Anúncios


quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Informativo STF 375 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 1º a 11 de fevereiro de 2005- Nº375.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

Download deste Informativo


SUMÁRIO



Plenário
Cumulação de Proventos de Inatividade Civil e Militar
Vinculação de Subsídios e Vencimentos
Emolumentos: Art. 98, § 2º, da CF
1ª Turma
ICMS. Importação. Sujeito Ativo - 2
Ação de Danos Morais decorrentes de Acidente do Trabalho: EC 45/2004 e Competência
2ª Turma
Prestação de Serviço de Transporte Público e Licitação - 2
Ruas de Vilas como Logradouro Público: Inconstitucionalidade
Clipping do DJ
Transcrições
Denúncia - Peculato - Governador de Estado - § 2º do Art. 327 do CP (Inq 1769/DF)
Homologação de Sentença Estrangeira - Incompetência Superveniente do STF - EC 45/2004 (SEC 5778/EUA)


PLENÁRIO


Cumulação de Proventos de Inatividade Civil e Militar

O Tribunal deferiu mandado de segurança impetrado, por militar reformado, contra ato do Ministro Presidente da 1ª Câmara do Tribunal de Contas da União - TCU e do Coordenador-Geral de Recursos Humanos do Departamento de Administração da Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, que culminara com a cessação do pagamento dos benefícios civis do impetrante. Na espécie, após sua reforma, em 1979, o impetrante fora contratado como desenhista, sob o regime da CLT, pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República - atual ABIN, emprego de natureza técnica que fora convertido em cargo público com a instituição do Regime Jurídico Único pela Lei 8.112/90, e no qual se aposentara, em 1997, vindo a receber, cumulativamente, os proventos da inatividade civil e militar. Preliminarmente, excluiu-se da legitimação passiva o segundo impetrado, haja vista tratar-se de mero executor do ato administrativo do TCU. Afastou-se, em seguida, a alegação de decadência administrativa, em razão de o ato de aposentadoria ser ato administrativo complexo que só se aperfeiçoa com registro perante o TCU, sem o qual não se operam os efeitos da decadência. No mérito, na linha do que decidido pelo Pleno no MS 24742/DF (pendente de publicação - v. Informativo 360), entendeu-se que não haveria, no caso, óbice à acumulação dos proventos da inatividade. Ressaltando o fato de o impetrante ter sido reformado sob a égide da CF/67, na redação dada pela EC 1/69, cujo § 9º do seu art. 93 permitia a cumulação de proventos de inatividade dos militares da reserva e dos reformados quanto a contratos para prestação de serviços técnicos ou especializados, e de ter sido aposentado como servidor civil em 1997, concluiu-se que não teria ocorrido a percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a que alude o art. 40 da CF, vedada pelo art. 11 da EC 20/98, mas a acumulação de provento civil (regime próprio do art. 40, da CF/88) com provento militar (regime próprio do art. 42, da CF/88), situação não abrangida pela proibição da Emenda. (EC 20/98: "Art. 11. A vedação prevista no art. 37, § 10, da Constituição Federal, não se aplica aos membros de poder e aos inativos, servidores e militares, que, até a publicação desta Emenda, tenham ingressado novamente no serviço público por concurso público de provas ou de provas e títulos, e pelas demais formas previstas na Constituição Federal, sendo-lhes proibida a percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a que se refere o art. 40 da Constituição Federal, aplicando-se-lhes, em qualquer hipótese, o limite de que trata o § 11 deste mesmo artigo.").
MS 25090/DF, rel. Min. Eros Grau, 2.2.2005. (MS-25090)

Vinculação de Subsídios e Vencimentos

Por ofensa ao art. 37, XIII, da CF, que veda a equiparação ou vinculação de subsídios ou vencimentos, o Tribunal julgou procedente, em parte, pedido de ação direta ajuizada pelo Governador do Estado de Alagoas contra a segunda parte do art. 74 da Lei Complementar 7/91, na redação dada pela Lei Complementar 23/2002, ambas daquele Estado, para declarar a inconstitucionalidade da expressão "não podendo os Procuradores de Estado de 4ª Classe perceber subsídio ou vencimento inferior ao atribuído ao do cargo de Procurador-Geral" constante do mencionado artigo. (CF, art. 37: "XIII - é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público;").
ADI 2895/AL, rel. Min. Carlos Velloso, 2.2.2005. (ADI-2895)

Emolumentos: Art. 98, § 2º, da CF

O Tribunal, por maioria, deferiu medida cautelar em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado de São Paulo em face da Resolução 196/2005, editada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça daquele Estado, para suspender a vigência do ato normativo, que elevou o percentual dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registros, destinados ao Fundo Especial de Despesa do referido Tribunal, e alterou a forma de seu recolhimento. Entendeu-se que as objeções formuladas pelo requerente se revestiam de plausibilidade jurídica, porquanto da interpretação do § 2º do art. 98 da CF, introduzido pela EC 45/2004, seria difícil extrair uma norma absoluta no sentido de que a totalidade dos emolumentos destinados ao Poder Público devesse se dirigir exclusivamente ao Poder Judiciário e, também, porque o ato normativo em questão, a princípio, teria invadido campo reservado à lei por dispor sobre remanejamento de verbas do Executivo para o Judiciário, sem observar, ainda, as regras do orçamento de 2005 (CF, arts. 167, VI, e 168). Ressaltou-se o manifesto periculum in mora, tendo em conta o imediato efeito da Resolução em serviço essencial à administração da justiça, qual seja, a defesa da população mais necessitada pela Procuradoria de Assistência Judiciária do Estado de São Paulo, salientando-se, nesse ponto, a conveniência política da suspensão da vigência do ato, haja vista o conteúdo desagregador da medida adotada pelo referido Tribunal de Justiça com imediata repercussão na relação entre os Poderes daquele Estado. Vencidos os Ministros Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence, que só concediam a liminar em relação ao art. 1º da norma impugnada. (CF, art. 98, § 2º: "As custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça.").
ADI 3401/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 3.2.2005. (ADI-3401)


PRIMEIRA TURMA


ICMS. Importação. Sujeito Ativo - 2

A Turma retomou julgamento de recurso extraordinário no qual se discute a competência tributária quanto ao sujeito ativo do ICMS na hipótese de importação. Trata-se, na espécie, de recurso interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que entendera ser este Estado o beneficiário do ICMS, haja vista ter sido nele processado o desembaraço da mercadoria - v. Informativo 366. O Min. Carlos Brito, em voto-vista, deu provimento ao recurso por entender, com base no que decidido no RE 299079/RJ (acórdão pendente de publicação), que o sujeito ativo da relação tributária é o Estado do Espírito Santo, uma vez que, em se tratando de operação iniciada no exterior, o ICMS é devido ao Estado em que está localizado o sujeito passivo do tributo, qual seja, aquele que promoveu juridicamente o ingresso do produto (importador). O julgamento foi adiado com o pedido de vista do Min. Eros Grau.
RE 268586/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 1º.2.2005. (RE-268586)

Ação de Danos Morais decorrentes de Acidente do Trabalho: EC 45/2004 e Competência

Ressaltando a excepcionalidade do caso concreto, a Turma, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo que entendera competir à Justiça Comum o exame de ação de indenização por danos morais fundada em acidente do trabalho. Decidiu-se pela manutenção, na espécie, de precedentes da Corte no sentido da competência da Justiça Comum estadual para o julgamento das causas relativas a indenizações por acidente do trabalho, por força do disposto no inciso I do art. 109 da CF, não obstante o advento da EC 45/2004 que, ao dar nova redação ao art. 114 da CF, dispôs expressamente competir à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho (CF, art. 114, VI). Considerou-se que o acórdão recorrido deveria ser preservado em nome do sentido de justiça, uma vez que seria iníquo declarar, a essa altura, a nulidade do processo até a sentença, inclusive, e determinar a remessa dos autos à Justiça trabalhista. Vencidos os Ministros Carlos Britto, relator, e Marco Aurélio, que davam provimento ao recurso para declarar a competência da Justiça do Trabalho.
RE 394943/SP, rel. orig. Min. Carlos Britto, rel. p/ acórdão Min. Eros Grau, 1º.2.2005. (RE-394943)


SEGUNDA TURMA


Prestação de Serviço de Transporte Público e Licitação - 2

A Turma concluiu julgamento de recurso extraordinário interposto pela União contra acórdão do TRF da 5ª Região que, confirmando decisão de primeira instância reconhecera o direito da recorrida, empresa de transporte particular, de continuar atividade de transporte interestadual de passageiro, independentemente de licitação - v. Informativo 367. A Turma deu provimento ao recurso para julgar improcedente a ação. Entendeu-se que o acórdão recorrido, ao pretender atender ao interesse de potenciais usuários do serviço de transporte, caracterizando-o como de interesse público, o fizera sem nenhuma referência a dados ou circunstâncias concretas, desprestigiando aspectos fundamentais da própria noção de serviço público, a qual traz como implicações necessárias a obrigação de continuidade e o poder de Fiscalização da autoridade pública. Asseverou-se que a observância do procedimento licitatório é o único adequado a garantir a efetiva proteção do interesse público e que a omissão administrativa poderia, quando muito, resultar em responsabilização na esfera administrativa ou determinação judicial para a realização de certame, mas não justificar a legitimação de uma única empresa para a exploração direta do serviço. Considerou-se, ainda, que, diante do fato de a empresa estar explorando o serviço sem licitação desde 1996, a mera eficácia da decisão recorrida estaria interferindo, sem justificativa, no exercício do poder de polícia da União sobre o transporte interestadual de passageiros da região.
RE 264621/CE, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1º.2.2005. (RE-264621)

Ruas de Vilas como Logradouro Público: Inconstitucionalidade

A Turma negou provimento a recurso extraordinário interposto pela Câmara do Município do Rio de Janeiro contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que julgara inconstitucional a Lei municipal 2.645/98, que reconhece como logradouro público as ruas de vila. Preliminarmente, afastou-se a alegação de incompetência do Tribunal de Justiça estadual para realizar o controle concentrado da citada norma perante a Constituição estadual, haja vista a jurisprudência do STF no sentido de que, em se tratando de ação direta de inconstitucionalidade da competência do Tribunal de Justiça local - lei estadual ou municipal em face da Constituição estadual -, a questão de interpretação de norma central da Constituição Federal, de reprodução obrigatória na Constituição estadual, autoriza a admissão do recurso extraordinário. No mérito, entendeu-se que o acórdão recorrido não ofendeu os dispositivos apontados no recurso, já que a referida Lei municipal, ao determinar drásticas alterações na política urbanística do município, convertendo áreas particulares em logradouros públicos e impondo ao Estado o dever de prestação de serviços públicos nessas áreas, a aumentar a despesa sem indicar a contrapartida orçamentária, de fato usurpou a função administrativa atribuída ao Poder Executivo local. Precedentes citados: RE 353350 AgR/ES (DJU de 21.5.2004) e ADI 2364 MC/AL (DJU de 14.12.2001).
RE 302803/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 1º.2.2005.(RE-302803)


Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
Pleno 2.2.2005 3.2.2005 18
1ª Turma 1º.2.2005 -- 88
2ª Turma 1º.2.2005 -- 140



C L I P P I N G   D O   D J

4 a 11 de fevereiro de 2005

AC N. 112-RN
RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO
EMENTAS: 1. INTERVENÇÃO DE TERCEIRO. Ação cautelar. Processo eleitoral. Pleito anulado. Candidato que participou da eleição anulada, em que foi derrotada a chapa que encabeçara. Intervenção indeferida. Falta de interesse jurídico. A título de assistente, ou de recorrente interessado, não se admite intervenção de terceiro que apresente mero interesse de fato, capaz de ser atingido pela decisão da causa.
2. RECURSO. Especial. Eleitoral. Ação de investigação judicial eleitoral. Captação ilegal de sufrágio. Sentença que cassou o prefeito e absolveu o vice-prefeito, cuja diplomação determinou. Recurso apenas do prefeito. Improvimento pelo TRE, com cassação simultânea e oficial do diploma do vice-prefeito. Alegação de matéria de ordem pública. Acórdão confirmado pelo TSE, sob fundamento de operância do efeito translativo do recurso ordinário. Inadmissibilidade. Trânsito em julgado do capítulo decisório que absolveu o vice-prefeito. Matéria não devolvida pelo recurso do prefeito. Restabelecimento da sentença até o julgamento do recurso extraordinário já admitido. Liminar concedida. Ação cautelar julgada procedente. Ofensa à coisa julgada. Interpretação do art. 5º, XXXVI, da CF, e dos arts. 2º, 262, 467, 509 e 515, todos do CPC. Sob pena de ofensa à garantia constitucional da coisa julgada, não pode tribunal eleitoral, sob invocação do chamado efeito translativo do recurso, no âmbito de cognição do que foi interposto apenas pelo prefeito, cujo diploma foi cassado, por captação ilegal de sufrágio, cassar de ofício o diploma do vice-prefeito absolvido por capítulo decisório da sentença que, não impugnado por ninguém, transitou em julgado.
* noticiado no Informativo 372

MI N. 701-DF
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
MANDADO DE INJUNÇÃO - OBJETO. O mandado de injunção pressupõe a inexistência de normas regulamentadoras de direito assegurado na Carta da República. Isso não ocorre relativamente às sociedades cooperativas e ao adequado tratamento tributário previsto na alínea "c" do inciso III do artigo 146 da Constituição Federal.
* noticiado no Informativo 363

ACO N. 653-RO
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
MANDADO DE SEGURANÇA. GLEBAS PERTENCENTES À UNIÃO. REGISTRO EM NOME DO ESTADO DE RORAIMA. LEI 10.303/2001. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO.
1. Dispondo a Lei 10.303/2001 estarem excluídas, da transferência ao Estado de Roraima, as terras relacionadas nos incisos II, III, IV, VIII, IX e X do art. 20 da Constituição Federal, e havendo expressa previsão de regulamentação no prazo de 180 dias, tem-se por antijurídico o precipitado registro das glebas em nome do Estado-membro, antes mesmo de esgotado o referido prazo, e sem a necessária e prévia identificação daquelas que serão mantidas em nome da União. 2. Segurança concedida.
* noticiado no Informativo 370

MS N. 24.999-DF
RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO
EMENTA: CONSTITUCIONAL. AGRÁRIO. DESAPROPRIAÇÃO: REFORMA AGRÁRIA. VISTORIA PRÉVIA: NOTIFICAÇÃO DO PROPRIETÁRIO RURAL. Lei 8.629/93, art. 2º, § 2º. DEVIDO PROCESSO LEGAL: C.F., ART. 5º, LV. IMÓVEL RURAL: DIVISÃO: SUCESSÃO MORTIS CAUSA: PRINCÍPIO DA SAISINA: Código Civil, 1916, art. 1.572; Código Civil, 2002, art. 1.784. Estatuto da Terra, Lei 4.504/64, art. 46, § 6º.
I. - Vistoria prévia: notificação: a notificação para a vistoria prévia constitui exigência do devido processo legal (C.F., art. 5º, LV). Precedente do S.T.F.
II. - Princípio da saisina: aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários: Código Civil, 1916, art. 1.572; Código Civil, 2002, art. 1.784.
III. - No caso de imóvel rural em comum por força de herança, as partes ideais para os fins da desapropriação serão consideradas como se divisão houvesse, devendo ser cadastrada a área que, na partilha, tocaria a cada herdeiro e admitidos os demais dados médios verificados na área total do imóvel. Lei 4.504/1964 (Estatuto da Terra), art. 46, § 6º.
IV. - No caso, não foram notificados os herdeiros para a vistoria prévia, tampouco comprovou a entidade expropriante a prova do domínio para os fins do art. 185, I, C.F. O ônus dessa prova negativa é da entidade expropriante. Precedente do STF: MS 23.006/PB, Ministro Celso de Mello, "DJ" de 29.8.03.
V. Aplicabilidade, à desapropriação para reforma agrária, do princípio da saisina e da regra do § 6º do art. 46 do Estatuto da Terra. Precedentes do STF: MS 23.306, Ministro Octavio Gallotti, "DJ" de 10.8.2000; MS 22.045/ES, Ministro Marco Aurélio, "DJ" de 30.06.95.
VI. - Mandado de Segurança deferido.
* noticiado no Informativo 370

RE N. 201.865-SP
RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ESTADO-MEMBRO: PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA. ÔNIBUS: FRETAMENTO PARA FINS TURÍSTICOS: DECRETO ESTA­DUAL REGULAMENTADOR. Decreto 29.912, de 1989, do Estado de São Paulo. I. - Fretamento de ônibus para o transporte com finalidade turística, ou para o atendimento do turismo no Estado. Transporte ocasional de turistas, que reclama regramento por parte do Estado-membro, com base no seu poder de polícia administrativa, com vistas à proteção dos turistas e do próprio turismo. CF, art. 25, § 1º. Inocorrência de ofensa à competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte (CF, art. 22, XI). II. - RE conhecido e não provido.

HC N. 84.056-DF
RELATOR: MIN. EROS GRAU
EMENTA: HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. PARCELAMENTO DE TERRAS PERTENCENTES À UNIÃO. COMPETÊNCIA.
1. A legitimidade do Ministério Público para impetrar habeas corpus tem fundamento na incumbência da defesa da ordem jurídica e dos interesses individuais indisponíveis.
2. O habeas corpus é instrumento idôneo para eleger o foro competente para o julgamento da causa. Precedente.
3. Compete à Justiça Federal o processamento e julgamento da ação penal proposta para apurar a prática do crime de parcelamento irregular de terras pertencentes à União. Ordem concedida.

HC N. 84.096-ES
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
JÚRI - TERMO DE VOTAÇÃO - SENTENÇA - ATA DE JULGAMENTO - DESCOMPASSO - PREVALÊNCIA DO VERIDICTO DOS JURADOS. Possível desencontro de dados, presentes o termo de votação, ata de julgamento e sentença do Presidente de Tribunal do Júri, resolve-se em favor do primeiro documento, no que estampa, de imediato, a deliberação dos jurados.

HC N. 84.382-SP
RELATOR: MIN. CARLOS BRITTO
EMENTA: HABEAS CORPUS. DENEGAÇÃO DA ORDEM NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PENHORA DE IMÓVEL. DEPÓSITO. ALEGAÇÃO NO SENTIDO DE QUE A CONS­TRIÇÃO JUDICIAL RECAI APENAS SOBRE O PODER DE DISPOR DO BEM, NÃO ABRANGENDO, NA OMISSÃO DO AUTO, OS FRUTOS RESPECTIVOS.
Omisso o auto de penhora quanto à abrangência da constrição, não se pode entender alcançados os frutos obtidos com os alugueres. Apesar de restringir o poder de disposição sobre o bem constrito, a penhora não paralisa o direito de propriedade do executado, permanecendo intactos os demais poderes inerentes ao domínio, não havendo, in casu, gravame algum no ato de locar o imóvel.
A penhora deve constranger patrimonialmente o devedor na medida necessária da satisfação do crédito, razão pela qual, se o valor do bem já é suficiente, a sua eventual locação não transgride os condicionamentos legais impostos pelo gravame.
* noticiado no Informativo 370

HC N. 83.543-SP
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
EMENTA: Habeas corpus. 2. Tribunal Superior do Trabalho. Depositário judicial. Ameaça de prisão. 3. Dupla penhora incidindo sobre os mesmos bens. Não há como se exigirem os bens que foram recebidos em outra execução trabalhista, sob pena de recolhimento à prisão como depositário infiel. Precedentes. 4. Concessão da ordem.
* noticiado no Informativo 348

RE N. 361.020-MG
RELATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. CARLOS VELLOSO
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVI­DOR PÚBLICO: ESTABILIDADE. C.F./88, ADCT, art. 19.
I.- Prestação de serviço por mais de cinco anos, até 05.10.1988, data da promulgação da Constituição. Breves interrupções ocorreram no exercício das atividades de professor. Esses breves intervalos nas contratações, decorrentes mesmo da natureza do serviço (magistério), não descaracterizam o direito do servidor. Precedentes: RREE 158.448/MG, 257.580/MG e 218.323/SP, Min. Marco Aurélio; RREE 235.742/MG e 378.036-AgR/MG, Min. Carlos Velloso, "D.J." de 02.02.1999 e 24.10.2003.
II.- RE conhecido e desprovido.
* noticiado no Informativo 363

QUEST. ORD. EM ADI N. 3.319-RJ
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. QUESTÃO DE ORDEM. RESOLUÇÃO Nº 12, DE 13.09.04, DO ÓRGÃO ES­PE­CIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. CRIAÇÃO DE NOVOS OFÍCIOS DE REGISTRO DE IMÓVEIS NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. REORGANIZAÇÃO, POR AGRUPAMENTO DE BAIRROS, DA DIVISÃO TERRITORIAL DAS SERVENTIAS. FIXAÇÃO DE PRAZO DE TRINTA DIAS PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE OPÇÃO PREVISTO NO ART. 29, I DA LEI Nº 8.935/94 E DE SESSENTA DIAS PARA TRANSFERÊNCIA DOS CARTÓRIOS PARA UMA DAS VINTE E NOVE CIRCUNSCRIÇÕES CRIADAS. 1. O presente caso reclama julgamento único e definitivo por esta Corte, tendo em vista as dificuldades e transtornos que certamente seriam enfrentados numa eventual re-instalação das atuais serventias nas freguesias onde já prestam serviço. 2. Questão de ordem resolvida com a aplicação do procedimento previsto no art. 12 da Lei nº 9.868/99, suspendendo-se por agora, tão-somente, a vigência dos parágrafos 1º e 2º do art. 4º da Resolução nº 12/04, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, com eficácia ex tunc no que diz respeito ao prazo referido no citado parágrafo primeiro.
* noticiado no Informativo 366

EMB.DIV.NOS EMB. DECL.NO RMS N. 22.926-DF
RELATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. GILMAR MENDES
EMENTA: Embargos de Divergência em Embargos de Declaração em Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. 2. Descabimento dos embargos de divergência na espécie. Art. 546, do Código de Processo Civil. 3. Recurso não conhecido.
* noticiado no Informativo 298

Rcl N. 2.453-MG
RELATOR: MIN. CARLOS BRITTO
EMENTA: RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. JUIZ-PRESIDENTE DA 3ª TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE UBERLÂNDIA -MG. O Supremo Tribunal Federal sedimentou o entendimento de que os acórdãos proferidos pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, quando versantes sobre matéria constitucional, comportam impugnação por meio de apelo extremo - Súmula 640/STF. Exatamente por essa razão é que a jurisprudência desta colenda Corte também rechaça a obstância, na origem, de agravo de instrumento manejado contra decisão que inadmite recurso extraordinário. Precedentes. Reclamação julgada procedente para determinar a remessa do agravo de instrumento a esta egrégia Corte, uma vez que somente ao Supremo Tribunal Federal compete decidir se esse recurso é passível de conhecimento.

Inq N. 2.130-DF
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
CALÚNIA. INFORMATIVO ELETRÔNICO. DIVULGAÇÃO DE CARTA ANÔNIMA. PARLAMENTAR.
1. A divulgação, em informativo eletrônico gerado em gabinete de deputado federal, na Câmara dos Deputados, de fatos que, em tese, configuram crimes contra a administração pública, não pode ser tida como desvinculada do exercício parlamentar, principalmente quando tais fatos ocorrem no Estado que o parlamentar representa no Congresso Nacional.
2. Denúncia rejeitada.
* noticiado no Informativo 365

MED. CAUT. EM AC N. 438-RJ
RELATOR: MIN. CARLOS BRITTO
EMENTA: MEDIDA CAUTELAR. EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM QUE SE DISCUTE A ESTABILIDADE DE MILITAR DA AERONÁUTICA. JULGAMENTO DO RECURSO SUSPENSO EM RAZÃO DE PEDIDO DE VISTA. ART. 21, INCISO IV, DO RI/STF.
Situação que autoriza o deferimento do pedido cautelar, com o objetivo de se impedir o desligamento dos requerentes da Corporação, até o julgamento definitivo do apelo extremo. Há de se considerar, no caso, que os recorrentes já perfizeram mais de dez anos no serviço militar, fato que levou o Relator a votar pelo provimento do recurso, antes do pedido de vista, de modo a conferir um razoável grau de plausibilidade à tese por eles defendida no extraordinário. Medida cautelar deferida.
* noticiado no Informativo 363

HC N. 83.523-SP
RELATOR: MIN. CARLOS BRITTO
EMENTA: HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO POR INFRAÇÃO AO ART. 157, § 2º, INCISOS I E II, DO CP, COM IMPOSIÇÃO DE REGIME FECHADO PARA O CUMPRIMENTO DA PENA. ALEGADO CONSTRANGIMENTO CONSISTENTE NA NÃO-CONCESSÃO DO REGIME SEMI-ABERTO, POR SEREM FAVORÁVEIS AS DIRETRIZES DO ART. 59 DO CP E A CONDENAÇÃO TER SIDO IMPOSTA NO MÍNIMO LEGAL PREVISTO PARA O DELITO PRATICADO.
O Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do HC 77.682, assentou que a gravidade abstrata do chamado "roubo qualificado" não é suficiente, por si só, para a imposição obrigatória do regime fechado, mormente quando favoráveis as circunstâncias judiciais.
Caso em que a Corte estadual, após mencionar a gravidade em abstrato do delito, acrescentou um segundo fundamento, suficiente para a fixação do regime imposto, apontando circunstâncias concretas, próprias do evento criminoso em exame, a demonstrar que a espécie, de fato, não se enquadra naquelas em que a jurisprudência desta colenda Corte restringe a imposição de regime fechado.
Há contradição em acórdão que, atestando a primariedade do réu, fixa a pena no mínimo possível - considerando o acréscimo das causas especiais de aumento -, e, logo em seguida, vale-se de condições judiciais desfavoráveis ao acusado para impor regime de pena mais gravoso do que o teoricamente cabível. Contradição que, todavia, não favorece ao paciente, porquanto as circunstâncias relacionadas pelo Tribunal estadual para fixar o regime fechado seriam suficientes para aumentar a pena imposta. Assim, em última análise, o equívoco do acórdão estadual, ao não apontar tais circunstâncias na aplicação da pena, veio a beneficiar o acusado que não pode se prevalecer do erro para pleitear o cumprimento da condenação em regime mais favorável. Precedentes.
Habeas corpus indeferido.
* noticiado no Informativo 328

RMS N. 24.901-DF
RELATOR: MIN. CARLOS BRITTO
EMENTA: ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. DEMISSÃO POR ATO DE IMPROBIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. PENA MENOS SEVERA.
O órgão do Ministério Público, que oficiou na instância de origem como custos legis (art. 10 da Lei nº 1.533/51), tem legitimidade para recorrer da decisão proferida em mandado de segurança.
Embora o Judiciário não possa substituir-se à Administração na punição do servidor, pode determinar a esta, em homenagem ao princípio da proporcionalidade, a aplicação de pena menos severa, compatível com a falta cometida e a previsão legal.
Este, porém, não é o caso dos autos, em que a autoridade competente, baseada no relatório do processo disciplinar, concluiu pela prática de ato de improbidade e, em conseqüência, aplicou ao seu autor a pena de demissão, na forma dos artigos 132, inciso IV, da Lei nº 8.112/90, e 11, inciso VI, da Lei nº 8.429/92.
Conclusão diversa demandaria exame e reavaliação de todas as provas integrantes do feito administrativo, procedimento incomportável na via estreita do writ, conforme assentou o acórdão recorrido.
Recurso ordinário a que se nega provimento.
* noticiado no Informativo 367

HC N. 84.156-MG
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
E M E N T A: INQUÉRITO POLICIAL - ARQUIVAMENTO ORDENADO POR MAGISTRADO COMPETENTE, A PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, POR AUSÊNCIA DE TIPICIDADE PENAL DO FATO SOB APURAÇÃO - REABERTURA DA INVESTIGAÇÃO POLICIAL - IMPOSSIBILIDADE EM TAL HIPÓTESE - EFICÁCIA PRECLUSIVA DA DECISÃO JUDICIAL QUE DETERMINA O ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL, POR ATIPICIDADE DO FATO - PEDIDO DE "HABEAS CORPUS" DEFERIDO.
- Não se revela cabível a reabertura das investigações penais, quando o arquivamento do respectivo inquérito policial tenha sido determinado por magistrado competente, a pedido do Ministério Público, em virtude da atipicidade penal do fato sob apuração, hipótese em que a decisão judicial - porque definitiva - revestir-se-á de eficácia preclusiva e obstativa de ulterior instauração da "persecutio criminis", mesmo que a peça acusatória busque apoiar-se em novos elementos probatórios. Inaplicabilidade, em tal situação, do art. 18 do CPP e da Súmula 524/STF. Doutrina. Precedentes.
* noticiado no Informativo 367

Acórdãos Publicados: 447



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do Informativo STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.


Denúncia - Peculato - Governador de Estado - § 2º do Art. 327 do CP (Transcrições)

(v. Informativo 372)


Inq 1769/DF*


RELATOR: MINISTRO CARLOS VELLOSO


EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. PECULATO. Código Penal, art. 312. PRESCRIÇÃO: NÃO-OCORRÊNCIA. DENÚNCIA: CPP, art. 41. GOVERNADOR DE ESTADO: Código Penal, art. 327. COISA JULGADA: NÃO-OCORRÊN­CIA.
I. - A denúncia descreve crime em tese, crime de peculato - Código Penal, art. 312 - e contém os requisitos inscritos no art. 41, CPP. Deve ser recebida, portanto.
II. - Prescrição: não-ocorrência, presente a causa de aumento de pena inscrita no art. 327, § 2º, do Código Penal.
III. - Coisa julgada: não-ocorrência, por isso que a decisão que manda arquivar inquérito ou peças de informação não causa preclusão. Súmula 524-STF.
IV. - Denúncia recebida.


RELATÓRIO: Trata-se de inquérito que tem como indiciado o Sr. JADER FONTENELLE BARBALHO, atualmente Deputado Federal, visando à apuração da prática do crime de peculato, em detrimento do Banco do Estado do Pará S.A., por desvio de cheques administrativos emitidos no ano de 1984.
Às fls. 176-186, deferi pedido de quebra de sigilo bancário e demais diligências requeridas pelo Ministério Público Federal, dentre as quais a inquirição do indiciado.
Realizadas as diligências e elaborado, pela Polícia Federal, relatório de análise dos dados colhidos, encaminhei os autos ao Procurador-Geral da República, que, oficiando às fls. 1.018-1.021, ofereceu denúncia e requereu o desmembramento do feito em relação aos beneficiários e partícipes que não detinham foro por prerrogativa de função.
Pelo despacho de fl. 1.024, deferi o desmembramento e determinei o encaminhamento de cópia dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará.
Em 08.3.2004, foi oferecida, pelo Ministério Público Federal, denúncia contra JADER FONTENELLE BARBALHO, imputando-lhe a prática do delito previsto no art. 312, caput, c/c o art. 327, § 2º, ambos do Código Penal.
Segundo a denúncia, o acusado incorreu no crime de peculato (art. 312, caput, c/c o art. 327, § 2º, ambos do Código Penal), por ter se apropriado de dinheiro pertencente ao Banco do Estado do Pará S/A - BANPARÁ, instituição financeira então pertencente ao Estado do Pará.
O Sr. Jader Barbalho apresentou a resposta de fls. 1.053-1.116, sustentando, em síntese:

a) existência de manifestação de autoridade policial, agente de polícia, "no sentido de que não houve condições de se afirmar que o denunciado teria cometido qualquer delito" (fl. 1.054);

b) violação à coisa julgada, pois o Tribunal de Justiça do Estado do Pará deferiu, em 1993, habeas corpus para impedir seu indiciamento em inquérito policial instaurado para apurar o desvio de recursos do BANPARÁ;

c) inexistência de "provas substancialmente novas" (fl. 1.059), que, nos termos do art. 18 do Código de Processo Penal, poderiam ensejar a abertura de novo procedimento investigatório (Súmula 524-STF), já que o relatório elaborado pelo Banco Central em nada inovou no que tange às investigações já realizadas;

d) inépcia da denúncia, por inobservância do art. 41 do Código de Processo Penal, "porquanto não indica as circunstâncias pelas quais o desvio teria sido perpetrado, limitando-se a sustentar, com muita dificuldade, que o acusado teria sido beneficiário dos recursos apropriados indevidamente" (fl. 1.068);

e) manipulação dos dados constantes das inspeções realizadas pelo Banco Central, que não mereceram manifestação da sua procuradoria jurídica, nem da presidência da instituição, tendo sido apenas encaminhados pelo Procurador-Geral do BACEN, sem a necessária chancela;

f) ocorrência de prescrição, pela superveniência da Lei 7.492/86, que tipifica os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Assim, o denunciado, na qualidade de Chefe do Poder Executivo Estadual, estaria na condição de acionista controlador do BANPARÁ, incidindo, se fosse o caso, no art. 5º da citada lei, que prevê pena máxima de 6 (seis) anos de reclusão, resultando, de acordo com o art. 109 do Código Penal, em um prazo prescricional de 12 (doze) anos;

g) impossibilidade de aplicação do disposto no § 2º do art. 327 do Código Penal (causa de aumento de pena) ao denunciado, "pois o cargo que exercia à época dos fatos era de Governador de Estado não se enquadrando como função de direção a que se refere o mencionado § 2º" (fl. 1.078), o que reduziria o prazo prescricional do crime de peculato para 16 (dezesseis) anos;

No mérito, a defesa alega, em síntese:

a) incongruência da denúncia, pois os valores decorrentes dos desvios dos cheques administrativos do BANPARÁ representam apenas a quinta parte dos recursos movimentados pelo denunciado, junto ao Banco Itaú S/A;

b) irrelevância do fato de o denunciado estar presente na agência no dia em que os referidos cheques foram aplicados;

c) intenção deliberada de incriminação do denunciado, pois não se identificou os outros investidores que teriam, em conluio com o denunciado, emitido cheques que, junto com os cheques administrativos do BANPARÁ, teriam sido utilizados na aquisição dos Títulos de Renda Fixa ao Portador;

d) falta de apuração, por meio de rastreamento, de quem seria o beneficiário do resgate da aplicação realizada junto ao Banco Itaú S/A;

e) possibilidade de os cheques emitidos pelo denunciado terem sido utilizados por terceiros, na citada aplicação, já que não eram exatamente coincidentes com o resíduo existente entre os cheques administrativos e os títulos adquiridos;

f) inconsistência da afirmação de que o acusado foi um dos beneficiários das aplicações financeiras realizadas com os cheques administrativos, já que, apesar de apontados depósitos em sua conta corrente em valor correspondente à reaplicação dos Títulos de Renda Fixa, não existem registros de identificação dos beneficiários das outras reaplicações e nem do vínculo desses com o denunciado;

g) interrupção da seqüência dos números constantes das fichas de registro de caixa dos terminais bancários, o que demonstra que "foram efetivamente seccionadas para permitir a alegação de implicação do Denunciado" (1.097);

h) inexistência de indicação, documentalmente comprovada, de que os resgates e aplicações realizadas no Banco Itaú S/A estivessem relacionadas ou vinculadas ao resgate da aplicação de cheques administrativos do BANPARÁ.

Às fls. 1.120-1.121, a defesa requereu juntada de cópia da perícia realizada na Ação Cautelar de Antecipação de Provas 2001.1224391-1, que tramitou no Juízo da 21ª Vara de Justiça Cível de Belém, bem como de cópia dos despachos, proferidos pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Pará, que inadmitiram os recursos extraordinário e especial interpostos contra o acórdão que confirmou a sentença de homologação da prova constituída judicialmente.
A perícia (fls. 1.125-1.406) analisou o desvio de recursos por meio de 18 (dezoito) cheques administrativos do BANPARÁ, dentre os quais 10 (dez) foram objeto da presente denúncia. Estas, em síntese, as conclusões da perícia:

a) possibilidade de o produto dos desvios de recursos do BANPARÁ terem produzido reflexos financeiros negativos para a instituição, já que essa, em virtude de deficiências em sua reserva bancária, recorreu a empréstimos e incorreu em penas pecuniárias. Os reflexos dos desvios, porém, não poderiam ser precisamente indicados, pois o Estado do Pará assumiu as dívidas da referida instituição em contratos celebrados em 09.5.85 e 06.12.89;

b) inexistência de prejuízos a terceiros, pois os recursos desviados foram originários do próprio BANPARÁ;

c) impossibilidade de identificação dos mecanismos utilizados e dos efetivos beneficiários dos 10 (dez) cheques administrativos citados na denúncia, pois o relatório do Banco Central teria sido elaborado sem exame acerca da pertinência das afirmações ali contidas e sem suporte probatório suficiente.

Sobre os documentos (fls. 1.120-1.411) apresentados em complementação à resposta (Lei 8.038/90, art. 5º), dei vista ao Ministério Público Federal, que ratificou a manifestação de recebimento da denúncia (fls. 1.415-1.424), aduzindo, em síntese:

a) irrelevância, para o oferecimento da peça acusatória, do relatório policial, que concluiu não ser possível individualizar as condutas, já que o Ministério Público é o titular privativo da ação penal pública;

b) inexistência de coisa julgada, pois a decisão que arquiva inquérito ou peças de informação "'não causa a preclusão, sendo uma decisão tomada rebus sic stantibus, que não produz coisa julgada' (MIRABETE, Julio F. Código de Processo Penal Interpretado 3 ed. Atlas: São Paulo. 1995. p. 57)" (fl. 1.416);

c) existência de novas provas a fundamentar a presente denúncia;

d) aptidão da denúncia, que expõe o fato criminoso, suas circunstâncias, a qualificação do acusado e a classificação do crime;

e) inocorrência de crime contra o Sistema Financeiro Nacional a justificar a ocorrência de prescrição, pois este Tribunal decidiu que a Lei 7.492/86, que disciplina os referidos crimes, não se aplica a Governadores e Secretários de Estado, por impossibilidade de se equiparar o Estado a instituição financeira;

f) incidência da causa de aumento de pena prevista no § 2º do art. 327 do Código Penal, pois não há como afastar a função de Governador de Estado do conceito de "ocupante de função de direção de órgão da administração direta" (fl. 1.423);

g) procedência das afirmações feitas na denúncia, pois não configura contradição o fato de o denunciado ter movimentado, nas aplicações em Títulos de Renda Fixa, valor superior ao dos cheques administrativos desviados, já que houve a complementação dos valores por cheques emitidos pelo próprio denunciado e por outros recursos.

Requer, ao final, seja julgada procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia.
É o relatório.

VOTO: A denúncia atribui ao Sr. Jader Barbalho a prática do crime de peculato - Código Penal, art. 312, caput, c/c o art. 327, § 2º, ambos do Código Penal - porque teria ele, quando governador do Estado, se apropriado de dinheiro pertencente ao Banco do Estado do Pará S/A - BANPARÁ, instituição financeira que pertencia ao Estado do Pará.
Os fatos tidos como delituosos estão assim descritos na denúncia (fls. 02-08):

"(...)

1. No ano de 1984, o hoje Deputado Federal JADER BARBALHO exercia o cargo de Governador do Estado do Pará. Conforme relatório final produzido pelo Banco Central do Brasil (fls. 3467/3882 - apensos 35/36), bem como demais elementos carreados aos autos, o ora denunciado, na condição de Chefe do Poder Executivo estadual, apropriou-se de dinheiro pertencente ao Banco do Estado do Pará S.A. - BANPARÁ, instituição financeira então pertencente ao Estado do Pará, em ardiloso esquema criminoso como se passa a demonstrar.
2. Resta nitidamente comprovado nos autos que foram desviados 10 (dez) cheques administrativos do BANPARÁ que compuseram, em parte, as aplicações financeiras em Títulos de Renda Fixa, na modalidade 'ao portador', na Agência 0532 (Jardim Botânico-RJ) do Banco Itaú, depositados nas seguintes datas: 17/10, 23/10, 07/11, 08/11, 29/11 e 07/12/1984. Tais aplicações foram feitas pelo denunciado JADER BARBALHO.
3. A sistemática de utilização dos cheques administrativos desviados do BANPARÁ foi bem explicada no relatório produzido pelo BACEN. Segundo noticiou, 'as aplicações compostas em parte de cheques administrativos desviados do BANPARÁ, são, em sua maioria, de valores expressivos, conforme informações prestadas pelo Banco Itaú S/A por meio de correspondência de fls. 002 a 005 do Anexo 2 [fls 3929/3932 - apenso 37], as Agências adotavam sistemática especial de captação de recursos, negociando as condições diretamente junto à Mesa de Renda Fixa localizada em São Paulo. Negociadas as condições, eram emitidas pela própria Agência, de imediato, as respectivas Ordens de Compra, utilizadas pelo investidor como comprovante da respectiva aplicação.'
4. Observe-se, por oportuno, que, à época dos fatos ora descritos, verificava-se a corriqueira utilização de cheques e de títulos ao portador, independentemente do valor nominal ou de face. Destarte, o portador do título permanecia no anonimato, como astuciosamente o fez o denunciado. Segundo informou o Banco Itaú 'quando um mesmo investidor entregava cheques de terceiros para serem aplicados, não cabia ao banco questionar se tal movimentação seria própria ou não. Porém, como havia a necessidade de controlar os cheques acatados, o funcionário procedia a anotação do número das Ordens de Compra nos versos desses cheques ou anotava o número dos cheques na 4ª via da própria Ordem de Compra. Utilizando essas informações foi possível a identificação e vinculação de diversos cheques às aplicações iniciadas com recursos desviados do BANPARÁ.' (fls. 3478 - apenso 35, grifo nosso).
5. Em relação aos recursos que compunham as aplicações ou reaplicações em Títulos de Renda Fixa, na modalidade 'ao portador', 'esclarece o Banco Itaú na mesma correspondência que na comparação entre os recursos recebidos pelo Caixa (cheques ou resgates) e os comprovantes em Títulos de Renda Fixa (saída), poderam ocorrer faltas (resíduos negativos) ou sobras (resíduos positivos). Eram importancias de pequena monta complementadas em dinheiro ou cheque do próprio investidor (resíduo negativo), ou então devolvidas no ato ou depositadas em sua conta corrente, a seu pedido' (fls. 3479 - apenso 35).
6. Ainda, com precisão, assinalou a auditoria do BACEN:

'Merece registro o fato de que durante todo o período abordado, os levantamentos mostraram a participação do Sr. Jader Fontenelle Barbalho ora se beneficiando dos resíduos positivos, ora complementando as aplicações com recursos de sua conta corrente nº 96.650-4 mantida na mesma Agência 0532-Jardim Botânico/RJ do Banco Itaú onde foram realizadas as aplicações, ora se beneficiando do produto dos resgates, além de sua presença física naquela Agência em diversos dias em que foram realizadas as aplicações, conforme anotações e assinaturas consignadas nas folhas do Livro de Registro de Aberturas Normais do Cofre Particular nº 144, que integram o Anexo 004 [fls. 3941/3948 - apenso 37], denotando ser ele o titular das operações compostas em parte com os cheques administrativos do BANPARÁ. Constatou-se, também, a utilização do produto dos resgates das aplicações em pagamentos a diversas pessoas físicas e jurídicas que possuíam algum vínculo com o Sr. Jader Fontenelles Barbalho.' (fls. 3480 - apenso 35, grifo nosso).

7. Passa-se, agora, a detalhar as aplicações que continham valores apropriados do BANPARÁ:

1. 17/10/1984: foram aplicados Cr$ 900.093.087,00, sendo Cr$ 50.000.000,00 do cheque administrativo do BANPARÁ n° 648.307 (fls. 4162/4163 do apenso 38), Cr$ 93.000,00, do cheque n° 541423, da conta corrente n° 96.650-4, da agência 0532, emitido em 17/10/1984, por JADER BARBALHO (fls. 4141/4142 do apenso 38) e o restante proveniente de outros recursos. A seqüência numérica das autenticações mecânicas, a utilização de seu cheque para complementar o valor aplicado, bem como sua presença física, exatamente no dia da aplicação (17.10.1984), às 16:00 horas, conforme anotação e assinatura consignadas no Registro de Aberturas Normais do Cofre Particular n° 144 (fls. 3947 - apenso 37), comprovam ser JADER BARBALHO o titular da referida aplicação.
2. 23/10/1984: foram aplicados Cr$ 470.008.956,00, sendo Cr$ 100.000.000,00 do cheque administrativo do BANPARÁ n° 648.316 (fls. 4176/4177 do apenso 38), Cr$ 100.000.000,00 do cheque administrativo do BANPARÁ n° 648.317 (fls. 4178/4179 do apenso 38), Cr$ 9.000,00, do cheque n° 541426, da conta corrente n° 96.650-4, da agência 0532, emitido em 17/10/1984, por JADER BARBALHO (fls. 4171/4172 do apenso 38) e o restante proveniente de outros recursos. A seqüência numérica das autenticações mecânicas, a utilização de seu cheque para complementar o valor aplicado, bem como sua presença física, exatamente no dia da aplicação (23.10.1984), às 13:35 horas, conforme anotação e assinatura consignadas no Registro de Aberturas Normais do Cofre Particular n° 144 (fls. 3947 - apenso 37), comprovam ser JADER BARBALHO o titular da referida aplicação.
3. 07/11/1984: foram aplicados Cr$ 1.318.439.358,00, sendo Cr$ 85.000.000,00 do cheque administrativo do BANPARÁ n° 84/030 (fls. 6205/6206 do apenso 46), Cr$ 500.000.000,00 do cheque administrativo do BANPARÁ n° 84/034 (fls. 6207/6208 do apenso 46), Cr$ 96.733.548,00 do cheque administrativo do BANPARÁ n° 84/036 (fls. 6209/6210 do apenso 46), e o restante proveniente de outros recursos, gerou um resíduo positivo que foi depositado na conta corrente n° 96.650-4, da agência 0532, de JADER BARBALHO (fls. 6211/6212 do apenso 46). A seqüência numérica das autenticações mecânicas, o depósito da sobra da aplicação na sua conta corrente, bem como sua presença física, exatamente no dia da aplicação (07.11.1984), às 18:16 horas, conforme anotação e assinatura consignadas no Registro de Aberturas Normais do Cofre Particular nº 144 (fls. 3947 - apenso 37), comprovam ser JADER BARBALHO o titular da referida aplicação.
4. 08/11/1984: foram aplicados Cr$ 796.571.364,00, sendo Cr$ 500.000.000,00 do cheque administrativo do BANPARÁ n° 84/035 (fls. 7030 do apenso 49), e o restante proveniente de outros recursos. A seqüência numérica das autenticações mecânicas e sua presença física, exatamente no dia da aplicação (08.11.1984), às 15:05 horas, conforme anotação e assinatura consignadas no Registro de Aberturas Normais do Cofre Particular n° 144 (fls. 3947 - apenso 37), comprovam ser JADER BARBALHO o titular da referida aplicação. Observe-se que as operações dos dias 07 e 08/11/1984, tendo sido resgatadas e reaplicadas sucessivas vezes, se juntaram em 29/05/1985.
5. 29/11/1984: foram aplicados Cr$ 1.340.058.912,00, sendo Cr$ 400.000.000,00 do cheque administrativo do BANPARÁ n° 84/086 (fls. 8860/8861 do apenso 57), Cr$ 400.000.000,00 do cheque administrativo do BANPARÁ n° 84/088 (fls. 8862/8863 do apenso 57), e o restante proveniente de outros recursos, gerou um resíduo positivo que foi depositado na conta corrente n° 96.650-4, da agência 0532, de JADER BARBALHO (fls. 8866/8867 do apenso 57). A seqüência numérica das autenticações mecânicas, o depósito da sobra da aplicação na sua conta corrente, bem como sua presença física, exatamente no dia da aplicação (29.11.1984), às 10:22 horas, conforme anotação e assinatura consignadas no Registro de Aberturas Normais do Cofre Particular n° 144 (fls. 3947 - apenso 37), comprovam ser JADER BARBALHO o titular da referida aplicação.
6. 07/12/1984: foram aplicados Cr$ 250.023.483,00, sendo Cr$ 250.000.000,00 do cheque administrativo do BANPARÁ n° 84/110 (fls. 8875/8876 do apenso 58), e o restante proveniente de uma pequena complementação. Observe-se que as operações dos dias 29/11 e 07/12/1984, tendo sido resgatadas e reaplicadas sucessivas vezes, se juntaram em 08/01/1986.

8. Todas as aplicações realizadas foram resgatadas e reaplicadas sucessivas vezes, inclusive com a incorporação de outras aplicações e recursos de outras origens. Esta cadeia de aplicações está perfeitamente delineada no minucioso relatório produzido pelo Banco Central a fls. 3467/3882 - apensos 35/36. Ressalte-se que em 31.07.1987 todas as aplicações antes discriminadas se interligaram, data em que o denunciado compareceu duas vezes na agência às 9:30 horas e à 13:30 horas, conforme anotação e assinatura consignadas no Registro de Aberturas Normais do Cofre Particular n° 144 (fls. 3948 - apenso 37), o que comprova, à toda evidência, ser JADER BARBALHO o grande beneficiado pelos desvios ocorridos no BANPARÁ no ano de 1984.
9. Ademais, torna-se ainda mais evidente constatar que o ora denunciado é o titular das referidas aplicações em Títulos de Renda Fixa, quando se verifica que foram beneficiários (destinatários finais) das aplicações o próprio JADER BARBALHO, além de empresas de sua propriedade, familiares, empregados, consoante conclusão do relatório do BACEN a fls. 3882 - apenso 36.
10. O vínculo causal existente entre os valores criminosamente desviados do BANPARÁ e os destinatários dos recursos está exaustivamente demonstrado no excelente trabalho desenvolvido pela auditoria do BACEN (fls. 3467/3882 - apensos 35/36). A visualização por meio de gráfico da série de aplicações e reaplicações dos aludidos Títulos de Renda Fixa está bem delineada a fls. 3949 (apenso 37).
11. Assim sendo, resta comprovado que nos dias 17/10, 23/10, 07/11, 08/11, 29/11 e 07/12/1984, 10 (dez) cheques administrativos do BANPARÁ n°s. 648.307, 648.316, 648.317, 84/030, 84/034, 84/035, 84/036, 84/86, 84/88 e 84/110 foram descontados e apropriados pelo denunciado JADER BARBALHO, a fim de compor, em parte, as aplicações financeiras deste em Títulos de Renda Fixa, na modalidade 'ao portador' na Agência 0532 (Jardim Botânico-RJ), do Banco Itaú.
12. Dessume-se, portanto, que o denunciado, agindo com vontade livre e consciente, dirigida à produção do resultado criminoso, nos dias 17/10, 23/10, 07/11, 08/11, 29/11 e 07/12/1984, apropriou-se de Cr$ 2.481.733.548,00, valor correspondente a US$ 913.315,86, dinheiro pertencente ao Banco do Estado do Pará S.A. BANPARÁ, instituição financeira então pertencente ao Estado do Pará, em proveito próprio. Está, pois, incurso nas penas dos art. 312, caput, c/c o art. 327, § 2°, ambos do Código Penal, por dez vezes.
(...)." (Fls. 03-07)

A denúncia, ao que se vê, afirma ter o acusado, então governador do Estado do Pará, se apropriado de dinheiro pertencente ao Banco do Estado do Pará. Dez cheques administrativos do BANPARÁ foram utilizados pelo acusado para aplicações financeiras, certo que, segundo auditoria do BACEN, "durante todo o período abordado, os levantamentos mostraram a participação do Sr. Jader Fontenelle Barbalho ora se beneficiando dos resíduos positivos, ora complementando as aplicações com recursos de sua conta corrente (...), ora se beneficiando do produto dos resgates, além de sua presença física naquela Agência em diversos dias em que foram realizadas as aplicações (...) denotando ser ele o titular das operações compostas em parte com os cheques administrativos do BANPARÁ. Constatou-se, também, a utilização do produto dos resgates das aplicações em pagamentos a diversas pessoas físicas e jurídicas que possuíam algum vínculo com o Sr. Jader Fontenelle Barbalho" (Denúncia, item 6).
A denúncia, em seguida, conforme vimos, passa a detalhar as aplicações que continham valores que teriam sido apropriados do BANPARÁ (item 7, subitens 1, 2, 3, 4, 5 e 6). A denúncia, depois, deixa expresso que "as aplicações realizadas foram resgatadas e reaplicadas sucessivas vezes, inclusive com a incorporação de outras aplicações e recursos de outras origens", o que está demonstrado "no minucioso relatório produzido pelo Banco Central às fls. 3.467-3.882 - apensos 35/36" (fl. 06).
Do relatório do Banco Central, referido na denúncia, relatório às fls. 3.467-3.882, apensos 35/36, destaco a sua conclusão:

"7. CONCLUSÃO
'Os dez cheques administrativos desviados do BANPARÁ, que compuseram, em parte, as aplicações financeiras em títulos de renda fixa ao portador na Agência 0532-Rio Jardim Botânico, do Banco Itaú S/A, foram ali depositados em seis datas distintas: 17/10, 23/10, 07/11, 08/11, 29/11 e 07/12/1984.
À exceção do dia 07/12/1984, em todos os outros foi constatada a presença física do sr. Jader Fontenelle Barbalho na Agência, inclusive com algumas coincidências de horários entre a sua visita à Agência e as autenticações dos documentos que compuseram as aplicações. Nessas mesmas datas, à exceção dos dias 08/11/1984 e 07/12/1984, existem registros de movimentações de recursos financeiros em sua conta corrente n° 96.650-4, mantida na mesma Agência 0532-Rio-Jardim Botânico do Banco ltaú em que foram realizadas tais aplicações, que correspondem aos resíduos positivos e/ou negativos das respectivas operações.
As sucessivas aplicações em títulos de renda fixa ao portador, relacionadas com os desvios do BANPARÁ, foram efetuadas na Agência 0532-Rio Jardim Botânico do Banco Itaú S/A, no Rio de Janeiro, no período de 06/04/1984 a 16/08/1989, em 257 dias úteis.
O gráfico das operações realizadas, objeto do Anexo 005, bem como a descrição constante nos itens 5.1 a 5.6, relativa a cada uma das ocorrências nos 257 dias úteis em que foram efetuadas, demonstram o vínculo causal existente entre os recursos desviados do BANPARÁ, as aplicações/resgates/reaplicações em títulos de renda fixa ao portador e os respectivos beneficiários finais.
Os levantamentos mostram a participação do sr. Jader Fontenelle Barbalho ora se beneficiando dos resíduos positivos, ora complementando as aplicações com recursos de sua conta corrente n° 96.650-4 mantida na mesma Agência 0532-Jardim Botânico/RJ do Banco Itaú onde foram realizadas as aplicações, além de sua presença física naquela Agência em diversos dias em que foram realizadas as sucessivas reaplicações, conforme anotações e assinaturas consignadas nas folhas do Livro Registro de Aberturas Normais do Cofre Particular n° 144, que integram o Anexo 004.
Em algumas operações o sr. Jader Fontenelle Barbalho foi beneficiário não apenas dos resíduos das operações mas do produto de seus resgates, cabendo destaque para o resgate de duas aplicações sendo: i) parte da aplicação de 17/06/87, ocorrido em 20/08/87 e ii) parte da aplicação de 20/08/87, ocorrido em 10/08/88, em que além de ser beneficiário direto de parte das aplicações, utilizou-se do produto dos resgates para pagamento de seus seguros de Acidentes Pessoais à Itaú Seguros S/A (v. itens 5.122 e 5.200).
Constatou-se a utilização do produto dos resgates das aplicações em pagamentos a diversas pessoas físicas e jurídicas que possuíam algum vínculo de ligação com o sr. Jader Fontenelle Barbalho e pagamentos a terceiros, por conta e ordem dessas mesmas pessoas.
Do total de 257 dias úteis em que foram realizadas as operações, em 30 (11,6%) foi constatada a presença física do sr. Jader Fontenelle Barbalho na Agência; em 52 (20%) os resíduos positivos e/ou negativos foram recebidos e/ou pagos pelo sr. Jader Fontenelle Barbalho e em 114 (44%) houve pagamentos para o sr. Jader Fontenelle Barbalho e/ou a pessoas físicas e jurídicas a ele ligadas (Anexo 005).
As aplicações foram efetuadas com recursos que tiveram origem em diversas fontes, a saber: i) nos desvios do BANPARÁ; ii) em cheques de Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários; iii) em cheques de pessoas físicas e jurídicas e iv) em recursos cuja origem não foi possível identificar. Esses recursos se juntaram no momento das aplicações, não havendo como separá-los por fonte nas datas dos resgates uma vez que no momento da aplicação não foi feita tal separação.
As principais origens dos recursos utilizados nas aplicações e os destinatários do conjunto desses recursos, estão identificados no quadro a seguir, cabendo registrar que, em função do tempo decorrido entre a realização das operações e a elaboração deste trabalho, não foi possível identificar algumas fontes e destinos.

[...]**

Brasília(DF), 04 de outubro de 2002.
(...)."

A defesa do acusado busca apoio na manifestação do agente policial, no sentido de que não haveria condições de se afirmar que o denunciado teria cometido o delito. É que o agente policial afirmara que não seria possível individualizar condutas (fls. 1.000-1.010). Trata-se, entretanto, como bem registra o Ministério Público Federal, de mera opinião manifestada pelo agente do órgão policial. Está na manifestação do Ministério Público Federal, fl. 1.416 do volume VI:

"(...)
5. De fato, a polícia federal - em relatório confeccionado por agente de polícia - concluiu não ser possível individualizar condutas (fls. 1000/1010). Pouco importa! É totalmente irrelevante para o oferecimento da peça acusatória a 'opinião' do órgão policial. O Ministério Público, como titular privativo da ação penal pública, é que detém a tarefa de avaliar os fatos trazidos aos autos e formar livremente sua convicção, vale dizer, concordando ou não com o relatório produzido pela polícia judiciária. Diga-se, a propósito, que as investigações que duraram quase 3 (três) anos só foram concluídas depois do excelente trabalho realizado pelo Banco Central, cujo relatório a defesa busca desdenhar.
(...)." (Fl. 1.416)

Sustenta-se, também, ocorrer coisa julgada: os fatos que deram suporte à denúncia foram objeto de outros procedimentos, já arquivados. O Tribunal de Justiça do Pará deferiu, em 1993, habeas corpus para impedir seu indiciamento em inquérito policial instaurado para apurar o desvio de recursos do BANPARÁ.
A alegação não tem procedência.
A decisão que manda arquivar inquérito ou peças de informação "não causa preclusão, sendo uma decisão tomada rebus sic stantibus, que não produz coisa julgada", segundo a lição de Mirabete ("Cód. de Proc. Penal Interpretado", 3ª ed., Ed. Atlas, 1995, p. 57). No mesmo sentido a Súmula 524-STF. Com propriedade, rebate o Ministério Público Federal a alegação da defesa:
"(...)
8. O presente inquérito - INQ 1769 - foi instaurado em 07.08.2001 - em data posterior à manifestação do então Vice-Procurador-Geral da República - atendendo a requerimento do Ministério Público Federal, e fundou-se na existência de provas novas. A respeito deste fato, o pedido de instauração de inquérito exaustivamente relatou todas as investigações anteriores a que se refere a defesa e apontou com clareza a existência de provas novas a ensejar a reabertura do caso. Para que não se torne repetitivo sugere-se a leitura dos itens 33 a 57 (fls. 27 a 34), dos quais destacamos alguns verbis:


'41. Ressalte-se, por oportuno, que é neste momento que surgem fatos novos aptos a ensejar o presente requerimento de instauração de inquérito penal, pois somente agora, foi possível identificar, com objetividade, os beneficiários do esquema de desvio de recursos do Banco Estadual do Pará.
42. Por meio do Ofício PRESI 2001/1836, de 19/07/2001, o Presidente do Banco Central apresentou os servidores daquela autarquia, Srs. ANTÔNIO PEREIRA DE SOUZA e NELSON RODRIGUES DE OLIVEIRA, para auxiliar nos trabalhos de apuração.
43. Posteriormente, o Presidente do BACEN, por meio dos Ofícios PRESI 2001/1922 e 2001/1937, respectivamente datados de 27 de julho e 30 de julho, ambos de 2001, esclareceu uma série de questões pertinentes à matéria. São estes os elementos novos que reputo imprescindíveis para abertura do presente inquérito. Note-se que o Ministério Público Federal não dispunha destes novos fatos em maio de 2001 [data do último arquivamento]
44. Nos ofícios antes mencionados, o Banco Central esclarece os percursos do dinheiro desviado, bem como aponta de maneira inquestionável a participação do Senador JADER BARBALHO nas irregularidades praticadas no BANPARÁ em 1984. Anexo ao Ofício PRESI-2001/1937, a mim dirigido, encontra-se cópia de um quadro demonstrativo elaborado pelos citados técnicos da autarquia no final de junho do corrente ano, descrevendo o caminho percorrido pelos cheques administrativos do Banco Estadual, informando a composição das aplicações e resgates dos recursos desviados em títulos de renda fixa ao portador.
45. Essas percucientes informações prestadas agora pelo Banco Central do Brasil, somadas à Nota Técnica nº 019/2001, elaborada pela da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, de 2/08/2001, deixam absolutamente claro o fato de que, somente agora, dispõe esta Procuradoria-Geral da República de elementos novos aptos a embasar o presente requerimento de instauração de inquérito penal originário.
46. Noutro giro, cumpre tecer algumas considerações acerca do Inquérito Policial n.º 900765644, instaurado pela Portaria nº 023/90-DO/DOPS da SSP-PA e arquivado pela Justiça do Estado do Pará. Tal inquérito teve seu objeto de investigação delimitado à apuração tão-somente da emissão dos cheques n.º 84/034, 84/035 e 84/036. As razões para a reabertura deste procedimento, sim, implicam a demonstração da presença de novas provas, de que se tem notícia, tal como estabelece o art. 18, do Código de Processo Penal, e a Súmula n.º 524, desse Excelso Pretório.' (fls. 29/30).

9. Portanto, descabe assinalar a ocorrência de coisa julgada. Aliás, bem ressaltou a auditoria do Banco Central que somente agora, com a quebra do sigilo bancário determinada por V. Exª. é que foi possível reconstituir todos os fatos criminosos, verbis:

'Por determinação do E. Supremo Tribunal Federal, foram efetuadas diligências junto a diversas Instituições Financeiras no sentido de se apurar e identificar a titularidade e os beneficiários das diversas; aplicações em Títulos de Renda Fixa ao portador efetuadas na Agência 0532-Rio/Jardim Botânico do Banco Itaú S.A, cujos recursos financeiros tiveram origem, em parte, nos desvios ocorridos no Banco do Estado do Pará S.A - BANPARÁ, notadamente nos meses de outubro a dezembro de 1984.
Também foi determinado oficiar o extinto Banco Econômico S.A para que remetesse toda a documentação relativa a um dos cheques desviados do BANPARÁ, o de nº 84/029, de 01/11/84, compensado na Agência Nazaré em Belém/PA.
A quebra do sigilo bancário foi autorizada de forma ampla de modo a permitir que se definissem os autores das ordens de aplicação/resgate, nome e CPF dos proprietários das contas de onde teriam saído os recursos para aplicação, bem como das contas onde os resgates teriam sido depositados.' (fls. 3.476 - apenso 35)


10. Está demonstrada, pois, a existência de provas novas somente agora obtidas e devidamente analisadas pelo órgão técnico competente. Ademais, se a verificação da coisa julgada é tão patente como alega a defesa indaga-se por que não foi impetrado habeas corpus, para trancar o inquérito policial, quando da abertura do presente procedimento investigatório há 3 anos?
(...)." (Fls. 1.417-1.418)

Sustenta a defesa, também, a inépcia da denúncia, que não teria observado o art. 41 do Código de Processo Penal, "porquanto não indica as circunstâncias pelas quais o desvio teria sido perpetrado, limitando-se a sustentar, com muita dificuldade, que o acusado teria sido beneficiário dos recursos apropriados indevidamente." (fl. 1.068).
Não procede o alegado.
A denúncia é minuciosa, contendo os requisitos inscritos no art. 41 do CPP. Ela expõe o fato tido como criminoso, com todas as suas circunstâncias, descrevendo crime em tese.
No ponto, escreve o Ministério Público Federal, pelo seu ilustre Chefe, o Prof. Cláudio Fonteles:

"(...)
13. Narra a acusação que no ano de 1984, o hoje Deputado Federal JADER BARBALHO, então na condição de Governador do Estado do Pará, apropriou­se de dinheiro pertencente ao Banco do Estado do Pará S.A. - BANPARÁ em esquema criminoso minuciosamente relatado pelo Banco Central do Brasil em documento acostado a fls. 3.467/3.882 - apensos 35/36. Aponta a narrativa acusatória precisamente o desvio de 10 (dez) cheques administrativos do BANPARÁ que compuseram, em parte, as aplicações financeiras em Títulos de Renda Fixa, na modalidade 'ao portador', na Agência 0532 (Jardim Botânico-RJ) do Banco Itaú, depositados nas seguintes datas: 17/10, 23/10, 07/11, 08/11, 29/11 e 07/12/1984. Aborda a sistemática de utilização dos cheques administrativos desviados e estabelece com nitidez o vínculo entre os desvios perpetrados e o acusado, especialmente nos itens 6 e 7 (fls. 4/5). Comprova de forma categórica a presença do Sr. JADER BARBALHO na agência do Jardim Botânico-RJ nos dias em que as operações foram realizadas, conforme anotação e assinatura consignadas no Registro de Aberturas Normais do Cofre Particular n° 144 (fls. 3.948 - apenso 37). A denúncia, pois, individualiza o comportamento criminoso do acusado concluindo:

'12. Dessume-se, portanto, que o denunciado, agindo com vontade livre e consciente, dirigida à produção do resultado criminoso, nos dias 17/10, 23/10, 07/11, 08/11, 29/11 e 07/12/1984, apropriou-se de Cr$ 2.481.733.548,00, valor correspondente a US$ 913.315,86, dinheiro pertencente ao Banco do Estado do Pará S.A. - BANPARÁ, instituição financeira então pertencente ao Estado do Pará, em proveito próprio. Está, pois, incurso nas penas dos art. 312, caput, c/c o art. 327, § 2° ambos do Código Penal, por dez vezes.' (fls. 7).

14. Tem-se, pois, a exposição do fato criminoso, suas circunstâncias, a qualificação do acusado e a classificação do crime.
(...)." (Fl. 1.419)

Ademais, o desmembramento do feito relativamente aos acusados que não gozam do foro por prerrogativa de função - que não têm, portanto, foro privilegiado - em nada prejudica a denúncia formulada. Vale transcrever, também nesta parte, a manifestação do Ministério Público Federal:

"(...)
15. Com relação ao argumento de que o desmembramento do feito requerido pelo Ministério Público Federal em relação às pessoas que não gozam de foro por prerrogativa de função, tal circunstância em nada prejudica a denúncia formulada. Primeiro, pelo singelo fato do denunciado ser o único com direito ao foro por prerrogativa de função a ser julgado por esse Excelso Supremo Tribunal Federal. Em segundo lugar, não há qualquer contradição em se afirmar que o único efetivamente beneficiário do esquema criminoso foi o ora denunciado JADER FONTENELLE BARBALHO. A participação ou não das demais pessoas citadas no presente inquérito nos fatos delituosos é tarefa, agora, da justiça estadual do Pará. Vale dizer, para o Ministério Público Federal não resta qualquer dúvida da prática de crime pelo denunciado, tanto é que ofereceu a denúncia, o mesmo não podendo ser dito em relação aos demais. Em suma, refuta-se a preliminar suscitada.

(...)." (Fl. 1.420)

Sustenta o acusado, ainda, que o relatório do Banco Central teria sido manipulado e contém imprecisões técnicas. Essa é uma questão que deverá ser objeto da instrução criminal, vale dizer, deverá ser apreciada no contexto probatório.
A alegação da ocorrência de prescrição não procede. É que os fatos, segundo a defesa, estariam a tipificar crime contra o Sistema Financeiro Nacional e estaria mencionado delito prescrito.
No ponto, assim se manifestou o Ministério Público Federal:

"(...)
16. Aduz a defesa, também como preliminar, a ocorrência da prescrição, pois os fatos teriam correspondência fática no art. 5° da Lei n° 7.492/86 e não no art. 312 c/c o art. 327, § 2°, ambos do CP. Alega também a impossibilidade de se aplicar o conceito de função de direção à Governador de Estado.
17. Não há que se sustentar a ocorrência na hipótese de crime contra o sistema financeiro nacional. Disciplina o art. 25 da Lei n° 7.492/86, de forma restrita, quais são os sujeitos ativos dos crimes próprios dó sistema financeiro nacional:

'Art. 25 - São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes.
Parágrafo único - Equiparam-se aos administradores de instituição financeira o interventor, o liquidante ou o síndico.' (grifo nosso).

18. Não está abrangido no dispositivo legal o Governador de Estado. Esse Supremo Tribunal Federal já reconheceu a inaplicabilidade da Lei n° 7.492/86 à Estado da Federação, não cabendo responsabilizar Governadores e Secretários de Estado à luz desse diploma legal. A ementa do acórdão, relatado por V. Exa., está assim disposta verbis:

'EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. PRECATÓRIOS. SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL: CRIMES: Lei 7.492, 'de 1986. artigos 5º, 6° e 7º, II. FALSIDADE IDEOLÓGICA: CÓDIGO PENAL, art. 299, parágrafo único: DISPENSA IRREGULAR DE LICI­TAÇÃO: Lei 8.666/93, art. 5°.
I. - Apreciação da denúncia relativamente ao parlamentar que é titular de foro por prerrogativa de função no Supremo Tribunal Federal.
II. - Delito inscrito tio art. 7°, 11, da Lei 7.492/86: inépcia da denúncia, tio ponto.
III. - Delitos contra o Sistema Financeiro Nacional: Lei 7.492/86, arts. 5°, 6° e 7º, II: impossibilidade de o Estado ser equiparado a uma instituição financeira: Lei 7.492/86, art. 1º, parágrafo único: o Estado, ao emitir títulos da dívida pública (Letras Financeiras do Estado) e colocá-las no mercado, para obter recursos para o Tesouro, não atuou como se fosse instituição financeira. Na aplicação da lei penal, vigora o princípio da reserva legal. Somente os entes que se enquadrem no conceito de instituição financeira, definidos no art. 1º e parágrafo único da Lei 7.492/86, é que respondem pelos tipos penais nela estabelecidos.
IV. - Falsidade ideológica: C.P., art. 299, parágrafo único: a terceiros é atribuída a escrituração dos dados que continham erros, certo que os precatórios pendentes de pagamento não foram levantados pelo acusado, Secretário de Estado, mas por equipes de diversos órgãos, que teriam cometido as erronias e os equívocos. Impossibilidade de ser responsabilizado o Secretário de Estado pela prática do fato, a menos que fosse possível a invocação da responsabilidade objetiva, inadmissível em matéria penal. V. - Delito do art. 89 da Lei 8.666/93: dispensa irregular de licitação: inocorrência de prova no sentido de que o Secretário de Estado haja determinado, pessoalmente, o ato. Também aqui, ter-se-ia fato de terceiro.
VI. - Denúncia rejeitada. Extensão da decisão aos demais denunciados pelos delitos contra o Sistema Financeiro Nacional: Lei 7.492/86, artigos 5° 6° e 7°, II." (INQ 1690-PE, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ 30.04.2004, grifo nosso).

19. Quanto à interpretação do mencionado art. 25, V. Exa. sustentou que:

'Tal interpretação, que vê no art. 25 da Lei 7.492/86 unia norma de presunção absoluta de responsabilidade penal, readmite a proscrita responsabilidade penal objetiva e é manifestamente infringente do direito penal em vigor, informado pelo princípio do nullum crimen sine culpa, que requisita, como pressuposto, já ao nível da conduta e, pois, da tipicidade, a efetiva prática ou a participação da e na ação criminosa, em última análise afirmadas desnecessárias.' (fls. 329/330 do voto).

20. Vale dizer, o Governador não era diretor, gerente, interventor, liquidante ou o síndico do BANPARÁ S.A., que contava com diretoria própria. O acusado agiu na qualidade de chefe da administração estadual, caracterizando, portanto, o crime de peculato e não o delito previsto no art. 5º da Lei nº 7.492/86. Da mesma forma que se apropriou de dinheiro pertencente ao Banco Estadual poderia ter se apropriado de valores ou bens de qualquer outro órgão público que tinha ingerência hierárquica. Em resumo, o fato de ter se apropriado de cheques administrativos do BANPARÁ S.A. não faz com que o denunciado se enquadre como sujeito ativo de crimes contra o sistema financeiro nacional.
(...)." (Fls. 1.420-1.422)

Correto o entendimento.
A Lei 7.492, de 1986, art. 5º, posterior à ocorrência dos fatos, no art. 25, estabelece quais são os sujeitos ativos dos crimes próprios do Sistema Financeiro Nacional: o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes, a estes equiparados o interventor, o liquidante ou o síndico (art. 25, parág. único).
No caso, tem-se o Governador do Estado do Pará, que não era diretor, gerente, liquidante, interventor ou síndico.
A alegação no sentido da impossibilidade de aplicação, no caso, do disposto no § 2º do art. 327 do Código Penal (causa de aumento de pena) não tem procedência.
No ponto, assim se manifestou o Ministério Público Federal:

"(...)
21. No tocante à causa de aumento de pena prevista no § 2° do art. 327 do CP, na cota que acompanhou a denúncia está expressamente consignado:

'10. Cabe neste momento, ainda, algumas observações quanto à causa de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º, do CP, acrescentada pela Lei n° 6.799/80 - quando o crime for cometido por ocupante de função de direção de órgão da administração direta - descrita na denúncia.
11. É oportuno frisar que o BANPARÁ, à semelhança dos demais bancos estaduais, apresenta-se conto instituição financeira de peculiar feição: consiste em agente do desenvolvimento sócio­econômico do Estado do Pará. Cuida-se de sociedade de economia mista, com participação do Poder Público e de particulares no seu capital e na sua administração. Integra, vale dizer, a Administração indireta, sendo espécie do gênero paraestatal, na medida em que sua criação adveio do próprio Estado, e ao lado do Estado e sob seu controle desempenha as atribuições de interesse público que lhes foram cometidas (a respeito, Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 21ª edição. São Paulo: Malheiros, 1996, páginas 331/339).
12. A situação jurídica do BANPARA tem conto consectário inexorável a participação ativa do Poder Público na vida e realização da empresa: isto é, reserva-se ao Estado o poder de atuar nos negócios sociais.
13. Essa feição peculiar de que se reveste o BANPARA. assim como todos os bancos estaduais, confere ao Governador do Estado - chefe do Poder Executivo Estadual - poder de direcionamento e atuação nos seus negócios. Aliás, foi o próprio JADER BARBALHO, na condição de Governador do Estado do Pará, que nomeou os dirigentes do BANPARÁ (vide depoimentos dos funcionários do banco). Portanto, resta demonstrada na denúncia a referida causa de aumento.' (fls. 1.020/1.021)

22. Não há como, portanto, afastar o Governador de Estado, Chefe de Governo da administração estadual, autoridade máxima do Poder Executivo Estadual, do conceito de 'ocupante de função de direção de órgão da administração direta' inserto no já mencionado § 2° do art. 327 do Código Penal.
(...)". (Fls. 1.422-1.423)

Correto o entendimento.
Com efeito.
A regra do § 2º do art. 327 do Código Penal é que a pena será aumentada da terça parte quando o autor do crime for ocupante de cargo em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.
Numa interpretação literal do texto, poder-se-ia concluir que o governador, denunciado pelo crime de peculato, não se incluiria no dispositivo legal indicado.
Ter-se-ia, com isso, mera interpretação literal. Todavia, a interpretação literal não é interpretação, mas simples leitura do texto a ser interpretado. A partir dessa leitura, passa-se, então, à interpretação. Esta exige, primeiro que tudo, que se busque a ratio do texto interpretando, a fim de que seja realizada a sua finalidade. É o que procuraremos fazer. O governador, o prefeito, o presidente da República, enfim, qualquer autoridade pública pode ser sujeito do crime de peculato. É dizer, tais autoridades estão na cabeça do art. 312 do Código Penal. Indaga-se agora: qual a razão da regra do § 2º do art. 327 do Código Penal? A razão é esta: quem exerce cargo em comissão geralmente exerce cargo de direção. Esse servidor tem, pois, relativamente aos servidores que chefia, responsabilidade maior, e maior, evidentemente, poder de disposição dos bens públicos. Se é assim relativamente ao servidor que ocupa cargo em comissão, o que dizer exercentes dos cargos de chefia do executivo, do prefeito, do governador ou do Presidente da República? Evidentemente que esses dirigentes superiores da administração pública têm responsabilidade muito maior do que o mero exercente de cargo em comissão, do detentor de DAS. E o poder de disposição dos bens públicos, que detêm é, também, muito maior do que o do mero exercente de cargo em comissão, do mero detentor de DAS.
Observada, então, a ratio legis, a razão da norma inscrita no § 2º do art. 327 do Código Penal, forçoso é convir que está o governador nela incluído.
O raciocínio acima não implica interpretação analógica ou extensiva, mas, simplesmente, interpretação compreensiva do texto. Está-se, simplesmente, interpretando a norma, observada a sua razão e a sua finalidade.
Afasto, destarte, a alegação no sentido de que não seria aplicável, no caso, a regra do § 2º do art. 327 do Código Penal.
As demais alegações postas na defesa dizem respeito ao mérito da ação penal e somente serão esclarecidas na instrução criminal, com a realização das provas requeridas, como bem deixou expresso o Ministério Público Federal:

"(...)
24. A defesa pretende, na realidade, examinar todo o conjunto probatório carreado aos autos, o que certamente não se coaduna com o presente momento processual de delibação quanto ao recebimento da denúncia. De toda sorte, não procedem os argumentos trazidos pela defesa.
25. Em primeiro lugar, indaga a defesa como 'poderia o denunciado ter se beneficiado dos recursos como alega a acusatória, se os valores dos Cheques administrativos representam a quinta parte dos recursos movimentados pelo Denunciado' (fls. 1086). Não há qualquer contradição. Nunca afirmou o Ministério Público Federal, em sua acusação, que o montante de recursos aplicados nos Títulos de Renda Fixa tenham sido exclusivamente fruto dos cheques administrativos apropriados do BANPARÁ. Ao contrário, sempre se asseverou que o dinheiro desviado do banco estadual fazia 'parte' das aplicações. Leia-se, a respeito, o item 2 da denúncia:

'2. Resta nitidamente comprovado nos autos que foram desviados 10 (dez) cheques administrativos do BANPARÁ que compuseram, em parte, as aplicações financeiras em Títulos de Renda Fixa (..)' (fls. 3 grifo nosso).

26. Portanto, não há qualquer contradição em se afirmar que o denunciado se apropriou de US$ 913.315,86 pertencentes à instituição financeira estadual, que somados a inúmeros outros valores - pouco importando a origem - compuseram as aplicações em Títulos de Renda Fixa. Isto está claro na denúncia e muito bem assinalado no relatório do Banco Central, especialmente a fls. 3882 do apenso 36. Se ao final das inúmeras aplicações e reaplicações o denunciado obteve ganhos muitos maiores, tal fato em nada afasta sua responsabilidade pessoal pela apropriação de quantia pertencente ao BANPARÁ.
27. Ademais, o próprio denunciado admite que esteve presente pessoalmente na agência do Jardim Botânico (fls. 1089) nos dias em que foram depositados os cheques desviados do BANPARÁ. Ora, Excelência, só a presença deste indício seria causa bastante (fumus boni juris) para o recebimento da vestibular acusatória. É de se perguntar: por que cheques do banco estadual do Pará estavam sendo depositados numa agência de instituição financeira privada, na cidade do Rio de Janeiro, exatamente nos dias em que o Sr. JADER BARBALHO, então Governador do Estado do Pará, lá esteve presente? Pergunta, que não cala, não a responde a defesa!
(...)." (Fls. 1.423-1.424)

O que deve ser reconhecido, no caso, é que a denúncia descreve crime em tese, crime de peculato inscrito no art. 312 do Código Penal. Sujeito ativo do crime de peculato é o funcionário público, considerado este no seu conceito amplo (Código Penal, art. 327). No que toca ao tipo objetivo do delito, "no peculato próprio, definido no caput do art. 312, as condutas típicas constituem-se em apropriação ou desvio. No peculato apropriação, o agente se dispõe a fazer sua a coisa de que tem a posse legítima, pressuposto do crime. Se ilegítima, ou se o bem não está sob a guarda da Administração pode ocorrer outro delito. No conceito de posse inclui-se não só a detenção material como o poder de disposição dos bens" (Júlio Fabrini Mirabete, "Código Penal Interpretado", Ed. Atlas, 2ª ed., 2001, pág. 1.904). Tratando-se de peculato, basta o dolo genérico, vale dizer, a vontade consciente de apropriar-se do dinheiro de que o agente tem a posse ou o poder de disposição, consumando-se o delito de peculato apropriação quando o servidor público "torna seu o dinheiro, valor ou bem móvel de que tem a posse em razão do cargo, ou seja, passa a dispor do objeto material como se fosse seu" (Mirabete, ob. cit., pág. 1.913).
No caso, vale repetir, a denúncia descreve crime em tese, pelo que deve ser recebida.
De todo o exposto, recebo a denúncia.

VOTO (EXPLICAÇÃO): Srs. Ministros, qual é a ratio legis dessa norma? Parece-me a seguinte: aquele que tem a função de direção, evidentemente que tem maior responsabilidade e facilidade em apropriar-se do dinheiro público. Ora, dizer que somente o ocupante do DAS, cargo em comissão, de função de direção ou assessoramento de órgão da Administração direta estaria sujeito a essa regra, e que não estaria sujeito a essa regra o prefeito ou o governador do estado, enfim, a autoridade que tem maior disponibilidade dos bens públicos, não me parece correto, nem justo. Na verdade, essa interpretação da norma não me parece correta. É interpretar a norma sem buscar-lhe a razão, a finalidade.
Ouvi, com a maior atenção, a sustentação do eminente Advogado, Professor Malheiros, que tenho razões para admirar. Porém, com a vênia devida a Sua Excelência, penso que tem aplicação, às inteiras, no caso, a norma do § 2º do artigo 327 do Código Penal.
Aliás, o eminente Procurador-Geral disse que já teria sustentado tese contrária, mas, como bem afirmou, "somente os tolos não se reconsideram". S. Exa. se reconsiderou e, a meu juízo, fez bem em fazê-lo.

* acórdão pendente de publicação

** suprimido tabela, constante do texto, por incompatibilidade com a formatação adotada pelo Informativo.


Homologação de Sentença Estrangeira - Incompetência Superveniente do STF - EC 45/2004 (Transcrições)

SEC 5778/Estados Unidos da América*

RELATOR: MINISTRO CELSO DE MELLO

EMENTA: HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA E CONCESSÃO DE "EXEQUATUR" ÀS CARTAS ROGATÓRIAS PASSIVAS. EVOLUÇÃO DO TRATAMENTO NORMATIVO DESSE TEMA NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO (IMPÉRIO/REPÚBLICA). LIMITES AO PODER DE DELIBAÇÃO DO TRIBUNAL DO FORO. SISTEMA DE CONTENCIOSIDADE LIMITADA. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. PROMULGAÇÃO DA EC 45/2004. INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REGRA DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL. SUPERVENIENTE CESSAÇÃO DA COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ATRIBUIÇÃO JURISDICIONAL AGORA DEFERIDA AO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (CF, ART. 105, I, "I"). INAPLICABILIDADE, AO CASO, DO POSTULADO DA "PERPETUATIO JURISDICTIONIS" (CPC, ART. 87, "IN FINE"). REMESSA IMEDIATA DOS AUTOS AO E. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

DECISÃO: Trata-se de ação de homologação de sentença estrangeira que foi ajuizada, originariamente, perante o Supremo Tribunal Federal, em momento anterior ao da promulgação da EC 45/2004, que atribuiu, ao E. Superior Tribunal de Justiça, competência para processar e julgar "a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias" (CF, art. 105, I, "i").
Cabe relembrar, a título de registro histórico, que, durante o Império, por efeito de mera lei ordinária (Lei nº 2.615, de 1875), e, também, do Decreto nº 6.982, de 1878, elaborado pelo Conselheiro LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA, a atribuição para homologar sentenças estrangeiras cíveis ou comerciais inseria-se na esfera de competência dos Juízes e Tribunais nacionais que fossem competentes para julgar a causa, se esta houvesse sido ajuizada em território brasileiro.

Com a proclamação da República, e ante a omissão da Constituição Federal de 1891, que nada dispôs a respeito, foi editada, pelo Congresso Nacional, a Lei nº 221, de 1894, que outorgou, ao Supremo Tribunal Federal, competência, para, em instância de mera delibação, homologar, ou não, as sentenças estrangeiras que fossem submetidas à sua apreciação.

Daí o registro feito por AGUSTINHO FERNANDES DIAS DA SILVA, que, em obra monográfica destinada à análise do tema ("Direito Processual Internacional", p. 26/27, item n. 21, 1971, Rio de Janeiro), deixou consignada a seguinte observação:

"A Constituição de 1891 omitiu a homologação das sentenças estrangeiras, que a jurisprudência, porém, estabeleceu estar implícita na competência do Supremo Tribunal Federal. Essa omissão foi sanada pela Constituição de 1934 (...), tornando firme, do ponto de vista constitucional, a competência da Corte Suprema para homologar as sentenças estrangeiras, conforme dispunha a Lei n. 221, de 1894." (grifei)

A Lei Fundamental de 1988 - observando uma tradição de nosso constitucionalismo republicano, que foi inaugurada pela Constituição de 1934 (art. 76, I, g) e mantida, até a promulgação da EC 45/2004, pelos ordenamentos constitucionais subseqüentes - atribuiu, ao Supremo Tribunal Federal, competência originária para homologar a sentença estrangeira que não se revelasse ofensiva à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes (CF, art. 102, I, h; RISTF, art. 216).

O Supremo Tribunal Federal, no exercício dessa competência, dispunha de poderes limitados, pois não lhe cabia rejulgar o litígio decidido em outro país, considerado o sistema de delibação consagrado pelo ordenamento positivo brasileiro, incompatível - segundo o magistério de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA ("Temas de Direito Processual - Quinta Série", p. 154/155, 1994, Saraiva) - com a revisão de fundo do ato sentencial estrangeiro.

Esse entendimento, apoiado em autorizado magistério doutrinário (HERMES MARCELO HUCK, "Sentença estrangeira e Lex Mercatoria", p. 45, 1994, Saraiva; YUSSEF SAID CAHALI, "Dos Alimentos", p. 860, 2ª ed., 1993, RT, v.g.), sempre prevaleceu na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

"SENTENÇA ESTRANGEIRA - HOMOLOGAÇÃO - SISTEMA DE DELIBAÇÃO - LIMITES DO JUÍZO DELIBATÓRIO - PRESSUPOSTOS DE HOMOLOGABILIDADE (...).
- As sentenças proferidas por tribunais estrangeiros somente terão eficácia no Brasil depois de homologadas pelo Supremo Tribunal Federal.
O processo de homologação de sentença estrangeira reveste-se de caráter constitutivo e faz instaurar uma situação de contenciosidade limitada. A ação de homologação destina-se, a partir da verificação de determinados requisitos fixados pelo ordenamento positivo nacional, a propiciar o reconhecimento de decisões estrangeiras pelo Estado brasileiro, com o objetivo de viabilizar a produção dos efeitos jurídicos que são inerentes a esses atos de conteúdo sentencial.
- O sistema de controle limitado, que foi instituído pelo direito brasileiro em tema de homologação de sentença estrangeira, não permite que o Supremo Tribunal Federal, atuando como Tribunal do foro, proceda, no que se refere ao ato sentencial formado no Exterior, ao exame da matéria de fundo ou à apreciação de questões pertinentes ao 'meritum causae', ressalvada, tão-somente, para efeito do juízo de delibação que lhe compete, a análise dos aspectos concernentes à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes.
Não se discute, no processo de homologação, a relação de direito material subjacente à sentença estrangeira homologanda.(...)."
(RTJ 175/521-522, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Cumpre assinalar, de outro lado, que essa mesma orientação jurisprudencial, pertinente à homologação de sentenças estrangeiras, também foi consagrada, por esta Suprema Corte, em tema de comissões rogatórias passivas:

"CARTA ROGATÓRIA PASSIVA. IMPUGNAÇÃO. SISTEMA DE CONTENCIOSIDADE LIMITADA. IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DO MÉRITO DA CAUSA PERANTE O STF. A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA INTERNACIONAL CONCORRENTE DA JUSTIÇA BRASILEIRA. EFETIVAÇÃO, NO BRASIL, DA CITAÇÃO DE PESSOA AQUI DOMICILIADA. EXEQUATUR CONCEDIDO.
.......................................................
MÉRITO DA CAUSA - IMPOSSIBILIDADE DE SUA DISCUSSÃO NO PROCEDIMENTO ROGATÓRIO - SISTEMA DE CONTENCIOSIDADE LIMITADA.
- Em tema de comissões rogatórias passivas - tanto quanto em sede de homologação de sentenças estrangeiras -, o ordenamento normativo brasileiro instituiu o sistema de contenciosidade limitada, somente admitindo impugnação contrária à concessão do exequatur, quando fundada em pontos específicos, como a falta de autenticidade dos documentos, a inobservância de formalidades legais ou a ocorrência de desrespeito à ordem pública, aos bons costumes e à soberania nacional.
Torna-se inviável, portanto, no âmbito de cartas rogatórias passivas, pretender discutir, perante o Tribunal do foro (o Supremo Tribunal Federal, no caso), o fundo da controvérsia jurídica que originou, no juízo rogante, a instauração do pertinente processo, exceto se essa questão traduzir situação caracterizadora de ofensa à soberania nacional ou de desrespeito à ordem pública brasileira. Precedentes. (...)."
(CR 8.346/Estados Unidos da América, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 26/04/1999)

Ocorre, no entanto, como precedentemente salientado, que o Congresso Nacional, ao promulgar a EC 45/2004, modificou a regra de competência anteriormente inscrita no art. 102, I, "h" da Carta Política, deslocando, para a esfera de atribuições jurisdicionais originárias do Superior Tribunal de Justiça, o poder para apreciar as ações de homologação de sentenças estrangeiras, de um lado, e para conceder "exequatur" às cartas (ou comissões) rogatórias passivas, de outro.

Com efeito, em virtude da superveniência da referida EC 45/2004, acresceu-se, ao inciso I do art. 105 da Constituição da República, a alínea "i", cujo conteúdo normativo assim dispõe:

"Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
...................................................
i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias;" (grifei)

Vê-se, desse modo, que a reforma constitucional em questão suprimiu, ao Supremo Tribunal Federal, a sua antiga competência originária em tema de concessão de "exequatur" e de homologação de sentenças estrangeiras.

Note-se que tal modificação reveste-se de aplicabilidade imediata, alcançando, desde logo, todos os pedidos de concessão de "exequatur" de cartas rogatórias e de homologação de sentenças estrangeiras, ainda em curso de processamento no Supremo Tribunal Federal, quando da promulgação da EC 45/2004.

Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que os preceitos constitucionais aplicam-se imediatamente, projetando-se, desde o início de sua vigência, com eficácia "ex nunc" (RTJ 155/582-583, Rel. Min. CELSO DE MELLO), salvo disposição em sentido contrário neles fundada (RTJ 169/271, 272, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Impende referir, no ponto, porque inteiramente aplicável ao caso ora em exame, o magistério de PONTES DE MIRANDA ("Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969", tomo VI/392-393, 2ª ed./2ª tir., 1974, RT):

"As Constituições têm incidência imediata, ou desde o momento em que ela mesma fixou como aquele em que começaria de incidir. Para as Constituições, o passado só importa naquilo que ela aponta ou menciona. Fora daí, não.
.......................................................
(...) As Constituições (...) incidem imediatamente (...). As regras jurídicas de jurisdição e competência que estão insertas na Constituição (...) têm incidência imediata.
(...) Em matéria de competência, a entidade estatal que deixou de ser competente viola a Constituição se exerce qualquer poder, que se atribuiu a outra entidade (...)." (grifei)

Isso significa, portanto, considerado, no tema, o "princípio da imediata incidência das regras jurídicas constitucionais" (PONTES DE MIRANDA, "Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969", tomo VI/385, item n. 2, 2ª ed./2ª tir., 1974, RT), que, a partir de 31/12/2004 (data da publicação da EC 45/2004), cessou, de pleno direito, a competência originária do Supremo Tribunal Federal, tanto para conceder/denegar "exequatur" às comissões rogatórias passivas, quanto para homologar sentenças estrangeiras.

É certo que a presente ação de homologação de sentença estrangeira foi ajuizada em momento no qual o Supremo Tribunal Federal ainda detinha competência originária para processar e julgar pedidos de homologação de atos sentenciais formados no exterior.

Não obstante presente esse contexto, revela-se inaplicável, ao caso, seja em face da supremacia da norma constitucional, seja, ainda, em virtude do que dispõe o art. 87, "in fine", do Código de Processo Civil, o postulado da "perpetuatio jurisdictionis", eis que, alterada a competência em razão da matéria, que tem caráter absoluto (como sucede na espécie), torna-se excepcionalmente relevante a modificação do estado de direito superveniente à propositura da ação.

Tal entendimento é ressaltado pelo magistério da doutrina (ARRUDA ALVIM, "Manual de Direito Processual Civil", vol. I, p. 407, 8ª ed., 2003, RT; JOSÉ FREDERICO MARQUES, "Instituições de Direito Processual Civil", vol. I, p. 428, 1ª ed., 2000, Millennium; MOACYR AMARAL DOS SANTOS, "Primeiras Linhas de Direito Processual Civil", vol. I, p. 261, 14ª ed., 1990, Saraiva), valendo transcrever, a tal propósito, a expressiva lição de HUMBERTO THEODORO JUNIOR ("Curso de Direito Processual Civil", vol. I, p. 151, 39ª ed., 2003, Forense):

"Com relação a essas alterações jurídicas, cumpre distinguir entre a competência absoluta e a relativa. Se a competência já firmada for territorial ou em razão do valor, em nada serão afetadas as causas pendentes. Mas, se for suprimido o órgão judiciário perante o qual corria o feito, ou se a alteração legislativa referir-se a competência absoluta (ratione materiae ou de hierarquia), já então os feitos pendentes serão imediatamente alcançados: os autos, em tal caso, terão de ser encaminhados ao outro órgão que se tornou competente para a causa. O mesmo deve ser observado quando se tratar de competência funcional." (grifei)

Cumpre acentuar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal também perfilha igual orientação:

"Competência.
1) O princípio da 'perpetuatio jurisdictionis' (...) sofre as derrogações oriundas da incompetência superveniente, sendo exemplo desta a matéria relativa à competência absoluta, em razão da matéria.
2) Recurso extraordinário conhecido e provido."
(RTJ 71/726, Rel. Min. RAPHAEL DE BARROS MONTEIRO - grifei)

Esse entendimento também é compartilhado pelo E. Superior Tribunal de Justiça:

"- Tratando-se de competência funcional, absoluta, abre-se exceção ao princípio da 'perpetuatio jurisdictionis'. Precedente da Quarta Turma."
(REsp 150.902/PR, Rel. Min. BARROS MONTEIRO - grifei)

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, reconheço a cessação da competência originária do Supremo Tribunal Federal para apreciar a presente ação de homologação de sentença estrangeira e determino, por tal motivo, a imediata remessa destes autos ao E. Superior Tribunal de Justiça, em face do que dispõe o art. 105, I, "i", da Constituição Federal, na redação dada pela EC 45/2004.

Publique-se.

Brasília, 10 de fevereiro de 2005.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão pendente de publicação




Assessora responsável pelo Informativo

Anna Daniela de A. M. dos Santos e Silva
informativo@stf.jus.br

 
Praça dos Três Poderes - Brasília - DF - CEP 70175-900 Telefone: 61.3217.3000

Informativo STF - 375 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário