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segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Informativo STF 416 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 13 a 17 de fevereiro de 2006 - Nº 416.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO










Plenário
Extradição e Inimputabilidade
Meia Entrada e Doadores de Sangue
Vício de Iniciativa e Administração Pública - 1
Vício de Iniciativa e Administração Pública - 2
Identificação de Responsáveis por Obras e Proteção do Consumidor
Vício de Iniciativa e Servidor Público
Simulador de Urna Eletrônica e Proibição - 1
Simulador de Urna Eletrônica e Proibição - 2
Serviços Notariais e de Registro e Cobrança de Emolumentos
Protocolo Digital de Informações
Servidor Público: Acordos e Convenções de Trabalho - 1
Servidor Público: Acordos e Convenções de Trabalho - 2
ADC e Vedação ao Nepotismo - 1
ADC e Vedação ao Nepotismo - 2
1ª Turma
Art. 37, § 1º da CF e Promoção Pessoal - 2
RMS e Art. 515, § 3º, do CPC - 1
RMS e Art. 515, § 3º, do CPC - 2
Súmula 283 do STF e Desnecessidade de Cargo
Pensão Especial Vitalícia e Direito Adquirido
Súmula 699 e Agravo de Instrumento em RE Criminal
Petição por Meio de Cópia de Assinatura - 2
Imunidade de Advogado e Relações Contratuais com Cliente
Professor e Aposentadoria Proporcional Especial
Estabilidade Provisória de Dirigente Sindical
Tráfico de Entorpecentes e Competência
RE e Momento de Comprovação da Tempestividade
2ª Turma
Assistente de Acusação e Intervenção em HC
Cargo em Comissão e Aposentadoria - 4
IPTU e Terras da União
Exercício da Advocacia e Devido Processo Legal
PIS e COFINS: Conceito de Faturamento e ED
RE e Causa Petendi Aberta
Inconstitucionalidade de Lei e Segurança Jurídica
EC 20/98 e Acumulação de Cargos - 1
EC 20/98 e Acumulação de Cargos - 2
Transcrições
CPI - Inquirição em Sessão reservada - Pretensão do impetrante - Censura judicial - Inadmissibilidade (MS 25832 MC/DF)
CPI - Garantias constitucionais que lhe são oponíveis - Presença de advogado (HC 88015 MC/DF)
Fiador em Contrato de Locação e Penhorabilidade de Bem de Família (RE 407688/SP)


PLENÁRIO


Extradição e Inimputabilidade

O Tribunal, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto contra decisão que, nos autos de extradição, requerida pelo Governo da Itália, de nacional italiano condenado naquele país pelos crimes de formação de quadrilha finalizada ao tráfico de substâncias entorpecentes, concurso em extorsão e concurso em lesões graves, indeferira pedido de instauração de incidente de insanidade mental do extraditando. Salientando-se o fato de que a insanidade fora reconhecida na sentença condenatória proferida pelo Tribunal de Roma, que lhe aplicara medida de segurança, entendeu-se necessária a suspensão do processo, a fim de se aferir a persistência da inimputabilidade do extraditando, na forma do previsto no art. 149 do CPP. Vencido o Min. Joaquim Barbosa que negava provimento ao recurso ao fundamento de que o incidente de insanidade mental não se aplica aos processos de extradição, visto que a imputabilidade do agente, por ser matéria afeta à culpabilidade, não influencia na tipicidade do delito, devendo, ademais, a questão da insanidade ser apreciada pelo Estado requerente. Agravo provido para que o processo baixe em diligência para a instauração do incidente de insanidade mental.
Ext 932 AgR/Governo da Itália, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio, 15.2.2006. (Ext-932)

Meia Entrada e Doadores de Sangue

O Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Espírito Santo contra a Lei estadual 7.735/2004, promulgada pela Assembléia Legislativa, que institui a meia entrada para doadores regulares de sangue em todos os locais públicos de cultura, esporte e lazer mantidos pelas entidades e pelos órgãos das Administrações Direta e Indireta do Estado. Entendeu-se que se trata, no caso, de norma de intervenção do Estado por indução, que visa tão-só ao incentivo à doação de sangue, conferindo um benefício àquele que adira às suas prescrições. Vencido o Min. Marco Aurélio que julgava o pleito procedente por considerar que a norma impugnada consiste em uma forma de remunerar a doação de sangue.
ADI 3512/ES, rel. Min. Eros Grau, 15.2.2006. (ADI-3512)

Vício de Iniciativa e Administração Pública - 1

Por entender caracterizada a ofensa ao art. 61, § 1º, II, e, da CF, que confere ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa privativa das leis que disponham sobre a criação, estruturação e atribuições de órgãos da administração pública, o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul, para declarar a inconstitucionalidade da Lei estadual 11.456/2000, de iniciativa parlamentar, que cria o Museu do Gaúcho do Estado do Rio Grande do Sul e dá outras providências.
ADI 2302/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 15.2.2006. (ADI-2302)

Vício de Iniciativa e Administração Pública - 2

Também por entender caracterizada a ofensa ao art. 61, § 1º, II, e, da CF, o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Governador do Estado de Santa Catarina para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 3º, 4º, 5º e 6º da Lei estadual 11.222/99, que impõe ao Poder Executivo a criação de Comissão Executiva da política de preservação, recuperação e utilização sustentável dos ecossistemas do Complexo Lagunar Sul, bem como fixa a composição e as atribuições da referida comissão.
ADI 2707/SC, rel. Min. Joaquim Barbosa, 15.2.2006. (ADI-2707)

Identificação de Responsáveis por Obras e Proteção do Consumidor

O Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Distrito Federal contra a Lei distrital 3.569/2005, que torna obrigatória a inclusão dos nomes e registros dos autores e responsáveis técnicos nas propagandas pertinentes à edificação e à comercialização de imóveis, realizados ou a realizar, no âmbito do Distrito Federal. Entendeu-se que a norma em questão está voltada ao resguardo dos direitos dos consumidores, matéria de competência concorrente (CF, art. 24, VIII). Vencidos os Ministros Eros Grau, relator, e Joaquim Barbosa que davam pela procedência do pedido, por vislumbrar ofensa à competência privativa da União para legislar sobre condições para o exercício de profissões e propaganda comercial (CF, art. 22, XVI e XXIX).
ADI 3590/DF, rel. orig. Min. Eros Grau, rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio, 15.2.2006. (ADI-3590)

Vício de Iniciativa e Servidor Público

Por entender caracterizada a ofensa ao art. 61, § 1º, II, a e c, que estabelecem ser da competência privativa do Chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que disponham sobre servidor público e aumento de sua remuneração, o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 3º, 4º, 5º e 6º e seu parágrafo único, da Lei estadual 11.678/2001, que, resultantes de emenda parlamentar, dispõem sobre o realinhamento dos vencimentos básicos dos cargos de provimento efetivo classificados nos níveis elementar e médio da administração direta, das autarquias e das fundações de direito público.
ADI 2619/RS, rel. Min. Eros Grau, 15.2.2006. (ADI-2619)

Simulador de Urna Eletrônica e Proibição - 1

O Tribunal, por maioria, julgou procedente, em parte, pedidos formulados em duas ações diretas ajuizadas pelo Partido Humanista da Solidariedade - PHS para declarar a inconstitucionalidade da expressão "ficando o infrator sujeito ao disposto no art. 347 do Código Eleitoral", constante do art. 3º da Resolução 518/2000, do TRE do Estado do Rio de Janeiro, e do art 2º da Resolução 6/2000, do TRE do Estado de Pernambuco, que proíbem a utilização de simuladores de urnas eletrônicas como veículo de propaganda eleitoral. Reportando-se ao que decidido no julgamento da ADI 2267/AM (DJU de 13.9.2002), considerou-se que, ante a possibilidade de indução fraudulenta de eleitores, seria legítima a atuação da Justiça especializada, de molde a garantir a higidez do processo eleitoral, assegurando a observância dos princípios da isonomia e da liberdade do voto. Por outro lado, entendeu-se que a norma impugnada, ao prever cominação penal ao infrator da mencionada proibição, violou a competência privativa da União para legislar sobre direito penal (CF, art. 22, I). Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso que julgavam os pedidos integralmente procedentes, ao fundamento de ser incabível a vedação por mera conjectura de fraude, e o Min. Eros Grau que os julgava integralmente improcedentes, por considerar constitucional inclusive a previsão da sanção penal.
ADI 2283/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes e ADI 2278/PE, rel. orig. Min. Eros Grau, rel. p/ acórdão Min. Joaquim Barbosa, 15.2.2006. (ADI-2283)

Simulador de Urna Eletrônica e Proibição - 2

Na linha do que decidido nas ações diretas acima mencionadas quanto à legalidade da vedação do uso de simulador de urna eletrônica como veículo de propaganda, por constituir meio de preservação da higidez do processo eleitoral, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Partido Humanista da Solidariedade - PHS contra o art. 3º da Resolução 1/2000, do TRE do Estado do Rio Grande do Norte. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso que julgavam o pedido integralmente procedente, mantendo o entendimento exposto nas referidas ações.
ADI 2269/RN, rel. Min. Eros Grau, 15.2.2006. (ADI-2269)

Serviços Notariais e de Registro e Cobrança de Emolumentos

O Tribunal, por maioria, não conheceu de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil - ANOREG/BR contra a Portaria 001-GP1/2004, do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, que impõe que o recolhimento dos emolumentos integrais dos serviços notariais e de registro seja feito, no Banco do Estado de Sergipe, por meio de boleto bancário emitido pelo sistema informatizado daquele Tribunal. Entendeu-se que a Portaria impugnada não retira seu fundamento de validade diretamente da Constituição Federal, e sim dos dispositivos das leis federais e estadual pertinentes (Lei 8.935/94; Lei 10.169/2000; Lei 4.485/2001). Ademais, salientou-se que, não obstante os serviços notariais e de registro sejam exercidos em caráter privado, em razão de serem substancialmente públicos, se submetem à fiscalização pelo Poder Judiciário (CF, art. 236, § 1º). Vencido o Min. Marco Aurélio que conhecia da ação por considerar não haver necessidade de confrontar o ato questionado com a legislação regulamentadora do art. 236 da CF, mas com o princípio contido no caput desse artigo no que se refere à natureza privada dos serviços prestados pelos cartórios extrajudiciais.
ADI 3132/SE, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 15.2.2006. (ADI-3132)

Protocolo Digital de Informações

O Tribunal julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Estado de Santa Catarina contra a Lei estadual 12.137/2002, que dispõe sobre protocolo digital de informações no âmbito da Administração Pública estadual e dá outras providências. Entendeu-se que a lei impugnada apenas materializa, em arquivo eletrônico, informações concernentes aos pedidos de providência ou procedimento feitos pelo cidadão junto aos órgãos da Administração, bem como não produz despesas imediatas, tendo em conta a dependência de sua regulamentação pelo Poder Executivo.
ADI 2638/SC, rel. Min. Eros Grau, 15.2.2006. (ADI-2638)

Servidor Público: Acordos e Convenções de Trabalho - 1

A celebração de convenções e acordos coletivos de trabalho consubstancia direito destinado exclusivamente aos trabalhadores da iniciativa privada, sujeitos ao regime celetista (CF, art. 7º, XXVI). Com base nesse entendimento, o Tribunal julgou procedente, em parte, pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Mato Grosso para declarar a inconstitucionalidade da expressão "em acordos coletivos ou em convenções de trabalho que venham a ser celebrados", constante do art. 57 da Lei Complementar estadual 4/90, que define remuneração como vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias previstas nas Constituições Federal e Estadual e em acordos ou convenções coletivas de trabalho, bem como fixa, em seu art. 69, §§ 1º e 2º, data para o pagamento da remuneração dos servidores e a correção monetária em caso de atraso. Ressaltou-se que a Administração Pública, por estar vinculada ao princípio da legalidade, não pode conceder, nem por convenção, nem por acordo coletivo, vantagens aos servidores públicos, já que essa concessão depende de projeto de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo (CF, art. 61, § 1º, II, a e c) e de prévia dotação orçamentária (CF, art. 169, § 1º, I e II). Por outro lado, entendeu-se que as previsões quanto à fixação de data e à correção monetária não afrontam a Constituição, porquanto apenas garantem, sem implicar aumento de remuneração ou concessão de vantagem, a manutenção do poder aquisitivo da moeda.
ADI 559/MT, rel. Min. Eros Grau, 15.2.2006. (ADI-559)

Servidor Público: Acordos e Convenções de Trabalho - 2

Com base na mesma fundamentação acima exposta, o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Mato Grosso para declarar a inconstitucionalidade do § 2º do art. 272 da Lei Complementar estadual 4/90, que assegura aos servidores estaduais o direito de celebrarem acordos ou convenções coletivas de trabalho.
ADI 554/MT, rel. Min. Eros Grau, 15.2.2006. (ADI-554)

ADC e Vedação ao Nepotismo - 1

O Tribunal, por maioria, concedeu pedido de liminar formulado em ação declaratória de constitucionalidade proposta pela Associação dos Magistrados do Brasil - AMB, para, com efeito vinculante e erga omnes, suspender, até o exame de mérito da ação, o julgamento dos processos que tenham por objeto questionar a constitucionalidade da Resolução 7/2005, do Conselho Nacional de Justiça; impedir que juízes e tribunais venham a proferir decisões que impeçam ou afastem a aplicabilidade da mesma resolução; e suspender, com eficácia ex tunc, os efeitos das decisões já proferidas, no sentido de afastar ou impedir a sobredita aplicação. Inicialmente, não se conheceu da ação quanto ao art. 3º da aludida resolução, tendo em vista a alteração de redação introduzida pela Resolução 9/2005.
ADC 12 MC/DF, rel. Min. Carlos Britto, 16.2.2006. (ADC-12)

ADC e Vedação ao Nepotismo - 2

Em seguida, asseverou-se que o Conselho Nacional de Justiça - CNJ, como órgão central de controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, detém competência para dispor, primariamente, sobre as matérias de que trata o inciso II do § 4º do art. 103-B da CF, já que "a competência para zelar pela observância do art. 37 da CF e de baixar os atos de sanação de condutas eventualmente contrárias à legalidade é poder que traz consigo a dimensão da normatividade em abstrato.". Ressaltou-se que a Resolução 7/2005 está em sintonia com os princípios constantes do art. 37, em especial os da impessoalidade, da eficiência e da igualdade, não havendo que se falar em ofensa à liberdade de nomeação e exoneração dos cargos em comissão e funções de confiança, visto que as restrições por ela impostas são as mesmas previstas na CF, as quais, extraídas dos citados princípios, vedam a prática do nepotismo. Afirmou-se, também, não estar a resolução examinada a violar nem o princípio da separação dos Poderes, nem o princípio federativo, porquanto o CNJ, não usurpou o campo de atuação do Poder Legislativo, limitando-se a exercer as competências que lhe foram constitucionalmente reservadas. Vencido o Min. Marco Aurélio, que indeferia a liminar, ao fundamento de que o CNJ, por não possuir poder normativo, extrapolou as competências constitucionais que lhe foram outorgadas ao editar a resolução impugnada.
ADC 12 MC/DF, rel. Min. Carlos Britto, 16.2.2006. (ADC-12)


PRIMEIRA TURMA



Art. 37, § 1º da CF e Promoção Pessoal - 2

A Turma, concluindo julgamento de agravo regimental em recurso extraordinário, manteve decisão monocrática do Min. Marco Aurélio, relator, que negara seguimento ao recurso, ao fundamento de pretender-se o reexame de elementos probatórios. No caso concreto, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em embargos infringentes, julgara procedente pedido formulado em ação popular ajuizada contra prefeito, por afronta aos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa (CF, art. 37, § 1º), em razão de publicações com caráter de promoção pessoal - v. Informativo 407. Ressaltou-se o que assentado no acórdão impugnado, no sentido de tratar-se de publicidade com promoção pessoal. Vencido o Min. Eros Grau que dava provimento ao regimental para dar seguimento ao recurso extraordinário, por entender que se debatia, na espécie, o enquadramento normativo dos fatos e não a reapreciação de provas.
RE 366983 AgR/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 14.2.2006. (RE-366983)

RMS e Art. 515, § 3º, do CPC - 1

A Turma retomou julgamento de medida cautelar em ação cautelar na qual se pretende a concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário interposto contra decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que, por ilegitimidade ad causam, extinguira, sem julgamento de mérito, mandado de segurança impetrado pela ora requerida. No caso concreto, fora interposto recurso ordinário em mandado de segurança perante o STJ, que reconhecera a legitimidade da impetrante e, com fundamento no art. 515, § 3º, do CPC ["Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento"], apreciara desde logo o mérito da causa, concedendo a segurança. Contra essa decisão, os autores interpuseram recurso extraordinário, não admitido pelo Tribunal a quo, resultando na apresentação de agravo de instrumento, que, apesar de protocolizado na origem, não chegara ao Supremo até o ajuizamento da presente cautelar. Alega-se, na espécie, com base em precedentes do STF, a inaplicabilidade do disposto no aludido art. 515, § 3º, do CPC ao recurso ordinário. O Min. Marco Aurélio, relator, ad referendum da Turma, deferiu a liminar para suspender os efeitos do acórdão proferido pelo STJ. Entendeu que o § 3º do art. 515 do CPC, acrescentado pela Lei 10.352/2001, não se aplica em recurso ordinário constitucional referente a mandado de segurança denegado na origem, porquanto tal artigo refere-se às hipóteses de competência originária do juízo e não de Tribunal Superior.
AC 813 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 14.2.2006. (AC-813)

RMS e Art. 515, § 3º, do CPC - 2

Na sessão de 9.8.2005, o Min. Cezar Peluso, em voto-vista, indeferiu a liminar. Aplicando os Enunciados das Súmulas 634 e 635 do STF, asseverou que esta Corte não tem competência para apreciar a ação cautelar, porquanto o recurso extraordinário não fora admitido pelo presidente do STJ e o agravo de instrumento de tal decisão também não fora provido ante a falta dos autos, que não subiram ao STF. Aludiu, ainda, à existência de medida cautelar idêntica ajuizada, perante o STJ, a ensejar litispendência. Por fim, considerou ausente a plausibilidade jurídica do direito invocado pelos recorrentes, tanto pela parte processual - uma vez que os artigos 33 e 34 da Lei 8.038/90 determinam expressamente a aplicação do CPC ao recurso ordinário de competência do STJ contra decisões denegatórias em mandado de segurança, questão infraconstitucional - quanto pelo do mérito do writ - superveniência da Lei 6.750/79, que revoga o acúmulo de função de tabelião com a de oficial de protesto de título -, afastando, portanto, a alegação de grave lesão à ordem pública. Em seguida, o Min. Eros Grau acompanhou o voto do Min. Marco Aurélio. Afirmou não mais subsistirem os dois primeiros óbices mencionados pelo Min. Peluso, eis que o agravo de instrumento chegara ao STF em 4.11.2005 e a medida cautelar ajuizada perdera o objeto. Ademais, salientou tratar-se de cenário contraditório para a aplicação do art. 515, § 3º, do CPC, uma vez existindo, de um lado, precedentes da Turma pela inaplicabilidade do mencionado dispositivo e, de outro, preceitos infraconstitucionais determinando a sua aplicação ao recurso ordinário em mandado de segurança de competência do STJ. Reconheceu, assim, a plausibilidade do recurso ordinário, aduzindo que, no mínimo, cabe ao STF analisar a constitucionalidade do art. 34 da Lei 8.038/90. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Sepúlveda Pertence.
AC 813 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 14.2.2006. (AC-813)

Súmula 283 do STF e Desnecessidade de Cargo

A Turma não conheceu de recurso extraordinário interposto, com base no art. 102, III, a e c, da CF, pelo Município de Taubaté/SP, em que se sustentava ofensa aos artigos 2º e 41, § 3º, da CF, sob a alegação de que a declaração de desnecessidade de cargo, pela sua natureza meramente administrativa, poderia ser efetuada por decreto do Poder Executivo e que o servidor, em estágio probatório, não teria direito à disponibilidade remunerada. Pleiteava-se, ainda, a incidência do Enunciado da Súmula 22 do STF ("o estágio probatório não protege o funcionário contra a extinção do cargo."). No caso concreto, o recorrido, servidor público concursado, fora exonerado em decorrência da declaração de desnecessidade do cargo que ocupava, ato esse emanado do Poder Executivo, por meio do Decreto 7.261/93. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinara a reintegração do servidor, ao fundamento de que o Decreto e a Portaria editados pelo Executivo seriam inconstitucionais. Ressaltou-se o entendimento firmado pelo Supremo no sentido de ser constitucional a extinção de cargo ou a declaração de sua desnecessidade sem a edição de lei ordinária que as discipline, haja vista cuidar-se de juízos de oportunidade e conveniência da Administração Pública. Embora afirmando que o acórdão recorrido contrariara essa orientação jurisprudencial, levou-se em conta a particularidade de que, na espécie, a legislação municipal exige prévia autorização legislativa para a mencionada exoneração. No ponto, considerou-se que esse fundamento adicional seria suficiente para sustentar o acórdão impugnado, não sendo necessária, por conseguinte, a revisão do entendimento firmado pelo STF. Asseverou-se que o recurso não atacara esse motivo bastante do julgado - tendo em conta, inclusive, que o recurso extraordinário não é via adequada para argüir originariamente inconstitucionalidade de lei local -, a incidir, portanto, o óbice do Enunciado da Súmula 283 ("É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles"). Precedentes citados: RMS 21255/DF (RTJ 173/794); MS 21227/RS (RTJ 149/796); RE 141571/PR (DJU de 30.6.95); RE 240377 AgR/MG (DJU de 16.5.2003).
RE 197885/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 14.2.2006. (RE-197885)

Pensão Especial Vitalícia e Direito Adquirido

A Turma negou provimento a recurso extraordinário interposto por filha solteira de juiz de direito, falecido em 1983, que pretendia a percepção da integralidade dos proventos do magistrado. No caso concreto, a recorrente recebia, assim como sua mãe, 25% do valor dos vencimentos do de cujus e, após o óbito de sua genitora, 50% do total, teto este previsto na Lei local 4.468/82. Sustentava, na espécie, ofensa ao art. 5º, XXXVI, da CF, sob a alegação de que a partir da vigência da CF/88, por força do disposto no seu art. 40, § 5º (redação original: "O benefício da pensão por morte corresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido, até o limite estabelecido em lei, observado o disposto no parágrafo anterior."), faria jus ao pleiteado montante e que o limite a ser observado não seria o fixado pela mencionada lei local, mas sim o previsto no art. 37, XI, da CF, que, em sua redação original, estipulava os limites máximos de remuneração dos Três Poderes. Aduzindo que em relação às parcelas previdenciárias os cálculos regulam-se pelo critério atuarial, entendeu-se que os parâmetros consolidados em 1983 não se modificariam pelo fato de a atual Constituição dispor sobre o direito à pensão pela totalidade dos vencimentos de servidor falecido. No ponto, salientou-se que o mesmo enfoque prevaleceria caso a Constituição previsse a redução da percentagem. Asseverou-se, ainda, que se o falecimento tivesse ocorrido em data posterior ao novo texto constitucional seria possível, temperando-se o princípio atuarial, cogitar-se do recebimento da pensão no percentual integral, dada a supremacia da Constituição.
RE 273570/MA, rel. Min. Marco Aurélio, 14.2.2006. (RE-273570)

Súmula 699 e Agravo de Instrumento em RE Criminal

Aplicando a orientação firmada no Enunciado da Súmula 699 do STF ("O prazo para interposição de agravo, em processo penal, é de cinco dias, de acordo com a Lei 8.038/1990, não se aplicando o disposto a respeito nas alterações da Lei 8.950/1994 ao Código de Processo Civil."), a Turma manteve decisão monocrática do Min. Marco Aurélio, relator, que não conhecera de agravo de instrumento para subida de recurso extraordinário em matéria criminal, por intempestividade. Alegava-se que, na espécie, o prazo para a interposição do agravo de instrumento nos feitos criminais seria de 10 (dez) dias. Precedente citado: AI 197032/SP (DJU de 5.12.97).
AI 505744 AgR/MG, rel.Min. Marco Aurélio, 14.2.2006. (AI-505744)

Petição por Meio de Cópia de Assinatura - 2

A Turma concluiu julgamento de agravo de instrumento em que se pretendia a reforma de decisão que inadmitira recurso extraordinário interposto, pela União, contra acórdão de Turma Recursal de Juizado Especial Federal, ao fundamento de que a peça recursal não teria validade reconhecida por se apresentar por cópia, da mesma forma como a assinatura nela firmada pelo procurador. Alegava-se, na espécie, que a interposição de recurso extraordinário por cópia é autorizada pelo art. 24 da Lei 10.522/2002 ("As pessoas jurídicas de direito público são dispensadas de autenticar as cópias reprográficas de quaisquer documentos que apresentem em juízo") e que, apesar disso, não se trataria de cópia, mas, de recurso interposto com a assinatura digitalizada do advogado, em virtude da grande quantidade de processos que tramitam nos Juizados Especiais Federais - v. Informativo 409. Negou-se provimento ao recurso por se entender que a utilização de recursos tecnológicos, tal como a assinatura digitalizada, precisa ser normatizada antes de ser posta em prática. Asseverou-se, no caso, cuidar-se de mera chancela eletrônica utilizada sem qualquer regulamentação, cujo atestado de originalidade dependeria de perícia técnica. Salientou-se que a necessidade de regulamentação para a utilização da assinatura digitalizada não é mero formalismo processual, mas exigência razoável que visa impedir a prática de atos cuja responsabilização não seria possível. Vencido o Min. Marco Aurélio que, acolhendo a argumentação de grande volume de processos enfrentados pela União, dava provimento ao recurso, considerando o fato de ter havido flexibilizações processuais, inclusive por parte do Supremo.
AI 564765/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 14.2.2006. (AI-564765)

Imunidade de Advogado e Relações Contratuais com Cliente

A imunidade jurídica do advogado prevista no art. 133 da CF não alcança as relações do profissional com o seu próprio cliente. Com base nesse entendimento, a Turma manteve decisão do Juizado Especial Cível e Criminal do Estado do Acre que, afastando a citada imunidade, entendera configurado dano moral praticado por causídico consistente em carta ofensiva relativa à cobrança de honorários advocatícios.
RE 387945/AC, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 14.2.2006. (RE-387945)

Professor e Aposentadoria Proporcional Especial

A Turma reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, mantendo sentença denegatória de mandado de segurança impetrado por professor com 29 anos de efetivo exercício em função de magistério, entendera que a aposentadoria do ora recorrente deveria ser concedida na proporção de 29/35. Aplicou-se a orientação firmada no RE 214852/SP (DJU de 26.5.2000) no sentido de que, em se tratando de aposentadoria por idade com proventos proporcionais ao tempo de serviço de professor que tenha exercido função de magistério, o cálculo da sua aposentadoria deve ser feito com base no tempo de serviço exigido para a aposentadoria com proventos integrais - 30 anos para professor e 25 anos para professora (CF, art. 40, III, na redação original). RE provido (CPC, art. 557, § 1º-A) para conceder a segurança.
RE 459188/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 14.2.2006. (RE-459188)

Estabilidade Provisória de Dirigente Sindical

A Turma negou provimento a recurso extraordinário interposto pelo Município de Imaruí/SC em que se alegava: a) a contrariedade ao art. 8º, I, da CF, pois o Sindicato dos Servidores Municipais não obtivera o registro no órgão competente; b) a afronta ao disposto no art. 37, II, da CF, ao se assegurar à recorrida a permanência em cargo de provimento efetivo sem que a admissão fosse precedida de concurso público; c) a violação ao art. 19 do ADCT, porque a recorrida, servidora celetista não concursada, não contava, ao tempo da promulgação da CF, com cinco anos de exercício; d) o não reconhecimento, pelo acórdão recorrido, da legalidade do ato que exonerara a servidora. Entendeu-se que a estabilidade provisória de dirigentes sindicais (CF, art. 8º, VIII) não está condicionada ao registro do sindicato respectivo no Ministério do Trabalho. Com relação aos argumentos de ofensa aos artigos 37, II, da CF e 19, do ADCT, asseverou-se que, na espécie, o fundamento da estabilidade provisória cingir-se-ia ao fato de ser o servidor dirigente sindical. Salientou-se, ademais, que o registro no citado Ministério do Trabalho seria fato posterior à existência da entidade, a qual necessita de dirigentes. Afastou-se, por fim, o precedente invocado pela Procuradoria-Geral da República (RE 183884/SP, DJU de 13.8.99), porquanto, naquele caso, concluíra-se que servidor público ocupante de cargo em comissão não teria direito à aludida estabilidade sindical. Precedentes citados: RE 227635 AgR/SC (DJU de 2.4.2004) e RE 205107/MG (DJU de 25.9.98).
RE 234431/SC, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 14.2.2006. (RE-234431)

Tráfico de Entorpecentes e Competência

A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal contra acórdão do TRF da 1ª Região que mantivera decisão de juiz federal que, por entender tratar-se de tráfico doméstico, declinara da competência para a justiça comum de feito relativo a tráfico de substância entorpecente. No caso concreto, as recorridas foram denunciadas pela suposta prática dos crimes previstos nos artigos 12 c/c 18, III, ambos da Lei 6.368/76, em decorrência do transporte de cocaína de Cuiabá/ MT para São Paulo. Em razão de problemas nos vôos, as recorridas foram obrigadas a desembarcar em Brasília antes de seguirem viagem para o destino final, sendo presas em flagrante no aeroporto. Alega-se, na espécie, ofensa ao art. 109, IX, da CF ("Art. 109: Aos juízes federais compete processar e julgar: ... IX - os crimes cometidos a bordo de navios e aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar;"). O Min. Sepúlveda Pertence, relator, acompanhado pelo Min. Eros Grau, deu provimento ao recurso para firmar a competência da justiça federal. Aduzindo que o citado dispositivo constitucional não fora alcançado pela regra do art. 27 da Lei 6.368/76 e que o fato delituoso ocorrera a bordo de aeronave, considerou, na linha de precedentes da Corte (HC 85050/MS, DJU de 4.3.2005 e HC 80730/MS, DJU de 22.3.2002), que, para o fim de determinação de competência, a incidência do art. 109, IX, da CF, independe do tipo de crime cometido "a bordo de navios ou aeronaves", cuja persecução, só por isso, incumbe, por força da norma constitucional, à justiça federal. Em divergência, o Min. Marco Aurélio, deu interpretação restritiva ao aludido dispositivo constitucional para negar provimento ao recurso extraordinário. Salientando que o flagrante ocorrera quando as denunciadas estavam em terra, asseverou que o transporte, que antecedera a prisão, não seria suficiente para deslocar a competência para a justiça federal. Após, o julgamento foi adiado em face do pedido de vista do Min. Cezar Peluso.
RE 463500/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 14.2.2006. (RE-463500)

RE e Momento de Comprovação da Tempestividade

A Turma iniciou julgamento de agravo regimental no recurso extraordinário cujo seguimento fora negado, ante a sua extemporaneidade, em decisão monocrática do Min. Eros Grau, relator. Alega-se, na espécie, a tempestividade do recurso extraordinário, anexando-se documentos que comprovam que, em razão do feriado de carnaval, não houvera expediente no tribunal de origem. Os Ministros Eros Grau e Sepúlveda Pertence, salientando que o documento probante da tempestividade do recurso é peça essencial que deve instruí-lo no momento de sua formação, negaram provimento ao agravo por entender que o momento processual adequado para a comprovação da tempestividade seria na interposição do RE. Assim, estaria caracterizada a preclusão, já que ineficaz a complementação posterior ao decurso do prazo legal. Em divergência, os Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso davam provimento ao regimental, visto que restara comprovado que o recurso fora protocolizado no prazo legal. Ressaltaram, ainda, que, nesses casos, os advogados interpõem os recursos sem a comprovação da sua tempestividade na suposição de que o Tribunal a quo sabe que naquela data o expediente estaria suspenso. Após, o julgamento foi adiado a fim de se aguardar o voto de desempate do Ministro Carlos Britto.
RE 452780 AgR/MG, rel. Min. Eros Grau, 14.8.2006. (RE-452780)


SEGUNDA TURMA



Assistente de Acusação e Intervenção em HC

O servidor público ofendido propter officium e regularmente admitido como assistente da acusação em ação penal pública condicionada tem legitimidade para recorrer da decisão que defere habeas corpus. Com base nesse entendimento, a Turma, rejeitando embargos de declaração opostos de decisão que deferira habeas corpus impetrado por denunciado pela suposta prática de crime de difamação, reconheceu a legitimidade da embargante, magistrada supostamente ofendida, que atuara como assistente da acusação nos autos da ação penal pública condicionada. Atentou-se para uma peculiaridade do caso, qual seja, a de que a juíza, sentindo-se difamada em razão do exercício do cargo, preferira representar ao Ministério Público, tendo-se, assim, deflagrado a ação penal pública condicionada. No entanto, se tivesse optado pela ação penal privada, e esta tivesse sido trancada por via do HC, não se poderia obstar a intervenção da suposta ofendida no writ impetrado pelo querelado, já que avultaria, na hipótese, o interesse daquela pelo prosseguimento da ação penal. Concluiu-se, dessa forma, que a opção feita pela suposta ofendida não poderia prejudicá-la. Precedente citado: RE 387974/DF (DJU de 26.3.2004).
HC 85629 ED/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 14.2.2006. (HC-85629)

Cargo em Comissão e Aposentadoria - 4

A Turma concluiu julgamento de recurso ordinário em mandado de segurança interposto contra decisão do TST que indeferira pedido de aposentadoria do ora recorrente no cargo comissionado que ocupava, ao fundamento de que, não obstante haver completado o tempo de serviço necessário antes do advento da Lei 8.647/93, não preenchera os requisitos exigidos pelo art. 193 da Lei 8.112/90 - v. Informativos 399 e 406. Negou-se provimento ao recurso por considerar-se que o recorrente não faz jus à aposentação pleiteada. Entendeu-se que atentaria contra o princípio isonômico deferir-se aposentadoria voluntária a servidor que prestara, no cargo em comissão, um mês e treze dias de serviço. Asseverou-se, no caso, a necessidade de precedência do período mínimo de dois anos no cargo no qual requerera a aposentadoria voluntária, bem como a exigência de que este intervalo fosse integralmente anterior à alteração legislativa.
RMS 25039/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 14.2.2006. (RMS-25039)

IPTU e Terras da União

A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto, pelo Município do Rio de Janeiro, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que entendera, consoante o disposto no art. 150, VI, a, da CF ("Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;"), ser indevida a cobrança do IPTU de empresa detentora de concessão de uso de imóvel situado em aeroporto de propriedade da União. Alega o recorrente violação ao art. 150, VI, a, e § 3º, da CF ("§ 3º - As vedações do inciso VI, 'a', e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel."). O Min. Gilmar Mendes, relator, negou provimento ao recurso. Considerou, inicialmente, que o cerne da controvérsia não está em saber se há ou não imunidade recíproca quando o imóvel da União for destinado à exploração comercial, mas se a recorrida pode figurar no pólo passivo da obrigação tributária do IPTU. Em razão disso, entendeu que a empresa em questão não preenche nenhum dos requisitos para ser contribuinte do imposto, pois é detentora de posse precária e desdobrada, decorrente de contrato de concessão de uso. Após, pediu vista o Min. Joaquim Barbosa.
RE 451152/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 14.2.2006. (RE-451152)

Exercício da Advocacia e Devido Processo Legal

A Turma deu provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás que entendera preclusa a argüição de impedimento do advogado do recorrido, e de sua filha, serventuária da justiça, já que somente aventada em embargos de declaração em apelação. Afirmara, ainda, que o ingresso do patrono não causara prejuízo, uma vez que a sua participação se restringira à sustentação oral. No caso, o acórdão recorrido provera a apelação para reformar sentença e julgar procedentes os embargos de terceiro apresentados pelos ora recorrentes. Contra essa decisão foram opostos os embargos de declaração, nos quais se alegara a nulidade absoluta do julgado pelo fato de a sustentação oral ter sido feita pelo referido advogado, exercente do cargo de diretor-geral do TRE daquele Estado-membro. Apontara-se, também, o impedimento da filha do causídico para a prática de atos processuais como 1ª secretária da Câmara Cível, onde tramitara o feito. Considerou-se que a questão da nulidade fora suscitada no primeiro momento em que poderia ser argüida. No ponto, asseverou-se que, em face do sistema legal existente, a posse no cargo de diretor-geral acarretara incompatibilidade com o exercício da advocacia, sendo suficiente o argumento de violação ao princípio da moralidade (CF, art. 37, caput). Ademais, entendeu-se que o citado princípio constitucional deveria ser conjugado com a cláusula do devido processo legal, para reprimir-se julgamento contaminado por forte irregularidade ou suspeição. RE provido para anular o julgamento e determinar que outro seja realizado na Corte de origem. Precedente citado: RE 199088/CE (DJU de 16.4.99).
RE 464963/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, 14.2.2006. (RE-464963)

PIS e COFINS: Conceito de Faturamento e ED

A Turma acolheu embargos de declaração opostos pela União na ação cautelar a qual, em sessão de 30.11.2004, fora concedido efeito suspensivo a recurso extraordinário interposto contra acórdão do TRF da 4ª Região, em que se discutia a constitucionalidade da Lei 9.718/98 - que alterou a base de cálculo do PIS e da COFINS, limitou a compensação de alíquotas da COFINS com a CSLL e definiu o conceito de faturamento. À época, o tema encontrava-se sob apreciação do Plenário no RE 346084/PR (v. Informativos 294, 342, 388 e 408, acórdão pendente de publicação). Tratava-se de embargos de declaração em que noticiado que o deferimento da eficácia suspensiva referia-se à totalidade do recurso extraordinário, cujo objeto seria mais amplo que o veiculado naquele leading case, por incluir, também, a argüição de inconstitucionalidade do art. 8º da referida Lei. ED recebidos tão-somente para aclarar que a decisão referendada limita-se à suspensão da aplicação à requerente do art. 3º da Lei 9.718/98.
AC 505 ED/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 14.2.2006. (AC-505)

RE e Causa Petendi Aberta

A Turma deu provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão que decidira pela constitucionalidade da Lei 9.718/98, que alterou a base de cálculo do PIS. Alegava a recorrente a violação aos artigos 59 e 239 da CF, sustentando que o recolhimento do PIS deveria ser feito na forma da Lei Complementar 7/70 e não por lei ordinária. Considerando a possibilidade de a Corte analisar a matéria com base em fundamento diverso do que sustentado, entendeu-se - afastando-se a violação ao art 239 da CF, tendo em conta o pronunciamento do STF quanto à constitucionalidade de alterações do PIS por legislação infraconstitucional, após a promulgação da CF/88 - que o acórdão recorrido divergira da orientação firmada no julgamento do RE 357950/RS (acórdão pendente de publicação), no qual se assentara a inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei 9.718/98. RE provido para afastar a aplicação do § 1º do art. 3º da Lei 9.718/98. Precedente citado: ADI 1414/DF (DJU de 23.3.2001).
RE 388830/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 14.2.2006. (RE-388830)

Inconstitucionalidade de Lei e Segurança Jurídica

A Turma manteve acórdão do TRF da 2ª Região que, julgando improcedente ação rescisória ajuizada pela União, reconhecera a servidor público o direito à transposição à carreira de Orçamento, na forma do art. 2º do Decreto-lei 2.347/87, porquanto o direito ao mencionado provimento fora adquirido sob a égide da Constituição anterior, consolidando-se, assim, em situação perfeita e acabada. No caso concreto, o recorrido optara pela transposição do cargo e, considerado habilitado antes da promulgação da CF/88, tivera o procedimento homologado em 1989. Alegava-se, na espécie, ofensa aos artigos 5º, LIV e LV e 37, II, ambos da CF/88. Tendo em conta o princípio da segurança jurídica - elevado a subprincípio do Estado de Direito pelo STF e consagrado pela Lei 9.784/99, tanto no seu art. 2º quanto no seu art. 54 -, bem como o fato de a Administração pretender anular ato praticado há mais de 14 anos, entendeu-se que o ato administrativo que homologara a transposição deveria ser mantido. Ressaltou-se que, a despeito de a ordem jurídica brasileira não possuir preceitos semelhantes aos da alemã, no sentido da intangibilidade dos atos não mais suscetíveis de impugnação, não se deveria supor que a declaração de nulidade afetasse todos os atos praticados com fundamento em lei inconstitucional. Nesse sentido, haver-se-ia de conceder proteção ao ato singular, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, procedendo-se à diferenciação entre o efeito da decisão no plano normativo e no plano das fórmulas de preclusão. Concluiu-se, dessa forma, que os atos praticados com base na lei inconstitucional, que não mais se afigurem passíveis de revisão, não são atingidos pela declaração de inconstitucionalidade. Precedentes citados: RMS 17976/SP (DJU de 24.9.69); MS 24268/MG (DJU de 17.9.2004); MS 22357/DF (DJU de 5.11.2004), RE 442683/RS (acórdão pendente de publicação).
RE 466546/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 14.2.2006. (RE-466546)

EC 20/98 e Acumulação de Cargos - 1

A Constituição da República de 1988 somente permite a acumulação de proventos e de vencimentos quando se tratar de cargos acumuláveis na atividade. Com base nesse entendimento, a Turma manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que denegara mandado de segurança em que se pretendia a percepção concomitante dos proventos de aposentadoria de inspetor escolar com a remuneração do cargo de supervisor pedagógico que atualmente ocupado pelas recorrentes. No caso concreto, as recorrentes, durante o exercício do cargo efetivo de inspetor escolar, foram nomeadas para o cargo de supervisor pedagógico, em decorrência da aprovação em novo concurso público. Ante a impossibilidade de acumulação remunerada dos dois cargos técnicos, licenciaram-se, sem vencimentos, do cargo de supervisor. Posteriormente, aposentaram-se no cargo de inspetor e, em seguida, reassumiram as funções do cargo de supervisor, acumulando proventos e vencimentos. A Administração Pública concluíra pela ilegalidade das acumulações. Alegava-se, na espécie, que a situação das recorrentes estaria amparada pela exceção prevista no art. 11 da EC 20/98, porquanto anterior ao advento da citada Emenda. Inicialmente, ressaltou-se que o disposto no referido artigo deve ser interpretado restritivamente, haja vista cuidar-se de exceção à regra que veda o recebimento simultâneo de proventos e vencimentos. Entendeu-se que não ocorrera novo ingresso no serviço público, mas ilegítima acumulação de cargos na ativa, uma vez que a licença para tratar de interesse particular não descaracteriza o vínculo jurídico do servidor com a Administração. Precedentes citados: RE 163204/SP (DJU de 31.3.95) e RE 300220/CE (DJU de 22.3.2002).
RE 382389/MG, rel. Min. Ellen Gracie, 14.2.2006. (RE-382389)

EC 20/98 e Acumulação de Cargos - 2

Na linha da fundamentação acima exposta, a Turma manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que indeferira o pedido da recorrente em continuar a receber os proventos de dois cargos de jornalista. Sustentava-se, na espécie, ofensa ao art. 11 da EC 20/98, sob a alegação de que a situação da recorrente estaria resguardada por tal dispositivo, uma vez que a aposentação do segundo cargo ocorrera antes do advento da citada Emenda. Ressaltando que a acumulação pleiteada sempre fora proibida pela CF, entendeu-se que a pretensão da recorrente encontra vedação expressa na EC 20/98. Precedente citado: RE 163204/SP (DJU de 31.3.95).
RE 463028/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 14.2.2006. (RE-463028)

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno15.2.200616.2.200618
1ª Turma14.2.2006--262
2ª Turma14.2.2006--115




T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

CPI - Inquirição em Sessão reservada - Pretensão do impetrante - Censura judicial - Inadmissibilidade (Transcrições)

MS 25832 MC/DF*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: PRETENDIDA INTERDIÇÃO DE USO, POR MEMBROS DE CPI, DE DADOS SIGILOSOS A QUE TIVERAM ACESSO. INVIABILIDADE. POSTULAÇÃO QUE TAMBÉM OBJETIVA VEDAR O ACESSO DA IMPRENSA E DE PESSOAS ESTRANHAS À CPI À INQUIRIÇÃO DO IMPETRANTE. INADMISSIBILIDADE. INACEITÁVEL ATO DE CENSURA JUDICIAL. A ESSENCIALIDADE DA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO, ESPECIALMENTE QUANDO EM DEBATE O INTERESSE PÚBLICO. A PUBLICIDADE DAS SESSÕES DOS ÓRGÃOS DO PODER LEGISLATIVO, INCLUSIVE DAS CPIs, COMO CONCRETIZAÇÃO DESSA VALIOSA FRANQUIA CONSTITUCIONAL. NECESSIDADE DE DESSACRALIZAR O SEGREDO. PRECEDENTES (STF). PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO INDEFERIDO.

DECISÃO: Trata-se de pedido de reconsideração (fls. 40/41) que objetiva, alternativamente, (a) seja determinado, aos membros da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios, quando da inquirição do Senhor Jorge Ribeiro dos Santos, que não revelem os dados sigilosos a que os congressistas tiveram acesso, ou, então, (b) seja ordenada, a essa mesma CPMI, a realização de sessão reservada, para a tomada de depoimento do mencionado impetrante, "(...) com acesso vedado à imprensa, limitando-se o fluxo de pessoas na sessão à presença dos integrantes da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, do depoente e de seu defensor, justamente para se assegurar o sigilo dos dados e informações da SÃO PAULO CORRETORA (...)" (fls. 41 - grifei).
Indefiro o pedido de reconsideração, eis que o eventual acolhimento do pleito - objetivando a interdição de uso, pelos integrantes da CPMI em questão, dos dados sigilosos pertinentes à São Paulo Corretora de Valores Ltda. -, além de tornar inócua a quebra de sigilo (que teria sido legitimamente determinada pela referida CPMI), importaria em clara (e indevida) restrição ao poder investigatório desse órgão parlamentar.
Por sua vez, e no que concerne ao outro pedido formulado por um dos impetrantes, também entendo não competir, ao Poder Judiciário, sob pena de ofensa ao postulado da separação de poderes, substituir-se, indevidamente, à CPMI/Correios na formulação de um juízo - que pertence, exclusivamente, à própria Comissão Parlamentar de Inquérito - consistente em restringir a publicidade da sessão a ser por ela realizada, em ordem a vedar o acesso, a tal sessão, de pessoas estranhas à mencionada CPMI, estendendo-se essa mesma proibição a jornalistas, inclusive.
Na realidade, a postulação em causa, se admitida, representaria claro (e inaceitável) ato de censura judicial à publicidade e divulgação das sessões dos órgãos legislativos em geral, inclusive das Comissões Parlamentares de Inquérito.
Não cabe, ao Supremo Tribunal Federal, interditar o acesso dos cidadãos às sessões dos órgãos que compõem o Poder Legislativo, muito menos privá-los do conhecimento dos atos do Congresso Nacional e de suas Comissões de Inquérito, pois, nesse domínio, há de preponderar um valor maior, representado pela exposição, ao escrutínio público, dos processos decisórios e investigatórios em curso no Parlamento.
Não foi por outra razão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal - apoiando-se em valioso precedente histórico firmado, por esta Corte, em 05/06/1914, no julgamento do HC 3.536, Rel. Min. OLIVEIRA RIBEIRO (Revista Forense, vol. 22/301-304) - não referendou, em data mais recente (18/03/2004), decisão liminar, que, proferida no MS 24.832-MC/DF, havia impedido o acesso de câmeras de televisão e de particulares em geral a uma determinada sessão de CPI, em que tal órgão parlamentar procederia à inquirição de certa pessoa, por entender que a liberdade de informação (que compreende tanto a prerrogativa do cidadão de receber informação quanto o direito do profissional de imprensa de buscar e de transmitir essa mesma informação) deveria preponderar no contexto então em exame.
Não custa rememorar, neste ponto, tal como decidi no MS 24.725-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Informativo/STF nº 331), que os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério.
Na realidade, a Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na lição expressiva de BOBBIO ("O Futuro da Democracia", p. 86, 1986, Paz e Terra), como "um modelo ideal do governo público em público".
A Assembléia Nacional Constituinte, em momento de feliz inspiração, repudiou o compromisso do Estado com o mistério e com o sigilo, que fora tão fortemente realçado sob a égide autoritária do regime político anterior (1964-1985), quando no desempenho de sua prática governamental.
Ao dessacralizar o segredo, a Assembléia Constituinte restaurou velho dogma republicano e expôs o Estado, em plenitude, ao princípio democrático da publicidade, convertido, em sua expressão concreta, em fator de legitimação das decisões e dos atos governamentais.
É preciso não perder de perspectiva que a Constituição da República não privilegia o sigilo, nem permite que este se transforme em "praxis" governamental, sob pena de grave ofensa ao princípio democrático, pois, consoante adverte NORBERTO BOBBIO, em lição magistral sobre o tema ("O Futuro da Democracia", 1986, Paz e Terra), não há, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério.
Tenho por inquestionável, por isso mesmo, que a exigência de publicidade dos atos que se formam no âmbito do aparelho de Estado traduz conseqüência que resulta de um princípio essencial a que a nova ordem jurídico-constitucional vigente em nosso País não permaneceu indiferente.
O novo estatuto político brasileiro - que rejeita o poder que oculta e que não tolera o poder que se oculta - consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como expressivo valor constitucional, incluindo-o, tal a magnitude desse postulado, no rol dos direitos, das garantias e das liberdades fundamentais, como o reconheceu, em julgamento plenário, o Supremo Tribunal Federal (RTJ 139/712-713, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Impende assinalar, ainda, que o direito de acesso às informações de interesse coletivo ou geral - a que fazem jus os cidadãos e, também, os meios de comunicação social - qualifica-se como instrumento viabilizador do exercício da fiscalização social a que estão sujeitos os atos do poder público.
Ao examinar pretensão idêntica à ora deduzida nesta sede mandamental, quando do julgamento plenário do MS 23.639/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (RTJ 177/229-240), tive o ensejo de destacar, a propósito do tema, o que se segue:

"Não vejo, contudo, como determinar à CPI/Narcotráfico que se abstenha de divulgar dados ou registros sigilosos, pois não posso presumir que um órgão estatal vá transgredir as leis da República, notadamente em face da circunstância de que a atividade estatal reveste-se da presunção 'juris tantum' de legitimidade e de fidelidade ao ordenamento positivo.
Situações anômalas, inferidas de suposta infringência das normas legais, não podem ser imputadas, por simples presunção, a uma Comissão Parlamentar de Inquérito constituída no âmbito das Casas do Congresso Nacional, especialmente se o impetrante - sem qualquer suporte probatório idôneo - não é capaz de demonstrar que o órgão ora apontado como coator vá divulgar, sem justa causa, o conteúdo das informações sigilosas a que legitimamente teve acesso."

Em suma: são estas as razões que me levam a indeferir o pedido de reconsideração de fls. 40/41.
Transmita-se, à Presidência da CPMI dos Correios, cópia da presente decisão, em complementação ao Ofício de fls. 37.
Publique-se.

Brasília, 14 de fevereiro de 2006 (23:45h).

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão pendente de publicação
3
CPI - Garantias constitucionais que lhe são oponíveis - Presença de advogado (Transcrições)

HC 88015 MC/DF*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO (CPI). PRIVILÉGIO CONSTITUCIONAL CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO: GARANTIA BÁSICA QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS. A PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO (PARLAMENTAR, POLICIAL OU JUDICIAL) NÃO SE DESPOJA DOS DIREITOS E GARANTIAS ASSEGURADOS PELA CONSTITUIÇÃO E PELAS LEIS DA REPÚBLICA. DIREITO À ASSISTÊNCIA EFETIVA E PERMANENTE POR ADVOGADO: UMA PROJEÇÃO CONCRETIZADORA DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DO "DUE PROCESS OF LAW". A PRIMAZIA DA "RULE OF LAW". A PARTICIPAÇÃO DOS ADVOGADOS PERANTE AS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO E O NECESSÁRIO RESPEITO ÀS PRERROGATIVAS PROFISSIONAIS DESSES OPERADORES DO DIREITO (MS 25.617/DF, REL. MIN. CELSO DE MELLO, DJU 03/11/2005, V.G.). O POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES E A LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE, PELO JUDICIÁRIO, DAS FUNÇÕES INVESTIGATÓRIAS DAS CPIs, SE E QUANDO EXERCIDAS DE MODO ABUSIVO. DOUTRINA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

DECISÃO: Trata-se de "habeas corpus" preventivo, que, impetrado contra a "CPMI dos Correios", objetiva preservar o "status libertatis" do ora paciente, por ela convocado a depor em sessão a ser realizada no próximo dia 15 de fevereiro.
Busca-se, com a presente ação de "habeas corpus", a obtenção de provimento jurisdicional que assegure, cautelarmente, ao ora paciente, (a) o direito de ser assistido por seu Advogado e de com este comunicar-se durante o curso de seu depoimento perante a referida Comissão Parlamentar de Inquérito e (b) o direito de exercer o privilégio constitucional contra a auto-incriminação, sem que se possa adotar, contra o ora paciente, como conseqüência do regular exercício dessa especial prerrogativa jurídica, qualquer medida restritiva de direitos ou privativa de liberdade, não podendo, ainda, esse mesmo paciente, ser obrigado "a assinar Termo de Compromisso na condição de testemunha" (fls. 11).
Passo a apreciar o pedido de medida liminar formulado nesta sede processual.
E, ao fazê-lo, defiro a postulação em causa, nos termos referidos no parágrafo anterior ("a" e "b"), notadamente para o fim de assegurar, ao ora paciente, além do direito de ser assistido e de comunicar-se com o seu advogado, também o direito de permanecer em silêncio e de não produzir provas contra si próprio, se e quando inquirido sobre fatos cujo esclarecimento possa importar em sua auto-incriminação, sem dispensá-lo, contudo, da obrigação de comparecer perante o órgão parlamentar ora apontado como coator.

CPI E O PRIVILÉGIO CONSTITUCIONAL CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO.

Tenho enfatizado, em decisões proferidas no Supremo Tribunal Federal, a propósito da prerrogativa constitucional contra a auto-incriminação (RTJ 176/805-806, Rel. Min. CELSO DE MELLO), e com apoio na jurisprudência prevalecente no âmbito desta Corte, que assiste, a qualquer pessoa, regularmente convocada para depor perante Comissão Parlamentar de Inquérito, o direito de se manter em silêncio, sem se expor - em virtude do exercício legítimo dessa faculdade - a qualquer restrição em sua esfera jurídica, desde que as suas respostas, às indagações que lhe venham a ser feitas, possam acarretar-lhe grave dano ("Nemo tenetur se detegere").
É que indiciados ou testemunhas dispõem, em nosso ordenamento jurídico, da prerrogativa contra a auto-incriminação, consoante tem proclamado a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal (RTJ 172/929-930, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RDA 196/197, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 78.814/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Cabe acentuar que o privilégio contra a auto-incriminação - que é plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito (OVÍDIO ROCHA BARROS SANDOVAL, "CPI ao Pé da Letra", p. 64/68, itens ns. 58/59, 2001, Millennium; UADI LAMMÊGO BULOS, "Comissão Parlamentar de Inquérito", p. 290/294, item n. 1, 2001, Saraiva; NELSON DE SOUZA SAMPAIO, "Do Inquérito Parlamentar", p. 47/48 e 58/59, 1964, Fundação Getúlio Vargas; JOSÉ LUIZ MÔNACO DA SILVA, "Comissões Parlamentares de Inquérito", p. 65 e 73, 1999, Ícone Editora; PINTO FERREIRA, "Comentários à Constituição Brasileira", vol. 3, p. 126-127, 1992, Saraiva, v.g.) - traduz direito público subjetivo, de estatura constitucional, assegurado a qualquer pessoa pelo art. 5º, inciso LXIII, da nossa Carta Política.
Convém assinalar, neste ponto, que, "Embora aludindo ao preso, a interpretação da regra constitucional deve ser no sentido de que a garantia abrange toda e qualquer pessoa, pois, diante da presunção de inocência, que também constitui garantia fundamental do cidadão (...), a prova da culpabilidade incumbe exclusivamente à acusação" (ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO, "Direito à Prova no Processo Penal", p. 113, item n. 7, 1997, RT - grifei).
É por essa razão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu esse direito também em favor de quem presta depoimento na condição de testemunha, advertindo, então, que "Não configura o crime de falso testemunho, quando a pessoa, depondo como testemunha, ainda que compromissada, deixa de revelar fatos que possam incriminá-la" (RTJ 163/626, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - grifei).
Com o explícito reconhecimento dessa prerrogativa, constitucionalizou-se, em nosso sistema jurídico, uma das mais expressivas conseqüências derivadas da cláusula do "due process of law".
Qualquer pessoa que sofra investigações penais, policiais ou parlamentares, ostentando, ou não, a condição formal de indiciado - ainda que convocada como testemunha (RTJ 163/626 - RTJ 176/805-806) -, possui, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer em silêncio e de não produzir provas contra si própria, consoante reconhece a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 141/512, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Esse direito, na realidade, é plenamente oponível ao Estado, a qualquer de seus Poderes e aos seus respectivos agentes e órgãos. Atua, nesse sentido, como poderoso fator de limitação das próprias atividades de investigação e de persecução desenvolvidas pelo Poder Público (Polícia Judiciária, Ministério Público, Juízes, Tribunais e Comissões Parlamentares de Inquérito, p. ex.).
Cabe registrar que a cláusula legitimadora do direito ao silêncio, ao explicitar, agora em sede constitucional, o postulado segundo o qual "Nemo tenetur se detegere", nada mais fez senão consagrar, desta vez no âmbito do sistema normativo instaurado pela Carta da República de 1988, diretriz fundamental proclamada, desde 1791, pela Quinta Emenda que compõe o "Bill of Rights" norte-americano.
Na realidade, ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal (HC 80.530-MC/PA, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Trata-se de prerrogativa, que, no autorizado magistério de ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO ("Direito à Prova no Processo Penal", p. 111, item n. 7, 1997, RT), "constitui uma decorrência natural do próprio modelo processual paritário, no qual seria inconcebível que uma das partes pudesse compelir o adversário a apresentar provas decisivas em seu próprio prejuízo...".
O direito de o indiciado/acusado (ou testemunha) permanecer em silêncio - consoante proclamou a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, em Escobedo v. Illinois (1964) e, de maneira mais incisiva, em Miranda v. Arizona (1966) - insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal.
A importância de tal entendimento firmado em Miranda v. Arizona (1966) assumiu tamanha significação na prática das liberdades constitucionais nos Estados Unidos da América, que a Suprema Corte desse país, em julgamento mais recente (2000), voltou a reafirmar essa "landmark decision", assinalando que as diretrizes nela fixadas ("Miranda warnings") - dentre as quais se encontra a prévia cientificação de que ninguém é obrigado a confessar ou a responder a qualquer interrogatório - exprimem interpretação do próprio "corpus" constitucional, como advertiu o então "Chief Justice" William H. Rehnquist, autor de tal decisão, proferida, por 07 (sete) votos a 02 (dois), no caso Dickerson v. United States (530 U.S. 428, 2000), daí resultando, como necessária conseqüência, a intangibilidade desse precedente, insuscetível de ser derrogado por legislação meramente ordinária emanada do Congresso americano ("... Congress may not legislatively supersede our decisions interpreting and applying the Constitution ...").
Cumpre rememorar, bem por isso, que o Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 68.742/DF, Rel. p/ o acórdão Min. ILMAR GALVÃO (DJU de 02/04/93), também reconheceu que o réu não pode, em virtude do princípio constitucional que protege qualquer acusado ou indiciado contra a auto-incriminação, sofrer, em função do legítimo exercício desse direito, restrições que afetem o seu "status poenalis".
Esta Suprema Corte, fiel aos postulados constitucionais que expressivamente delimitam o círculo de atuação das instituições estatais, enfatizou que qualquer indivíduo submetido a procedimentos investigatórios ou a processos judiciais de natureza penal "tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer calado. 'Nemo tenetur se detegere'. Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal" (RTJ 141/512, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Em suma: o direito ao silêncio - e de não produzir provas contra si próprio - constitui prerrogativa individual que não pode ser desconsiderada por qualquer dos Poderes da República.
Cabe enfatizar, por necessário - e como natural decorrência dessa insuprimível prerrogativa constitucional - que nenhuma conclusão desfavorável ou qualquer restrição de ordem jurídica à situação individual da pessoa que invoca essa cláusula de tutela pode ser extraída de sua válida e legítima opção pelo silêncio. Daí a grave - e corretíssima - advertência de ROGÉRIO LAURIA TUCCI ("Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro", p. 370, item n. 16.3, 2ª ed., 2004, RT), para quem o direito de permanecer calado "não pode importar em desfavorecimento do imputado, até porque consistiria inominado absurdo entender-se que o exercício de um direito, expresso na Lei das Leis como fundamental do indivíduo, possa acarretar-lhe qualquer desvantagem".
Esse mesmo entendimento é perfilhado por ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO ("Direito à Prova no Processo Penal", p. 113, item n. 7, nota de rodapé n. 67, 1997, RT), que repele, por incompatíveis com o novo sistema constitucional, quaisquer disposições legais, prescrições regimentais ou práticas estatais que autorizem inferir, do exercício do direito ao silêncio, inaceitáveis conseqüências prejudiciais à defesa, aos direitos e aos interesses do réu, do indiciado ou da pessoa meramente investigada, tal como já o havia proclamado este Supremo Tribunal Federal, antes da edição da Lei nº 10.792/2003, que, dentre outras modificações, alterou o art. 186 do CPP:

"Interrogatório - Acusado - Silêncio. A parte final do artigo 186 do Código de Processo Penal, no sentido de o silêncio do acusado poder se mostrar contrário aos respectivos interesses, não foi recepcionada pela Carta de 1988, que, mediante o preceito do inciso LVIII do artigo 5º, dispõe sobre o direito de os acusados, em geral, permanecerem calados (...)."
(RTJ 180/1125, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - grifei)

No sistema jurídico brasileiro, estruturado sob a égide do regime democrático, não existe qualquer possibilidade de o Poder Público (uma Comissão Parlamentar de Inquérito, p. ex.), por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer, sem prévia decisão judicial condenatória irrecorrível, a culpa de alguém.
Na realidade, os princípios democráticos que informam o modelo constitucional consagrado na Carta Política de 1988 repelem qualquer comportamento estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção, nem responsabilidade criminal por mera suspeita (RT 690/390 - RT 698/452-454).
É por essa razão que "Não podem repercutir contra o réu situações jurídico-processuais ainda não definidas por decisão irrecorrível do Poder Judiciário, especialmente naquelas hipóteses de inexistência de título penal condenatório definitivamente constituído" (RTJ 139/885, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Não constitui demasia enfatizar, neste ponto, que o princípio constitucional da não-culpabilidade também consagra, em nosso sistema jurídico, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado, ao réu ou a qualquer pessoa, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário.
Em suma: cabe ter presente, no exame da matéria ora em análise, a jurisprudência constitucional que tem prevalecido, sem maiores disceptações, no âmbito do Supremo Tribunal Federal:

"- O privilégio contra a auto-incriminação - que é plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito - traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa, que, na condição de testemunha, de indiciado ou de réu, deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário.
- O exercício do direito de permanecer em silêncio não autoriza os órgãos estatais a dispensar qualquer tratamento que implique restrição à esfera jurídica daquele que regularmente invocou essa prerrogativa fundamental. Precedentes.
O direito ao silêncio - enquanto poder jurídico reconhecido a qualquer pessoa relativamente a perguntas cujas respostas possam incriminá-la (nemo tenetur se detegere) - impede, quando concretamente exercido, que aquele que o invocou venha, por tal específica razão, a ser preso, ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado.
- Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado.
O princípio constitucional da não-culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário. Precedentes."
(RTJ 176/805-806, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

A PARTICIPAÇÃO DO ADVOGADO PERANTE A COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO.

Impende assinalar, de outro lado, tendo em vista o pleito deduzido em favor do ora paciente - no sentido de que se lhe assegure o direito de ser assistido por seu Advogado e de com este comunicar-se durante o curso de seu depoimento perante a "CPMI dos Correios" -, que cabe, ao Advogado, a prerrogativa, que lhe é dada por força e autoridade da lei, de velar pela intangibilidade dos direitos daquele que o constituiu como patrono de sua defesa técnica, competindo-lhe, por isso mesmo, para o fiel desempenho do "munus" de que se acha incumbido, o exercício dos meios legais vocacionados à plena realização de seu legítimo mandato profissional.
Na realidade, mesmo o indiciado, quando submetido a procedimento inquisitivo, de caráter unilateral (perante a Polícia Judiciária ou uma CPI, p. ex.), não se despoja de sua condição de sujeito de determinados direitos e de garantias indisponíveis, cujo desrespeito põe em evidência a censurável face arbitrária do Estado cujos poderes, necessariamente, devem conformar-se ao que impõe o ordenamento positivo da República, notadamente no que se refere à efetiva e permanente assistência técnica por Advogado.
Esse entendimento - que reflete a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, construída sob a égide da vigente Constituição (MS 23.576/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 07/12/99 e DJU 03/02/2000 - MS 23.684/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJU 10/05/2000 - MS 25.617-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 03/11/2005, v.g.) - encontra apoio na lição de autores eminentes, que, não desconhecendo que o exercício do poder não autoriza a prática do arbítrio, ainda que se cuide de mera investigação conduzida sem a garantia do contraditório, enfatizam que, em tal procedimento inquisitivo, há direitos titularizados pelo indiciado que não podem ser ignorados pelo Estado.
Cabe referir, nesse sentido, dentre outras lições inteiramente aplicáveis às Comissões Parlamentares de Inquérito, o autorizado magistério de FAUZI HASSAN CHOUKE ("Garantias Constitucionais na Investigação Criminal", p. 74, item n. 4.2, 1995, RT), de ADA PELLEGRINI GRINOVER ("A Polícia Civil e as Garantias Constitucionais de Liberdade", "in" "A Polícia à Luz do Direito", p. 17, 1991, RT), de ROGÉRIO LAURIA TUCCI ("Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro", p. 383, 1993, Saraiva), de ROBERTO MAURÍCIO GENOFRE ("O Indiciado: de Objeto de Investigações a Sujeito de Direitos", "in" "Justiça e Democracia", vol. 1/181, item n. 4, 1996, RT), de PAULO FERNANDO SILVEIRA ("Devido Processo Legal - Due Process of Law", p. 101, 1996, Del Rey), de ROMEU DE ALMEIDA SALLES JUNIOR ("Inquérito Policial e Ação Penal", p. 60/61, item n. 48, 7ª ed., 1998, Saraiva) e de LUIZ CARLOS ROCHA ("Investigação Policial - Teoria e Prática", p. 109, item n. 2, 1998, Saraiva).
Assume inquestionável valor, bem por isso, presente o contexto ora em análise (direitos do indiciado e prerrogativas profissionais do Advogado perante a CPI), a lição de ODACIR KLEIN ("Comissões Parlamentares de Inquérito - A Sociedade e o Cidadão", p. 48/49, item n. 4, 1999, Sergio Antonio Fabris Editor), que tanta expressão deu, quando membro do Congresso Nacional, à atividade legislativa:

"O texto constitucional consagra o princípio de que ninguém é obrigado a se auto-incriminar.
Dessa forma, estará agindo no mínimo autoritariamente quem, participando de uma CPI, negar o direito ao silêncio à pessoa que possa ser responsabilizada ao final da investigação.
Em seu interrogatório, o indiciado terá que ser tratado sem agressividade, truculência ou deboche, por quem o interroga diante da imprensa e sob holofotes, já que a exorbitância da função de interrogar está coibida pelo art. 5º, III, da Constituição Federal, que prevê que 'ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante'.
Aquele que, numa CPI, ao ser interrogado, for injustamente atingido em sua honra ou imagem, poderá pleitear judicialmente indenização por danos morais ou materiais, neste último caso, se tiver sofrido prejuízo financeiro em decorrência de sua exposição pública, tudo com suporte no disposto na Constituição Federal, em seu art. 5º, X.
.......................................................
Na condição de indiciado, terá direito à assistência de advogado, garantindo-se ao profissional, com suporte no art. 7º da Lei 8.906/94 - Estatuto da Advocacia e da OAB - comparecer às reuniões da CPI (VI, d), nelas podendo reclamar, verbalmente ou por escrito, contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento (XI)." (grifei)

Extremamente oportunas, sob tal aspecto, as observações feitas pelo ilustre Advogado paulista e ex-Secretário da Justiça do Estado de São Paulo, Dr. MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA ("As CPIs e a Advocacia", "in" "O Estado de S. Paulo", edição de 05/12/99, p. A22):

"Nem se diga, no lastimável argumento repugnante à inteligência e comprometedor do bom senso, que a presença ativa dos advogados nas sessões das CPIs frustraria os seus propósitos investigatórios. Fosse assim, tampouco chegariam a termo as averiguações policiais; ou os inquéritos civis conduzidos pelo Ministério Público; ou, ainda, as inquirições probatórias administradas pelo Judiciário. Com plena razão, magistrados, promotores e delegados jamais alegaram a Advocacia como obstáculo, bem ao contrário, nela enxergando meio útil à descoberta da verdade e à administração da Justiça." (grifei)

Registre-se, ainda, por necessário, que, se é certo que a Constituição atribuiu às CPIs "os poderes de investigação próprios das autoridades judiciais" (CF, art. 58, § 3º), não é menos exato que os órgãos de investigação parlamentar estão igualmente sujeitos, tanto quanto os juízes, às mesmas restrições e limitações impostas pelas normas legais e constitucionais que regem o "due process of law", mesmo que se cuide de procedimento instaurado em sede administrativa ou político-administrativa, de tal modo que se aplica às CPIs, em suas relações com os Advogados, o mesmo dever de respeito - cuja observância também se impõe aos Magistrados (e a este Supremo Tribunal Federal, inclusive) - às prerrogativas profissionais previstas no art. 7º da Lei nº 8.906/94, que instituiu o "Estatuto da Advocacia".
O Advogado - ao cumprir o dever de prestar assistência técnica àquele que o constituiu, dispensando-lhe orientação jurídica perante qualquer órgão do Estado - converte, a sua atividade profissional, quando exercida com independência e sem indevidas restrições, em prática inestimável de liberdade. Qualquer que seja o espaço institucional de sua atuação (Poder Legislativo, Poder Executivo ou Poder Judiciário), ao Advogado incumbe neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias jurídicas - legais ou constitucionais - outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos, dentre os quais avultam, por sua inquestionável importância, a prerrogativa contra a auto-incriminação e o direito de não ser tratado, pelas autoridades públicas, como se culpado fosse, observando-se, desse modo, as diretrizes, previamente referidas, consagradas na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Se, não obstante essa realidade normativa que emerge do sistema jurídico brasileiro, a Comissão Parlamentar de Inquérito - ou qualquer outro órgão posicionado na estrutura institucional do Estado - desrespeitar tais direitos que assistem à generalidade das pessoas, justificar-se-á, em tal específica situação, a intervenção, sempre legítima, do Advogado, para fazer cessar o ato arbitrário ou, então, para impedir que aquele que o constituiu culmine por auto-incriminar-se.
O exercício do poder de fiscalizar eventuais abusos cometidos por Comissão Parlamentar de Inquérito contra aquele que por ela foi convocado para depor traduz prerrogativa indisponível do Advogado no desempenho de sua atividade profissional, não podendo, por isso mesmo, ser cerceado, injustamente, na prática legítima de atos que visem a neutralizar situações configuradoras de arbítrio estatal ou de desrespeito aos direitos daquele que lhe outorgou o pertinente mandato.
A função de investigar não pode resumir-se a uma sucessão de abusos nem deve reduzir-se a atos que importem em violação de direitos ou que impliquem desrespeito a garantias estabelecidas na Constituição e nas leis. O inquérito parlamentar, por isso mesmo, não pode transformar-se em instrumento de prepotência nem converter-se em meio de transgressão ao regime da lei.
Os fins não justificam os meios. Há parâmetros ético-jurídicos que não podem e não devem ser transpostos pelos órgãos, pelos agentes ou pelas instituições do Estado. Os órgãos do Poder Público, quando investigam, processam ou julgam, não estão exonerados do dever de respeitar os estritos limites da lei e da Constituição, por mais graves que sejam os fatos cuja prática motivou a instauração do procedimento estatal.

CONTROLE JURISDICIONAL E SEPARAÇÃO DE PODERES.

Nem se diga, de outro lado, na perspectiva do caso em exame, que a atuação do Poder Judiciário, nas hipóteses de lesão, atual ou iminente, a direitos subjetivos amparados pelo ordenamento jurídico do Estado, configuraria intervenção ilegítima dos juízes e Tribunais na esfera de atuação do Poder Legislativo.
Eventuais divergências na interpretação do ordenamento positivo não traduzem nem configuram situação de conflito institucional, especialmente porque, acima de qualquer dissídio, situa-se a autoridade da Constituição e das leis da República.
Isso significa, na fórmula política do regime democrático, que nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição e das leis. Nenhum órgão do Estado - situe-se ele no Poder Judiciário, ou no Poder Executivo, ou no Poder Legislativo - é imune à força da Constituição e ao império das leis.
Uma decisão judicial - que restaura a integridade da ordem jurídica e que torna efetivos os direitos assegurados pelas leis - não pode ser considerada um ato de interferência na esfera do Poder Legislativo, consoante já proclamou o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em unânime decisão:

"O CONTROLE JURISDICIONAL DE ABUSOS PRATICADOS POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES.

- A essência do postulado da divisão funcional do poder, além de derivar da necessidade de conter os excessos dos órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o princípio conservador das liberdades do cidadão e constitui o meio mais adequado para tornar efetivos e reais os direitos e garantias proclamados pela Constituição.
Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta Política, não pode constituir nem qualificar-se como um inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários, por parte de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer instituição estatal.
- O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República.
O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes."

Desse modo, não se revela lícito afirmar, na hipótese de desvios jurídico-constitucionais nas quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de controle jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na esfera de outro Poder da República."
(RTJ 173/805-810, 806, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
A exigência de respeito aos princípios consagrados em nosso sistema constitucional não frustra nem impede o exercício pleno, por qualquer CPI, dos poderes investigatórios de que se acha investida.
A observância dos direitos e garantias constitui fator de legitimação da atividade estatal. Esse dever de obediência ao regime da lei se impõe a todos - magistrados, administradores e legisladores.
O poder não se exerce de forma ilimitada. No Estado democrático de Direito, não há lugar para o poder absoluto.
Ainda que em seu próprio domínio institucional, portanto, nenhum órgão estatal pode, legitimamente, pretender-se superior ou supor-se fora do alcance da autoridade suprema da Constituição Federal e das leis da República.
O respeito efetivo pelos direitos individuais e pelas garantias fundamentais outorgadas pela ordem jurídica aos cidadãos em geral representa, no contexto de nossa experiência institucional, o sinal mais expressivo e o indício mais veemente de que se consolida, em nosso País, de maneira real, o quadro democrático delineado na Constituição da República.
A separação de poderes - consideradas as circunstâncias históricas que justificaram a sua concepção no plano da teoria constitucional - não pode ser jamais invocada como princípio destinado a frustrar a resistência jurídica a qualquer ensaio de opressão estatal ou a inviabilizar a oposição a qualquer tentativa de comprometer, sem justa causa, o exercício, pela pessoa que sofre a investigação, do seu direito de requerer a tutela jurisdicional contra abusos que possam ser cometidos pelas instituições do Estado, não importando se vinculadas à estrutura do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário.
A investigação parlamentar, judicial ou administrativa de qualquer fato determinado, por mais grave que ele possa ser, não prescinde do respeito incondicional e necessário, por parte do órgão público dela incumbido, das normas, que, instituídas pelo ordenamento jurídico, visam a equacionar, no contexto do sistema constitucional, a situação de contínua tensão dialética que deriva do antagonismo histórico entre o poder do Estado (que jamais deverá revestir-se de caráter ilimitado) e os direitos da pessoa (que não poderão impor-se de forma absoluta).
É, portanto, na Constituição e nas leis - e não na busca pragmática de resultados, independentemente da adequação dos meios à disciplina imposta pela ordem jurídica - que se deverá promover a solução do justo equilíbrio entre as relações de tensão que emergem do estado de permanente conflito entre o princípio da autoridade e o valor da liberdade.
O que simplesmente se revela intolerável, e não tem sentido, por divorciar-se dos padrões ordinários de submissão à "rule of law", é a sugestão - que seria paradoxal, contraditória e inaceitável - de que o respeito pela autoridade da Constituição e das leis possa traduzir fator ou elemento de frustração da eficácia da investigação estatal.
Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, e sem dispensar o ora paciente da obrigação de comparecer perante a "CPMI dos Correios", defiro o pedido de medida liminar, nos precisos termos expostos nesta decisão, em ordem a assegurar, cautelarmente, a esse mesmo paciente, (a) o direito de ser assistido por seu Advogado e de com este comunicar-se durante o curso de seu depoimento perante a referida Comissão Parlamentar de Inquérito e (b) o direito de exercer o privilégio constitucional contra a auto-incriminação, sem que se possa adotar, contra o paciente em questão, como conseqüência do regular exercício dessa especial prerrogativa jurídica, qualquer medida restritiva de direitos ou privativa de liberdade, não podendo, ainda, tal paciente, ser obrigado "a assinar Termo de Compromisso na condição de testemunha" (fls. 11).
Comunique-se, com urgência, o teor deste ato decisório, ao eminente Senhor Presidente da "CPMI dos Correios".
2. Requisitem-se informações ao órgão ora apontado como coator, encaminhando-se-lhe cópia da presente decisão.
Publique-se.

Brasília, 14 de fevereiro de 2006.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

*decisão pendente de publicação

Fiador em Contrato de Locação e
Penhorabilidade de Bem de Família (Transcrições)

RE 407.688/SP*

(v. Informativo 415)

RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO

RELATÓRIO: Trata-se de recurso extraordinário contra acórdão do antigo Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, que negou provimento a agravo de instrumento interposto pelo ora recorrente. À base do agravo está decisão em que o juiz da causa indeferiu pedido de liberação do bem de família do recorrente, objeto de constrição em processo executivo com fundamento na exceção legal à regra da impenhorabilidade de tais bens, nos termos do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 29.03.1990, pois o devedor executado ostenta a condição incontroversa de fiador em contrato de locação (fls. 117-130).

O acórdão está assim ementado:

"Locação - Despejo - Execução - fiador - Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado - Constrição do seu imóvel residencial - Admissibilidade - Previsão da atual lei inquilinária - direito de moradia - norma do art. 6º da CF, ampliada pela Emenda nº 26/2000 - Regulamentação - Ausência - Recurso desprovido" (fls. 110).

Inconformado, o fiador interpôs recurso extraordinário. Como apontado na decisão que o admitiu na origem, "cinge-se a controvérsia em saber se a penhorabilidade do bem de família do fiador de contrato de locação persiste, ou não, com o advento da Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, que ampliou a disposição do artigo 6º da Constituição Federal, incluindo a moradia entre os direitos sociais" (fls. 203).

É o relatório.

VOTO: Tenho por inconsistente o recurso.

Não me parece sólida a alegação de que a penhora do bem de família do recorrente violaria o disposto no art. 6° da Constituição da República, que, por força da redação introduzida pela EC nº 26, de 15 de fevereiro de 2000, não teria recebido a norma do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 29.03.1990, a qual abriu exceção à impenhorabilidade do bem de família.

A regra constitucional enuncia direito social, que, não obstante suscetível de qualificar-se como direito subjetivo, enquanto compõe o espaço existencial da pessoa humana, "independentemente da sua justiciabilidade e exeqüibilidade imediatas", sua dimensão objetiva supõe provisão legal de prestações aos cidadãos, donde entrar na classe dos chamados "direitos a prestações, dependentes da actividade mediadora dos poderes públicos".

Isto significa que, em teoria, são várias, se não ilimitadas, as modalidades ou formas pelas quais o Estado pode, definindo-lhe o objeto ou o conteúdo das prestações possíveis, concretizar condições materiais de exercício do direito social à moradia. Ao propósito dos direitos sociais dessa estirpe, nota a doutrina:

"A multiplicidade de opções que se registra no âmbito da atividade prestacional social do Estado tende a ser, em tese, ilimitada e constitui, por si só, instigante tema para uma reflexão mais aprofundada. Mesmo assim foram efetuadas diversas tentativas de sistematizar as prestações sociais estatais relevantes para a problemática dos direitos sociais, dentre as quais destacamos - pela sua plasticidade e abrangência - a proposta formulada pelo publicista germânico Dieter Murswiek, que dividiu as prestações estatais (que podem, em princípio, constituir em objeto dos direitos sociais) em quatro grupos: a) prestações sociais em sentido estrito, tais como a assistência social, aposentadoria, saúde, fomento da educação e do ensino, etc; b) subvenções materiais em geral, não previstas no item anterior; c) prestações de cunho existencial no âmbito da providência social (Daseinsvorsorge), como a utilização de bens públicos e instituições, além do fornecimento de gás, luz, água, etc.; d) participação em bens comunitários que não se enquadram no item anterior, como, por exemplo, a participação (no sentido de quota-parte), em recursos naturais de domínio público.

O que se percebe, com base na sistematização proposta, é que os diversos direitos sociais prestacionais podem apresentar um vínculo diferenciado em relação às categorias de prestações estatais referidas (direito ao trabalho, assistência social, aposentadoria, educação, saúde, moradia, etc.). Quais das diferentes espécies de prestações efetivamente irão constituir o objeto dos direitos sociais dependerá de seu reconhecimento e previsão em cada ordem constitucional, bem como de sua concretização pelo legislador, mesmo onde o Constituinte renunciar à positivação dos direitos sociais prestacionais. Importante é a constatação de que as diversas modalidades de prestações referidas não constituem um catálogo hermético e insuscetível de expansão, servindo, além disso, para ressaltar uma das diferenças essenciais entre os direitos de defesa e os direitos sociais (a prestações), já que estes, em regra, reclamam uma atuação positiva do legislador e do Executivo, no sentido de implementar a prestação que constitui o objeto do direito fundamental."

Daí se vê logo que não repugna à ordem constitucional que o direito social de moradia - o qual, é bom observar, se não confunde, necessariamente, com direito à propriedade imobiliária ou direito de ser proprietário de imóvel - pode, sem prejuízo doutras alternativas conformadoras, reputar-se, em certo sentido, implementado por norma jurídica que estimule ou favoreça o incremento da oferta de imóveis para fins de locação habitacional, mediante previsão de reforço das garantias contratuais dos locadores.

A vigente Constituição portuguesa é, aliás, ilustrativa ao propósito, ao dispor, no nº 2 do art. 65º:

"2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado:
(...)
c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada" (Grifei)

A respeito, não precisaria advertir que um dos fatores mais agudos de retração e de dificuldades de acesso do mercado de locação predial está, por parte dos candidatos a locatários, na falta absoluta, na insuficiência ou na onerosidade de garantias contratuais licitamente exigíveis pelos proprietários ou possuidores de imóveis de aluguel. Nem, tampouco, que acudir a essa distorção, facilitando celebração dos contratos e com isso realizando, num dos seus múltiplos modos de positivação e de realização histórica, o direito social de moradia, é a própria ratio legis da exceção prevista no art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 1990. São coisas óbvias e intuitivas.

Daí, só poder conceber-se acertada, em certo limite, a postura de quem vê, na penhorabilidade de imóvel do fiador, regra hostil ao art. 6º da Constituição da República, em "havendo outros meios de assegurar o pagamento do débito", porque essa constitui a única hipótese em que, perdendo, diante de particular circunstância do caso, a função prática de servir à prestação de garantia exclusiva das obrigações do locatário e, como tal, de condição necessária da locação, a aplicação da regra contradiria o propósito e o alcance normativo. Aí, não incidiria, não porque, na sua generalidade e eficácia, seja desconforme com a Constituição, senão porque o fato (fattispecie concreta) é que se lhe não afeiçoaria ao modelo normativo (fattispecie abstrata).

Ou, noutros termos, a norma deveras comporta redução teleológica que, para a acomodar à tutela constitucional do direito social de moradia, na dupla face de resguardo simultâneo a direito subjetivo do fiador ao bem de família e, por viés, a análogo direito do locatário à habitação, exclua do seu programa normativo, sem mudança alguma do texto legal, certa hipótese de aplicação, qualificada pela existência de outro ou outros meios capazes de assegurar o pagamento forçado de todo o crédito do locador. A essa construção, no plano dogmático, corresponde o conceito puro de declaração de nulidade, sem redução de texto. Mas não deixa de expressar também o caráter negativo da eficácia do direito social do fiador, visto como poder de defesa contra agressão a posição jurídica redutível ao seu âmbito de proteção.

Mas não é caso dessa redução, porque aqui não se alega nem consta estejam disponíveis outras garantias ao crédito exeqüendo.

Nem parece, por fim, curial invocar-se de ofício o princípio isonômico, assim porque se patenteia diversidade de situações factuais e de vocações normativas - a expropriabilidade do bem do fiador tende, posto que por via oblíqua, também a proteger o direito social de moradia, protegendo direito inerente à condição de locador, não um qualquer direito de crédito -, como porque, como bem observou JOSÉ EDUARDO FARIA, "os direitos sociais não configuram um direito de igualdade, baseado em regras de julgamento que implicam um tratamento uniforme; são, isto sim, um direito das preferências e das desigualdades, ou seja, um direito discriminatório com propósitos compensatórios".

Não admira, portanto, que, no registro e na modelação concreta do mesmo direito social, se preordene a norma subalterna a tutelar, mediante estímulo do acesso à habitação arrendada - para usar os termos da Constituição lusitana -, o direito de moradia de uma classe ampla de pessoas (interessadas na locação), em dano de outra de menor espectro (a dos fiadores proprietários de um só imóvel, enquanto bem de família, os quais não são obrigados a prestar fiança). Castrar essa técnica legislativa, que não pré-exclui ações estatais concorrentes doutra ordem, romperia equilíbrio do mercado, despertando exigência sistemática de garantias mais custosas para as locações residenciais, com conseqüente desfalque do campo de abrangência do próprio direito constitucional à moradia.

Do exposto, nego provimento ao recurso extraordinário.


* acórdão pendente de publicação





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