Anúncios


sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Informativo STF 410 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 21 a 25 de novembro de 2005 - Nº 410.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

Download deste Informativo


SUMÁRIO




Plenário
Processo Disciplinar: Parlamentar e Devido Processo Legal - 1
Processo Disciplinar: Parlamentar e Devido Processo Legal - 2
Notários e Registradores: Aposentadoria por Implemento de Idade - 2
Serviços Notariais e de Registro: Concurso Público e Princípio da Isonomia - 2
ADI e Vício Formal - 1
ADI e Vício Formal - 2
ADI e Vício Formal - 3
ADI e Vício Formal - 4
1ª Turma
Prisão Provisória e Fundamentação
2ª Turma
Autarquia e Execução por Precatório
Concurso Público e Exoneração de Defensor Público - 1
Concurso Público e Exoneração de Defensor Público - 2
Educação Infantil. Atendimento em Creche. Dever Constitucional do Poder Público
Transcrições
Anistia: Art. 9º do ADCT e Vício Grave (AOE 16/RJ)


PLENÁRIO


Processo Disciplinar: Parlamentar e Devido Processo Legal - 1

O Tribunal iniciou julgamento de pedido de liminar em mandado de segurança impetrado por Deputado Federal contra ato praticado pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, na Representação 38/05, do PTB - Partido Trabalhista Brasileiro, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados, no recurso 229/05, e pela Mesa Diretora e Presidência da Câmara dos Deputados, em que se imputa ao impetrante a prática de quebra do decoro parlamentar. Alega o impetrante: a) que a aprovação, pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, do parecer normativo que concluíra pela impossibilidade de desistência da representação contra ele formulada se dera em violação ao art. 43 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e ao § 1º do art. 4º do Regulamento do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, que impedem que o deputado, quando debatida ou votada matéria da qual seja autor ou relator, presida a respectiva sessão de votação; b) afronta ao art. 55, § 2º, da CF, por ter o referido Conselho indeferido o pedido do PTB de retirada de sua própria representação; c) que a prorrogação de prazo para deliberação sobre o mandato feriu direito líquido e certo de ter, no prazo peremptório de 90 dias, concluída a deliberação do processo contra ele instaurado, nos termos do § 1º do art. 16 da Resolução 25/2001 - Código de Ética e Decoro Parlamentar; d) ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa em decorrência da inversão da ordem de oitiva das testemunhas; e) utilização de provas ilícitas, quais sejam, informações sigilosas obtidas na CPMI dos Correios, trazidas ao processo sem prévio requerimento fundamentado.
MS 25647 MC/DF, rel. Min. Carlos Britto, 23.11.2005. (MS-25647)

Processo Disciplinar: Parlamentar e Devido Processo Legal - 2

O Min. Carlos Britto, relator, indeferiu a liminar, no que foi acompanhado pelos Ministros Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Carlos Velloso, rejeitando todas as causas de pedir do impetrante, nestes termos: a) o presidente do Conselho não foi autor do parecer normativo aprovado, não promoveu a defesa, nem relatou o feito, tendo se limitado a cientificar seus pares das notícias divulgadas pela imprensa acerca de possíveis retiradas de representações para abertura de processos disciplinares; b) após a formalização da representação, não há campo para disponibilidade do partido político, uma vez que os bens jurídicos que tal ação visa tutelar constituem matéria de ordem pública, entendimento reforçado pelo o que dispõe o § 4º do art. 55 da CF; c) não obstante a prorrogação concedida, o processo foi concluído antes do prazo de 90 dias; d) além de o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar não dispor de poder coercitivo de convocação das testemunhas, restando habilitado apenas a expedir convites, não houve demonstração do efetivo prejuízo resultante da inversão da oitiva das testemunhas; e) a questão quanto à utilização de provas ilícitas transferidas da CPMI dos Correios estaria superada em face da liminar concedida pelo Min. Eros Grau no MS 25618/DF, que determinara nova confecção e leitura do relatório sem consideração desses dados. Divergiu, quanto à questão relativa à inversão da ordem de oitiva das testemunhas, o Min. Cezar Peluso, que, considerando ter havido ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, em razão de não se ter oportunizado a reinquirição das testemunhas do impetrante para contraditar o depoimento da testemunha da acusação, e verificando o prejuízo decorrente da possibilidade de o mencionado depoimento servir de convicção para eventual cassação do mandato do parlamentar, deferiu, em parte, a liminar para determinar a supressão dos autos do processo, junto à Câmara dos Deputados, do depoimento em questão, bem como a supressão de todas as referências a ele contidas no relatório a ser submetido ao Plenário da Câmara dos Deputados. Nesta mesma linha de entendimento, votou o Min. Marco Aurélio que, entretanto, deferiu a liminar para suspender o procedimento, ficando assegurada a reinquirição das testemunhas de defesa. Acompanharam o voto do Min. Marco Aurélio os Ministros Celso de Mello, Eros Grau e Nelson Jobim, presidente. Após, o julgamento foi suspenso para aguardar o voto de desempate do Min. Sepúlveda Pertence, ausente da sessão.
MS 25647 MC/DF, rel. Min. Carlos Britto, 23.11.2005. (MS-25647)

Notários e Registradores: Aposentadoria por Implemento de Idade - 2

Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil - ANOREG para declarar a inconstitucionalidade do Provimento 55/2001, do Corregedor-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, que determina, aos juízes diretores de foro, que exerçam a fiscalização do implemento da idade de 70 anos dos oficiais de registro e tabeliães, bem como expeçam o ato de declaração de vacância do serviço notarial ou de registro - v. Informativo 369. Entendeu-se que a norma impugnada ofende o art. 236 da CF, que estabelece serem os serviços notariais e de registro exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público, e que a aposentadoria compulsória só se aplica aos servidores de cargos efetivos, consoante o disposto no art. 40, § 1º, II, da CF, com a redação dada pela EC 20/98. Vencido o Min. Joaquim Barbosa, relator, que julgava improcedente o pedido por considerar que os serventuários de notas e registro, por exercerem função eminentemente pública, estão sujeitos à aposentadoria por implemento de idade, tendo em conta, sobretudo, o princípio constitucional republicano, que não admite a personalização da função pública, nem a tentativa de eternização do seu exercício.
ADI 2602/MG, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, rel. p/ acórdão Min. Eros Grau, 24.11.2005. (ADI-2602)

Serviços Notariais e de Registro: Concurso Público e Princípio da Isonomia - 2

Concluído julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul contra os incisos I, II, III e X do art. 16 e do inciso I do art. 22, ambos da Lei 11.183/98, daquele Estado, que, dispondo sobre concurso de ingresso e remoção nos serviços notarial e de registro, estabelecem, respectivamente, como títulos de concurso público, atividades relacionadas a esses serviços, e, como critério de desempate entre candidatos, a preferência para o mais antigo na titularidade dos mesmos - v. Informativo 407. O Tribunal atribuiu efeitos ex tunc à decisão de procedência do pedido formulado, proferida na sessão de 26.10.2005, rejeitando a proposta do Min. Gilmar Mendes, que, acompanhado pelos Ministros Eros Grau, Ellen Gracie, Celso de Mello, Nelson Jobim, presidente, Cezar Peluso e Carlos Velloso, conferia-lhe eficácia ex nunc, aplicável ao concurso em andamento, preservando-se os concursos anteriores.
ADI 3522/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 24.11.2005. (ADI-3522)

ADI e Vício Formal - 1

Por vislumbrar usurpação da competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (CF, art. 22, XXIV), bem como extrapolação da competência concorrente do Estado-membro para legislar sobre educação (CF, art. 24, IX, §§ 2ºe 3º), considerada a Lei Federal 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado de São Paulo para declarar a inconstitucionalidade da Lei estadual 10.860/2001, que estabelece requisitos para criação, autorização de funcionamento, avaliação e reconhecimento de cursos de graduação na área de saúde, das instituições públicas e privadas de educação superior.
ADI 3098/SP, rel. Min. Carlos Velloso, 24.11.2005. (ADI-3098)

ADI e Vício Formal - 2

Entendendo caracterizada a ofensa ao art. 22, XI, da CF, que estabelece ser da competência privativa da União legislar sobre trânsito, o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade da Lei 11.766/97, do Estado do Paraná, que impõe que os veículos automotores transitem permanentemente com os faróis acessos nas rodovias do referido Estado-membro.
ADI 3055/PR, rel. Min. Carlos Velloso, 24.11.2005. (ADI-3055)

ADI e Vício Formal - 3

O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Distrito Federal para declarar a inconstitucionalidade do art. 117, e seus incisos I, II, III e IV, da Lei Orgânica do Distrito Federal, que fixa que a segurança pública será exercida pela Polícia Civil, Militar, Corpo de Bombeiros Militar e Departamento de Trânsito. Entendeu-se que a norma em questão viola a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para iniciar projeto de lei que disponha sobre organização administrativa (CF, art. 61, § 1º, II, b), bem como não observa o modelo federal previsto no art. 144 da CF, que elenca, de forma taxativa, os órgãos incumbidos do exercício da segurança pública, dentre os quais não está o Departamento de Trânsito.
ADI 1182/DF, rel. Min. Eros Grau, 24.11.2005. (ADI-1182)

ADI e Vício Formal - 4

Por vislumbrar ofensa ao art. 22, I, da CF, que estabelece a competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho, o Tribunal julgou procedente, em parte, pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Distrito Federal para declarar a inconstitucionalidade da expressão "e feriado para todos os efeitos legais", contida no art. 2º da Lei distrital 3.083/2002, que fixa o dia 30 de outubro como data comemorativa (Dia do Comerciário) e feriado para todos os efeitos legais no âmbito daquela unidade federativa. Considerou-se o entendimento firmado pelo Supremo no sentido de estar implícito no poder privativo da União de legislar sobre direito do trabalho o de decretar feriados civis, mediante lei federal ordinária, tendo em conta as conseqüências decorrentes dessa iniciativa nas relações de trabalho.
ADI 3069/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 24.11.2005. (ADI-3069)


PRIMEIRA TURMA


Prisão Provisória e Fundamentação

A Turma deferiu habeas corpus para afastar prisão provisória formalizada contra investigado pela suposta prática de lesão corporal que resultara na morte da vítima. No caso, antes do óbito, a autoridade policial representara ao juízo com o fim de ver deferida a prisão provisória, alegando que esta seria necessária ao esclarecimento do crime, uma vez que, à época desse requerimento, tratava-se de tentativa. Entendeu-se que a aludida prisão não se enquadra nos requisitos previstos nas Leis 7.960/89 e 8.072/90, cujos artigos consignam a excepcionalidade da custódia, porquanto fora decretada com base na suposição de que, em liberdade, o paciente dificultaria ou impossibilitaria a investigação policial. Ademais, ressaltou-se que, na prorrogação da prisão temporária, o juiz referira-se à motivação anterior, acrescentando, tão-somente, a grande repercussão que o crime tivera na comunidade local pelo modo como cometido.
HC 86375/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 25.11.2005. (HC-86375)


SEGUNDA TURMA


Autarquia e Execução por Precatório

A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto pela Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina - APPA contra acórdão do TST que, aplicando a orientação jurisprudencial 87 dessa Corte, entendera que a recorrente, embora autarquia, não goza do privilégio de execução por precatório, uma vez que se sujeita ao regime próprio das empresas privadas por exercer atividade econômica. Sustenta-se, na espécie, ofensa aos artigos 100 e 173, § 1º, da CF, sob a alegação de que a recorrente pode ser beneficiada pelo regime de pagamento de suas obrigações por precatório judicial em virtude de ser entidade autárquica que desenvolve atividade econômica, em regime de exclusividade. O Min. Gilmar Mendes, relator, deu provimento ao recurso para determinar que a execução seja submetida ao regime de precatório, no que foi acompanhado pelo Min. Joaquim Barbosa. Tendo em conta precedentes do STF no sentido de não incidir a norma do § 1º do art. 173 nas sociedades de economia mista ou empresas públicas que, apesar de exercerem atividade econômica, gozam de exclusividade, e salientando o julgamento do RE 220906/RS (DJU de 14.11.2002), no qual se afirmou que Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT está submetida ao regime de precatório, concluiu-se que o referido dispositivo também não seria aplicável à recorrente. Asseverou que, no caso, trata-se de autarquia que presta serviço público e recebe recursos estaduais, conforme previsto no Regulamento da APPA (Decreto Estadual 7.447/90). Além disso, a EC19/98, ao alterar o art. 173, § 1º, da CF, teria reforçado o entendimento supra. Após, o julgamento foi adiado em face do pedido de vista do Min. Carlos Velloso.
RE 356711/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 22.11.2005. (RE-356711)

Concurso Público e Exoneração de Defensor Público - 1

A Turma, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso contra acórdão que, reconhecendo a inobservância do devido processo legal administrativo, reintegrara os recorridos no cargo de Defensor Público daquele Estado-membro. No caso concreto, os recorridos foram aprovados no concurso para o preenchimento de vagas para o citado cargo, cujo edital não previa prazo de validade, sendo o certame homologado e convocados os primeiros candidatos. Posteriormente, o aludido prazo fora prorrogado, após o biênio de validade, e os recorridos nomeados. Entretanto, já empossados e após terem entrado em exercício, o Governador, por ato unilateral, anulara o ato de nomeação desses últimos convocados, sem que lhes fosse oportunizada a ampla defesa e o contraditório. Alegava-se violação ao art. 37, III e IV, da CF, ao argumento de que a referida anulação seria legal, haja vista a possibilidade de revisão por parte da Administração dos seus próprios atos, desde que eivados de vícios.
RE 452721/MT, rel. Min. Gilmar Mendes, 22.11.2005. (RE-452721)

Concurso Público e Exoneração de Defensor Público - 2

Inicialmente, ressaltou-se orientação do STF no sentido da impossibilidade de prorrogação do prazo de validade de concurso público após o término do primeiro biênio. Aludindo que a nomeação ocorrera dentro do número de vagas originariamente estipulado no edital, a ensejar a sua presunção de legitimidade, entendeu-se que a nomeação e a posse repercutiram no campo de interesses individuais e patrimoniais dos recorridos. No tocante à ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (CF, art. 5º, LIV e LV), considerou-se que estas garantias deveriam ter sido consideradas pelo novo Governador, tendo em conta, inclusive, a relevância da Defensoria Pública. Salientou-se, ainda, que embora os recorridos estivessem em estágio probatório, não poderiam ser exonerados ad nutum e que eventual anulação dos atos de nomeação apresenta considerável repercussão social, política e jurisdicional. Vencido, em parte, o Min. Joaquim Barbosa, que dava parcial provimento ao recurso para tornar sem efeito o ato que culminou na exoneração dos recorridos, ressalvando a possibilidade desse procedimento ser retomado, desde que respeitado o devido processo legal.
RE 452721/MT, rel. Min. Gilmar Mendes, 22.11.2005. (RE-452721)

Educação Infantil. Atendimento em Creche. Dever Constitucional do Poder Público

A Turma manteve decisão monocrática do Min. Celso de Mello, relator, que dera provimento a recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra acórdão do Tribunal de Justiça do mesmo Estado-membro que, em ação civil pública, afirmara que a matrícula de criança em creche municipal seria ato discricionário da Administração Pública - v. Informativo 407. Tendo em conta que a educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível (CF, art. 208, IV), asseverou-se que essa não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. Entendeu-se que os Municípios, atuando prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º), não poderão eximir-se do mandamento constitucional disposto no aludido art. 208, IV, cuja eficácia não deve ser comprometida por juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade. Por fim, ressaltou-se a possibilidade de o Poder Judiciário, excepcionalmente, determinar a implementação de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sempre que os órgãos estatais competentes descumprirem os encargos políticos-jurídicos, de modo a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional.
RE 436996 AgR/SP, rel. Min. Celso de Mello, 22.11.2005. (RE-436996)

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno23.11.200524.11.200516
1ª Turma--25.11.20052
2ª Turma22.11.2005--205



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Anistia: Art. 9º do ADCT e Vício Grave (Transcrições)

(v. Informativo 404)

AOE 16/DF*

RELATOR: MIN. EROS GRAU

Relatório: Trata-se de ação originária especial, com fundamento no art. 9º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, em que José Maurício Duque requer a nulidade do decreto de reforma compulsória que o atingiu.
2. Como medida preparatória, ajuizou ação cautelar de exibição de documentos e produção antecipada de provas, apensada a estes autos.
3. O autor ocupava o posto de Capitão-de-Fragata do Corpo de Intendentes da Marinha, do qual fora cassado por decreto do Presidente da República publicado no Diário Oficial da União de 26 de agosto de 1969.
4. Afirma que, naquela época, a existência de representação contra o militar não conduzia necessariamente a sua cassação. Segundo declarações do General Jayme Portella de Mello, Secretário do Conselho de Segurança Nacional, os feitos encaminhados pelos Ministros eram selecionados pelo Presidente da República. Apenas os processos acompanhados de provas substanciais das acusações eram levados ao Plenário do Conselho.
5. O autor relata que, à época, obteve informações do Vice-Almirante Floriano Peixoto Faria Lima no sentido de que não seria cassado, por inexistirem motivos suficientes para tanto.
6. Requer como prova os autos do processo de cassação, nos quais poderia ser verificada a devolução do ato de reforma compulsória ao Ministério da Marinha com recusa de assinatura pelo chefe do Poder Executivo.
7. Informa, no entanto, que as únicas testemunhas da recusa do Presidente da República, os Almirantes Alexandre de Carvalho Leal Filho e Arnoldo Hasselmann Fairbairn, já haviam falecido na data da propositura da presente ação.
8. Aponta como vício grave do ato de reforma o julgamento final do processo a que foi submetido, que decretou a sua incapacidade moral e profissional. A análise da carreira até então cumprida enquanto militar da ativa jamais poderia, no entanto, levar o processo instaurado a esse resultado.
9. Para fundamentar seus argumentos anexa cópias autenticadas dos assentamentos feitos na Caderneta-registro de militar e nas Folhas de Alteração de Oficiais, que evidenciam a incompatibilidade do ato de reforma com os serviços e atividades militares prestadas.
10. Lê-se nas referências destacadas pelo autor [fls. 12/15]:

"1 - PROMOÇÃO em 8/09/1966 por merecimento (Decreto 25/10/66);
2 - CITAÇÃO MERITÓRIA (LOUVOR) - A 17/10/66, foi-lhe concedido o louvor, por desenvolver atividade exemplar, revelando sempre grande interesse e dedicação pelo serviço. Sua atuação marcante é o cunho da eficiência e produtividade que está imprimindo ao seu departamento, a par com suas qualidades profissionais, fazem-no merecedor da presente citação meritória que faço com inteira justiça e imenso prazer. (O/S 052/66). (ESCOLA DE MARINHA MERCANTE DO RJ)
3 - REFERÊNCIA ELOGIOSA:
O Capitão-de-corveta (IM) JOSÉ MAURÍCO DUQUE, requisitado pela Comissão de Sindicância do Serviço de Navegação da Bacia do Prata, demonstrou nas tarefas daquela comissão uma grande capacidade de trabalho e resistência e também dedicação e competência de acordo com o ofício nº. 0136 de 29/5/61 daquela Comissão. Por isso julgo de inteira justiça destacar suas qualidades profissionais e sua eficiência, que o tornam merecedor de referência elogiosa, que, com grata satisfação, aqui lhe consigno.
Luiz Octávio Brasil
Vice-Almirante, Diretor-Geral
DIRETORIA DO ARMAMENTO DA MARINHA
Rio de Janeiro, E.G. Em 29 de dezembro de 1961.
Fato provado com a ORDEM DO DIA N. 7.047/1961, da Diretoria de Armamento da Marinha anexa, anexo nº. 7, nestes autos fls.______.
4 - O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil:
Faço saber aos que esta carta-patente virem que por decreto de 10 de outubro de 1961, resolvi promover, por merecimento, no Corpo de Intendentes da Marinha, ao Posto de Capitão-de-Corveta o Capitão-Tenente José Maurício Duque.
Brasilia, DF, 15/6/62
João Goulart
Tancredo Neves
Ângelo Nolasco de Almeida
5 - CITAÇÃO MERITÓRIA (Elogio): a 2/8/1963, foi-lhe concedido elogio: exerceu as funções de Encarregado da Divisão de Suprimento (DA-41) e no desempenho de suas funções demonstrou eficiência, lealdade e vontade de resolver os problemas que lhe estavam afetos, tornando-se merecedor deste Elogio, que com grata satisfação aqui lhe consigno. (OD/DAM 014/1963)
6 - JUSTIÇA (Juiz Militar): Foi sorteado juiz Militar do Conselho Permanente de Justiça da 1ª Auditoria da Marinha, durante o 3º trimestre de 1963. (Bol. 25/1963/BJ).
7 - ELOGIOS E MEDALHAS: 12- Elogio: Por Aviso nº 1158, de 18/5/1954, foi o oficial constante desta caderneta elogiado nominalmente pelo Exmº. Sr. Ministro da Marinha conforme publicou o Bol. nº 22, de 28/5/1954, do M.M.
8 - Primeiro Lugar no concurso de Atualização para Oficiais (IM) com média 9,2:
Capitão-de-Corveta (IM) José Maurício Duque 9,2
Fato provado com a cópia autêntica da Ordem do Dia nº. 38/61, da Diretoria de Intendência da Marinha, publicada no Boletim do MM nº 1 de 5/1/62, anexo nº 9, nestes autos, fls.______.
9 - CURSO - resultado dos exames finais do Curso Básico de Serviços para Intendentes da E.G.N. realizados em 1968: "satisfez as exigências do artigo 13 e alínea a) do artigo 14 do regulamento anterior para a escola de Guerra Naval, aprovado pelo Decreto nº. 52484 de 19/9/1963 - O.D. nº. 0010, de 15/3/68, da EGN - (Bol. 16/1968/A).
Fato provado com a folha nº. 34 da sua caderneta de registro, anexo nº6, nestes autos, fls.______.
10 - FUNÇÃO (Acúmulo - Posto Superior) - a 1/8/1964, acumulou a de encarregado da Seção de Finanças (CN-3), com as funções de Encarregado da Seção de Embarque (CN-2A), Secretário do presidente da CNBW, e Ajudante da seção de Material (CN-2) que já vinha exercendo.
11 - DESIGNAÇÃO - a 19/8/1965, pelo Aviso nº. 1257 do Ministro da Marinha, para em Comissão com outros Oficiais, estudar e propor as medidas necessárias à regularização da situação de pagamento de vencimentos do pessoal civil brasileiro e americano (extra-quadro), da Comissão Naval Brasileira em Washington e Grupo de Trabalho do arsenal de Marinha de Filadelphia. Bol. 35/1965 pg. 4803.
Fatos provados com as folhas 22 e 25 de sua caderneta de registro, anexo nº. 6, nestes autos, fls.______."

11. Esclarece que as promoções aos postos de oficial superior atendiam ao critério do merecimento, decorrente de citações meritórias de louvor, referência elogiosa, elogio, elogio nominal pelo Ministro da Marinha, ocupação do cargo de juiz militar, classificação em curso de formação, inexistência de fato desabonador, idoneidade moral e proficiência em todas as comissões quando em serviço ativo.
12. O segundo vício grave do ato de cassação estaria na violação do disposto no art. 25, letras a e d, da Lei 4.902/65, que determinava a aplicação da reforma ex officio ao militar da Marinha, Aeronáutica e do Exército que fosse condenado à pena de reforma por sentença transitada em julgado e/ou (ii) fosse julgado incapaz moral ou profissionalmente, em processo regular, quando não fosse o caso de expulsão.
13. Embora a reforma tenha sido motivada por incapacidade moral e profissional, o procedimento ao qual o autor foi submetido não foi além da emissão do Memorando n. 44, de 13 de fevereiro de 1969, encaminhado pela Comissão de Investigação Sumária do Ministério da Marinha, por meio do qual fora informado que deveria apresentar defesa escrita - "sem o acompanhamento de advogado" - em relação às acusações que lhe eram imputadas.
14. Eis as acusações do libelo [fls. 146/147]:

i] ser contrário às idéias que determinaram o movimento revolucionário de março de 1964, porque, antes desse ano, possuía ligações com elementos que faziam parte do Governo JOÃO GOULART e não escondia o seu apoio à maneira com que era conduzida a política nacional, solapando a disciplina e incentivando a corrupção com o fim de ser formado um governo de esquerda;
ii] serem grandes as suas ligações com JOÃO PINHEIRO NETO e outros elementos que foram cassados, procurando, porém, após a vitória da revolução, se manter o mais discreto possível, abstendo-se de fazer comentários políticos;
iii] ter passado a integrar e freqüentar o grupo composto pelo ex-Brigadeiro Francisco Teixeira, por Renato Acher, por Edmundo Muniz, por José Talarico, por Osvaldo Lima Filho, por Doutel de Andrade,por Ricardo Nicoli e outros, e
iv] ter-se declarado contrário ao Ato Institucional nº 5, motivo do qual decorrera sua prisão.

15. O autor conclui com a afirmação de que a investigação foi "sumária, teve caráter confidencial, urgente, com prazo máximo de oito dias para defesa; proibida a assistência jurídica ao militar acusado, que não era advogado e nem estudava direito" e de que às acusações não correspondiam provas nem fundamentos. Não havendo sentença transitada em julgado, nem processo regular, o ato que o reformou seria nulo e ilegal.
16. O terceiro vício grave consiste na assinatura tal como consta do decreto de reforma compulsória. Segundo o autor, a comparação, a olho nu, entre a assinatura aposta no ato de cassação e aquela que teria sido a última atribuída ao Presidente da República, antes do agravamento de seu estado de saúde, bastaria para comprovar a fraude perpetrada pelo "poder paralelo".
17. Assevera que não lhe foi possível alcançar o último posto da carreira em razão da reforma compulsória, contra lei ordinária e em desrespeito às vantagens e prerrogativas previstas na Constituição de 1967. E a circunstância de o acesso ao vice-almirantado dar-se por escolha do Presidente da República não impediria a sua promoção. Alega que certamente atingiria aquele posto, não fosse o ato de cassação compulsória.
18. Sustenta que, além da diferença entre os proventos que recebe e os dos militares da ativa, sofreu, durante várias décadas, danos morais, pelo estigma de cassado, e materiais, pois o Departamento de Ordem Política e Social [DOPS] não lhe fornecia atestado de idoneidade moral exigido para concursos públicos e acesso a empregos de relevância nas empresas estatais.
19. Requer a anulação do decreto de reforma e a conseqüente promoção a Vice-Almirante na reserva, com o pagamento das diferenças de proventos entre o que receberia se continuasse em serviço ativo até o posto de vice-almirante e o que efetivamente recebeu como reformado. Requer, ainda, o ressarcimento por danos morais e materiais sofridos mercê do estigma de cassado e pela impossibilidade de reingresso no serviço público sem o atestado de idoneidade expedido pelo DOPS.
20. A União alega preliminarmente, em sua contestação [fls. 170/180], litispendência entre a presente ação e outra que tem curso perante a Justiça Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, bem assim a impossibilidade jurídica do pedido de promoção ao posto de Vice-Almirante, dado o caráter discricionário do ato de promoção na carreira.
21. No mérito, considera inaplicável ao caso o disposto no art. 9º do ADCT/88, pois o autor não era titular de mandato eletivo e, portanto, não poderia ter sido cassado ou ter os seus direitos políticos suspensos. Sustenta a legitimidade do ato questionado, por inexistirem os vícios alegados na petição inicial.
22. Afirma que a promoção ao posto de vice-almirante atenderia exclusivamente a critérios subjetivos do Presidente da República, circunstância que afastaria o alegado direito adquirido, de modo que não há como assegurar-se que o autor alcançaria a promoção pleiteada.
23. Ressalta que o vício grave que conduz à competência originária do Supremo Tribunal Federal é apenas o que respeita à vontade da autoridade presidencial, de modo que a responsabilidade pela produção dessa prova incumbe exclusivamente ao autor.
24. A Procuradoria Geral da República manifesta-se pela improcedência do pedido [fls. 375/376] por não haver comprovação de que o ato impugnado foi invalidamente praticado pela autoridade que o subscreveu. Essa circunstância descaracterizaria a configuração de vício grave.
25. Ás fls. 327/346 o autor requer preferência no julgamento do feito em razão de sua idade avançada e de graves problemas de saúde.
É o relatório.

Voto: Afasto inicialmente as preliminares suscitadas pela União, adotando, fundamentalmente, os argumentos de que lançou mão o Procurador Geral da República [fls. 375/376].
2. A litispendência, como anota GALENO LACERDA, pressupõe o aforamento anterior de uma mesma lide, sem que tenha transitado em julgado decisão terminativa ou definitiva. É indispensável a sua caracterização a identidade dos feitos quanto às partes, à causa de pedir, próxima e remota, e ao pedido, mediato e imediato.
3. Tal e qual reconhecido pelo então Relator, Ministro NELSON JOBIM, na decisão de fls. 230/231, não há falar-se, no presente caso, em litispendência, já que a causa de pedir na ação que tem curso perante a Justiça Federal do Rio de Janeiro é diversa, circunstância que exclui a identidade entre as ações [art. 301, § 2º, do CPC].
4. Também não está caracterizada a impossibilidade jurídica do pedido, dado que se postula apenas os efeitos financeiros da promoção.
5. A alegação de que não se aplica ao autor o disposto no art. 9º do ADCT/88 também não procede. Esta Corte tem entendido que o vocábulo "cassação" contempla a situação de todos os que, com fundamento na legislação excepcional, sofreram ato punitivo de demissão, disponibilidade, aposentadoria, transferência para a reserva ou reforma, afetando, portanto, direitos de índole funcional.
6. A pretensão deduzida nestes autos tem origem em fatos que remontam a triste período da história brasileira, período em que vigia o Ato Institucional n. 5, instrumento de força bruta antidemocrática; força bruta que atropelou a dignidade das instituições e a ordem constitucional.
7. O autoritarismo dos que exerciam o poder desde o golpe de Estado de 1.964 estava condicionado apenas a si próprio e afastava qualquer tutela jurídica que contrariasse a vontade ditatorial, ainda que remanescesse previsão constitucional assegurando-a. O AI n. 5 estabeleceu, no seu art. 1º, que a Constituição de 24 de janeiro de 1967 seria mantida com as modificações dele constantes. Sepultou-se a Constituição.
8. Somente em 1978 sobreveio a Emenda Constitucional n. 11, operando a revogação dos atos institucionais, ressalvados, no entanto, os efeitos dos praticados na sua vigência, que permaneciam excluídos de apreciação pelo Poder Judiciário.
9. A Constituição de 1988, como não poderia deixar de ser, permitiu a apreciação judicial de alguns atos punitivos fundamentados na legislação dita "institucional". Lê-se no art. 9º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:

"Art. 9º. Os que, por motivos exclusivamente políticos, foram cassados ou tiveram seus direitos políticos suspensos no período de 15 de julho a 31 de dezembro de 1969, por ato do então Presidente da República, poderão requerer ao Supremo Tribunal Federal o reconhecimento dos direitos e vantagens interrompidos pelos atos punitivos, desde que comprovem terem sido estes eivados de vício grave."

10. O eminente Ministro Celso de Mello, ao analisar a Ação Originária Especial n. 13, cuja causa de pedir corresponde à destes autos, nestes termos refere-se ao preceito:

"A estrutura normativa da regra inscrita no art. 9º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias permite, nela, discriminar, mediante identificação dos elementos que a compõem, os seguintes requisitos:
a) existência de ato punitivo, de que tenha decorrido cassação ou suspensão de direitos políticos;
b) ocorrência de motivação exclusivamente política, subjacente à punição;
c) adequação do ato punitivo ao contexto temporal referente ao período compreendido entre 15.07.69 e 31.12.69;
d) imputação do ato punitivo aos agentes exercentes da Presidência da República naquele período; e
e) configuração de vício grave, apto a invalidar o ato punitivo."

11. José Maurício Duque - então Capitão-de-Fragata do Corpo de Intendentes da Marinha - foi reformado ex officio no dia 25 de agosto de 1969, por decreto sem número do Presidente da República [fl. 138], cuja publicação deu-se no Diário Oficial da União de 26.08.69.
12. O ato que o julgou incapaz moral ou profissionalmente para o exercício da atividade decorreu de acusações segundo as quais ele seria contrário às idéias revolucionárias de 1964, possuía ligações com supostos comunistas e se mostrava avesso à instituição do AI 5.
13. O caráter dessas acusações evidencia, de plano, a motivação exclusivamente política da cassação, que foi precedida pela prisão do autor, conforme consta do libelo acusatório [fls. 146/147]:

" d) ao ser assinado o Ato Institucional nº 5 ter declarado ser contra o mesmo tendo sido o único Oficial do Serviço Ativo da MG a ser preso por suas atitudes contrárias a esse ato revolucionário, que veio dar nova vida aos ideais de março de 1964." [grifei]

14. Atendidos os quatro primeiros requisitos do ADCT, passo a examinar os vícios graves apontados pelo autor.
15. Esta Corte já firmou entendimento quanto ao alcance da expressão "vício grave", nos termos do voto vencedor do Ministro MARCO AURÉLIO na AOE n. 13 [DJ 26.03.93.], precedente juntado pelo autor à fls. 276/302:

"[...] Esclarecidos os limites temporais do preceito, tenho que nele não se contém qualquer vocábulo que limite a expressão 'eivados de vício grave' ao campo meramente procedimental, aos defeitos de forma, mesmo porque os atos de cassação de direitos em geral, ou de suspensão dos relativos ao campo político, ocorridos na época revolucionária, decorreram de processos sumários em que se afastou a ampla defesa, ao menos em vista do conceito que normalmente é observado. A pecha diz respeito não só ao aspecto formal, como também ao de fundo, de vez que a finalidade da norma é evidente, no que direcionada a minimizar as conseqüência de atos que teriam extravasado, até mesmo, as elásticas fronteiras revolucionárias, consubstanciando, ao primeiro exame, distorções provocadoras de acontecimentos teratológicos, aniquilando as carreiras daqueles que, de algum modo, contrariam interesses escuso. Assim interpreto o disposto no artigo 9º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e o faço tendo presente a impossibilidade de nele introduzir restrição não contemplada e que estaria na exclusão do vício de fundo, considerado no sentido maior. Limitá-lo aos viços de forma implica o esvaziamento total do preceito, pois, conforme frisou o nobre Relator, nos atos revolucionários garantiu-se apenas um mínimo de forma ritual em favor dos que tiveram direitos cassados [...]" [grifei]

16. A clareza com que foi definido o alcance da expressão deixa evidente que o vício grave pode ser tanto formal quanto material. Assim, o vício da vontade presidencial não é a única hipótese a afetar os atos de cassação previstos no art. 9º do ADCT.
17. Outra hipótese que também o caracteriza é a da dupla punição. Na AOE n. 13 afirmou-se a impossibilidade da dupla punição, ainda que na esfera militar, como se vê no seguinte trecho do voto-vista proferido pelo Ministro MARCO AURÉLIO:

"A punição do Autor foi levada a efeito com inobservância a princípios básicos. De início, tenho que foi colocada em plano secundário a impossibilidade de, em um mesmo campo - no caso, o militar - proceder-se à dupla punição." [fl. 293 destes autos]

18. O autor, no presente caso, antes de sofrer a pena de cassação foi duplamente punido pelas mesmas razões. Comprova-o o texto do libelo acusatório:

"d) ao ser assinado o Ato Institucional nº 5 ter declarado ser contra o mesmo tendo sido o único Oficial do Serviço Ativo da MG a ser preso por suas atitudes contrárias a esse ato revolucionário, que veio dar nova vida aos ideais de março de 1964." [fls. 146/147 - grifei].

19. Tal qual ocorrera com o Capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, autor da AOE n. 13, ao Capitão José Maurício Duque foi imposta pena de prisão decorrente de motivação exclusivamente política, a ela tendo sido posteriormente acrescida a pena de cassação. "A transgressão ao princípio do non bis in idem é evidente, pois não se cogitou, quando da imposição de reforma, de qualquer outro procedimento que os detentores do Poder pudessem tomar como impróprio à conduta militar, especialmente a ponto de, colocando o titular na difícil condição de reformado com proventos proporcionais ao tempo de serviço, considerado o posto de capitão, truncar uma carreira". [Acórdão proferido na AOE n. 13 - fl. 296 destes autos].
20. Afasto definitivamente a alegação, da União, de que a única hipótese que configura o vício grave previsto no art. 9º do ADCT é a do "vício de vontade do Presidente". Há outras proposições que caracterizam, seja no aspecto formal, seja no material, o defeito a que alude o texto constitucional.
21. Ainda que assim não fosse, o vício de vontade do Presidente da República é fora de dúvida nos autos da presente AOE.
22. Embora o autor não tenha requerido prova pericial, tendo tomado emprestada perícia grafotécnica realizada no idêntico caso do Comandante Dalmo Honnaiser, os documentos acostados aos autos permitem que o homem médio, a olho nu, conclua que a assinatura aposta no decreto de reforma do autor é absolutamente diversa daquela que seria a última assinatura do Presidente Costa e Silva, antes do afastamento de suas atividades por motivos de saúde, extraída da obra "113 dias de angústia - impedimento e morte de um presidente", do jornalista Carlos Chagas [fl. 336 dos autos principais e 271 dos autos da medida cautelar apensada].
23. Tal e qual o autor assevera à fl. 266 da ação cautelar, "são gritantes as diferenças com a assinatura atribuída ao Presidente da República no dia 27 de agosto de 1969, como sendo a última, ressaltando-se que são assinaturas supostamente da mesma semana em que o Presidente da República sofreu a trombose." [grifos no original]
24. Entendo, portanto, configurados os vícios graves previstos no art. 9º do ADCT.
25. Por fim, resta abordar a alegação de que a promoção ao posto de Vice-Almirante atenderia apenas a critérios subjetivos do Presidente da República.
26. A escolha para o cargo de Vice-Almirante pelo Chefe do Poder Executivo deve atender a critério de merecimento. Em que pese a subjetividade afetada ao vocábulo, é certo que a apuração do "conceito" do militar candidato ao cargo, na terminologia castrense, reclama a análise de alguns requisitos objetivos estabelecidos em lei.
27. A obtenção do conceito operava-se, no caso concreto, com base nos preceitos da Lei n. 4.822/65, vigente à época da cassação do autor, que definia os critérios de promoção fundados no merecimento:

"Do Merecimento
Art. 25. Qualquer comissão ou serviço na Marinha pode constituir merecimento, dependendo da correção e eficiência com que foi desempenhada, das dificuldades vencidas e de outras circunstâncias que influem em sua apreciação.
Parágrafo único. Nenhuma comissão ou serviço, sòmente por sua natureza, constitui merecimento.
Art. 26. A proficiência no desempenho das comissões e serviços, para efeitos da avaliação do merecimento do Oficial, será apreciada no pôsto, enquanto que o conceito será firmado ao longo de sua carreira.
Art. 27. Na organização das Listas de Escolha e dos Quadros de Acesso por Merecimento serão levadas em conta, bàsicamente, as informações regulamentares e demais documentos de informação relativos à carreira de Oficial.
§ 1º Não poderá ser incluído em Lista de Escolha ou em Quadro de Acesso por Merecimento o Oficial que no pôsto:
[...]
Art. 30. Os fatôres a serem apreciados para a confecção dos Quadros de Acesso por Merecimento para os oficiais do Corpo da Armada serão as seguintes:
a) Mérito (Fator positivo no pôsto):
I - conduta excepcional em operações de guerra com citação explicita em Ordem do Dia;
II - tempo de serviço em operações ativas de guerra;
III - informações regulamentares favoráveis;
IV - aprovado com aproveitamento Destacado em curso regulamentar para o excesso;
V - Conceito Escola Favorável no cursos da Escola de Guerra Naval;
VI - elogio nominal por fato ou ação altamente meritória, minuciosamente comprovado pela autoridade concedente;
b) Demérito (Fator negativo no pôsto):
I - punição por crime ou falta disciplinar;
II - insucesso em comissão, expressamente comprovado pela autoridade imediatamente superior;
III - alcance;
IV - informações regulamentares abaixo do normal;
V - inabilitação em curso ou estágio que não constituam exigência regulamentar para o acesso; e
VI - licença para tratar de interêsse particular.
c) Conceito (ao longo da carreira):
I - atributos pessoais observadas ao longo da carreira;
II - espírito inventivo ou criador demonstrado em trabalhos profissionais considerados de real utilidade para a Marinha;
III - serviços árduos executados, explicitamente citados em Ordem do Dia. [grifei]
28. Para logo se vê que o argumento sustentado pela União, de que a escolha do Presidente da República seria exclusivamente subjetiva, não procede, pois a escolha não estaria fundada nos critérios definidos em lei para aferir o merecimento.

29. Depreende-se do cotejo entre a folha de informações militares e o texto legal que estabelecia os princípios, condições e critérios para as promoções dos oficiais da Marinha do Brasil que o autor, quando cassado, já atendia a alguns dos requisitos necessários à qualificação do "merecimento".
30. Se a organização das listas de escolha e dos quadros de acesso por merecimento leva em conta as informações regulamentares e demais documentos relativos à carreira de Oficial [art. 27 da Lei n. 4.822/65], é possível afirmar que o interessado possuía chances não só de compor a lista de escolha, como também de vir a alcançar o posto pleiteado.
31. Constam de seus assentamentos pessoais informações favoráveis à aferição do merecimento, tais como citações meritórias, louvor, referência elogiosa, elogio nominal pelo Ministro da Marinha, a circunstância de ter ocupado o posto de juiz militar, classificação em primeiro lugar em curso de formação, inexistência de fato desabonador de sua carreira, idoneidade moral e proficiência em todas as comissões quando em serviço ativo.
32. Quanto aos fatores a serem apreciados na elaboração dos Quadros de Acesso por Merecimento para os oficiais do Corpo da Armada [art. 30], no mérito [alínea a], o autor detém "informações regulamentares favoráveis" [inc. III] devidamente registradas em carteira, tendo sido aprovado com destaque em curso regulamentar [inc. IV], obtendo o primeiro lugar da turma, com nota 9,2, além de ter recebido "elogio nominal por fato ou ação altamente meritória" [inc. VI], conforme os itens 3 e 7 da Folha de Alterações do oficial [fls. 94 e 97]:

3 - REFERÊNCIA ELOGIOSA:
O Capitão-de-corveta (IM) JOSÉ MAURÍCO DUQUE, requisitado pela Comissão de Sindicância do Serviço de Navegação da Bacia do Prata, demonstrou nas tarefas daquela comissão uma grande capacidade de trabalho e resistência e também dedicação e competência de acordo com o ofício nº. 0136 de 29/5/61 daquela Comissão. Por isso julgo de inteira justiça destacar suas qualidades profissionais e sua eficiência, que o tornam merecedor de referência elogiosa, que, com grata satisfação, aqui lhe consigno.
Luiz Octávio Brasil
Vice-Almirante, Diretor-Geral
DIRETORIA DO ARMAMENTO DA MARINHA
Rio de Janeiro, E.G. Em 29 de dezembro de 1961.
Fato provado com a ORDEM DO DIA N. 7.047/1961, da Diretoria de Armamento da Marinha anexa, anexo nº. 7, nestes autos fls.______.
[...]
7 - ELOGIOS E MEDALHAS: 12- Elogio: Por Aviso nº 1158, de 18/5/1954, foi o oficial constante desta caderneta elogiado nominalmente pelo Exmº. Sr. Ministro da Marinha conforme publicou o Bol. nº 22, de 28/5/1954, do M.M.

33. Os fatores positivos configuradores do mérito indicam seis possibilidades. O autor, quando cassado, atendia a três delas.
34. Evidentemente não estou a sustentar que o critério de merecimento seja exclusivamente objetivo. Ao contrário: o critério reside em quem o aprecia, bem assim em quantos analisaram a conduta do militar, concedendo-lhe as menções. Segundo o art. 26 da Lei n. 4.822/65, "a proficiência no desempenho das comissões e serviços, para efeitos da avaliação do merecimento do Oficial, será apreciada no pôsto, enquanto que o conceito será firmado ao longo de sua carreira".
35. Assim, se é impossível afirmar que o autor seria escolhido para o posto de Vice-Almirante, também não se pode dizer o contrário. O "merecimento" do autor também se constitui a partir dos preceitos legais que estabeleciam os critérios para as promoções dos oficiais.
36. Recorro mais uma vez ao voto-vista vencedor proferido pelo Eminente Ministro Marco Aurélio nos autos da AOE n. 13 [DJ 26.03.93, fls. 300/301 destes autos]:

"Continuasse na ativa, honrando a própria farda como vinha fazendo, o Autor ascenderia a outros postos, quer pelo critério de merecimento, quer pelo de antiguidade. Chegaria, normalmente, ao posto de Coronel e, então, ver-se-ia formando na clientela relativa ao posto de Brigadeiro, como formaram os colegas de turma, sendo que dois destes lograram ascender. Entrementes, esta vantagem não chegou a ocorrer, porque interrompida, brutalmente, pela cassação, a seqüência de atos a ela indispensáveis. Aqui não se está diante de controvérsia sobre o direito de ascender, por escolha do Senhor Presidente da República, ao generalato, quando se tem o militar na ativa. Não se cogita de preterição, pois o instituto é impróprio quando se tem a escolha por critério único, ou seja, por indicação discricionária. O debate faz-se em terreno diverso, somente cabendo perquirir se a possibilidade de acesso foi rechaçada por força da prática do ato de reforma, impedindo-se, assim, a implementação de vantagem inerente à carreira - a de, posto em posto, chegar-se ao de coronel e, com isto, ter qualificação suficiente a ascender ao generalato. Ora, já não se discute o direito à promoção ao posto de Coronel, porque o Autor o alcançou por ato das autoridades competentes, isto frente à anistia. Hoje ele tem o status de Coronel Intendente da Reserva Remunerada, conforme revela a inicial. Chegou a tanto porque, se em atividade tivesse permanecido, outro não seria o resultado da movimentação na carreira. Logo, surge como incontroverso que, dentre as vantagens interrompidas, está a alusiva à referida possibilidade e esta foi obstaculizada".

37. Rejeito a alegação da União, na qual afirma a subjetividade sob a qual o Presidente escolheria o ocupante do cargo de Vice-Almirante.
38. Não desconheço o fato de o autor ter alcançado o posto de Capitão-de-Mar-e-Guerra em decorrência dos benefícios concedidos por anistia. O argumento, porém, não é suficiente para afastar a possibilidade de que ele viesse a atingir o posto de Vice-Almirante, caso não sofresse a cassação, após já lhe ter sido imputada pena decorrente de manifestações políticas. Isso o impediu de prosseguir na carreira que vinha cumprindo com mérito e honradez, com destaque para as missões realizadas no exterior, conforme registrado na Folha de Alterações de Oficiais.
39. Ademais, o posto pleiteado pelo autor, assim como na AOE n. 13, foi atingido por seu colega de turma, bem assim por oficiais integrantes de corpo militar mais recente.
40. Passo, por fim, à análise do pedido de ressarcimento por danos morais. É inegável o direito à indenização. Conforme demonstrado na inicial, o autor, por força de procedimento administrativo arbitrário, que culminou em decreto nulo, porquanto suprida a assinatura do Presidente da República por falsificação grosseira, é obrigado a conviver, desde 1.969, com o estigma de "cassado".
41. Desde a reforma compulsória, há quase trinta e seis anos, foi-lhe vedado o reingresso no serviço público, já que os órgãos da Administração nunca lhe forneceram atestado de idoneidade moral, exigido para concursos públicos e acesso a empregos de relevância nas empresas estatais.
42. Perfeitamente notórias, pois, as agruras e conflitos íntimos pelos quais o autor tem passado nesses anos, suportando o peso de reforma compulsória que destruiu sua brilhante carreira militar.
Em razão do exposto:
i- julgo procedente a presente ação originária especial, a fim de que o autor seja alçado ao posto de Vice-Almirante da Marinha do Brasil, sem reversão à ativa, com a percepção, desde já, dos respectivos proventos;
ii- condeno a União ao pagamento das vantagens pecuniárias interrompidas com a cassação, correspondentes à diferença de proventos entre o que receberia o autor se continuasse em serviço até o referido posto e o que efetivamente recebeu como reformado, devidamente apurado em liquidação, considerando os juros da mora e correção monetária pertinentes à espécie a partir da citação;
iii- condeno a União ao ressarcimento dos danos morais sofridos pelo autor no valor de metade do vencimento básico de Vice-Almirante por ano decorrido desde a cassação [1969], até a presente data.

Retificação de voto: - Sr. Presidente, reajusto meu voto para julgar procedente, em parte, a ação.

* acórdão pendente de publicação


Assessora responsável pelo Informativo

Anna Daniela de A. M. dos Santos e Silva
informativo@stf.jus.br

 
Praça dos Três Poderes - Brasília - DF - CEP 70175-900 Telefone: 61.3217.3000

Informativo STF - 410 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário