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quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Informativo STF 381 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 21 de março a 1º de abril de 2005 - Nº 381.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO




Plenário
ADI e Medida Provisória 144/2003 - 8
FGTS: Termo de Adesão e Ato Jurídico Perfeito
Extinção de Punibilidade: Estupro de Vítima Menor de 14 Anos e União Estável
1ª Turma
Assistência Judiciária e Intimação Pessoal
Unicidade Sindical e Especialização de Atividades
Poder Investigativo do MP: Nova Denúncia e Vício de Origem - 3
Prisão Preventiva e Fundamentação - 2
Revogação de Competência e Art. 25 do ADCT
2ª Turma
Lei 10.409/2002: Inobservância do Rito e Prejuízo
Opção de Nacionalidade e Requisitos
Aumento da Despesa e Agravamento do Estado de Inconstitucionalidade
Administração Municipal e Publicidade de Bebidas Alcoólicas ou de Cigarros
Transcrições
Direito Tributário. Sanções Políticas. Inadmissibilidade. Restrição indevida à liberdade de empresa ou de profissão (RE 374981/RS)


PLENÁRIO

ADI e Medida Provisória 144/2003 - 8

O Tribunal retomou julgamento de medidas cautelares requeridas em duas ações diretas ajuizadas pelo Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB e pelo Partido da Frente Liberal - PFL contra a Medida Provisória 144/2003, que dispõe sobre a comercialização de energia elétrica, altera as Leis 5.655/71, 8.631/93, 9.074/95, 9.427/96, 9.478/97, 9.648/98, 9.991/2000, 10.438/2002, e dá outras providências - v. Informativos 335 e 355. O Min. Gilmar Mendes aditou seu voto, ratificando o entendimento quanto à plausibilidade do direito invocado quanto ao art. 246, da CF, e concedeu a liminar para dar interpretação conforme a Constituição para considerar inaplicável não só a medida provisória como a lei de conversão a qualquer atividade relacionada à exploração do potencial hidráulico para fins de produção de energia, no que foi acompanhado pelo Min. Sepúlveda Pertence. Em seguida, o Min. Eros Grau divergiu, votando no sentido afastar a alegada afronta ao art. 246 da CF, por entender que a EC 6/95 não promoveu alteração substancial na moldura do setor elétrico, mas restringiu-se a, em razão da revogação do art. 171 da CF, substituir a expressão "empresa brasileira de capital nacional" pela expressão "empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no país" no § 1º do art. 176. Considerou, ademais, que a medida provisória em questão não se volta a dar eficácia a inovação introduzida pela EC 6/95, eis que versa sobre a matéria que trata o art. 175 da CF, qual seja, o regime de prestação de serviços públicos no setor elétrico. O Min. Eros Grau asseverou, por fim, que eventual vício formal teria o condão exclusivamente de comprometer a medida provisória, não contaminando os efeitos prospectivos da lei de conversão. Acompanharam a dissidência quanto ao ponto concernente à não aplicação do art. 246 à espécie os Ministros Joaquim Barbosa, Carlos Britto, Cezar Peluso e Nelson Jobim, Presidente. Após, pediu vista dos autos a Min. Ellen Gracie.
ADI 3090 MC/DF e ADI 3100 MC/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 30.3.2005. (ADI-3090) (ADI-3100)

FGTS: Termo de Adesão e Ato Jurídico Perfeito

O Tribunal, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário interposto pela Caixa Econômica Federal contra decisão de juiz relator da 1ª Turma dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro que, recebendo agravo regimental como embargos de declaração, negara seguimento ao recurso, com base no Enunciado 26 das Turmas Recursais dos Juizados Especiais daquela Seção Judiciária ("Decisão monocrática proferida pelo relator não desafia recurso à Turma Recursal"). A decisão recorrida mantivera sentença que afastara o acordo firmado entre as partes por meio do termo de adesão a que alude a LC 110/2001 e condenara a CEF ao pagamento referente às diferenças decorrentes da aplicação dos índices expurgados das contas vinculadas de FGTS, fundando-se no Enunciado 21 das referidas Turmas Recursais ["O trabalhador faz jus ao crédito integral, sem parcelamento, e ao levantamento, nos casos previstos em lei, das verbas relativas aos expurgos de índices inflacionários de janeiro de 1989 (42,72%) e abril de 1990 (44,80%) sobre os saldos das contas de FGTS, ainda que tenha aderido ao acordo previsto na Lei Complementar n. 110/2001, deduzidas as parcelas porventura já recebidas."]. Preliminarmente, conheceu-se do recurso para efeitos diversos, sem anular a decisão recorrida, afastando-se o alegado vício de procedimento, concernente à aplicação do citado Enunciado 26, haja vista tanto a relevância jurídica da matéria de fundo quanto a informação prestada pela Presidente das Turmas Recursais no sentido de que, desde janeiro de 2004, os julgamentos dos relatores em questões sumuladas estariam sendo submetidas ao referendo do colegiado, o que não teria alcançado, entretanto, o presente feito. Vencidos, no ponto, os Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Britto e Marco Aurélio, que, por entender inexistir possibilidade de haver outra via apta a corrigir o relator que assim processa o agravo regimental, violando a colegialidade da turma recursal prevista no art. 98, I, da CF, conheciam do recurso para que o referido agravo fosse processado e julgado na origem. No mérito, considerou-se caracterizada a afronta à cláusula de proteção ao ato jurídico perfeito (CF, art. 5º, XXXVI). Salientou-se ser incabível a proclamação em abstrato, por meio da aplicação do Enunciado 21, do apontado vício de consentimento, bem como não se ter vislumbrado cabimento na desconstituição do acordo em face de eventual desrespeito a normas do CDC, tendo em conta entendimento do STF de que o FGTS tem natureza estatutária e não contratual, devendo, assim, ser por lei regulado. Ressaltou-se, por fim, a natureza constitucional da controvérsia, porquanto o afastamento geral dos acordos firmados com base na LC 110/2001 implicaria o total esvaziamento dos preceitos encerrados nos seus artigos 4º, 5º e 6º, que disciplinam os termos e condições do ajuste, o que equivaleria a uma declaração de inconstitucionalidade. Vencido o Min. Carlos Britto, que negava provimento ao recurso.
RE 418918/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 30.3.2005. (RE-418918)

Extinção de Punibilidade: Estupro de Vítima Menor de 14 Anos e União Estável

O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a possibilidade de se aplicar a regra prevista no inciso VII do art. 107 do CP em favor de condenado por estupro, que passou a viver em união estável com a vítima, menor de 14 anos, e o filho, fruto da relação. O Min. Marco Aurélio, relator, deu provimento ao recurso para declarar a extinção da punibilidade. Salientando a necessidade de se analisar o caso pautando-se pela prudência, e levando-se em conta o confronto dos valores relativos à preservação dos costumes e à integridade e sobrevivência de uma família, as mudanças verificadas entre o contexto social da época em que editada a referida norma penal - cujo objetivo seria o de proteger não o agente em si, mas a família surgida - e o atual, e ainda a repercussão negativa da condenação na vida do filho do casal, entendeu que deveria ser aplicada ao caso, por analogia, a referida causa extintiva de punibilidade, ante a regra do § 3º do art. 226 da CF, que confere proteção do Estado à união estável entre homem e mulher, reconhecendo-a como entidade familiar. Em divergência, o Min. Joaquim Barbosa, acompanhado pelos Ministros Eros Grau e Cezar Peluso, negou provimento ao recurso, sob o fundamento de que somente o casamento teria o condão de extinguir a punibilidade, ressaltando, ademais, as circunstâncias terríveis em que ocorrido o crime, bem como o advento da Lei 11.106/2005, que revogou os incisos VII e VIII do art. 107 do CP. Após, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista do Min. Gilmar Mendes (CP: "Art. 107. Extingue-se a punibilidade:... VII - Pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes...").
RE 418376/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 31.3.2005. (RE-418376)


PRIMEIRA TURMA

Assistência Judiciária e Intimação Pessoal

A Turma iniciou julgamento de questão de ordem em habeas corpus na qual se discute quem deve ser pessoalmente intimado de julgamento, realizado perante o STF, de recurso interposto por defensor público estadual: este ou a Defensoria Pública da União. No caso concreto, não obstante a expedição, pela Secretaria deste Tribunal, de mandado de intimação dirigido ao Defensor Público Geral da União, dando-lhe ciência do acórdão que indeferira o writ, a Procuradoria de Assistência Judiciária do Estado de São Paulo solicitara que a citada intimação fosse feita à representante daquele órgão em Brasília, com a restituição do prazo recursal. O Min. Carlos Britto, relator, proferiu voto no sentido de indeferir a petição da impetrante, no que foi acompanhado pelo Min. Cezar Peluso. Asseverou estar correto o procedimento realizado pela Secretaria, tendo em conta que amparado em decisão da Presidência do STF no Processo Administrativo 317.732 (de 12.11.2003) e na petição avulsa no AI 503261/AM (DJU de 27.10.2004). Ademais, considerou que a atuação da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, no exercício da assistência judiciária, só se justificaria na ausência do órgão constitucional incumbido da defesa dos necessitados, qual seja, a Defensoria Pública da União (LC 80/94, arts. 22 e 23), que já se encontra organizada e desempenhando regularmente suas atividades. Assim, faltaria a tal Procuradoria amparo legal para atuação no STF, em sede recursal. Em divergência, o Min. Marco Aurélio, salientando a possibilidade de a defensoria estadual impetrar habeas corpus e fazer sustentação oral nesta Corte, deferiu a petição, por entender que o procurador do Estado que está atuando no processo deve ser intimado pessoalmente da decisão. Após, pediu vista dos autos o Min. Sepúlveda Pertence.
HC 83523 QO/SP, rel. Min. Carlos Britto, 22.3.2005. (HC-83523)

Unicidade Sindical e Especialização de Atividades

É possível o desmembramento de sindicato a partir da especialização de atividades ou profissões representadas, observado o princípio da unicidade sindical (CF, art. 8º, II). Com esse entendimento, a Turma negou provimento a recurso ordinário em mandado de segurança interposto pelo Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo, em que se pretendia a nulidade da concessão de registro, pelo Ministério do Trabalho, a novos sindicatos relacionados a estabelecimentos de educação no Município de São Paulo, sob a alegação de ofensa ao princípio da unicidade sindical. Asseverou-se que a Constituição veda a duplicidade sindical na mesma base territorial correspondente à área de atuação do município e que, na espécie, os segmentos do sindicato recorrente apenas desmembraram-se em sindicatos específicos, conforme o grau de ensino. Salientou-se, ainda, a inviabilidade da análise, em mandado de segurança, da representatividade do recorrente quanto à sobreposição de sindicatos na base territorial do município, ressalvada a via ordinária.
RMS 24069/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 22.3.2005. (RMS-24069)

Poder Investigativo do MP: Nova Denúncia e Vício de Origem - 3

Concluindo julgamento, a Turma negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus em que se pretendia a suspensão de feito até que a questão relativa à competência investigativa realizada pelo Ministério Público seja apreciada pelo Plenário do STF - v. Informativos 367 e 379. Entendeu-se que, independentemente da controvérsia acerca do embasamento ou não da nova denúncia nos dados colhidos em CPI, a notícia de uma nova peça acusatória, sequer apreciada, faria desaparecer qualquer resquício de constrangimento ilegal, originalmente alegado. Assim, considerou-se que, pendente de exame a segunda denúncia pelas instâncias ordinárias, não seria possível ao STF antecipar-se ao juízo de sua validade, sob pena de supressão de instância.
RHC 84404/SP, rel. Min. Carlos Britto, 29.3.2005. (RHC-84404)

Prisão Preventiva e Fundamentação - 2

A Turma, por maioria, indeferiu liminar em habeas corpus, em que se pretende seja expedido alvará de soltura em favor de acusado pela suposta prática dos crimes de corrupção ativa (CP, art. 333) e de impedir ou tentar impedir o livre exercício das atribuições de membro de CPI (Lei 1.579/52, art. 4º, I, parte final) - v. Informativo 380. Entendeu-se que o decreto de prisão preventiva encontra-se devidamente fundamentado na garantia da ordem pública. Os Ministros Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence acompanharam o voto do Min. Carlos Britto somente quanto ao fundamento da necessidade da prisão preventiva para garantir a instrução processual, já que o réu poderia, se solto, utilizar seu poder econômico para práticas ilícitas. Vencido o Min. Marco Aurélio, relator, que deferia a liminar.
HC 85298 QO/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ acórdão Min. Carlos Britto, 29.3.2005. (HC-85298)

Revogação de Competência e Art. 25 do ADCT

A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário, interposto por instituição financeira, em que se pretende a desconstituição de acórdão que, embora reconhecendo não ser auto-aplicável o § 3º do art 192 da CF, determinara a redução de juros ao montante 12% consoante o disposto no Decreto 22.626/33, por entender revogada, pelo art. 25 do ADCT, a Lei 4.595/64, na parte em que outorga poderes ao Conselho Monetário Nacional para dispor sobre as taxas de juros bancários, razão pela qual o mencionado decreto teria voltado a viger em sua integralidade (ADCT, art. 25, caput: "Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional..."). O Min. Sepúlveda Pertence, relator, deu provimento ao recurso para determinar que o Tribunal a quo reaprecie a demanda, tendo em conta o disposto na Lei 4.595/64. Entendeu não haver que se falar em revogação desta lei, haja vista que, conforme se depreende da redação do art. 25 do ADCT, o objeto da revogação, quando ultrapassado o prazo de 180 dias da promulgação da CF, é a competência atribuída ou delegada a órgão do Poder Executivo pela legislação pré-constitucional (quando se tratar de matéria incluída na competência do Congresso Nacional), e não as normas editadas quando vigente a delegação. Salientou que, no julgamento da ADI 4/DF (DJU de 25.6.93), o Tribunal declarou constitucionais o parecer do Consultor Geral da República e a circular do Banco Central que, respectivamente, considerou não auto-aplicável o § 3º do art. 192 da CF, e determinou a observância da legislação anterior à Carta Federal, até o advento da lei complementar reguladora do Sistema Financeiro Nacional. Concluiu que as normas objeto dessa ação são válidas, já que editadas dentro do prazo previsto na norma transitória, quando o Poder Executivo possuía competência para dispor sobre instituições financeiras e suas operações, sendo indiferente, para sua observância, ter ou não havido a prorrogação prevista no art. 25 do ADCT. Acompanharam o voto os Ministros Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Após, pediu vista o Min. Marco Aurélio.
RE 286963/MG, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 29.3.2005. (RE-286963)


SEGUNDA TURMA

Lei 10.409/2002: Inobservância do Rito e Prejuízo

A ausência de demonstração de prejuízo, por parte da defesa, decorrente da inobservância do rito previsto no art. 38 da Lei 10.409/2002, impede a declaração de nulidade do processo. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática do crime previsto no art. 12, caput, c/c art. 18, IV da Lei 6.368/76, em que se pretendia a nulidade do processo, desde o recebimento da denúncia, em razão do não atendimento do referido procedimento legal [Lei 10.409/2002: "Art. 38. Oferecida a denúncia, o juiz, em 24 (vinte e quatro) horas, ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias..."]. Entendeu-se que a possibilidade, prevista na lei, de apresentação de defesa antes do recebimento da denúncia, permite a invocação de questões pertinentes aos arts. 41 e 43 do CPP, com o objetivo de convencer o julgador a rejeitar a inicial acusatória e que, na espécie, toda a matéria que se pretendia alegar na defesa preliminar fora efetivamente deduzida em outros momentos processuais (defesa prévia e alegações finais), não tendo a mesma o condão de demonstrar a nulidade da ação. Ademais, considerou-se que a denúncia teria preenchido os requisitos exigidos pelo art. 41 do CPP, não havendo que se falar nem em ausência de justa causa, nem em prejuízo que poderia advir de eventual desclassificação do delito, já que réu defende-se dos fatos e não da capitulação constante da denúncia.
HC 85155/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 22.3.2005. (HC-85155)

Opção de Nacionalidade e Requisitos

A opção pela nacionalidade, prevista no art. 12, I, c, da CF/88 (alterado pela ECR 3/94), tem caráter personalíssimo, somente podendo ser manifestada depois de alcançada a capacidade plena, não suprida pela representação dos pais. Assim, atingida a maioridade civil, enquanto não manifestada a opção, esta passa a constituir-se em condição suspensiva da nacionalidade brasileira. Essa foi a orientação adotada pela Turma para negar provimento a recurso extraordinário, em que se pretendia a concessão da nacionalidade brasileira a menores impúberes, sob a alegação de que o referido dispositivo constitucional não exige que o interessado atinja a maioridade para que possa exercitar a opção (CF/88: "Art 12. São brasileiros: I - natos:... c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira;"). Precedente citado: AC 70 QO/RS (DJU de 8.10.2003).
RE 418096/RS, rel. Min. Carlos Velloso, 22.3.2005. (RE-418096)

Aumento da Despesa e Agravamento do Estado de Inconstitucionalidade

A Turma negou provimento a recurso extraordinário em que o recorrente, ocupante de cargo em comissão, pretendia receber complementação dos proventos de sua aposentadoria, correspondente à diferença entre o que percebe do INSS e os vencimentos do cargo no qual se aposentara. Sustentava o recorrente que a Lei 2.241/89, do Município de Mauá, que acrescentou o parágrafo único do art. 147 da Lei 1.046/68, e instituiu limite de tempo para a concessão desse benefício, seria inconstitucional, já que sofrera emenda na Câmara dos Vereadores, a qual, alterando a redação original do projeto enviado pelo Prefeito, reduzira de 15 para 12 anos o aludido limite temporal, o que seria vedado por se tratar de matéria de iniciativa do Poder Executivo, qual seja, regime jurídico do servidor público. Rejeitou-se a alegação de inconstitucionalidade formal do dispositivo, haja vista entendimento do STF no sentido de ser permitido a parlamentares apresentarem emendas a projeto de iniciativa privativa do Executivo, desde de que tais modificações não inovem o tema veiculado no projeto remetido e tampouco acarretem aumento de despesas, em obediência ao disposto no art. 63, I, da CF. Entendeu-se, ainda, que o aumento de despesa não poderia ser invocado para a declaração pretendida, porquanto, se o mencionado artigo fosse retirado do mundo jurídico, desapareceria qualquer exigência de tempo mínimo para a aquisição do benefício pleiteado, o que ensejaria dano muito maior às finanças municipais, agravando o estado de inconstitucionalidade. Por fim, asseverou-se que o recorrente não atingira o tempo mínimo necessário a fazer jus à aposentadoria com proventos integrais, nos termos do dispositivo impugnado.
RE 274383/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 29.3.2005. (RE-274383)

Administração Municipal e Publicidade de Bebidas Alcoólicas ou de Cigarros

A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto pelo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo e pela Câmara Municipal de São Paulo contra acórdão do tribunal de justiça do mesmo Estado que, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, julgara inconstitucional lei municipal que proibira a realização de eventos patrocinados por empresas distribuidoras de bebidas alcoólicas ou de cigarros em propriedades municipais (Lei 12.643/98). A Min. Ellen Gracie, relatora, negou provimento ao recurso por considerar que o acórdão recorrido não viola os dispositivos questionados. Preliminarmente, asseverou que a discussão acerca da nulidade do julgamento da instância de origem, por suposta deficiência de motivação, é matéria infraconstitucional, consoante entendimento pacificado no STF. Quanto ao mérito, entendeu que a casa legislativa municipal usurpara de atribuição típica do Chefe do Poder Executivo Municipal, a quem compete, a partir de um juízo de conveniência e oportunidade, avaliar os benefícios para o município do emprego das praças esportivas e demais prédios públicos em eventos produzidos ou patrocinados pela iniciativa privada. Afirmou, também, que foge à competência municipal a regulação da propaganda de bebidas alcoólicas e de derivados do tabaco (CF, art. 220, § 3º, II e § 4º). Após, pediu vista o Min. Joaquim Barbosa.
RE 305470/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 29.3.2005. (RE-305470)

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno 30.3.200531.3.2005 10
1ª Turma22 e 29.3.2005 --414
2ª Turma22 e 29.3.2005 --370



T R A N S C R I Ç Õ E S

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.



Direito Tributário. Sanções Políticas. Inadmissibilidade. Restrição indevida à liberdade de empresa ou de profissão (Transcrições)

RE 374981/RS*

RELATOR: MINISTRO CELSO DE MELLO

EMENTA: SANÇÕES POLÍTICAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO. INADMISSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DE MEIOS GRAVOSOS E INDIRETOS DE COERÇÃO ESTATAL DESTINADOS A COMPELIR O CONTRIBUINTE INADIMPLENTE A PAGAR O TRIBUTO (SÚMULAS 70, 323 E 547 DO STF). RESTRIÇÕES ESTATAIS, QUE, FUNDADAS EM EXIGÊNCIAS QUE TRANSGRIDEM OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO, CULMINAM POR INVIABILIZAR, SEM JUSTO FUNDAMENTO, O EXERCÍCIO, PELO SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA, DE ATIVIDADE ECONÔMICA OU PROFISSIONAL LÍCITA. LIMITAÇÕES ARBITRÁRIAS QUE NÃO PODEM SER IMPOSTAS PELO ESTADO AO CONTRIBUINTE EM DÉBITO, SOB PENA DE OFENSA AO "SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW". IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE O ESTADO LEGISLAR DE MODO ABUSIVO OU IMODERADO (RTJ 160/140-141 - RTJ 173/807-808 - RTJ 178/22-24). O PODER DE TRIBUTAR - QUE ENCONTRA LIMITAÇÕES ESSENCIAIS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL, INSTITUÍDAS EM FAVOR DO CONTRIBUINTE - "NÃO PODE CHEGAR À DESMEDIDA DO PODER DE DESTRUIR" (MIN. OROSIMBO NONATO, RDA 34/132). A PRERROGATIVA ESTATAL DE TRIBUTAR TRADUZ PODER CUJO EXERCÍCIO NÃO PODE COMPROMETER A LIBERDADE DE TRABALHO, DE COMÉRCIO E DE INDÚSTRIA DO CONTRIBUINTE. A SIGNIFICAÇÃO TUTELAR, EM NOSSO SISTEMA JURÍDICO, DO "ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO CONTRIBUINTE". DOUTRINA. PRECEDENTES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.

DECISÃO: O litígio em causa envolve discussão em torno da possibilidade constitucional de o Poder Público impor restrições, ainda que fundadas em lei, destinadas a compelir o contribuinte inadimplente a pagar o tributo e que culminam, quase sempre, em decorrência do caráter gravoso e indireto da coerção utilizada pelo Estado, por inviabilizar o exercício, pela empresa devedora, de atividade econômica lícita.
No caso ora em análise, põe-se em destaque o exame da legitimidade constitucional de exigência estatal que erigiu a prévia satisfação de débito tributário em requisito necessário à outorga, pelo Poder Público, de autorização para a impressão de documentos fiscais.
A E. Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao admitir o recurso extraordinário interposto pela empresa ora requerente, ressaltou, de modo bastante expressivo, esse aspecto da controvérsia (fls. 272):

"Mesmo a v. decisão recorrida tendo consignado que o exercício de atividades mercantis e profissionais está condicionado a disposições da legislação ordinária, o que não se contesta, ao entender legítima a exigência de garantias para a autorização de impressão de documentos fiscais coibiu o livre exercício dessas atividades, que poderiam, inclusive, garantir ao contribuinte meios para saldar o débito com a Fazenda Pública.
A exigência do Estado, de condicionar a autorização para impressão de notas fiscais ao pagamento dos tributos e/ou prestação de fiança, confronta com as Súmulas nºs 70, 323 e 547 do STF, que proclamam não ser admissível coagir o devedor ao pagamento do tributo devido, modo indireto, atingindo seu livre exercício de atividade lícita, quando previstos mecanismos próprios para a cobrança do crédito da Fazenda...". (grifei)

Cabe acentuar, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal, tendo presentes os postulados constitucionais que asseguram a livre prática de atividades econômicas lícitas (CF, art. 170, parágrafo único), de um lado, e a liberdade de exercício profissional (CF, art. 5º, XIII), de outro - e considerando, ainda, que o Poder Público dispõe de meios legítimos que lhe permitem tornar efetivos os créditos tributários -, firmou orientação jurisprudencial, hoje consubstanciada em enunciados sumulares (Súmulas 70, 323 e 547), no sentido de que a imposição, pela autoridade fiscal, de restrições de índole punitiva, quando motivada tal limitação pela mera inadimplência do contribuinte, revela-se contrária às liberdades públicas ora referidas (RTJ 125/395, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI).
Esse entendimento - cumpre enfatizar - tem sido observado em sucessivos julgamentos proferidos por esta Suprema Corte, quer sob a égide do anterior regime constitucional, quer em face da vigente Constituição da República (RTJ 33/99, Rel. Min. EVANDRO LINS - RTJ 45/859, Rel. Min. THOMPSON FLORES - RTJ 47/327, Rel. Min. ADAUCTO CARDOSO - RTJ 73/821, Rel. Min. LEITÃO DE ABREU - RTJ 100/1091, Rel. Min. DJACI FALCÃO - RTJ 111/1307, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RTJ 115/1439, Rel. Min. OSCAR CORREA - RTJ 138/847, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - RTJ 177/961, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RE 111.042/SP, Rel. Min. CARLOS MADEIRA, v.g.):

"CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS: REGIME ESPECIAL. RESTRIÇÕES DE CARÁTER PUNITIVO. LIBERDADE DE TRABALHO. CF/67, art. 153, § 23; CF/88, art. 5º, XIII.
I. - Regime especial de ICM, autorizado em lei estadual: restrições e limitações, nele constantes, à atividade comercial do contribuinte, ofensivas à garantia constitucional da liberdade de trabalho (CF/67, art. 153, § 23; CF/88, art. 5º, XIII), constituindo forma oblíqua de cobrança do tributo, assim execução política, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sempre repeliu (Súmulas nºs 70, 323 e 547).
II. - Precedente do STF: ERE 115.452-SP, Velloso, Plenário, 04.l0.90, 'DJ' de 16.11.90.
III. - RE não admitido. Agravo não provido."
(RE 216.983-AgR/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - grifei)

É certo - consoante adverte a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal - que não se reveste de natureza absoluta a liberdade de atividade empresarial, econômica ou profissional, eis que inexistem, em nosso sistema jurídico, direitos e garantias impregnados de caráter absoluto:

"OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO.
Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição.
O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros."
(RTJ 173/807-808, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

A circunstância de não se revelarem absolutos os direitos e garantias individuais proclamados no texto constitucional não significa que a Administração Tributária possa frustrar o exercício da atividade empresarial ou profissional do contribuinte, impondo-lhe exigências gravosas, que, não obstante as prerrogativas extraordinárias que (já) garantem o crédito tributário, visem, em última análise, a constranger o devedor a satisfazer débitos fiscais que sobre ele incidam.
O fato irrecusável, nesta matéria, como já evidenciado pela própria jurisprudência desta Suprema Corte, é que o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da relação tributária, para, em função deles - e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional - constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso.
Esse comportamento estatal - porque arbitrário e inadmissível - também tem sido igualmente censurado por autorizado magistério doutrinário (HUGO DE BRITO MACHADO, "Sanções Políticas no Direito Tributário", in Revista Dialética de Direito Tributário nº 30, p. 46/47):

"Em Direito Tributário a expressão sanções políticas corresponde a restrições ou proibições impostas ao contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial de fiscalização, entre outras.
Qualquer que seja a restrição que implique cerceamento da liberdade de exercer atividade lícita é inconstitucional, porque contraria o disposto nos artigos 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Estatuto Maior do País.
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São exemplos mais comuns de sanções políticas a apreensão de mercadorias sem que a presença física destas seja necessária para a comprovação do que o fisco aponta como ilícito; o denominado regime especial de fiscalização; a recusa de autorização para imprimir notas fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes; a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão e até o cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre muitos outros.
Todas essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões, porque: a) implicam indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente Constituição Federal; e b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave violação do direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a exigência é ou não legal." (grifei)
Cabe referir, a propósito da controvérsia suscitada no recurso extraordinário em questão - recusa de autorização estatal para impressão de notas fiscais -, a lição de EDISON FREITAS DE SIQUEIRA, em obra monográfica que versou o tema das chamadas "sanções políticas" impostas ao contribuinte inadimplente ("Débito Fiscal - análise crítica e sanções políticas", p. 1/62, item 2.3, 2001, Sulina):

"Portanto, emerge incontroverso o fato de que uma empresa, para que possa exercer suas atividades, necessita de sua inscrição estadual, bem como de permanente autorização da expedição de notas fiscais, sendo necessário obter nas Secretarias da Fazenda de cada estado da federação onde vendam seus produtos, o respectivo reconhecimento de direito à utilização de sistemas especiais de arrecadação, bem como na transferência de créditos acumulados, além da obtenção da respectiva Autorização para Impressão de Documentos Fiscais (AIDF), em paralelo às notas fiscais.
Salienta-se que qualquer ação contrária do Estado, quanto à concessão e reconhecimento dos direitos inerentes às questões no parágrafo anterior referendadas, constitui 'sanção política', medida despótica e própria de ditadores, porque subverte o sistema legal vigente.
Nesse sentido, vale tecer algumas considerações do efetivo SIGNIFICADO DA NOTA FISCAL para uma empresa ou profissional que mantenha a atividade lícita 'trabalho', até porque, o instrumento alternativo posto à disposição do contribuinte, notas fiscais avulsas, é situação equivalente à marginalidade, além de tratar-se de meio absolutamente inviável a uma atividade econômica significativa (volumosa).
A importância da nota fiscal ou AIDF para o desenvolvimento das atividades comerciais de uma empresa seja ela de indústria ou comércio, decorre do fato de que somente por meio destas é que se torna possível oficializar e documentar operações de circulação de mercadorias, a ponto de que sem essas, a circulação de mercadoria é atividade ilícita, punível, inclusive, com a respectiva apreensão das mesmas.
Neste sentido, revela-se, pois, totalmente imprópria à figura da nota fiscal avulsa, solução muito justificada por fiscais de ICMS e Procuradores de Estado em audiências que solicitam ao Poder Judiciário, mas que, na prática, constitui artimanha muito maliciosa que só serve para prejudicar o contribuinte, em circunstância totalmente defesa em lei, como adiante ficará elucidado.
Não raro, a fiscalização aponta, como recurso em situações de desagrado ao contribuinte, o uso das chamadas 'notas fiscais avulsas'. Fazem-no, por certo, por desconhecimento de toda a gama de obtusa burocracia que envolve a sua expedição, ou pretendendo iludir os órgãos do Poder Judiciário, caso esses sejam chamados a impor 'poder de controle' contra exacerbação do exercício do poder de tributar, por parte do Poder Executivo." (grifei)

Cumpre assinalar, por oportuno, que essa percepção do tema, prestigiada pelo saudoso e eminente Ministro ALIOMAR BALEEIRO ("Direito Tributário Brasileiro", p. 878/880, item n. 2, 11ª ed., atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi, 1999, Forense), é também compartilhada por autorizado magistério doutrinário que põe em destaque, no exame dessa matéria, o direito do contribuinte ao livre exercício de sua atividade profissional ou econômica, cuja prática legítima - qualificando-se como limitação material ao poder do Estado - inibe a Administração Tributária, em face do postulado que consagra a proibição de excesso (RTJ 176/578-580, Rel. Min. CELSO DE MELLO), de impor, ao contribuinte inadimplente, restrições que configurem meios gravosos e irrazoáveis destinados a constranger, de modo indireto, o devedor a satisfazer o crédito tributário (HUMBERTO BERGMANN ÁVILA, "Sistema Constitucional Tributário", p. 324 e 326, 2004, Saraiva; SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, "Infração Tributária e Sanção", in "Sanções Administrativas Tributárias", p. 420/444, 432, 2004, Dialética/ICET; HUGO DE BRITO MACHADO SEGUNDO, "Processo Tributário", p. 93/95, item n. 2.7, 2004, Atlas; RICARDO LOBO TORRES, "Curso de Direito Financeiro e Tributário", p. 270, item n. 7.1, 1995, Renovar, v.g.).
A censura a esse comportamento inconstitucional, quando adotado pelo Poder Público em sede tributária, foi registrada, com extrema propriedade, em precisa lição, por HELENILSON CUNHA PONTES ("O Princípio da Proporcionalidade e o Direito Tributário", p. 141/143, item n. 2.3, 2000, Dialética):

"O princípio da proporcionalidade, em seu aspecto necessidade, torna inconstitucional também grande parte das sanções indiretas ou políticas impostas pelo Estado sobre os sujeitos passivos que se encontrem em estado de impontualidade com os seus deveres tributários. Com efeito, se com a imposição de sanções menos gravosas, e até mais eficazes (como a propositura de medida cautelar fiscal e ação de execução fiscal), pode o Estado realizar o seu direito à percepção da receita pública tributária, nada justifica validamente a imposição de sanções indiretas como a negativa de fornecimento de certidões negativas de débito, ou inscrição em cadastro de devedores, o que resulta em sérias e graves restrições ao exercício da livre iniciativa econômica, que vão da impossibilidade de registrar atos societários nos órgãos do Registro Nacional do Comércio até a proibição de participar de concorrências públicas.
O Estado brasileiro, talvez em exemplo único em todo o mundo ocidental, exerce, de forma cada vez mais criativa, o seu poder de estabelecer sanções políticas (ou indiretas), objetivando compelir o sujeito passivo a cumprir o seu dever tributário. Tantas foram as sanções tributárias indiretas criadas pelo Estado brasileiro que deram origem a três Súmulas do Supremo Tribunal Federal.
Enfim, sempre que houver a possibilidade de se impor medida menos gravosa à esfera jurídica do indivíduo infrator, cujo efeito seja semelhante àquele decorrente da aplicação de sanção mais limitadora, deve o Estado optar pela primeira, por exigência do princípio da proporcionalidade em seu aspecto necessidade.
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As sanções tributárias podem revelar-se inconstitucionais, por desatendimento à proporcionalidade em sentido estrito (...), quando a limitação imposta à esfera jurídica dos indivíduos, embora arrimada na busca do alcance de um objetivo protegido pela ordem jurídica, assume uma dimensão que inviabiliza o exercício de outros direitos e garantias individuais, igualmente assegurados pela ordem constitucional.
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Exemplo de sanção tributária claramente desproporcional em sentido estrito é a interdição de estabelecimento comercial ou industrial motivada pela impontualidade do sujeito passivo tributário relativamente ao cumprimento de seus deveres tributários. Embora contumaz devedor tributário, um sujeito passivo jamais pode ver aniquilado completamente o seu direito à livre iniciativa em razão do descumprimento do dever de recolher os tributos por ele devidos aos cofres públicos. O Estado deve responder à impontualidade do sujeito passivo com o lançamento e a execução céleres dos tributos que entende devidos, jamais com o fechamento da unidade econômica.
Neste sentido, revelam-se flagrantemente inconstitucionais as medidas aplicadas, no âmbito federal, em conseqüência da decretação do chamado 'regime especial de fiscalização'. Tais medidas, pela gravidade das limitações que impõem à livre iniciativa econômica, conduzem à completa impossibilidade do exercício desta liberdade, negligenciam, por completo, o verdadeiro papel da fiscalização tributária em um Estado Democrático de Direito e ignoram o entendimento já consolidado do Supremo Tribunal Federal acerca das sanções indiretas em matéria tributária. Esta Corte, aliás, rotineiramente afasta os regimes especiais de fiscalização, por considerá-los verdadeiras sanções indiretas, que se chocam frontalmente com outros princípios constitucionais, notadamente com a liberdade de iniciativa econômica." (grifei)

É por essa razão que EDUARDO FORTUNATO BIM, em excelente trabalho dedicado ao tema ora em análise ("A Inconstitucionalidade das Sanções Políticas Tributárias no Estado de Direito: Violação ao 'Substantive Due Process of Law' (Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade)" in "Grandes Questões Atuais do Direito Tributário", vol. 8/67-92, 83, 2004, Dialética), conclui, com indiscutível acerto, "que as sanções indiretas afrontam, de maneira autônoma, cada um dos subprincípios da proporcionalidade, sendo inconstitucionais em um Estado de Direito, por violarem não somente este, mais ainda o 'substantive due process of law'" (grifei).
Cabe relembrar, neste ponto, consideradas as referências doutrinárias que venho de expor, a clássica advertência de OROSIMBO NONATO, consubstanciada em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (RE 18.331/SP), em acórdão no qual aquele eminente e saudoso Magistrado acentuou, de forma particularmente expressiva, à maneira do que já o fizera o Chief Justice JOHN MARSHALL, quando do julgamento, em 1819, do célebre caso "McCulloch v. Maryland", que "o poder de tributar não pode chegar à desmedida do poder de destruir" (RF 145/164 - RDA 34/132), eis que - como relembra BILAC PINTO, em conhecida conferência sobre "Os Limites do Poder Fiscal do Estado" (RF 82/547-562, 552) - essa extraordinária prerrogativa estatal traduz, em essência, "um poder que somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria e com o direito de propriedade" (grifei).
Daí a necessidade de rememorar, sempre, a função tutelar do Poder Judiciário, investido de competência institucional para neutralizar eventuais abusos das entidades governamentais, que, muitas vezes deslembradas da existência, em nosso sistema jurídico, de um "estatuto constitucional do contribuinte", consubstanciador de direitos e garantias oponíveis ao poder impositivo do Estado (Pet 1.466/PB, Rel. Min. CELSO DE MELLO, in "Informativo STF" nº 125), culminam por asfixiar, arbitrariamente, o sujeito passivo da obrigação tributária, inviabilizando-lhe, injustamente, o exercício de atividades legítimas, o que só faz conferir permanente atualidade às palavras do Justice Oliver Wendell Holmes, Jr. ("The power to tax is not the power to destroy while this Court sits"), em "dictum" segundo o qual, em livre tradução, "o poder de tributar não significa nem envolve o poder de destruir, pelo menos enquanto existir esta Corte Suprema", proferidas, ainda que como "dissenting opinion", no julgamento, em 1928, do caso "Panhandle Oil Co. v. State of Mississippi Ex Rel. Knox" (277 U.S. 218).
Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, em face do conteúdo evidentemente arbitrário da exigência estatal ora questionada na presente sede recursal, o fato de que, especialmente quando se tratar de matéria tributária, impõe-se, ao Estado, no processo de elaboração das leis, a observância do necessário coeficiente de razoabilidade, pois, como se sabe, todas as normas emanadas do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do "substantive due process of law" (CF, art. 5º, LIV), eis que, no tema em questão, o postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais, consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 160/140-141 - RTJ 178/22-24, v.g.):

"O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público.
O princípio da proporcionalidade - que extrai a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do substantive due process of law - acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.
A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law (CF, art. 5º, LIV).
Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador."
(RTJ 176/578-580, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Em suma: a prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental, constitucionalmente assegurados ao contribuinte, pois este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos por este editados.
A análise dos autos evidencia que o acórdão proferido pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul diverge da orientação prevalecente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, reafirmada em julgamentos recentes emanados desta Suprema Corte (RE 413.782/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Pleno - RE 09.956/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - RE 09.958/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES - RE 414.714/RS, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - RE 24.061/RS, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RE 434.987/RS, Rel. Min. CEZAR PELUSO, v.g.).
Sendo assim, e considerando as razões expostas, conheço e dou provimento ao presente recurso extraordinário (CPC, art. 557, § 1º - A), em ordem a conceder o mandado de segurança impetrado pela parte ora recorrente. No que concerne à verba honorária, revela-se aplicável a Súmula 512/STF.

Publique-se.

Brasília, 28 de março de 2005.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator


* decisão pendente de publicação


Assessora responsável pelo Informativo

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