderia ferir ou matar (ofensividade)".

33. Essa me parece a solução mais razoável e adequada aos princípios e que tem ressonância jurisprudencial expressiva (cf. Betanho, Leis Especiais, cit., 2/2119 ss).
34. Na espécie, a denúncia não faz menção à disponibilidade de munições no contexto do fato - o que, à falta de aditamento - já bastaria a impedir se considerasse a circunstância.
35. De resto, nem as decisões de mérito, nem o acórdão recorrido, do STJ, aludem ao fato.
36. Esse o quadro, com as vênias da em. Relatora, dou provimento ao recurso e defiro o habeas corpus: é o meu voto.

* acórdão publicado no DJU de 29.4.2005




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