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sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Informativo STF 394 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 27 de junho a 1º de julho de 2005 - Nº 394.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO




Plenário
Indenização por Danos Decorrentes de Acidente do Trabalho: Competência
ADI e Brigas de Galo
Vinculação de Gratificação ao Salário Mínimo
ADI e Investidura em Cargo Público - 1
ADI e Investidura em Cargo Público - 2
ADI e Investidura em Cargo Público - 3
Competência Originária do Supremo e Suspeição Deliberadamente Provocada
Promoção de Defensor Público e Critérios de Desempate
Vagas de Juiz e Lista Quádrupla
Crime Contra a Honra e Atipicidade
1ª Turma
Habeas Corpus e Justiça Trabalhista
Delitos de Trânsito e Competência
Falta Grave e Perda dos Dias Remidos
Requerimento de Naturalização e Efeito Declaratório
2ª Turma
Concurso Público: Adequação dos Quesitos ao Edital e Legalidade
Inelegibilidade de Parentes Afins e Separação de Fato - 2
Empregada Gestante e Contrato por Prazo Determinado - 3
Responsabilidade Objetiva do Estado e Danos Morais
Clipping do DJ
Transcrições
Empregada Gestante e Contrato por Prazo Determinado (RE 287905/SC)
Controle normativo abstrato - Tribunal de Justiça - Constituição estadual/Lei Orgânica do DF como único parâmetro de confronto (Rcl 3436 MC/DF)
Busca e apreensão em repartição pública estadual - Ordem emanada de TRF - Conflito federativo - Inexistência (AC 403 MC/AM)
Bancos. Lei Municipal que determina medidas de conforto aos usuários. Validade. (RE 215542/SP)


PLENÁRIO

Indenização por Danos Decorrentes de Acidente do Trabalho: Competência

As ações de indenização propostas por empregado contra empregador, fundadas em acidente do trabalho, são da competência da justiça do trabalho. Com base nesse entendimento, que altera a jurisprudência consolidada pelo Supremo no sentido de que a competência para julgamento dessa matéria seria da justiça comum estadual, por força do disposto no art. 109, I, da CF, o Plenário, em Conflito de Competência suscitado pelo TST - Tribunal Superior do Trabalho em face do extinto Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, conheceu da ação e determinou a remessa do feito à Corte suscitante. Entendeu-se que não se pode extrair do referido dispositivo a norma de competência relativa às ações propostas por empregado contra empregador em que se pretenda o ressarcimento por danos decorrentes de acidente de trabalho. Esclareceu-se que, nos termos da segunda parte do inciso I do art. 109 da CF, excluem-se, da regra geral contida na primeira parte - que define a competência dos juízes federais em razão da pessoa que integra a lide - as causas de acidente do trabalho em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas, na condição de autora, ré, assistente ou oponente (CF: "Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;"). Afirmou-se que referidas causas consistem nas ações acidentárias propostas pelo segurado contra o INSS, nas quais se discute controvérsia acerca de benefício previdenciário, e que passaram a ser da competência da justiça comum pelo critério residual de distribuição de competência (Enunciado da Súmula 501 do STF). Não se encaixariam, portanto, em nenhuma das partes do mencionado dispositivo as ações reparadoras de danos oriundos de acidente do trabalho, quando ajuizadas pelo empregado contra o seu empregador, e não contra o INSS, em razão de não existir, nesse caso, interesse da União, de entidade autárquica ou de empresa pública federal, exceto na hipótese de uma delas ser empregadora. Concluiu-se, destarte, ressaltando ser o acidente de trabalho fato inerente à relação empregatícia, que a competência para julgamento dessas ações há de ser da justiça do trabalho, a qual cabe conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, e outras controvérsias decorrentes daquela relação. Asseverou-se que tal entendimento veio a ser aclarado com a nova redação dada ao art. 114 da CF, pela EC 45/2004, especialmente com a inclusão do inciso VI ("Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:... VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;"). Acrescentou-se, ainda, que o direito à indenização em caso de acidente de trabalho, quando o empregador incorrer em dolo ou culpa, está enumerado no art. 7º da CF como autêntico direito trabalhista, cuja tutela, deve ser, por isso, da justiça especial. Fixou-se, como marco temporal da competência da justiça laboral, a edição da EC 45/2004, por razões de política judiciária. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, que estabelecia o termo inicial dessa competência a partir da redação original do art. 114 da CF.
CC 7204/MG, rel. Min. Carlos Britto, 29.6.2005. (CC-7204)

ADI e Brigas de Galo

Por ofensa ao art. 225, VII, § 1º, da CF, que veda práticas que submetam os animais a crueldade, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade da Lei 11.366/2000, do Estado de Santa Catarina, que autoriza e regulamenta a criação, a exposição e a realização de "brigas de galo". Precedentes citados: RE 153531/SC (DJU de 13.3.98) e ADI 1856 MC/RJ (DJU de 22.9.2000).
ADI 2514/SC, rel. Min. Eros Grau, 29.6.2005. (ADI-2514)

Vinculação de Gratificação ao Salário Mínimo

Em face da violação ao art. 7º, IV, da CF, que proíbe a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, o Tribunal deu provimento a recurso extraordinário, para indeferir mandado de segurança, e declarar a inconstitucionalidade do § 6º do art. 1º da Lei 9.503/94, do Estado de Santa Catarina, que estabelece que a base de cálculo de gratificação complementar de vencimento não pode ser inferior ao salário mínimo. Ressaltou-se, ainda, a orientação fixada pelo Supremo no sentido de que o inciso I do art. 27 da Constituição catarinense, que assegura ao servidor público piso de vencimento não inferior ao salário mínimo nacionalmente unificado, estaria a se referir, para se compatibilizar com a Constituição Federal, à remuneração total (vencimentos e vantagens) e não ao vencimento-base. Precedentes citados: RE 247208/SC (DJU de 1º.6.2001); RE 197072/SC (DJU de 8.6.2001); RE 199098/SC (DJU de 18.5.2001); RE 426063/SC (DJU de 6.8.2004); RE 433248/SC (DJU de 9.3.2005).
RE 426059/SC, rel. Min. Gilmar Mendes, 30.6.2005. (RE-426059)

ADI e Investidura em Cargo Público - 1

Por ofensa ao art. 37, II, da CF, que exige, para investidura em cargo público, ressalvadas as nomeações para cargos em comissão, a prévia aprovação em concurso público de provas, ou de provas e títulos, o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Mato Grosso para declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 9º da Lei Complementar estadual 66/99, que confere a possibilidade de ex-dirigentes da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados daquele Estado - AGER/MT permanecerem vinculados à autarquia estadual, após extinto o respectivo mandato, prestando serviços em outro cargo ou função da administração pública estadual.
ADI 3244/MT, rel. Min. Joaquim Barbosa, 30.6.2005. (ADI-3244)

ADI e Investidura em Cargo Público - 2

Também pela afronta ao art. 37, II, da CF, o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade do art. 13 da Lei 8.032/2003, do Estado do Maranhão, que determina que servidores do Poder Judiciário, efetivos e estáveis, nomeados antes de 5.10.98, serão enquadrados em determinados cargos, por transposição, por ato do Presidente do Tribunal de Justiça. Entendeu-se, ademais, que o preceito atacado amplia a exceção à regra da exigência de concurso para o ingresso no serviço público estabelecida no art. 19 do ADCT.
ADI 3332/MA, rel. Min. Eros Grau, 30.6.2005. (ADI-3332)

ADI e Investidura em Cargo Público - 3

Em face da lesão à reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo para leis que disponham sobre criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração Direta e autárquica, ou aumento de sua remuneração, bem como servidores públicos da União e dos Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria (CF, art. 61, II, a e c), o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Procurador-Geral da República para declarar inconstitucional a Emenda Constitucional 52/2001, do Estado de Minas Gerais, que, acrescentando o art. 110 ao ADCT da Constituição estadual, dispõe sobre a extinção de cargos de carcereiros da Polícia Civil e determina o ingresso de seus ocupantes nos cargos de detetive. Salientou-se, também, que a norma em questão padece do vício de inconstitucionalidade material, porquanto a transferência de servidores autorizada constitui provimento derivado de cargo efetivo que ofende a regra do concurso público (CF, art. 37, II). Por fim, reputou-se inaplicável, ao caso, a orientação fixada pelo Supremo no sentido de admitir o aproveitamento de ocupantes de cargos extintos em recém-criados quando houver plena identidade substancial entre os cargos, compatibilidade funcional e remuneratória e equivalência dos requisitos exigidos em concurso, eis que, na espécie, o cargo de carcereiro em nada se assemelha com o de detetive, o que reconhecido, inclusive, no próprio texto impugnado.
ADI 3051/MG, rel. Min. Carlos Britto, 30.6.2005. (ADI-3051)

Competência Originária do Supremo e Suspeição Deliberadamente Provocada

Aplicando, por analogia, a norma prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 134 do CPC ("Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:... IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;... Parágrafo único. No caso do no IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz."), o Pleno resolveu questão ordem suscitada em ação originária, para declarar o impedimento de procurador substabelecido, e, reconhecendo a incompetência do Supremo para julgamento do feito, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem - TJ/AM. Na espécie, após uma série de recursos interpostos perante aquela Corte, a parte sucumbente constituíra, por meio de substabelecimento, novo advogado, que subscrevera e protocolizara embargos de declaração, requerendo, em seguida - e no que veio a ser atendido - a remessa dos autos ao Supremo, com base na segunda parte do art. 102, I, n, da CF, que estabelece ser da competência originária do STF o julgamento da ação "em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;". Relatara, para tanto, a existência de representações do causídico contra desembargadores do TJ/AM e, por parte desses magistrados contra ele, de representação, na OAB, de declarações de inimizade capital e de ação penal por calúnia. Entendeu-se que a proteção ao princípio constitucional do juízo natural, que serviu de base à criação da ressalva contida na segunda parte do parágrafo único do art. 134 do CPC, deveria prevalecer no caso, uma vez que a atuação do advogado substabelecido se dera com o evidente propósito de criar a situação de suspeição e retirar da Corte amazonense a competência para o julgamento dos embargos declaratórios. Assim, considerando caracterizada a ofensa ao aludido princípio, afastou-se a incidência da regra do art. 102, I, n, da CF. Determinou-se, ainda, o envio de cópia dos votos ao Conselho Federal da OAB para ciência das específicas circunstâncias verificadas nos autos.
AO 1120 QO/AM, rel. Min. Ellen Gracie, 30.6.2005. (AO-1120)
Promoção de Defensor Público e Critérios de Desempate

O Plenário concedeu, parcialmente, mandado de segurança impetrado contra ato do Presidente da República, consubstanciado em decreto que implicara a promoção de defensores da segunda para primeira categoria. Na espécie, o Conselho Superior da Defensoria Pública da União, com base no disposto no inciso I do art. 10 da Lei Complementar 80/94 ("Art. 10. Ao Conselho Superior da Defensoria Pública da União compete: I - exercer o poder normativo no âmbito da Defensoria Pública da União;"), definira, ante a lacuna da lei relativa à promoção, o critério de desempate utilizado para remoção de defensores públicos, previsto no § 1º do art. 37 da LC 80/94 ("Art. 37... § 1º Findo o prazo fixado no caput deste artigo e, havendo mais de um candidato à remoção, será removido o mais antigo na categoria e, ocorrendo empate, sucessivamente, o mais antigo na carreira, no serviço público da União, no serviço público em geral, o mais idoso e o mais bem classificado no concurso para ingresso na Defensoria Pública."). Após a aprovação e publicação dessa lista de antigüidade, na qual figurara a impetrante, o Conselho refizera a lista, colocando em primeiro lugar, para fins do desempate, a classificação, o que ocasionara a promoção de outros defensores menos antigos que a autora do writ. O Tribunal entendeu que, apesar de detentor do poder normativo para definir o critério de desempate, ao Conselho não caberia, depois de eleito um critério - aplicável, por analogia, e consagrado pela própria lei de regência - adotar outro, não previsto na lei e após a publicação da primeira lista, ofendendo os princípios conducentes à segurança jurídica, quais sejam, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.
MS 24872/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 30.6.2005. (MS-24872)

Vagas de Juiz e Lista Quádrupla

Havendo mais de uma vaga de juiz a ser preenchida por merecimento, nas promoções ou acessos, o Tribunal poderá optar pela confecção de uma única lista quádrupla. Assim decidiu o Plenário, por maioria, ao indeferir mandado de segurança impetrado por juiz federal contra ato do Presidente da República, consubstanciado em decretos de nomeação, por critério de merecimento, de juízes federais, e contra ato do Presidente do TRF da 5ª Região, em razão da elaboração de lista quádrupla para o preenchimento de duas vagas existentes naquele tribunal. Inicialmente, rejeitou-se a preliminar de ilegitimidade ativa do impetrante, eis que, no procedimento de promoção por merecimento, todos os concorrentes à lista, e que dela não constem, são partes legítimas para questionar sua validade judicialmente, se, do reconhecimento da nulidade argüida, possa decorrer a renovação do ato de escolha, que estariam qualificados para disputar. Da mesma forma, afastou-se a alegação de preclusão decorrente do fato de o impetrante não ter se utilizado, previamente, da via administrativa para impugnar a ausência de requisito para preenchimento de vaga, já que esse procedimento não é pressuposto essencial ao exercício do direito de impetração do mandado de segurança, sob pena de ofensa ao postulado da inafastabilidade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV). No mérito, entendeu-se que a confecção da lista quádrupla é prática legítima que encontra respaldo legal na conjugação dos arts. 93, II, b e III, 107, II, da CF com os arts. 80, 82, 84 e 88, da LC 35/79. Considerou-se que, na existência de duas vagas, o critério da lista quádrupla corresponde ao de duas listas tríplices, pois, escolhido um entre quatro nomes, três restam para a segunda escolha. Além disso, o art. 88 da LOMAN permite expressamente o critério da lista quádrupla, bem como o Regimento Interno do TRF da 5ª Região determina a aplicação, nesse caso, do § 4º do art. 27 do Regimento Interno do STJ ("Se existirem duas ou mais vagas a serem providas dentre Juízes ou Desembargadores, o Tribunal deliberará, preliminarmente, se as listas se constituirão, cada uma, com três nomes distintos, ou se, composta a primeira com três nomes, a segunda e subseqüentes deverão ser integradas pelos dois nomes remanescentes da lista anterior, acrescidas de mais um nome"). Ainda repeliu-se, com base na jurisprudência da Corte (MS 21631/RJ, DJU de 4.8.2000 e MS 23337/SP, DJU de 19.12.2001), o argumento do impetrante de que um dos juízes incluídos na lista não teria preenchido o requisito do interstício de vitaliciedade de mais de cinco anos de exercício para investidura no cargo de segunda instância, haja vista não se aplicar a norma do art. 93, II, b, da CF à promoção dos juízes federais, sujeita apenas ao requisito do implemento de cinco anos de exercício (CF, art. 107, II), no qual se inclui o tempo de exercício no cargo de juiz federal substituto. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa que concediam o writ, ao fundamento de que, diante do que preceitua o art. 88 da LOMAN, a lista deveria ser única e constituída por seis magistrados, já que, além dos magistrados correspondentes ao número das vagas existentes - no caso, duas - para cada uma destas, mais dois magistrados deveriam ser indicados (LC 35/79: "Art. 88 - Nas promoções ou acessos, havendo mais de uma vaga a ser preenchida por merecimento, a lista conterá, se possível, número de magistrados igual ao das vagas mais dois para cada uma delas.").
MS 23789/PE, rel. Min. Ellen Gracie, 30.6.2005. (MS-23789)

Crime Contra a Honra e Atipicidade

O Tribunal rejeitou queixa-crime proposta contra Ministro de Estado, na qual lhe fora imputada a prática dos crimes de calúnia, difamação e injúria (Lei 5.250/67, arts. 20, 21 e 22, respectivamente), que seriam decorrentes da veiculação do artigo "A Reforma Previdenciária não tem face oculta", por ele escrito e publicado no Jornal Planalto Central do DF em resposta às matérias "As faces ocultas da reforma" e "A irmandade dos fundos de pensão", publicadas anteriormente naquele jornal. Sustentava o querelante, autor de obra doutrinária que servira de base às duas últimas matérias jornalísticas, que sua honra teria sido atingida por extensão. Considerou-se atípica a conduta, eis que inexistente, em relação à calúnia e à difamação, qualquer imputação por parte do querelado de fato descrito como crime ou ofensivo à reputação do querelante. Ademais, não obstante verificar a adequação objetiva do tipo descrito no art. 22 da Lei de Imprensa, entendeu-se ausente o elemento de índole subjetiva necessário à caracterização dos delitos - dolo geral e animus injuriandi, restando configurado, entretanto, o animus defendendi, haja vista que o querelado escrevera o artigo com o intuito de defender a reforma previdenciária planejada pelo atual governo, e afastar os argumentos antes expendidos pelo jornal a ela contrários. Vencidos, apenas na preliminar de conhecimento, os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto que declinavam da competência para o juízo de primeira instância.
Inq 2081/DF, rel. Min. Carlos Velloso, 1º.7.2005. (Inq-2081)



PRIMEIRA TURMA


Habeas Corpus e Justiça Trabalhista

A Turma deferiu habeas corpus em favor de paciente que, nos autos de reclamação trabalhista, tivera contra ele determinada, por Juízo de Vara do Trabalho de comarca do Estado de Minas Gerais, a prisão civil, sob a acusação de infidelidade como depositário judicial. Na espécie, denegado habeas corpus impetrado ao TRT/MG, o paciente interpusera recurso ordinário ao TST, que o desprovera, e impetrara, também, novo habeas corpus ao STJ, que concedera a ordem por não ter havido aceitação expressa do encargo de depositário judicial, sem a qual o decreto de prisão é ilegítimo. Considerando que os habeas corpus foram julgados antes da edição da EC 45/2004, entendeu-se aplicável, ao caso, a jurisprudência até então firmada pelo Supremo, no sentido de competir ao juízo criminal o julgamento de habeas corpus, em razão de sua natureza penal, ainda que a questão material subjacente seja de natureza civil, cabendo o julgamento ao Tribunal Regional Federal, quando a coação for imputada a Juiz do Trabalho de 1º Grau (EC 45/2004: "Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:... IV - os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita a sua jurisdição."). HC deferido para cassar o acórdão do TST, único impugnado, e declarar válido o acórdão do STJ. Precedente citado: HC 68687/PR (DJU de 4.10.91).
HC 85096/MG, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 28.6.2005. (HC-85096)

Delitos de Trânsito e Competência

Compete à Justiça Comum Estadual o julgamento dos crimes descritos nos arts. 303 (lesão corporal no trânsito), 306 (embriaguez ao volante) e 309 (participação em competição não autorizada) da Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), a teor do que dispõe o art. 291 e parágrafo único da mesma norma c/c o art. 61 da Lei 9.099/95 ("Art. 291: Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores previstos neste código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber. Parágrafo único. Aplica-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa, de embriaguez ao volante, e de participação em competição não autorizada o disposto nos arts. 74, 76 e 88 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995."). Com esse entendimento, a Turma, por maioria, deferiu, parcialmente, habeas corpus para anular acórdão de Turma Recursal, que condenara o paciente pelo delito de embriaguez ao volante, e determinar a remessa dos autos ao TJ/MG. Mantida a decisão condenatória, haja vista não ter sido demonstrado prejuízo ao paciente decorrente do procedimento dos juizados especiais. Vencido o Min. Marco Aurélio que deferia a ordem integralmente. Precedentes citados: HC 85019/MG (DJU de 4.3.2005) e HC 81510/PR (DJU de 12.4.2002).
HC 85350/MG, rel. Min. Eros Grau, 28.6.2005. (HC-85350)

Falta Grave e Perda dos Dias Remidos

Nos termos do art. 127 da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal), o condenado que comete falta grave durante o cumprimento da pena perde os dias remidos, iniciando novo período a partir da infração disciplinar, não havendo se falar em ofensa ao direito adquirido ou à coisa julgada. Perfilhando esse entendimento, a Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se pretendia, sob a alegação de ofensa ao princípio da proporcionalidade, o restabelecimento de acórdão do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo que, ao prover recurso de agravo interposto pelo paciente, restaurara-lhe o direito à remição. Vencido o Min. Marco Aurélio que deferia parcialmente o writ apenas em relação ao período em que o paciente esteve preso na penitenciária onde a falta grave fora cometida. Precedente citado: HC 77592/SP (DJU de 12.3.99).
HC 85552/SP, rel. Min. Carlos Britto, 28.6.2005. (HC-85552)

Requerimento de Naturalização e Efeito Declaratório

O requerimento de aquisição da nacionalidade brasileira, fundado no art. 12, II, b, da CF ("Art. 12. São brasileiros:... II - naturalizados:... b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira."), possui caráter meramente declaratório, cujos efeitos retroagem à data da solicitação. Dessa forma concluiu a Turma para negar provimento a recurso extraordinário e manter acórdão do Tribunal de Justiça de Tocantins que, em mandado de segurança, anulara ato que invalidara a posse de chilena no cargo público de enfermeira. Considerou-se que, a despeito de a portaria de formal reconhecimento da naturalização ter sido publicada em data posterior à investidura da recorrida no aludido cargo, o requerimento da interessada antecedera à posse, restando atendidos todos os requisitos necessários à naturalização.
RE 264848/TO, rel. Min. Carlos Britto, 29.6.2005. (RE-264848)



SEGUNDA TURMA

Concurso Público: Adequação dos Quesitos ao Edital e Legalidade

Tendo em conta a existência de recurso idêntico decidido pela Primeira Turma favoravelmente a candidato (RE 434708/RS, j. em 21.6.2005, v. Informativo 393), a Turma deu provimento a agravo regimental para remeter ao Plenário o julgamento de recurso extraordinário em que se discute se a adequação das questões da prova ao programa do edital de concurso público constitui tema de legalidade suscetível de exame pelo Poder Judiciário.
RE 442411 AgR/RS, rel. Min. Carlos Velloso, 28.6.2005. (RE-442411)

Inelegibilidade de Parentes Afins e Separação de Fato - 2

A Turma concluiu julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do TSE que mantivera decisão que declarara a inelegibilidade do recorrente, em virtude do seu grau de parentesco por afinidade com o então prefeito, seu sogro, cassando, em conseqüência, o registro de sua candidatura ao cargo de prefeito - v. Informativo 392. Em votação majoritária, deu-se provimento ao recurso para se afastar a cláusula de inelegibilidade. Adotou-se interpretação teleológica do art. 14, § 7º da CF ("São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição."), tendo em conta a peculiaridade de que restara comprovada, na sentença que decretara o divórcio, a separação de fato do casal antes do início do mandato do sogro do recorrente. Afirmou-se, ainda, que a regra estabelecida no aludido dispositivo constitucional visa impedir o monopólio do poder político por grupos hegemônicos ligados por laços familiares. Neste ponto, rejeitou-se suposta argumentação no sentido de desfazimento fraudulento do vínculo conjugal com o objetivo de manter a família no poder, já que, no caso, concorreram somente o recorrente e o seu sogro e a vitória daquele não ensejaria a impugnação da candidatura por parte da coligação pela qual disputara o sogro. Vencido o Min. Carlos Velloso que negava provimento ao recurso, por entender que a separação de fato não afasta a inelegibilidade e, na espécie, em algum momento do mandato do sogro existira a sociedade conjugal.
RE 446999/PE, rel. Ellen Gracie, 28.6.2005. (RE-446999)

Empregada Gestante e Contrato por Prazo Determinado - 3

A Turma conclui julgamento de recurso extraordinário interposto pelo Estado de Santa Catarina contra acórdão do Tribunal de Justiça do mesmo Estado que concedera, em parte, mandado de segurança à recorrida, contratada temporariamente como professora, sob o regime da Lei 8.391/91, para lhe assegurar o direito à licença-maternidade. Na espécie, o acórdão recorrido entendera que, em razão de a impetrante estar a menos de dois meses do parto no momento em que encerrado o contrato de trabalho, o direito à licença deveria ser ao mesmo integrado, haja vista ser uma proteção ao nascituro e ao infante e não uma benesse ao trabalhador - v. Informativos 364 e 385. Por maioria, negou-se provimento ao recurso por se entender, na linha dos precedentes do STF, que a temporariedade do contrato não prejudica a percepção da licença à gestante (ADCT, art. 10, II, b), se os últimos 120 dias da gestação têm início ainda na vigência do contrato. Vencida a Min. Ellen Gracie, relatora, que dava provimento ao recurso por considerar que o Tribunal estadual conferira caráter absoluto à estabilidade provisória. O Min. Joaquim Barbosa retificou o seu voto. Precedentes citados: RMS 24263/DF (DJU de 9.5.2003); RMS 21238/DF (DJU de 3.5.2002); RE 273801/DF (DJU de 21.9.2004); AI 448572/SP (DJU de 22.4.2004); AI 395255/SP (DJU de 2.12.2003). Leia o inteiro teor do voto-vencedor na seção Transcrições deste Informativo.
RE 287905/SC, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ acórdão Min. Carlos Velloso, 28.6.2005. (RE-287905)

Responsabilidade Objetiva do Estado e Danos Morais

A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do TRF da 4ª Região que, afastando a responsabilidade objetiva do Estado, negara provimento a pedido de indenização por danos morais e materiais. Alega-se, na espécie, ofensa ao art. 37, § 6º, da CF, porquanto a recorrente teria sofrido abalo psicológico, assim como realizado gastos com sua inscrição em estabelecimento particular de ensino superior, sendo ambos os danos ocasionados pela negativa da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM em efetuar a matrícula da recorrente, com base em exigência posteriormente declarada descabida pelo tribunal a quo: conclusão de estágio profissionalizante. O Min. Carlos Velloso, relator, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento para deferir a indenização por danos morais, a ser apurada em liquidação de sentença, no que foi acompanhado pelo Min. Joaquim Barbosa. Não conheceu do recurso quanto à argüição de dano material, uma vez que, na espécie, a ocorrência do nexo de causalidade entre as despesas realizadas pela recorrente e a negativa da recorrida em efetuar a matrícula somente poderia ser afirmada com o exame de provas. No tocante ao dano moral, após ressaltar seu status constitucional (CF, art. 5º, X), afirmou que a sua concretização se dá quando alguém tem ofendido, por ato de terceiro, o seu decoro ou a sua auto-estima, a causar desconforto, aborrecimento ou constrangimento, não importando, em princípio, a envergadura desses dissabores. Considerou que, no caso, a negativa de matrícula causara dor íntima, abalo psíquico e trauma à recorrente que, após ser aprovada em vestibular para ingresso em universidade pública federal, vira seu anseio postergado por exigência considerada, ulteriormente, dispensável pelo próprio Poder Judiciário. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Gilmar Mendes.
RE 364631/RS, rel. Min. Carlos Velloso, 28.6.2005. (RE-364631)


SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno29.6.2005 30.6.2005 e 1º.7.200528
1ª Turma28.6.200529.6.2005525
2ª Turma28.6.2005--593



C L I P P I N G   D O   D J

1º de julho de 2005

Ext. N. 855-2
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
EMENTA: EXTRADIÇÃO - ATOS DELITUOSOS DE NATUREZA TERRORISTA - DESCARACTERIZAÇÃO DO TERRORISMO COMO PRÁTICA DE CRIMINALIDADE POLÍTICA - CONDENAÇÃO DO EXTRADITANDO A DUAS (2) PENAS DE PRISÃO PERPÉTUA - INADMISSIBILIDADE DESSA PUNIÇÃO NO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO (CF, ART. 5º, XLVII, "B") - EFETIVAÇÃO EXTRADICIONAL DEPENDENTE DE PRÉVIO COMPROMISSO DIPLOMÁTICO CONSISTENTE NA COMUTAÇÃO, EM PENAS TEMPORÁRIAS NÃO SUPERIORES A 30 ANOS, DA PENA DE PRISÃO PERPÉTUA - PRETENDIDA EXECUÇÃO IMEDIATA DA ORDEM EXTRADICIONAL, POR DETERMINAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - IMPOSSIBILIDADE - PRERROGATIVA QUE ASSISTE, UNICAMENTE, AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, ENQUANTO CHEFE DE ESTADO - PEDIDO DEFERIDO, COM RESTRIÇÃO.
O REPÚDIO AO TERRORISMO: UM COMPROMISSO ÉTICO-JURÍDICO ASSUMIDO PELO BRASIL, QUER EM FACE DE SUA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO, QUER PERANTE A COMUNIDADE INTERNACIONAL.
- Os atos delituosos de natureza terrorista, considerados os parâmetros consagrados pela vigente Constituição da República, não se subsumem à noção de criminalidade política, pois a Lei Fundamental proclamou o repúdio ao terrorismo como um dos princípios essenciais que devem reger o Estado brasileiro em suas relações internacionais (CF, art. 4º, VIII), além de haver qualificado o terrorismo, para efeito de repressão interna, como crime equiparável aos delitos hediondos, o que o expõe, sob tal perspectiva, a tratamento jurídico impregnado de máximo rigor, tornando-o inafiançável e insuscetível da clemência soberana do Estado e reduzindo-o, ainda, à dimensão ordinária dos crimes meramente comuns (CF, art. 5º, XLIII).
- A Constituição da República, presentes tais vetores interpretativos (CF, art. 4º, VIII, e art. 5º, XLIII), não autoriza que se outorgue, às práticas delituosas de caráter terrorista, o mesmo tratamento benigno dispensado ao autor de crimes políticos ou de opinião, impedindo, desse modo, que se venha a estabelecer, em torno do terrorista, um inadmissível círculo de proteção que o faça imune ao poder extradicional do Estado brasileiro, notadamente se se tiver em consideração a relevantíssima circunstância de que a Assembléia Nacional Constituinte formulou um claro e inequívoco juízo de desvalor em relação a quaisquer atos delituosos revestidos de índole terrorista, a estes não reconhecendo a dignidade de que muitas vezes se acha impregnada a prática da criminalidade política.
EXTRADITABILIDADE DO TERRORISTA: NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO E ESSENCIALIDADE DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NA REPRESSÃO AO TERRORISMO.
- O estatuto da criminalidade política não se revela aplicável nem se mostra extensível, em sua projeção jurídico-constitucional, aos atos delituosos que traduzam práticas terroristas, sejam aquelas cometidas por particulares, sejam aquelas perpetradas com o apoio oficial do próprio aparato governamental, à semelhança do que se registrou, no Cone Sul, com a adoção, pelos regimes militares sul-americanos, do modelo desprezível do terrorismo de Estado.
- O terrorismo - que traduz expressão de uma macrodelinqüência capaz de afetar a segurança, a integridade e a paz dos cidadãos e das sociedades organizadas - constitui fenômeno criminoso da mais alta gravidade, a que a comunidade internacional não pode permanecer indiferente, eis que o ato terrorista atenta contra as próprias bases em que se apóia o Estado democrático de direito, além de representar ameaça inaceitável às instituições políticas e às liberdades públicas, o que autoriza excluí-lo da benignidade de tratamento que a Constituição do Brasil (art. 5º, LII) reservou aos atos configuradores de criminalidade política.
- A cláusula de proteção constante do art. 5º, LII da Constituição da República - que veda a extradição de estrangeiros por crime político ou de opinião - não se estende, por tal razão, ao autor de atos delituosos de natureza terrorista, considerado o frontal repúdio que a ordem constitucional brasileira dispensa ao terrorismo e ao terrorista.
- A extradição - enquanto meio legítimo de cooperação internacional na repressão às práticas de criminalidade comum - representa instrumento de significativa importância no combate eficaz ao terrorismo, que constitui "uma grave ameaça para os valores democráticos e para a paz e a segurança internacionais (...)" (Convenção Interamericana Contra o Terrorismo, Art. 11), justificando-se, por isso mesmo, para efeitos extradicionais, a sua descaracterização como delito de natureza política. Doutrina.
EXTRADIÇÃO E PRISÃO PERPÉTUA: NECESSIDADE DE PRÉVIA COMUTAÇÃO, EM PENA TEMPORÁRIA (MÁXIMO DE 30 ANOS), DA PENA DE PRISÃO PERPÉTUA - REVISÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM OBEDIÊNCIA À DECLARAÇÃO CONSTITUCIONAL DE DIREITOS (CF, ART. 5º, XLVII, "b").
- A extradição somente será deferida pelo Supremo Tribunal Federal, tratando-se de fatos delituosos puníveis com prisão perpétua, se o Estado requerente assumir, formalmente, quanto a ela, perante o Governo brasileiro, o compromisso de comutá-la em pena não superior à duração máxima admitida na lei penal do Brasil (CP, art. 75), eis que os pedidos extradicionais - considerado o que dispõe o art. 5º, XLVII, "b" da Constituição da República, que veda as sanções penais de caráter perpétuo - estão necessariamente sujeitos à autoridade hierárquico-normativa da Lei Fundamental brasileira. Doutrina. Novo entendimento derivado da revisão, pelo Supremo Tribunal Federal, de sua jurisprudência em tema de extradição passiva.
A QUESTÃO DA IMEDIATA EFETIVAÇÃO DA ENTREGA EXTRADICIONAL - INTELIGÊNCIA DO ART. 89 DO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO - PRERROGATIVA EXCLUSIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, ENQUANTO CHEFE DE ESTADO.
- A entrega do extraditando - que esteja sendo processado criminalmente no Brasil, ou que haja sofrido condenação penal imposta pela Justiça brasileira - depende, em princípio, da conclusão do processo penal brasileiro ou do cumprimento da pena privativa de liberdade decretada pelo Poder Judiciário do Brasil, exceto se o Presidente da República, com apoio em juízo discricionário, de caráter eminentemente político, fundado em razões de oportunidade, de conveniência e/ou de utilidade, exercer, na condição de Chefe de Estado, a prerrogativa excepcional que lhe permite determinar a imediata efetivação da ordem extradicional (Estatuto do Estrangeiro, art. 89, "caput", "in fine"). Doutrina. Precedentes.
* noticiado no Informativo 358
MS N. 25.027-DF
RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MÉDICOS: JORNADA DIÁRIA DE TRABALHO. D.L. 1.445/76, art. 14. Lei 9.436, de 05.02.97, art. 1º. Lei 8.112, de 11.12.90, art. 19, § 2º.
I. - A jornada diária de trabalho do médico servidor público é de 4 (quatro) horas. Decreto Lei 1.445/76, art. 14. Lei 9.436/97, art. 1º. II. - Normas gerais que hajam disposto a respeito da remuneração dos servidores públicos, sem especificar a respeito da jornada de trabalho dos médicos, não revogam a norma especial, por isso que a norma especial afasta a norma geral, ou a norma geral não revoga nem modifica a norma especial. III. - Mandado de segurança deferido.
* noticiado no Informativo 388

RE N. 418.918-RJ
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. CORREÇÃO DAS CONTAS VINCULADAS DO FGTS. DESCONSIDERAÇÃO DO ACORDO FIRMADO PELO TRABALHADOR. VÍCIO DE PROCEDIMENTO. ACESSO AO COLEGIADO.
1. Superação da preliminar de vício procedimental ante a peculiaridade do caso: matéria de fundo que se reproduz em incontáveis feitos idênticos e que na origem (Turmas Recursais dos Juizados Especiais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro) já se encontra sumulada. 2. Inconstitucionalidade do Enunciado nº 21 das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, que preconiza a desconsideração de acordo firmado pelo trabalhador e previsto na Lei Complementar nº 110/2001. Caracterização de afastamento, de ofício, de ato jurídico perfeito e acabado. Ofensa ao princípio inscrito no art. 5º, XXXVI, do Texto Constitucional. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido.
* noticiado no Informativo 381

Inq N. 1.070-TO
RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
EMENTA: I. Denúncia: cabimento, com base em elementos de informação colhidos em auditoria do Tribunal de Contas, sem que a estes - como também sucede com os colhidos em inquérito policial - caiba opor, para esse fim, a inobservância da garantia ao contraditório. II. Aprovação de contas e responsabilidade penal: a aprovação pela Câmara Municipal de contas de Prefeito não elide a responsabilidade deste por atos de gestão. III. Recurso especial: art. 105, III, c: a ementa do acórdão paradigma pode servir de demonstração da divergência, quando nela se expresse inequivocamente a dissonância acerca da questão federal objeto do recurso.
* noticiado no Informativo 371

HC N. 85.652-PR
RELATOR: MIN. EROS GRAU
EMENTA: HABEAS CORPUS. DESACATO. CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. SENTENÇA PROFERIDA POR JUIZ DE DIREITO DA JUSTIÇA COMUM. RECURSO PARA O TRIBUNAL DE JUSTIÇA. A competência para julgar recurso de apelação interposto contra sentença proferida por Juiz de Direito da Justiça Comum é do Tribunal de Justiça, não da Turma Recursal. "As disposições concernentes a jurisdição e competência se aplicam de imediato, mas, se já houver sentença relativa ao mérito, a causa prossegue na jurisdição em que ela foi prolatada, salvo se suprimido o Tribunal que deverá julgar o recurso" (Carlos Maximiliano). Ordem parcialmente deferida.
* noticiado no Informativo 390

RMS N. 24.699-DF
RELATOR: MIN. EROS GRAU
EMENTA: RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. PODER DISCIPLINAR. LIMITES DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ATO DE IMPROBIDADE. 1. Servidor do DNER demitido por ato de improbidade administrativa e por se valer do cargo para obter proveito pessoal de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, com base no art. 11, caput, e inciso I, da Lei n. 8.429/92 e art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90. 2. A autoridade administrativa está autorizada a praticar atos discricionários apenas quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Os atos administrativos que envolvem a aplicação de "conceitos indeterminados" estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração. 3. Processo disciplinar, no qual se discutiu a ocorrência de desídia - art. 117, inciso XV da Lei n. 8.112/90. Aplicação da penalidade, com fundamento em preceito diverso do indicado pela comissão de inquérito. A capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa. De outra parte, o motivo apresentado afigurou-se inválido em face das provas coligidas aos autos. 4. Ato de improbidade: a aplicação das penalidades previstas na Lei n. 8.429/92 não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Verificada a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia representação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação, não a aplicação da pena de demissão. Recurso ordinário provido.
* noticiado no Informativo 372
RHC N. 83.709-SP
RELATOR P/ ACÓRDÃO: MIN. CEZAR PELUSO
EMENTA: AÇÃO PENAL. Processo suspenso. Prova. Produção antecipada. Inquirição de testemunhas. Inadmissibilidade. Revelia. Réu revel citado por edital. Não comparecimento por si nem por advogado constituído. Prova não urgente por natureza. Deferimento em grau de recurso. Ofensa ao princípio do contraditório (art. 5º, LV, da CF). Recurso provido. Inteligência dos arts. 92, 93 e 366 cc. 225, todos do CPP. Se o acusado, citado por edital, não comparece nem constitui advogado, pode o juiz, suspenso o processo, determinar produção antecipada de prova testemunhal, apenas quando esta seja urgente nos termos do art. 225 do Código de Processo Penal.

HC N. 85.271-MS
RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO
EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. JUIZADO ESPECIAL. CRIME DE AMEAÇA. AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. RITO PROCESSUAL: INVERSÃO. PREJUÍZO. AUSÊNCIA DE DOLO.
I. - Representação da vítima ratificada pelo comparecimento à audiência de instrução e pelo teor da sua manifestação.
II. - Não alegada a tempo e modo a inobservância do disposto no art. 81 da Lei 9.099/95, que é uma nulidade relativa, ocorre a preclusão.
III. - Somente com o exame aprofundado da prova será possível opor-se ao acórdão, para o fim de verificar se o paciente agiu, ou não, com dolo. O processo do habeas corpus, entretanto, não comporta esse exame.
IV. - H.C. indeferido.

HC N. 85.585-RJ
RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO
EMENTA: - CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME HEDIONDO. REGIME FECHADO. OMISSÃO DO ADVÉRBIO "INTEGRALMENTE". LEI 8.072/90, ART. 2º, § 1º. CONSTITUCIONALIDADE.
I. - A omissão do advérbio "integralmente" na sentença condenatória não significa que se tenha assegurado ao condenado o direito à progressão do regime prisional. No caso, o d. magistrado fez expressa menção à Lei 8.072/90.
II. - A pena por crime previsto no art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 (crime hediondo) deverá ser cumprida em regime fechado. Inocorrência de inconstitucionalidade. C.F., art. 5º, XLIII. Precedentes do STF: HC 69.657/SP, Rezek, RTJ 147/598; HC 69.603/SP, Brossard, RTJ 146/611; HC 69.377/MG, Velloso, "DJ" de 16.4.93; HC 76.991/MG, Velloso, "DJ" de 14.8.98; HC 81.421/SP, Néri, "DJ" de 15.3.02; HC 84.422/RS, julgado em 14.12.2004.
III. - HC indeferido.


HC N. 85.694-MG
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. CRIME DE IMPRENSA. LEI 10.259/2001. PENA MÁXIMA COMINADA NÃO SUPERIOR A DOIS ANOS. CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. COMPETÊNCIA. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. 1. Com o advento da Lei nº 10.259/01, não cabe mais perquirir se há previsão de procedimento especial para determinado crime, com o objetivo de enquadrá-lo, ou não, no conceito de crime de menor potencial ofensivo. Basta o exame da pena cominada, a qual não poderá ser superior a dois anos. 2. Não ocorrência da prescrição da pretensão punitiva. 3. Ordem indeferida.
* noticiado no Informativo 391

RE N. 351.142-RN
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ISONOMIA. CONCURSO PÚBLICO. PROVA DE APTIDÃO FÍSICA. LESÃO TEMPORÁRIA. NOVA DATA PARA O TESTE. INADMISSIBILIDADE. 1. Mandado de segurança impetrado para que candidata acometida de lesão muscular durante o teste de corrida pudesse realizar as demais provas físicas em outra data. Pretensão deferida com fundamento no princípio da isonomia. 2. Decisão que, na prática, conferiu a uma candidata que falhou durante a realização de sua prova física uma segunda oportunidade para cumpri-la. Benefício não estendido aos demais candidatos. Criação de situação anti-isonômica. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido.
* noticiado no Informativo 390

RE N. 351.905-RJ
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. PROFISSIONAL DA SAÚDE. ART. 17 DO ADCT. 1. Desde 1º.11.1980, a recorrida ocupou, cumulativamente, os cargos de auxiliar de enfermagem no Instituto Nacional do Câncer e no Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro - IASERJ. A administração municipal exigiu que ela optasse por apenas um dos cargos. 2. A recorrida encontra-se amparada pela norma do art. 17, § 2º, do ADCT da CF/88. Na época da promulgação da Carta Magna, acumulava dois cargos de auxiliar de enfermagem. 3. O art. 17, § 2º, do ADCT deve ser interpretado em conjunto com o inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal, estando a cumulação de cargos condicionada à compatibilidade de horários. Conforme assentado nas instâncias ordinárias, não havia choque de horário nos dois hospitais em que a recorrida trabalhava. 4. Recurso extraordinário conhecido e improvido.

Acórdãos Publicados: 888



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.


Empregada Gestante e Contrato por Prazo Determinado (Transcrições)

RE 287905/SC*

RELATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. CARLOS VELLOSO

EMENTA: CONSTITUCIONAL. GESTANTE: LICENÇA. C.F., art. 7º, XVIII; ADCT, art. 10, II, b. CONTRATO TEMPORÁRIO.
I. - À duração por prazo certo do contrato sobrevém gravidez que a Constituição protege com licença por 120 dias - C.F., art. 7º, VIII - que não protege a mulher-trabalhadora, mas ao nascituro e ao infante. Por isso, a temporariedade do contrato não prejudica a percepção da licença à gestante, se os últimos 120 dias da gestação têm início ainda na vigência do contrato.
II. - RE conhecido e não provido.

Voto-vista: - O Segundo Grupo de Câmaras do Eg. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, às fls. 62-66, em mandado de segurança, decidiu pelo direito da professora admitida em caráter temporário na rede oficial de ensino catarinense à percepção da licença-gestante, desde que os últimos cento e vinte dias da gestação se iniciem na vigência do contrato de trabalho, por se tratar de proteção conferida pela Lei Maior ao nascituro.

Daí o recurso extraordinário interposto pelo ESTADO DE SANTA CATARINA, às fls. 71-79, fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal, com alegação de ofensa aos arts. 2º; 7º, XVIII; 37, caput, II e IX; e 39, § 2º, da mesma Carta.

Inadmitido o recurso (fl. 87), subiram os autos em virtude do provimento do agravo de instrumento em apenso.

A Procuradoria Geral da República, em parecer lavrado pela ilustre Subprocuradora-Geral da República Maria Caetana Cintra Santos, opinou pelo parcial conhecimento do recurso e, nessa parte, pelo seu desprovimento (fls. 98-102).

Na Sessão de 05.10.2004, a eminente Relatora, Ministra Ellen Gracie, conheceu do recurso e deu-lhe provimento, no que foi acompanhada, posteriormente, pelo eminente Ministro Joaquim Barbosa, em voto-vista proferido em 26.4.2005 (certidões de fls. 104 e 107).

Pedi vista dos autos, que me foram encaminhados em 20.6.2005. Em 27.6.05, mandei os autos à Mesa, a fim de retomarmos o julgamento do recurso.

Passo a votar.

O Tribunal a quo decidiu:

"- Administrativo. Professora temporária.

- A temporariedade do contrato das professoras admitidas no regime da Lei nº 8.391/91 não prejudica a percepção da licença à gestante, se os últimos 120 dias da gestação têm início ainda na vigência do contrato.

- É que, à duração por prazo certo do contrato, sobrevém acontecimento natural que a Constituição Federal protege com licença por 120 dias, que não é uma benesse ao trabalhador, mas uma proteção ao nascituro e ao infante.

- Quanto à admissão da impetrante como professora temporária em 1998, não há prova de que ela tivesse se submetido a processo seletivo ou comparecido perante a Junta Médica, como alega.

- Segurança parcialmente deferida." (Fl. 62)

Com a vênia da eminente Ministra Ellen Gracie e do não menos eminente Ministro Joaquim Barbosa, penso que o acórdão recorrido decidiu com acerto.

No julgamento do RMS 24.263/DF, por mim relatado, decidiu esta 2ª Turma:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. LICENÇA-GESTANTE. EXONERAÇÃO. C.F., art. 7º, XVIII; ADCT, art. 10, II, b.

I. - Servidora pública exonerada quando no gozo de licença-gestante: a exoneração constitui ato arbitrário, porque contrário à norma constitucional: C.F., art. 7º, XVIII; ADCT, art. 10, II, b.

II. - Remuneração devida no prazo da licença-gestante, vale dizer, até cinco meses após o parto. Inaplicabilidade, no caso, das Súmulas 269 e 271-STF.

III. - Recurso provido." ("DJ" de 09.5.2003)

No RMS 21.328/DF, também de minha relatoria, decidiu esta 2ª Turma:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO. FUNGIBILIDADE. C.F., art. 102, II, a. CONSTITUCIONAL. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GRAVIDEZ. C.F., art. 7º, I; ADCT, art. 10, II, b.

I. - Conversão do recurso extraordinário em ordinário, tendo em vista a ocorrência da hipótese inscrita no art. 102, II, a, da Constituição.

II. - Estabilidade provisória decorrente da gravidez (C.F., art. 7º, I; ADCT, art. 10, II, b). Extinção do cargo, assegurando-se à ocupante, que detinha estabilidade provisória decorrente da gravidez, as vantagens financeiras pelo período constitucional da estabilidade.

III. - Recurso improvido." ("DJ" de 03.5.2002)

No RE 273.801/DF, acentuei que a responsabilidade do empregador, no caso da estabilidade provisória da gestante é objetiva (ADCT, art. 10, II, b). Confirmada a gravidez, adquire a empregada estabilidade provisória até cinco meses após o parto. Ora, se a dispensa, com o término do prazo contratual, ocorreu quando a gravidez já existia, ofendeu ela o dispositivo constitucional.

No caso, o acórdão concedeu apenas a licença-gestante (C.F., art. 7º, XVIII), benefício estendido aos servidores públicos pelo art. 39, § 3º, da mesma Carta.

Com acerto, decidiu o acórdão, conforme voto do eminente Desembargador João José Schaefer:

"(...)

Estando a menos de dois meses do parto ao encerrar-se o contrato de trabalho, neste há de integrar-se, sem dúvida, a licença a gestante que a Constituição garante por 120 dias, sem prejuízo do salário, pois à duração por prazo certo do contrato, sobreveio acontecimento natural que a Constituição protege com licença por 120 dias, o que não é uma benesse ao trabalhador, mas uma proteção ao nascituro e ao infante.

(...)." (Fl. 65)

Nos AI 448.572/SP e 395.255/SP, o eminente Ministro Celso de Mello, examinando questões semelhantes, anotou que "a empregada gestante tem direito subjetivo à estabilidade provisória prevista no art. 10, II, b, do ADCT/88, bastando, para efeito de acesso a essa inderrogável garantia social de índole constitucional, a confirmação objetiva do estado fisiológico de gravidez, independentemente, quanto a este, de sua prévia comunicação, revelando-se írrita, de outro lado e sob tal aspecto, a exigência de notificação à empresa, mesmo quando pactuada em sede de negociação coletiva" ("DJ" de 22.4.2004 e 02.12.2003).

Do exposto, com a vênia da eminente Relatora e do não menos eminente Ministro Barbosa, conheço do recurso e nego-lhe provimento.

* acórdão pendente de publicação

Controle normativo abstrato - Tribunal de Justiça - Constituição estadual/ Lei Orgânica do DF como único parâmetro de confronto (Transcrições)

Rcl 3436 MC/DF*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. POSSIBILIDADE (CF, ART. 125, § 2º). PARÂMETRO ÚNICO DE CONTROLE: A CONSTITUIÇÃO DO PRÓPRIO ESTADO-MEMBRO OU, QUANDO FOR O CASO, A LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE, CONTUDO, TRATANDO-SE DE JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL "IN ABSTRACTO" DO ESTADO-MEMBRO (OU DO DISTRITO FEDERAL), DE ERIGIR-SE A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA À CONDIÇÃO DE PARADIGMA DE CONFRONTO. A QUESTÃO DA INCORPORAÇÃO FORMAL, AO TEXTO DA CARTA LOCAL, DE NORMAS CONSTITUCIONAIS FEDERAIS DE OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. "ESTADUALIZAÇÃO", NESSA HIPÓTESE, DE TAIS NORMAS CONSTITUCIONAIS, NÃO OBSTANTE O SEU MÁXIMO COEFICIENTE DE FEDERALIDADE. LEGITIMIDADE DESSE PROCEDIMENTO. HIPÓTESE EM QUE AS NORMAS "ESTADUALIZADAS" PODERÃO SER CONSIDERADAS COMO PARÂMETRO DE CONFRONTO, PARA OS FINS DO ART. 125, § 2º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRECEDENTES. AÇÃO DIRETA QUE IMPUGNA, PERANTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DIPLOMA NORMATIVO LOCAL, CONTESTANDO-O, EM TESE, EM FACE DE NORMAS DA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE, AO JULGAR PROCEDENTE A AÇÃO DIRETA, DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE DE DETERMINADA LEI DISTRITAL (LEI Nº 2.721/2001), CONSIDERANDO-A INCOMPATÍVEL COM NORMAS DA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INADMISSIBILIDADE. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADMISSIBILIDADE DA RECLAMAÇÃO. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

DECISÃO: Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, que, ajuizada pelo Distrito Federal, sustenta que o E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, ao declarar a inconstitucionalidade da Lei distrital nº 2.721/2001, teria usurpado a competência desta Suprema Corte, eis que "o silogismo construído pelo requerente da ADI e pelo TJDFT reside na premissa de que a Lei Distrital atacada invade a competência legislativa da União fixada nos arts. 21, XIV; e 32, § 4º, da CF - e, apenas em conseqüência disso, é que também não se conforma com o disposto no art. 14, da LODF -, para concluir, então, pela sua inconstitucionalidade" (fls. 06 - grifei).

O E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, ao declarar a inconstitucionalidade da Lei distrital nº 2.721/2001, proferiu decisão consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 83):

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI DISTRITAL 2.721/01 - VIOLAÇÃO AO ART. 14 DA LODF E ARTS. 21, XIV, E 32, § 4º, DA CF - PROCEDÊNCIA.
1. É da competência da União legislar privativamente sobre organização da Polícia Civil do Distrito Federal, daí resultando a inconstitucionalidade material da Lei Distrital 2.721/01 que, dispondo sobre essa matéria, violou os arts. 14, da LODF, e 21, XIV, e 32, § 4º, da CF.
2. Ação procedente." (grifei)

Sustenta-se, na presente sede processual, que a alegada usurpação decorreria do fato de o paradigma de confronto, invocado no processo de controle abstrato de constitucionalidade instaurado perante o E. Tribunal de Justiça local, residir, em última análise, em texto da própria Constituição Federal (art. 21, XIV e art. 32, § 4º).

Os fundamentos em que se apóia a pretensão reclamatória ora deduzida pelo Distrito Federal conferem-lhe inegável plausibilidade jurídica.

É que a leitura do acórdão emanado do E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios parece evidenciar que a declaração de inconstitucionalidade resultante do julgamento ora em análise teve, como parâmetro de confronto, as regras inscritas no art. 21, XIV e no art. 32 § 4º, ambos da Carta da República.

Impende assinalar, neste ponto, por necessário, que o processo objetivo de fiscalização normativa abstrata, instaurável perante os Tribunais de Justiça locais, somente pode ter por objeto leis ou atos normativos municipais, estaduais ou distritais, desde que contestados em face da própria Constituição do Estado-membro (ou, quando for o caso, da Lei Orgânica do Distrito Federal), que representa, nesse contexto, o único parâmetro de controle admitido pela Constituição da República, cujo art. 125, § 2º, assim dispõe:

"Art. 125 (...).
§ 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual (...)." (grifei)

Tratando-se do Distrito Federal, e como precedentemente assinalado, o paradigma de confronto, presente o modelo positivado no art. 125, § 2º da Constituição da República, há de ser aquele consubstanciado em sua Lei Orgânica, que se qualifica, juridicamente, como o estatuto fundamental dessa pessoa jurídica de direito público:

"- A Lei Orgânica do Distrito Federal constitui instrumento normativo primário destinado a regular, de modo subordinante - e com inegável primazia sobre o ordenamento positivo distrital - a vida jurídico-administrativa e político-institucional dessa entidade integrante da Federação brasileira.
Esse ato representa, dentro do sistema de direito positivo, o momento inaugural e fundante da ordem jurídica vigente no âmbito do Distrito Federal. Em uma palavra: a Lei Orgânica equivale, em força, autoridade e eficácia jurídicas, a um verdadeiro estatuto constitucional, essencialmente equiparável às Constituições promulgadas pelos Estados-membros."
(RTJ 156/777-778, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

O que se revela essencial reconhecer, em tema de controle abstrato de constitucionalidade, quando instaurado perante os Tribunais de Justiça dos Estados-membros ou do Distrito Federal e Territórios, é que o único instrumento normativo revestido de parametricidade, para esse específico efeito, é, somente, a Constituição estadual ou, quando for o caso, a Lei Orgânica do Distrito Federal, jamais, porém, a própria Constituição da República.
Cabe acentuar, neste ponto, que esse entendimento tem o beneplácito do magistério doutrinário (LUIZ ALBERTO DAVID ARAÚJO/VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR, "Curso de Direito Constitucional", p. 64/65, item n. 7.5, 9ª ed., 2005, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Comentário Contextual à Constituição", p. 591, item n. 6, 2005, Malheiros; ALEXANDRE DE MORAES, "Constituição do Brasil Interpretada", p. 1.514/1.518, item n. 125.5, e p. 2.342/2.347, itens nºs 1.15 e 1.17, 2ª ed., 2003, Atlas, v.g.), cuja orientação, no tema, adverte, tratando-se de controle normativo abstrato no plano local, que apenas a Constituição estadual (ou, quando for o caso, a Lei Orgânica do Distrito Federal) qualificar-se-á como pauta de referência ou como paradigma de confronto, para efeito de fiscalização concentrada de constitucionalidade de leis ou atos normativos locais, sem possibilidade, no entanto, de erigir-se a própria Constituição da República como parâmetro de controle nas ações diretas ajuizadas, originariamente, perante os Tribunais de Justiça estaduais ou do Distrito Federal e Territórios.

Vale referir, a propósito dessa questão, a precisa lição de UADI LAMMÊGO BULOS ("Constituição Federal Anotada", p. 1.113, item n. 5.2, 6ª ed., 2005, Saraiva):

"Embora o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios possua competência para desempenhar o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos distritais, 'ex vi' do art. 125, § 2º, da Carta Maior, ele não poderá declarar a inconstitucionalidade tomando como parâmetro de controle a Constituição de 1988. Apenas o Supremo Tribunal Federal, no exercício da sua missão constitucional, poderá agir como o guardião da Carta Magna. Cumpre ao TJDFT basear-se, somente, na Lei Orgânica Distrital, sob pena de se acionar o mecanismo da Reclamação perante o Pretório Excelso, a fim de se evitar invasão constitucional de atribuições (art. 102, I, 'l')." (grifei)

Essa percepção do alcance da norma inscrita no art. 125, § 2º, da Constituição, por sua vez, reflete-se na jurisprudência constitucional que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em análise, sempre salientando que, em tema de fiscalização abstrata perante os Tribunais de Justiça locais, o parâmetro de controle a ser invocado (e considerado) nas ações diretas somente pode ser a Constituição do próprio Estado-membro (ou, quando for o caso, a Lei Orgânica do Distrito Federal) e não a Constituição da República (RTJ 135/12 - RTJ 181/7 - RTJ 185/373-374, v.g.):

"- A Constituição de 1988, ao prever o controle concentrado de constitucionalidade no âmbito dos Estados-membros, erigiu a própria Constituição estadual à condição de parâmetro único e exclusivo de verificação da validade das leis ou atos normativos locais (art. 125, § 2º). Precedente da Corte (...)."
(RTJ 134/1066, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Registre-se, por necessário, que esta Suprema Corte também reconhece possível a instauração da jurisdição constitucional "in abstracto" dos Estados-membros, a ser exercida pelos respectivos Tribunais de Justiça (CF, art. 125, § 2º), mesmo que se cuide de impugnação a leis ou atos normativos estaduais e/ou municipais, desde que contestados em face da Constituição estadual (ou, se for o caso, da Lei Orgânica do Distrito Federal), ainda que a norma de parâmetro - necessária e formalmente incorporada ao texto da Constituição local - seja reprodução de dispositivos constitucionais federais de observância compulsória pelas unidades federadas (RTJ 155/974), admitindo-se, em tal específica hipótese, a possibilidade de controle recursal extraordinário da decisão local, por parte do Supremo Tribunal Federal (RTJ 147/404, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RTJ 152/371-373, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - RTJ 158/3, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RTJ 177/1084, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RTJ 183/936, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - ADI 1.529-QO/MT, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI - Rcl 526/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES - Rcl 1.701-MC/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO - Rcl 2.129-AgR/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM).

É importante enfatizar, ainda, que esse entendimento jurisprudencial tem sido reiteradamente observado em diversos julgamentos proferidos por ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal e, também, pelo Plenário desta Corte:

"Controle abstrato de constitucionalidade: ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal, perante o Tribunal de Justiça, fundada em violação de preceitos da Constituição do Estado, ainda que se cuide de reprodução compulsória de normas da Constituição da República: admissibilidade afirmada na Rcl. 383, 10.6.92: aplicação do precedente, com ressalva do relator."
(RTJ 155/974, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)

"COMPETÊNCIA - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL CONTESTADA EM FACE DA CARTA DO ESTADO, NO QUE REPETE PRECEITO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O § 2º do artigo 125 da Constituição Federal não contempla exceção: define a competência para a ação direta de inconstitucionalidade, a causa de pedir lançada na inicial; sendo esta o conflito da norma atacada com a Carta do Estado, impõe-se concluir pela competência do Tribunal de Justiça, pouco importando que ocorra repetição de preceito da Carta da República de adoção obrigatória...".
(RE 177.865/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - grifei)

"COMPETÊNCIA - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - BALIZAS - NORMA LOCAL - CARTA DO ESTADO. A competência para julgar a ação direta de inconstitucionalidade em que impugnada norma local contestada em face de Carta Estadual é do Tribunal de Justiça respectivo, ainda que o preceito atacado revele-se como pura repetição de dispositivos da Constituição Federal de observância obrigatória pelos Estados...".
(RTJ 163/836, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - grifei)

Impende destacar, por necessário, que, em situação virtualmente idêntica à ora registrada nesta causa - declaração, pela Corte local, em face de dispositivos da Constituição da República, de inconstitucionalidade de Lei Distrital que regula matéria relativa à Polícia Civil do DF -, o eminente Ministro MARCO AURÉLIO concedeu a medida cautelar requerida pelo Distrito Federal (Rcl 3.164-MC/DF), em ordem a suspender, tal como ora postulado na presente sede processual, a eficácia do acórdão proferido pelo E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, por haver entendido que "o Tribunal de Justiça acabou por julgar a ação direta de inconstitucionalidade a partir do conflito da Lei nº 2.835/2001 com o disposto nos artigos 21, inciso XIV, e 32, § 4º, da Constituição Federal" (grifei).

Cabe referir, neste ponto, por igualmente relevante, que o eminente Procurador-Geral da República, em manifestação oferecida nos autos da Rcl 3.164/DF, opinou pela procedência da reclamação, em parecer assim ementado:

"Reclamação. Preservação da competência do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, I, 'l', da CF. Competência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios para processar e julgar, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, norma distrital em face da Lei Orgânica do Distrito Federal e da Constituição Federal. Medida liminar deferida. Efetiva utilização do parâmetro constitucional federal para a apreciação da ação direta proposta perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Parecer pela procedência da presente reclamação." (grifei)

Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, e por entender que a pretensão reclamatória reveste-se de plausibilidade jurídica - requisito a que se associa o pressuposto do "periculum in mora" (possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação) -, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender, até final julgamento da presente reclamação, a eficácia do acórdão proferido pelo E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2002.00.2.000813-8, Rel. Des. Estevam Maia (fls. 83/99).

Comunique-se, com urgência, encaminhando-se cópia da presente decisão ao Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (Processo nº 2002.00.2.000813-8).

2. Requisitem-se informações ao órgão judiciário que ora figura como reclamado (Lei nº 8.038/90, art. 14, I).

Publique-se.

Brasília, 1º de julho de 2005.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão publicada no DJU de 1º.8.2005

Busca e apreensão em repartição pública estadual - Ordem emanada de TRF - Conflito federativo - Inexistência (Transcrições)

AC 403 MC/AM*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: PROCEDIMENTO PENAL. MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO EXPEDIDO POR MAGISTRADO FEDERAL COMPETENTE. EXECUÇÃO EM REPARTIÇÃO PÚBLICA ESTADUAL. POSSIBILIDADE. RECONHECIMENTO, NA ESPÉCIE, DA COMPETÊNCIA PENAL ORIGINÁRIA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. AUTORIDADES ESTADUAIS E MUNICIPAIS SUPOSTAMENTE ENVOLVIDAS EM ALEGADAS PRÁTICAS DELITUOSAS SUJEITAS, CONSTITUCIONALMENTE, À ESFERA DE COMPETÊNCIA DA PRÓPRIA JUSTIÇA FEDERAL. INOCORRÊNCIA, EM TAL CASO, DE SITUAÇÃO CONFIGURADORA DE CONFLITO FEDERATIVO. NÃO-INCIDÊNCIA DA NORMA INSCRITA NO ART. 102, I, "F", DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. CONSEQÜENTE AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA APRECIAR O LITÍGIO. AÇÃO CAUTELAR NÃO CONHECIDA.

- A instauração de procedimento penal contra Secretário de Estado, Deputado Estadual e Prefeito Municipal, por suposta prática de delitos que a própria Constituição da República haja incluído na esfera de competência da Justiça Federal, assegura-lhes prerrogativa de foro, "ratione muneris", perante o Tribunal Regional Federal, porque originariamente sujeitos, nas infrações penais comuns, à jurisdição penal do Tribunal de Justiça do respectivo Estado-membro. Precedentes.

- O reconhecimento da competência penal originária do Tribunal Regional Federal, em tal hipótese, possibilita a adoção, pela autoridade judiciária federal competente (Relator do inquérito/processo no TRF), de medidas cautelares necessárias ao esclarecimento da verdade real, legitimando-se, em conseqüência, a expedição de mandado judicial de busca e apreensão, ainda que para ser executado em repartição pública estadual, sem que se registre, em tal contexto, situação configuradora de conflito federativo.

- Inaplicabilidade da norma inscrita no art. 102, I, "f", da Constituição da República. Conseqüente ausência, na espécie, de hipótese configuradora da competência originária do Supremo Tribunal Federal.

DECISÃO: O Estado do Amazonas e o seu eminente Governador insurgem-se contra decisão judicial, proferida em sede de investigação penal (Inq. 2003.01.00.013184-9/AM), de que resultou autorização para a prática da medida cautelar de busca e apreensão (CPP, art. 240, c/c a Lei nº 9.034/95) destinada a viabilizar a obtenção de dados probatórios pertinentes à fase da "informatio delicti".

A União Federal, ao intervir na presente causa, suscitou questão preliminar, consistente na alegada ausência de competência originária desta Suprema Corte (fls. 207/212), por não se achar configurada, na espécie em exame, segundo sustenta, hipótese caracterizadora de conflito federativo, cuja ocorrência poderia justificar a incidência da norma inscrita no art. 102, I, "f" da Constituição da República.

Passo a apreciar a questão preliminar em referência. E, ao fazê-lo, registro que a controvérsia instaurada na presente sede processual consiste em saber se o princípio federativo - que representa uma das pedras angulares em que se assenta a organização institucional do Estado brasileiro (RTJ 152/366-367) - impede, ou não, o Poder Judiciário da União de autorizar, validamente, a execução da diligência de busca e apreensão em repartições estaduais, em ordem a permitir, com tal providência de índole cautelar ("apprehensio rei"), que se apure a prática de ilícitos penais que ofendam bens, serviços ou interesses da própria União Federal ou, ainda, que se esclareçam delitos praticados contra o sistema financeiro nacional, dentre as múltiplas transgressões ao ordenamento positivo nacional vislumbradas, no caso ora em análise, pelo representante do Ministério Público Federal.

Vê-se, desse modo, assim posta a questão, que cabe verificar se ocorre, ou não, no caso, situação de potencialidade ofensiva ao princípio da Federação, considerada a circunstância de Juízes e Tribunais Federais de segundo grau, como sucede na espécie, haverem exercido, em determinada investigação criminal, atribuições inerentes à competência penal que a própria Constituição da República lhes outorgou.

É importante observar, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal, a propósito de contexto idêntico ao que ora se analisa, firmou entendimento - consagrado em sua jurisprudência predominante (RTJ 168/986-987 - RTJ 173/673 - RTJ 181/630-631 - HC 68.967/PR, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - HC 69.465/RS, Rel. Min. PAULO BROSSARD - HC 72.506/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 73.917/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 76.881/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM - RE 192.461/AP, Rel. Min. MOREIRA ALVES, v.g.) - de que a instauração de procedimento penal contra Secretário de Estado, Deputado Estadual e Prefeito Municipal, por suposta prática de delitos que a própria Constituição da República haja incluído na esfera de competência da Justiça Federal, assegura-lhes prerrogativa de foro, "ratione muneris", perante o Tribunal Regional Federal, porque originariamente sujeitos, nas infrações penais comuns, à jurisdição penal do Tribunal de Justiça do respectivo Estado-membro.

Torna-se relevante assinalar, no entanto, por necessário, que bem diversa seria a situação (inocorrente na espécie), se o próprio Governador do Estado se achasse sujeito a qualquer tipo de procedimento penal.

É que, nos casos em que o Chefe do Poder Executivo estadual sofrer persecução penal "in judicio" (hipótese inocorrente na espécie), justificar-se-á, então - para além da observância da regra que lhe confere prerrogativa de foro perante o E. Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, "a") - a necessidade de respeito ao postulado federativo, em face das notórias conseqüências político-jurídicas que podem derivar de seu afastamento do cargo, em decorrência do recebimento da acusação penal, consoante tem sido enfatizado pela jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal:

"CONTROLE LEGISLATIVO DA PERSECUÇÃO PENAL INSTAURADA CONTRA GOVERNADOR DE ESTADO.
- A jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal, atenta ao princípio da Federação, impõe que a instauração de persecução penal, perante o Superior Tribunal de Justiça, contra Governador de Estado, por supostas práticas delituosas perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública ou de iniciativa privada, seja necessariamente precedida de autorização legislativa, dada pelo Poder Legislativo local, a quem incumbe, com fundamento em juízo de caráter eminentemente discricionário, exercer verdadeiro controle político prévio de qualquer acusação penal deduzida contra o Chefe do Poder Executivo do Estado-membro, compreendidas, na locução constitucional 'crimes comuns', todas as infrações penais (RTJ 33/590 - RTJ 166/785-786), inclusive as de caráter eleitoral (RTJ 63/1 - RTJ 148/689 - RTJ 150/688-689), e, até mesmo, as de natureza meramente contravencional (RTJ 91/423).
Essa orientação - que submete, à Assembléia Legislativa local, a avaliação política sobre a conveniência de autorizar-se, ou não, o processamento de acusação penal contra o Governador do Estado - funda-se na circunstância de que, recebida a denúncia ou a queixa-crime pelo Superior Tribunal de Justiça, dar-se-á a suspensão funcional do Chefe do Poder Executivo estadual, que ficará afastado, temporariamente, do exercício do mandato que lhe foi conferido por voto popular, daí resultando verdadeira 'destituição indireta de suas funções', com grave comprometimento da própria autonomia político-institucional da unidade federada que dirige."
(RTJ 180/235-236, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Essa situação, porém, como precedentemente já enfatizado, não ocorre na espécie que ora se examina nesta sede processual, o que permite afastar - presente o contexto em análise - possível configuração de "risco de conflito federativo" (RTJ 132/109 - RTJ 132/120, v.g.), cuja ausência, por si só, descaracteriza a possibilidade de ruptura do convívio harmonioso que deve existir entre as pessoas políticas integrantes do pacto da Federação.

Daí a manifestação do eminente Procurador-Geral da República, que, em parecer oferecido nos presentes autos (fls. 215/218), pronunciou-se, com absoluta correção, pelo não-conhecimento da presente ação cautelar, em face da inocorrência da hipótese prevista no art. 102, I, "f" da Constituição da República (fls. 217/218):

"Não há conflito federativo, no caso.
O em. Relator, Min. Celso de Mello, já teve oportunidade de bem marcar a compreensão que se deva emprestar a conflito federativo, verbis:
'Esse entendimento jurisprudencial evidencia que a aplicabilidade da norma inscrita no art. 102, 1, f, da Carta Política restringe-se, tão-somente, àqueles litígios cuja potencialidade ofensiva revele-se apta a vulnerar os valores que informam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico, o pacto da Federação. Vale dizer, ausente qualquer situação que introduza a instabilidade no equilíbrio federativo ou que ocasione a ruptura da harmonia que deve prevalecer nas relações entre as entidades integrantes do Estado Federal, deixa de incidir, ante a inocorrência dos eus pressupostos de atuação, a norma de competência que confere a esta Suprema Corte o papel eminente de Tribunal da Federação.' (ACO 359-QO/SP, rel. Min. Celso de Mello, DJ. 11.03.94, p. 04110).
Ora, se se tem diante decisão judicial, assumida por magistrado federal inequivocamente competente, fazendo valer instituto processual - a busca e apreensão - previsto na legislação codificada, que se aplica, indistintamente, à União Federal e aos Estados-membros, impossível de realidade, assim inconteste, extrair-se a presença do conflito federativo.
Por mais, na seara do debate - tema de direito processual penal - é sabido que dada a conexão processual, por suas várias formas, infrações penais que, em concurso, agrediam, umas, o interesse local (municipalizado ou estadualizado), outras, o interesse federal, por óbvio a formação da prova, e a tanto é instrumento pertinente o instituto da busca e apreensão, pode perfeitamente recair em órgãos tanto da administração pública estadual, quanto federal, dado que a conexão processual, em princípio, e tal sucede no caso, implica 'unidade de processo e julgamento': artigo 79, C.P.P.
Obviamente, não há conflito federativo na questão, como apresentada.
Pelo não-conhecimento do pleito." (grifei)

Constata-se, pois, que o Supremo Tribunal Federal não dispõe de competência originária para apreciar a causa principal, eis que inexistente, na espécie, como anteriormente assinalado, a necessária situação de conflito federativo e de potencial ruptura da harmonia nas relações político-institucionais entre a União Federal, de um lado, e o Estado do Amazonas, de outro, e cuja ocorrência poderia, uma vez configurada, tornar aplicável, então, ao contexto em exame, a norma inscrita no art. 102, I, "f", da Constituição da República.

Se assim é, torna-se evidente não assistir, a esta Suprema Corte, competência para conhecer da presente ação, pois a instauração da jurisdição cautelar deste Tribunal supõe seja ele competente para apreciar a causa principal.

Isso significa, portanto, que tal circunstância impede a tramitação autônoma, no Supremo Tribunal Federal, deste processo cautelar.

É que há, entre o processo cautelar e as demais categorias procedimentais, inequívoca relação de acessoriedade. A tutela cautelar não existe em função de si própria. Supõe, por isso mesmo, para efeito de sua apreciação, a perspectiva de um processo principal, para o qual esta Suprema Corte disponha de competência.

A acessoriedade e a instrumentalidade, nesse contexto, constituem notas caracterizadoras do processo e da tutela cautelares. "Destinado a garantir complexivamente o resultado de outro processo", assinala JOSÉ FREDERICO MARQUES ("Manual de Direito Processual Civil", vol. IV/361, item n. 1.048, 1976, Saraiva), "o processo cautelar se relaciona com este, como o acessório com o principal. Daí o predomínio e hegemonia do processo principal, de que o cautelar é sempre dependente" (grifei).

Impõe-se, por isso mesmo, para que se reconheça configurada a competência do Supremo Tribunal Federal, a existência de uma situação de conexão por acessoriedade, que decorra do vínculo existente entre o processo cautelar, de um lado, e a causa principal, de outro. Nesse sentido, o magistério, sempre autorizado, de JOSÉ FREDERICO MARQUES ("Instituições de Direito Processual Civil", vol. I/340, 3ª edição e vol. III/256-257, 2ª edição, Forense) e de GIUSEPPE CHIOVENDA ("Instituições de Direito Processual Civil", vol. II/298-299, tradução da 2ª edição italiana por ENRICO TULLIO LIEBMAN, 1943, Saraiva).

A circunstância de a causa principal não se achar na esfera de competência originária do Supremo Tribunal Federal assume indiscutível relevo processual, eis que impede - consideradas as razões já expostas - a própria tramitação, nesta Suprema Corte, da presente ação cautelar.

O exame dos elementos constantes deste processo, presentes os fundamentos expostos nesta decisão, permite-me deixar assentadas as seguintes conclusões:

(a) a instauração de procedimento penal contra Secretário de Estado, Deputado Estadual e Prefeito Municipal, por suposta prática de delitos que a própria Constituição da República haja incluído na esfera de competência da Justiça Federal, assegura-lhes prerrogativa de foro, "ratione muneris", perante o Tribunal Regional Federal, porque originariamente sujeitos, nas infrações penais comuns, à jurisdição penal do Tribunal de Justiça do respectivo Estado-membro; e

(b) o reconhecimento da competência penal originária do Tribunal Regional Federal, em tal hipótese, possibilita a adoção, pela autoridade judiciária federal competente (Relator do inquérito/processo no TRF), de medidas cautelares necessárias ao esclarecimento da verdade real, legitimando-se, em conseqüência, a expedição de mandado judicial de busca e apreensão, ainda que para ser executado em repartição pública estadual, sem que se registre, em tal contexto, situação configuradora de conflito federativo.

Sendo assim, em face das razões expostas, notadamente do parecer da douta Procuradoria-Geral da República, acolho a questão preliminar suscitada pela União Federal e, em conseqüência, não conheço da presente ação cautelar.

Transmita-se o teor da presente decisão, mediante cópia, ao Excelentíssimo Senhor Juiz Tourinho Neto, Relator do Inq. nº 2003.01.00.013184-9/AM, em tramitação perante o E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Arquivem-se os presentes autos.

Publique-se.

Brasília, 1º de julho de 2005.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão publicada no DJU de 1º.8.2005


Bancos. Lei Municipal que determina medidas de conforto aos usuários. Validade. (Transcrições)

RE 251542/SP*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA, MEDIANTE LEI, OBRIGAR AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS A INSTALAR, EM SUAS AGÊNCIAS, BEBEDOUROS E SANITÁRIOS DESTINADOS AOS USUÁRIOS DOS SERVIÇOS BANCÁRIOS (CLIENTES OU NÃO). MATÉRIA DE INTERESSE TIPICAMENTE LOCAL (CF, ART. 30, I). CONSEQÜENTE INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.
- O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem, em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou colocação de bebedouros, ou, ainda, prestação de atendimento em prazo razoável, com a fixação de tempo máximo de permanência dos usuários em fila de espera. Precedentes.

DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi interposto pelo Município de Sorocaba/SP contra decisão, que, proferida pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 228):

"ESTABELECIMENTO BANCÁRIO - Lei Municipal nº 3.599/91, exigindo bebedouro e sanitários públicos - Ilegalidade - Matéria de competência da União - Lei Federal nº 7.102/83, preexistente, regulando a segurança dos estabelecimentos bancários, com atribuição da fiscalização do Banco Central - Segurança denegada - Recurso provido para a concessão da ordem." (grifei)

A parte ora recorrente sustenta, em suas razões, que o Tribunal local, ao decidir a controvérsia suscitada nos presentes autos, violou a Constituição da República, por haver considerado que o Município não dispõe de atribuição para legislar sobre a instalação, nas agências bancárias, de equipamentos destinados a propiciar conforto aos respectivos usuários, como aqueles referidos no diploma legislativo ora em exame.

Passo a apreciar a postulação recursal em causa. E, ao fazê-lo, devo reconhecer que assiste plena razão ao Município recorrente, considerada não só a autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), mas, também, a própria jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou no exame da matéria ora em julgamento.

Não vislumbro, no texto da Carta Política, ao contrário do que sustentado pela FEBRABAN, a existência de obstáculo constitucional que possa inibir o exercício, pelo Município, da típica atribuição institucional que lhe pertence, fundada em título jurídico específico (CF, art. 30, I), para legislar, por autoridade própria, sobre a instalação de equipamentos destinados a propiciar conforto aos usuários de serviços bancários.

Na realidade, o Município, ao assim legislar, apóia-se em competência material - que lhe reservou a Constituição da República - cuja prática autoriza essa mesma pessoa política a dispor, em sede legal, sem qualquer conflito com as prerrogativas fiscalizadoras do Banco Central, sobre tema que reflete assunto de interesse eminentemente local, (a) seja aquele vinculado ao conforto dos usuários dos serviços bancários, (b) seja aquele associado à segurança da população do próprio Município, (c) seja aquele concernente à estipulação de tempo máximo de permanência nas filas das agências bancárias, (d) seja, ainda, aquele pertinente à regulamentação edilícia vocacionada a permitir, ao ente municipal, o controle das construções, com a possibilidade de impor, para esse específico efeito, determinados requisitos necessários à obtenção de licença para construir ou para edificar.

Vale acentuar, neste ponto, por relevante, que o entendimento exposto - consideradas as diversas situações ora especificadas - tem o beneplácito do magistério da doutrina (JOSÉ NILO DE CASTRO, "Direito Municipal Positivo", p. 294, item n. 3.2, 3ª ed., Del Rey, 1996; HELY LOPES MEIRELLES, "Direito Municipal Brasileiro", p. 464/465, item n. 2.2, 13ª ed., Malheiros, 2003, v.g.) e, sobretudo, da jurisprudência dos Tribunais, notadamente a desta Suprema Corte (RTJ 189/1150, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - AI 347.717-AgR/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO - AI 347.739/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM - AI 506.487-AgR/PR, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - RE 208.383/SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - RE 246.319/RS, Rel. Min. EROS GRAU - RE 312.050-AgR/MS, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RE 385.398-AgR/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RE 432.789/SC, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.).

Cumpre enfatizar, por oportuno, na linha dos precedentes que venho de referir, que o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a constitucionalidade de diplomas legislativos locais que veiculam regras destinadas a assegurar conforto aos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), tais como as leis municipais que determinam a colocação de cadeiras de espera nas agências bancárias (AI 506.487-AgR/PR, Rel. Min. CARLOS VELLOSO) ou que ordenam sejam estas aparelhadas, como sucede no caso, com bebedouros e instalações sanitárias (RE 208.383/SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA).

Essa mesma orientação foi reiterada a propósito da legitimidade constitucional - que se reconheceu presente, por tratar-se de assunto "de interesse local" (CF, art. 30, I) - de diploma legislativo municipal que também determinava, às instituições financeiras, que disponibilizassem, no recinto das agências bancárias, aos usuários de seus serviços (clientes ou não), à semelhança do que ocorre na espécie, tanto bebedouros quanto instalações sanitárias adequadas (AI 347.739/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM).

Cabe assinalar, neste ponto, que a autonomia municipal erige-se à condição de princípio estruturante da organização institucional do Estado brasileiro, qualificando-se como prerrogativa política, que, outorgada ao Município pela própria Constituição da República, somente por esta pode ser validamente limitada, consoante observa HELY LOPES MEIRELLES, em obra clássica de nossa literatura jurídica ("Direito Municipal Brasileiro", p. 80/82, 6ª ed./3ª tir., 1993, Malheiros):

"A Autonomia não é poder originário. É prerrogativa política concedida e limitada pela Constituição Federal. Tanto os Estados-membros como os Municípios têm a sua autonomia garantida constitucionalmente, não como um poder de autogoverno decorrente da Soberania Nacional, mas como um direito público subjetivo de organizar o seu governo e prover a sua Administração, nos limites que a Lei Maior lhes traça. No regime constitucional vigente, não nos parece que a autonomia municipal seja delegação do Estado-membro ao Município para prover a sua Administração. É mais que delegação; é faculdade política, reconhecida na própria Constituição da República. Há, pois, um minimum de autonomia constitucional assegurado ao Município, e para cuja utilização não depende a Comuna de qualquer delegação do Estado-membro." (grifei)

Essa mesma percepção do tema já era perfilhada por SAMPAIO DORIA ("Autonomia dos Municípios", "in" Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, vol. XXIV/419-432, 1928), cujo magistério - exposto sob a égide de nossa primeira Constituição republicana (1891) - bem ressaltava a extração constitucional dessa insuprimível prerrogativa político-jurídica que a Carta Federal, ela própria, atribuiu aos Municípios.
Sob tal perspectiva, e como projeção concretizadora desse expressivo postulado constitucional, ganha relevo, a meu juízo, no exame da controvérsia suscitada em sede recursal extraordinária, a garantia da autonomia fundada no próprio texto da Constituição da República.

A abrangência da autonomia política municipal - que possui base eminentemente constitucional (só podendo, por isso mesmo, sofrer as restrições emanadas da própria Constituição da República) - estende-se à prerrogativa, que assiste ao Município, de "legislar sobre assuntos de interesse local" (CF, art. 30, I), tal como o fez o Município de Sorocaba/SP, em benefício do conforto dos usuários (clientes ou não) dos serviços bancários.

Tenho para mim - ao reconhecer que existe, em favor da autonomia municipal, uma "garantia institucional do mínimo intangível" (PAULO BONAVIDES, "Curso de Direito Constitucional", p. 320/322, item n. 7, 12ª ed., 2002, Malheiros) - que o art. 30, inciso I, da Carta Política não autoriza a utilização de recursos hermenêuticos cujo emprego, tal como pretendido pela FEBRABAN, possa importar em grave vulneração à autonomia constitucional dos Municípios, especialmente se se considerar que a Constituição da República criou, em benefício das pessoas municipais, um espaço mínimo de liberdade decisória que não pode ser afetado, nem comprometido, em seu concreto exercício, por interpretações que culminem por lesar o mínimo essencial inerente ao conjunto (irredutível) das atribuições constitucionalmente deferidas aos Municípios.

Em suma: entendo que o diploma legislativo do Município em referência reveste-se de plena legitimidade jurídico-constitucional, pois, longe de dispor sobre controle de moeda, política de crédito, câmbio, segurança e transferência de valores ou sobre organização, funcionamento e atribuições de instituições financeiras, limitou-se, ao contrário, a disciplinar, em bases constitucionalmente legítimas, assunto de interesse evidentemente municipal, veiculando normas pertinentes à adequação dos estabelecimentos bancários a padrões destinados a propiciar, em suas agências, melhor atendimento e conforto à coletividade local (colocação de bebedouros e oferecimento de instalações sanitárias), tudo em estrita harmonia com o magistério jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na matéria ora em exame:

"- O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art 30, I), com o objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou, ainda, colocação de bebedouros. Precedentes."
(AI 347.717-AgR/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

O exame da presente causa e a análise dos precedentes jurisprudenciais firmados pelo Supremo Tribunal Federal permitem-me concluir que a pretensão jurídica deduzida pelo Município de Sorocaba/SP encontra suporte legitimador no postulado da autonomia municipal, que representa, no contexto de nossa organização político-jurídica, como já enfatizado, umas das pedras angulares sobre as quais se estrutura o próprio edifício institucional da Federação brasileira.

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, conheço e dou provimento ao presente recurso extraordinário, em ordem a denegar o mandado de segurança coletivo impetrado pela parte ora recorrida (FEBRABAN - Federação Brasileira das Associações de Bancos). No que concerne à verba honorária, revela-se aplicável o enunciado constante da Súmula 512/STF.

Publique-se.

Brasília, 1º de julho de 2005.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator


*decisão pendente de publicação





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