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sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Informativo STF 391 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 6 a 10 de junho de 2005 - Nº 391.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO




Plenário
Serviços Notariais e de Registro: Selo de Controle dos Atos e Vício Material
ADI: Recebimento Direto de Inquérito Policial e Requisição de Informações pelo MP
ADI: Juiz de Paz, Processo Eleitoral e Atribuições - 1
ADI: Juiz de Paz, Processo Eleitoral e Atribuições - 2
ADI: Juiz de Paz, Processo Eleitoral e Atribuições - 3
Extradição: Trânsito em Julgado e Erro Material
Decreto Expropriatório: Transmissão 'Mortis Causa' e Partes Ideais - 2
1ª Turma
Prisão Preventiva e HC de Ofício - 1
Prisão Preventiva e HC de Ofício - 2
RE Criminal: Descaminho e Princípio da Insignificância
Protocolo Integrado e Instância Extraordinária
2ª Turma
Crime de Imprensa e Competência do Juizado Especial
'Bis In Idem' e Sentença Definitiva
Responsabilidade Civil do Estado e Ato Omissivo
Transcrições
Responsabilidade Civil do Estado e Ato Omissivo (RE 409203/RS)


PLENÁRIO

Serviços Notariais e de Registro: Selo de Controle dos Atos e Vício Material

O Tribunal, por maioria, julgou procedente, em parte, pedido formulado em ação direta ajuizada pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil - ANOREG/BR e declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.033/2003, do Estado do Mato Grosso, que institui selo de controle dos atos dos Serviços Notariais e de Registro, adiciona receita ao Fundo de Apoio ao Judiciário e dá outras providências (Lei 8.033/2003, art. 2º: "§ 1º. A não-utilização do selo de controle de acordo com as regras fixadas nesta lei, acarretará a invalidade do ato."). Entendeu-se constitucional a iniciativa do Tribunal de Justiça na propositura da lei, uma vez que, na competência de iniciar o processo legislativo de organização de seus serviços, estaria implícito a de propor a fonte de custeio dos mesmos. Salientou-se que o selo instituído possui natureza jurídica de taxa, em razão do exercício do poder de polícia, sendo possível a destinação do produto de sua arrecadação a órgão público, inclusive ao próprio Judiciário, conforme orientação já fixada pelo Supremo e, ainda, que a lei impugnada atentou para a exata proporção da capacidade contributiva das respectivas serventias, conforme estabelece seu art. 8º, inexistindo, destarte, a alegada ofensa ao inciso IV do art. 150 da CF. Não obstante, considerou-se caracterizada a usurpação da competência privativa da União para dispor sobre registros públicos (CF, art. 22, XXV), haja vista que a instituição do selo de controle dos serviços notariais não poderia consistir em requisito de validade dos atos de criação, preservação, modificação e extinção de direitos e obrigações. Vencidos o Min. Eros Grau, que julgava procedente o pedido apenas no aspecto material, e o Min. Marco Aurélio, que o julgava procedente em toda sua extensão, tanto no aspecto formal como no material.
ADI 3151/MT, rel. Min. Carlos Britto, 8.6.2005. (ADI-3151)

ADI: Recebimento Direto de Inquérito Policial e Requisição de Informações pelo MP

O Plenário iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Governadora do Estado do Rio de Janeiro contra os incisos IV e V do art. 35 da Lei Complementar 103/2003 (Lei Orgânica do Ministério Público do referido Estado), que dispõem, respectivamente, caber ao Ministério Público o recebimento, direto da polícia judiciária, do inquérito policial que versar sobre infração de ação penal pública, e a requisição de informações quando o inquérito não for encerrado em 30 dias, tratando-se de indiciado solto por meio de fiança ou sem ela. O Min. Eros Grau, relator, julgou o pedido parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade do inciso IV do art. 35 da Lei Complementar 103/2003. Reconhecendo o caráter procedimental do inquérito, afastou a apontada ofensa à competência privativa da União para legislar sobre direito processual (CF, art. 22, I), e, ressaltando ser a causa de pedir aberta, entendeu ter ocorrido violação ao § 1º do art. 24 da CF, porquanto o ato atacado dispõe de forma diversa do que estabelecido pela norma geral editada pela União sobre a matéria, qual seja, o § 1º do art. 10 do CPP ("Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trina) dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela. § 1o A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente."). No que se refere ao inciso V do art. 35 da lei em questão, não vislumbrou inconstitucionalidade, já que compete ao Ministério Público o controle externo da atividade policial, a teor do disposto no art. 129, VII, da CF ("Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:... VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;"). Acompanhou o voto do relator o Min. Carlos Velloso. Em divergência, o Min. Marco Aurélio proferiu voto no sentido de julgar o pedido improcedente e declarar a constitucionalidade também do inciso IV do art. 35 da lei, ao fundamento de que, por ser o inquérito procedimento, a competência legislativa seria concorrente (CF: "Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:... XI - procedimentos em matéria processual;... § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais."). O julgamento foi suspenso como pedido de vista do Min. Joaquim Barbosa.
ADI 2886/RJ, rel. Min. Eros Grau, 8.6.2005. (ADI-2886)

ADI: Juiz de Paz, Processo Eleitoral e Atribuições - 1

Julgada pelo Plenário a ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral da República contra diversos dispositivos da Lei 13.454/2000, do Estado de Minas Gerais, que dispõe sobre o processo eleitoral, atribuições e competência de juiz de paz. Preliminarmente, o Tribunal, por unanimidade, não conheceu do pedido formulado quanto às expressões "simultaneamente com as eleições municipais" e "segundo o princípio majoritário", constantes, respectivamente, do caput dos artigos 2º e 3º da lei mineira, por consistirem em reproduções de normas contidas na constituição estadual que não foram impugnadas na ação ("Art. 2º As eleições para Juiz de Paz serão realizadas simultaneamente com as eleições municipais, na forma estabelecida por esta lei e mediante a aplicação subsidiária do Código Eleitoral e da Legislação federal específica. Parágrafo único - O processo eleitoral de que trata este artigo será presidido pelo Juiz Eleitoral competente. Art. 3º O Juiz de Paz é eleito segundo o princípio majoritário, para mandato de quatro anos, pelo voto direto, universal e secreto do eleitorado do distrito ou do subdistrito judiciário respectivo, permitida a reeleição."). No mérito, em relação ao restante desses artigos, exceto quanto ao vocábulo "subsidiária", também do caput do art. 2º, julgou-se, por maioria, improcedente o pedido, em razão de a Constituição Federal ter incluído a eleição de juiz de paz no sistema eleitoral global (CF: "Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:... § 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei:... V - a filiação partidária;... VI - a idade mínima de:.. c) vinte e um anos para... juiz de paz;"). Vencidos os Ministros Eros Grau, relator, e Marco Aurélio, que julgavam o pedido procedente, por vislumbrar ofensa à competência privativa da União para legislar sobre direito eleitoral ("Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:.. I - direito... processual, eleitoral...e do trabalho;").
ADI 2938/MG, rel. Min. Eros Grau, 8 e 9.6.2005. (ADI-2938)

ADI: Juiz de Paz, Processo Eleitoral e Atribuições - 2

Prosseguindo no julgamento, o Pleno, por maioria, declarou a constitucionalidade do art. 4º da lei em questão ("Art. 4º Os candidatos a Juiz de Paz e seus suplentes serão escolhidos nas mesmas convenções partidárias que deliberarão sobre as candidaturas às eleições municipais, observadas as normas estabelecidas na legislação eleitoral e no estatuto dos respectivos partidos políticos."). Considerando o sistema do art. 14, entendeu-se ser a filiação partidária condição compatível com o exercício da justiça de paz. Salientou-se, ademais, o caráter não jurisdicional das atividades exercidas pelos seus juízes (CF, art. 98, II). Vencidos, no ponto, os Ministros Carlos Britto, Marco Aurélio e Celso de Mello que julgavam incompatível a filiação e declaravam a inconstitucionalidade do referido dispositivo. Por unanimidade, declarou-se a inconstitucionalidade do art. 6º da lei, que estabelece condições de elegibilidade, haja vista tratar-se de matéria eleitoral. O pedido foi julgado improcedente pela maioria quanto aos artigos 5º, 7º, 8º, 9º e 10. Vencidos, no ponto, os Ministros Eros Grau, relator, Marco Aurélio e Celso de Mello que, entendendo caracterizada a afronta ao art. 22, I, da CF, julgavam os artigos inconstitucionais.
ADI 2938/MG, rel. Min. Eros Grau, 8 e 9.6.2005. (ADI-2938)

ADI: Juiz de Paz, Processo Eleitoral e Atribuições - 3

Em relação ao art. 15 da lei mineira, que dispõe sobre as competências do juiz de paz, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado quanto ao inciso VII ("arrecadar bens de ausentes ou vagos, até que intervenha a autoridade competente"), levando em conta o disposto no inciso II do art. 98, que outorga ao juiz de paz outras atribuições de caráter não jurisdicional previstos em legislação estadual. Vencidos, nessa parte, os Ministros Eros Grau, relator, e Marco Aurélio que davam pela procedência do pedido por entender se ter versado matéria processual. Por unanimidade, julgou-se inconstitucional a expressão "e lavrar auto de prisão", contida no inciso VIII do art. 15, por se tratar de matéria processual penal. Pela mesma razão, por maioria, declarou-se a inconstitucionalidade do remanescente desse último inciso, relativo à outorga ao juiz de paz de competência para processar auto de corpo de delito, ficando vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim. O inciso IX do art. 15 ("prestar assistência ao empregado nas rescisões de contrato de trabalho...") foi declarado inconstitucional, à unanimidade, por tratar de matéria trabalhista. Por maioria, entendendo não haver incompatibilidade com o texto constitucional, considerando o disposto no inciso VI dos seus artigos 23 e 24, declarou-se a constitucionalidade do inciso X do art. 15, que permite aos juízes de paz zelar pela observância das normas concernentes à defesa do meio ambiente, tomando as providências necessárias ao seu cumprimento. Vencidos os Ministros Eros Grau, relator, e Marco Aurélio, que davam interpretação conforme o art. 225 da CF, de modo que as atividades dos juízes de paz se restringissem à comunicação da violação da lei às autoridades ambientais competentes. O inciso XII do art. 15 ("funcionar como perito em processos...") foi declarado constitucional, por maioria, diante da referida previsão do art. 98, II, da CF quanto à possibilidade de outorga de outras atribuições. Nesse ponto, restaram vencidos os Ministros Eros Grau, relator, e Marco Aurélio que consideravam ter havido invasão à competência da União para legislar sobre matéria processual civil. Pelos mesmos fundamentos expostos em relação ao inciso VII do art. 15, o Tribunal, por maioria, vencidos os Ministros relator e Marco Aurélio, julgou improcedente o pedido quanto ao § 2º do art. 15 ("A nomeação de escrivão 'ad hoc' é obrigatória em caso de arrecadação provisória de bens de ausentes ou vagos."). Declarou-se, ainda, por maioria, a inconstitucionalidade da expressão "e garante direito a prisão especial, em caso de crime comum, até definitivo julgamento", contida no art. 22 da lei mineira, por cuidar de matéria de processo penal. Vencidos, nesse ponto, os Ministros Joaquim Barbosa e Carlos Velloso, que julgavam o dispositivo constitucional por já constar da LOMAN.
ADI 2938/MG, rel. Min. Eros Grau, 8 e 9.6.2005. (ADI-2938)

Extradição: Trânsito em Julgado e Erro Material

Erro material é o resultante de enganos da escrita, de datilografia ou de cálculo e ainda os atribuíveis a flagrante equívoco ou inadvertência do juiz, uma vez que haja nos autos elementos que tornem evidente o engano, quando relativo a matéria do processo. Com base nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, vencido o Min. Marco Aurélio, resolveu questão de ordem no sentido de reconhecer erro material na decisão que julgara prejudicado pedido extradicional e negar provimento a agravo regimental interposto contra decisão que determinara a distribuição dos autos da extradição. No caso concreto, o governo requerente, encaminhando nota verbal ao Ministro da Justiça, desistira da extradição somente em relação a um dos três crimes imputados ao extraditando, em face da prescrição punitiva. Por sua vez, o Ministro da Justiça enviara ofício ao Min. Sydney Sanches, então relator do processo, informando, com base na citada nota verbal, cuja cópia anexara, "...não ter mais o Governo daquele país interesse na extradição..., em virtude da prescrição punitiva", sem precisar o delito, diante do que o então relator concluíra pelo prejuízo de todo o pedido e determinara a expedição do alvará de soltura. Após o trânsito em julgado dessa decisão, o governo requerente manifestara seu interesse no prosseguimento do feito em relação aos demais crimes, tendo o Min. Marco Aurélio, no exercício da Presidência, decidido, ante o trânsito em julgado, que nada havia a providenciar. Em razão de novo pedido formulado no mesmo sentido, o Min. Maurício Corrêa, também no exercício da Presidência, determinara a distribuição do feito, decisão esta agravada.
Ext 775 Petição Avulsa-QO-AgR/República Argentina, rel. Min. Nelson Jobim, 9.6.2005. (Ext-775)

Decreto Expropriatório: Transmissão 'Mortis Causa' e Partes Ideais - 2

O Tribunal retomou julgamento de mandado de segurança em que se pretende anular decreto expropriatório de imóvel rural, sob a alegação de que este é explorado em condomínio, proveniente de sucessão mortis causa, constituído por diversas partes ideais, cujas áreas não se qualificam, individualmente, como grandes propriedades improdutivas passíveis de desapropriação - v. Informativo 389. O Min. Marco Aurélio, em voto-vista, acompanhou o voto do Min. Gilmar Mendes, relator, no sentido de conceder a ordem, reiterando os fundamentos que expôs por ocasião do julgamento do MS 22045/ES (DJU de 30.6.95). Após, pediu vista dos autos a Min. Ellen Gracie.
MS 24573/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 9.6.2005. (MS-24573)


PRIMEIRA TURMA

Prisão Preventiva e HC de Ofício - 1

A Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado em favor de acusado pela suposta autoria intectual do homicídio contra sua esposa em que se pretende a declaração de nulidade do processo, a partir da denúncia, com o conseqüente relaxamento da prisão preventiva contra ele decretada. Alega-se, na espécie: a) impossibilidade de investigação direta realizada pelo Ministério Público; b) impedimento do promotor de justiça, por aplicação analógica do art. 252, II, combinado com o art. 258, ambos do CPP, no caso de se admitir a referida investigação; c) se o membro do parquet não estiver impedido, a sua suspeição para atuar na causa, em razão de incidente ocorrido, em audiência judicial, entre ele e a principal testemunha; d) usurpação de competência do tribunal de justiça por juiz de primeiro grau para julgar a exceção de impedimento ou de suspeição oposta ao promotor de justiça; e) complexidade do caso a impedir que o julgamento da exceção acontecesse de plano; e) não cabimento da prisão cautelar, haja vista que decretada com base apenas na situação econômica do paciente e que, em razão disso, poderia evadir-se ou procrastinar o andamento do processo.
HC 85011/RS, rel. Min. Eros Grau, 7.6.2005. (HC-85011)

Prisão Preventiva e HC de Ofício - 2

O Min. Eros Grau, relator, indeferiu o writ conforme requerido, mas, de ofício, deferiu habeas corpus para conceder liberdade provisória ao paciente, acompanhado pelo Min. Carlos Britto, na integralidade, e pelos demais Ministros somente quanto à concessão de ofício. De início, salientou que a questão relativa à legitimidade da investigação procedida pelo Ministério Público está sendo examinada pelo Plenário do STF (Inq 1968/DF) e que, no caso concreto, as investigações não foram realizadas exclusivamente pelo parquet. No ponto, informou que houvera instauração regular de inquérito policial, com o posterior requerimento de peças pelo promotor, a teor do disposto no art. 47 do CPP, em virtude do fato de a autoridade policial não conseguir reunir elementos sobre a autoria do fato criminoso. No tocante à alegação de impedimento, aplicou a jurisprudência da Corte no sentido de que a participação de membro do Ministério Público na fase investigativa não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia. Entendeu, também, que a competência para julgar exceção de impedimento ou de suspeição de promotor de justiça, conforme previsto no art. 104 do CPP, é da justiça de 1º grau, facultado ao juiz deferir ou indeferir diligências probatórias. Em conseqüência, considerou prejudicado o terceiro fundamento da impetração e ressaltou que há nos autos outros elementos de convicção além do depoimento da aludida testemunha. Rejeitou, ainda, o argumento de que a exceção, por sua complexidade, impediria o seu julgamento de plano, dado que esta fundara-se em incidente entre o promotor e a testemunha, o que seria suficiente para afastar a suposta complexidade. Quanto à prisão preventiva, asseverou que, apesar de não ter sido objeto de recurso ordinário no STJ, ela não está amparada em fundamentos idôneos e em elementos concretos que certifiquem a necessidade de sua manutenção. Por fim, após noticiar que a prisão cautelar fora confirmada na sentença de pronúncia, aduziu que a convolação de título judicial não se traduz em prejudicialidade se os fundamentos tidos por inidôneos são reproduzidos na sentença subseqüente. Concluiu, ademais, que a liberdade provisória encontraria respaldo no excesso de prazo. Após, pediu vista o Min. Cezar Peluso.
HC 85011/RS, rel. Min. Eros Grau, 7.6.2005. (HC-85011)

RE Criminal: Descaminho e Princípio da Insignificância

Em recurso extraordinário criminal, a ausência de prequestionamento não impede a concessão de habeas corpus de oficio quando a ilegalidade é flagrante e implica constrangimento à liberdade de locomoção. Com base nesse entendimento, a Turma, resolvendo questão de ordem, negou provimento a agravo de instrumento por ausência de prequestionamento, mas, concedeu habeas corpus, de ofício, para restabelecer sentença que, aplicando o princípio da insignificância, rejeitara denúncia apresentada contra o ora agravante pela suposta prática do crime de descaminho (CP, art. 334). No caso concreto, o TRF da 4ª Região, embora tenha considerado de pequena monta os impostos devidos, assim como irrelevante o prejuízo causado, negara aplicação do aludido princípio ao fundamento de restar caracterizada a habitualidade criminosa do agente. Asseverou-se que para a incidência do princípio da insignificância somente devem ser considerados aspectos objetivos, referentes à infração praticada, tais como: mínima ofensividade da conduta do agente; ausência de periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; inexpressividade da lesão jurídica causada. Destarte, concluiu-se que para a caracterização de ato jurídico como insignificante são incabíveis considerações de ordem subjetiva, consoante reputado pelo acórdão recorrido, que afastara a incidência do princípio da bagatela com base na existência de vários registros contra o agravante pelo mesmo delito, ainda que não houvesse notícia de condenação transitada em julgado. Por fim, afirmou-se que, em se tratando de ato insignificante, este torna-se atípico, a impor o trancamento da ação penal por falta de justa causa. Precedentes citados: HC 84412/SP (DJU de 19.11.2004); HC 77003/PE (RTJ 178/310).
AI 559904 QO/RS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 7.6.2005. (AI-559904)

Protocolo Integrado e Instância Extraordinária

A Turma remeteu ao Plenário julgamento de dois agravos regimentais em agravos de instrumento em que se discute a aplicabilidade ou não do sistema de protocolo integrado na instância extraordinária. Trata-se, na espécie, de decisão monocrática do Min. Carlos Britto, relator, que, ao fundamento de que o sistema do protocolo integrado não se estende à instância extraordinária, negara provimento a agravo de instrumento por considerar intempestivo recurso extraordinário, porquanto este deveria ter sido protocolizado perante a secretaria do tribunal a quo.
AI 476260/SP e AI 507874/SP, rel. Min. Carlos Britto, 7.6.2005. (AI-476260)(AI-507874)


SEGUNDA TURMA

Crime de Imprensa e Competência do Juizado Especial

É da competência dos Juizados Especiais Criminais o julgamento de crime de imprensa, de menor potencial ofensivo (Lei 10.529/2001, art. 2º: "Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para efeitos desta Lei, os crimes que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa."). Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia a declaração de incompetência do Juizado Especial Criminal e da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva em relação aos delitos imputados ao paciente, previstos nos artigos 21 e 22 da Lei 5.250/67 (difamação e injúria, respectivamente). Afastou-se a alegação de existência de procedimento especial para os delitos mencionados, haja vista que, na espécie, a pena cominada, em ambos os crimes, não é superior a dois anos. Ressaltou-se que o parágrafo único do art. 2º da Lei 10.529/2001, revogando o art. 61 da Lei 9.099/95, conferiu novo conceito a crime de menor potencial ofensivo, não excepcionando, tal como fazia o dispositivo revogado, os crimes para os quais a lei preveja procedimento especial. Refutou-se, ademais, a apontada prescrição, tendo em conta o atendimento dos prazos previstos no art. 41 da Lei 5.250/67, e por se aplicarem, no caso, as causas interruptivas do art. 117, I e IV do CP.
HC 85694/MG, rel. Min. Ellen Gracie, 7.6.2005. (HC-85694)

'Bis In Idem' e Sentença Definitiva

Com base no disposto no art. 82 do CPP ("Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Nesse caso, a unidade dos processos se dará, ulteriormente, para efeito de soma ou de unificação das penas."), a Turma deu provimento parcial a recurso ordinário em habeas corpus, para anular sentença da Justiça Federal, que condenara o ora recorrente pelos crimes previstos nos artigos 14 da Lei 6.368/76 e 180 do CP, na parte relativa ao primeiro delito, com vistas a evitar dupla condenação pelo mesmo fato. Na espécie, o STJ mantivera acórdão do TRF que indeferira habeas corpus, sob o entendimento de que a sentença da Justiça Estadual é que deveria ser anulada, em face da absoluta incompetência para o julgamento. Considerou-se a existência de sentença condenatória definitiva, referente ao crime do art. 14 da Lei 6.368/76, proferida por Vara Criminal da Comarca do Rio de Janeiro, anterior à condenação no âmbito federal. Precedente citado: HC 81617/MT (DJU de 28.6.2002).
RHC 84904/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 7.6.2005. (RHC-84904)

Responsabilidade Civil do Estado e Ato Omissivo

A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que, aplicando o princípio da responsabilidade objetiva do Estado, julgara procedente pedido formulado em ação indenizatória movida por vítimas de ameaça e de estupro praticados por foragido do sistema penitenciário estadual, sob o fundamento de falha do Estado na fiscalização do cumprimento da pena pelo autor do fato, que, apesar de ter fugido sete vezes, não fora sujeito à regressão de regime. O Min. Carlos Velloso, relator, conheceu e deu provimento ao recurso para afastar a condenação por danos morais imposta ao Estado, com base no entendimento firmado no RE 369820/RS (DJU de 27.2.2004), no sentido de que, em se tratando de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil é subjetiva, a exigir demonstração de dolo ou culpa, não sendo, entretanto, necessário individualizar esta última, uma vez que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta de serviço, a qual não dispensa o requisito da causalidade. Entendeu ausente, na espécie, a demonstração da existência de nexo causal entre a fuga do apenado e o dano causado às recorridas. Após, pediu vista o Min. Joaquim Barbosa. Leia o inteiro teor do voto do relator na seção Transcrições deste Informativo.
RE 409203/RS, rel. Min. Carlos Velloso, 7.6.2005. (RE-409203)

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno8.6.20059.6.200523
1ª Turma7.6.2005--407
2ª Turma7.6.2005--95



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.


Responsabilidade Civil do Estado e Ato Omissivo (Transcrições)

RE 409203/RS*

RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS PÚBLICAS. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: ESTUPRO PRATICADO POR APENADO FUGITIVO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FALHA DO SERVIÇO. C.F., art. 37, § 6º.
I. - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, esta numa de suas três vertentes, a negligência, a imperícia ou a imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço.
II. - A falha do serviço - faute du service dos franceses - não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro.
III. - Crime de estupro praticado por apenado fugitivo do sistema penitenciário do Estado: nesse caso, não há falar em nexo de causalidade entre a fuga do apenado e o crime de estupro, observada a teoria, quanto ao nexo de causalidade, do dano direto e imediato. Precedentes do STF: RE 369.820/RS, Ministro Carlos Velloso, "DJ" de 27.02.2004; RE 172.025/RJ, Ministro Ilmar Galvão, "DJ" de 19.12.1996; RE 130.764/PR, Ministro Moreira Alves, RTJ 143/270.
IV. - RE conhecido e provido.

Relatório: O acórdão recorrido, em ação sob o rito ordinário, proferido pela Décima Câmara Cível do Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, está assim ementado:

"RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. 1. Apenado em regime aberto que, durante fuga, invade residência e pratica violência contra as moradoras, uma delas sendo vítima de estupro. Falha evidente do Estado na fiscalização do cumprimento da pena pelo autor do fato, que, apesar de ter fugido em sete oportunidades, não foi sujeito à regressão de regime. Confirmação da sentença de procedência, por seus próprios fundamentos, inclusive quanto ao valor arbitrado como reparação dos danos morais. Homologação da desistência do apelo das autoras, restando prejudicado o recurso adesivo. Sentença confirmada em reexame necessário." (Fl. 260)

Daí o RE, interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal, com alegação de ofensa ao art. 37, § 6º, da mesma Carta, sustentando, em síntese que o dano suportado pela recorrida decorreu exclusivamente de ato de terceiro, não havendo falar em responsabilidade civil do Estado do Rio Grande do Sul. Ademais, inexiste nexo causal entre a suposta falha do serviço estatal e o dano sofrido pela recorrida.
Admitido o recurso, subiram os autos.
A Procuradoria Geral da República, em parecer lavrado pelo ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto, opinou pelo não-conhecimento do recurso e, se conhecido, pelo não-provimento.
Autos conclusos em 10.3.2005.
É o relatório.

Voto: Trata-se de ação de indenização por danos morais contra o Estado do Rio Grande do Sul. Um apenado, fugitivo da prisão, invadiu a casa das autoras e, portando arma, exigiu-lhes dinheiro. Não atendida a exigência do meliante, as autoras foram submetidas a ameaças, sendo que uma delas, de 12 anos de idade, foi estuprada.
Pediram, então, indenização por danos morais ao Estado, por isso que "o indivíduo era foragido do sistema penitenciário estadual" (fl. 261).
A ação foi julgada procedente em 1ª instância, confirmada a sentença pelo Tribunal de Justiça, mediante a aplicação do princípio da responsabilidade objetiva do Estado. O acórdão admitiu ter havido "falha evidente do Estado na fiscalização do cumprimento da pena pelo autor do fato, que, apesar de ter fugido em sete oportunidades, não foi sujeito à regressão de regime" (fl. 260, ementa do acórdão).
Preliminarmente, o recurso é de ser conhecido, por isso que não se torna necessário, no caso, o exame da prova. O acórdão esclarece os fatos e realiza a sua tipificação legal. O que nos cabe, agora, é verificar se essa tipificação está correta.
Passo ao exame do mérito.
Em caso semelhante, oriundo, aliás, do Rio Grande do Sul, RE 369.820/RS, por mim relatado, decidiu o Supremo Tribunal Federal:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS PÚBLICAS. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: LATROCÍNIO PRATICADO POR APENADO FUGITIVO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FALTA DO SERVIÇO. C.F., art. 37, § 6º.
I. - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, esta numa de suas três vertentes, a negligência, a imperícia ou a imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço.
II. - A falta do serviço - faute du service dos franceses - não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro.
III. - Latrocínio praticado por quadrilha da qual participava um apenado que fugira da prisão tempos antes: neste caso, não há falar em nexo de causalidade entre a fuga do apenado e o latrocínio. Precedentes do STF: RE 172.025/RJ, Ministro Ilmar Galvão, "D.J." de 19.12.96; RE 130.764/PR, Relator Ministro Moreira Alves, RTJ 143/270.
IV. - RE conhecido e provido." ("DJ" de 27.02.2004)

Assim o voto que proferi por ocasião do citado julgamento:

"(...)
A autora-recorrida e seu marido estavam num veículo estacionado às margens da BR 386, no Km 328, quando foram assaltados por 'um apenado fugitivo, em co-autoria com outros delinqüentes', culminando o fato com a morte do marido da autora. (fls. 310/313).
Anote-se, por primeiro, portanto: o marido da autora foi morto por 'um apenado fugitivo, em co-autoria com outros delinqüentes', em número de quatro.
O Estado do Rio Grande do Sul, em razão disso, foi condenado, já que o homicídio fora praticado por um apenado foragido, a indenizar a autora-recorrida por danos materiais e dano moral.
Está no voto em que se embasa o acórdão:

'(...) O autor do dano tinha movimentadíssima folha de antecedentes, com prévias condenações. E o documento de fl. 249 faz certo que havia fugido em 20 de fevereiro de 1992, sendo recapturado em 27 de junho do mesmo ano. Ora, o lastimável evento se deu em 22 de junho. Portanto, durante lapso temporal em que o assassino esteve foragido. E a fuga de presídio, lançando-se à rua perigoso delinqüente corresponde à inequívoca falta do serviço.
O acórdão recorrido concluiu, assim, estar evidenciada a responsabilidade do Poder Público, em face da existência de nexo causal entre o evento lesivo e o desempenho das tarefas estatais, considerada, especialmente, a circunstância de o mesmo haver sido praticado por criminoso de alta periculosidade, em co-autoria com outros delinqüentes, ainda que foragido há quatro meses e que a sua pena, à época, somasse quatro anos e três meses de reclusão, e não cinqüenta e quatro anos, como depois fixada pelo Tribunal.
Ainda, os fatos evitam o argumento genérico de um mero dever de dar segurança, como se o Estado fosse responsável por algum tipo de seguro de vida ou de patrimônio. Não é o caso. Na hipótese, é evidente a falta de serviço, em que perigosíssimo delinqüente conseguiu fugir.
Fica claro, portanto, que o Estado deve responder pelo mal funcionamento de seus serviços, sempre que seu funcionário for demorado, lento e vagaroso no desempenho dos mesmos e desse estado de letargia surgir o dano, como referiu Ulderico Pires dos Santos, na obra A responsabilidade civil na doutrina e jurisprudência, Forense, 1984, p. 597. (...)' (fl. 399).

II

No caso, o dano não resultou de ato praticado por agente público, mas foi causado mediante ato comissivo de terceiro. Ter-se-ia, portanto, ato omissivo do poder público.
No voto que proferi no RE 204.037/RJ, cuidei do tema: a responsabilidade do poder público por ato omissivo.
Destaco do voto que proferi:

'(...)
O § 6º do art. 37 da CF dispõe:

'Art.37. (...)
(...)
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.'

Em princípio, pois, a responsabilidade objetiva do poder público, assentada na teoria do risco administrativo, ocorre por ato de seus agentes. Dir-se-á que o ato doagente público poderá ser omissivo. Neste caso, entretanto, exige-se a prova da culpa. É que a omissão é, em essência, culpa, numa de suas três vertentes: negligência, que, de regra, traduz desídia, imprudência, que é temeridade, e imperícia, que resulta de falta de habilidade (Álvaro Lazarini, 'Responsabilidade Civil do Estado por Atos Omissivos dos seus Agentes', em 'Rev. Jurídica', 162/125).
Celso Antônio Bandeira de Mello, dissertando a respeito do tema, deixa expresso que 'o Estado só responde por omissões quando deveria atuar e não atuou - vale dizer: quando descumpre o dever legal de agir. Em uma palavra: quando se comporta ilicitamente ao abster-se.' E continua: 'A responsabilidade por omissão é responsabilidade por comportamento ilícito. E é responsabilidade subjetiva, porquanto supõe dolo ou culpa em suas modalidades de negligência, imperícia ou imprudência, embora possa tratar-se de uma culpa não individualizável na pessoa de tal ou qual funcionário, mas atribuída ao serviço estatal genericamente. É a culpa anônima ou faute de service dos franceses, entre nós traduzida por 'falta de serviço'.
É que, em caso de ato omissivo do poder público, o dano não foi causado pelo agente público. E o dispositivo constitucional instituidor da responsabilidade objetiva do poder público, art. 107 da CF anterior, art. 37, § 6º, da CF vigente, refere-se aos danos causados pelos agentes públicos, e não aos danos não causados por estes, 'como os provenientes de incêndio, de enchentes, de danos multitudinários, de assaltos ou agressões que alguém sofra em vias e logradouros públicos, etc.' Nesses casos, certo é que o poder público, se tivesse agido, poderia ter evitado a ação causadora do dano. A sua não ação, vale dizer, a omissão estatal, todavia, se pode ser considerada condição da ocorrência do dano, causa, entretanto, não foi. A responsabilidade em tal caso, portanto, do Estado, será subjetiva. (Celso Antônio Bandeira de Mello, 'Responsabilidade Extracontratual do Estado por Comportamentos Administrativos', em 'Rev. dos Tribs.', 552/11, 13 e 14; 'Curso de Direito Administrativo', em 'Rev. dos Tribs.', 552/11, 13 e 14; 'Curso de Direito Administrativo', Malheiros Ed. 5º ed., pp. 489 e segs.).
Não é outro o magistério de Hely Lopes Meirelles: 'o que a Constituição distingue é o dano causado pelos agentes da Administração (servidores) dos danos ocasionados por atos de terceiros ou por fenômenos da natureza. Observe-se que o art. 37, § 6º, só atribui responsabilidade objetiva à Administração pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros. Portanto o legislador constituinte só cobriu o risco administrativo da atuação ou inação dos servidores públicos; não responsabilizou objetivamente a Administração por atos predatórios de terceiros, nem por fenômenos naturais que causem danos aos particulares'. A responsabilidade civil por tais atos e fatos é subjetiva. (Hely Lopes Meirelles, 'Direito Administrativo Brasileiro', Malheiros Ed., 21ª ed., 1996, p. 566).
Esta é, também, a posição de Lúcia Valle Figueiredo, que, apoiando-se nas lições de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e Celso Antônio Bandeira de Mello, leciona que 'ainda que consagre o texto constitucional a responsabilidade objetiva, não há como se verificar a adequabilidade da imputação ao Estado na hipótese de omissão, a não ser pela teoria subjetiva'. E justifica: é que, 'se o Estado omitiu-se, há de se perquirir se havia o dever de agir. Ou, então, se a ação estatal teria sido defeituosa a ponto de se caracterizar insuficiência da prestação de serviço.'(Lúcia Valle Figueiredo, 'Curso de Direito Administrativo', Malheiros Ed., 1994, p. 172).
Desse entendimento não destoa a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro ('Direito Administrativo', Ed. Atlas, 5ª ed., 1995, p.415).
Posta a questão em tais termos, força é concluir, no caso, pelo não-conhecimento do recurso, dado que, conforme vimos, a versão fática do acórdão é que não houve culpa do servidor da empresa ao não impedir a ocorrência do fato, nem é possível presumir, no caso, a faute de service, ou a culpa anônima, vale dizer, a culpa que poderia ser atribuída ao serviço estatal de forma genérica.
(...)' (RTJ 179/797-798).
Maria Helena Diniz também sustenta que a responsabilidade do Estado por ato omissivo é subjetiva ('Cód. Civil Anotado', Saraiva, 4ª ed., pág. 31).
De outro lado, há juristas que entendem que a responsabilidade estatal por ato omissivo é objetiva. Assim, por exemplo, Yussef Said Cahali ('Responsabilidade Civil do Estado', Malheiros Ed., 2ª ed., 1995, pág. 40), Odete Medauar ('Direito Administrativo Moderno', Ed. R.T., 4ª ed., 2000, pág. 430) e Celso Ribeiro Bastos ('Curso de Direito Administrativo', Saraiva, 3ª ed., 1999, p. 190), dentre outros.
No voto que proferi no RE 204.037/RJ, retrotranscrito, mencionei que Hely Lopes Meirelles adotara a responsabilidade subjetiva na hipótese de ações omissivas do poder público. Agora, melhor examinando a obra do saudoso e notável mestre, reconheço o meu engano. Hely Lopes Meirelles, na verdade, sustentava a teoria da responsabilidade objetiva do Estado pelos atos comissivos e omissivos dos seus agentes. 'O essencial é que o agente da Administração haja praticado o ato ou a omissão administrativa no exercício de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las.' ('Direito Administrativo Brasileiro', Malheiros Ed., 24ª ed., 1999, pág. 589). Continua: 'O que a Constituição distingue é o dano causado pelos agentes da Administração (servidores) dos danos ocasionados por atos de terceiros ou por fenômenos da natureza. Observe-se que o art. 37, § 6º, só atribui responsabilidade objetiva à Administração pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros.' (grifei). E acrescenta, esclarecendo: 'Portanto, o legislador constituinte só cobriu o risco administrativo da atuação ou inação dos servidores públicos; não responsabilizou objetivamente a Administração por atos predatórios de terceiros, (...)' ('Direito Administrativo Brasileiro', Malheiros Ed., 24ª ed., 1999, págs. 589/590). Ora, no citado RE 204.037/RJ, cuidávamos de ato praticado por terceiro, no interior de veículo de transporte coletivo, assim de concessionária do serviço público.
O Supremo Tribunal Federal, pela sua 1ª Turma, no RE 109.615/RJ, Relator o Ministro Celso de Mello, decidiu no sentido de que é objetiva a responsabilidade do Estado 'pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão.' (RTJ 163/1.107).

III

No caso, o acórdão decidiu pela ocorrência da falta do serviço.
A falta do serviço decorre do não-funcionamento ou do funcionamento insuficiente, inadequado, tardio ou lento do serviço que o poder público deve prestar.
No RE 179.147/ SP, por mim relatado, decidiu esta 2ª Turma que 'tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute du service dos franceses.' (RTJ 179/791).

IV

Todavia, a faute du service não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. O Ministro Moreira Alves, no voto que proferiu no RE 130.764/PR, lecionou que 'a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal', que 'sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada' (cf. Wilson Mello da Silva, 'Responsabilidade sem culpa', nºs. 78 e 79, págs. 128 e seguintes, Ed. Saraiva, São Paulo, 1974). Essa teoria, como bem demonstra Agostinho Alvim ('Da Inexecução das Obrigações', 5ª ed., nº 226, pág. 370, Ed. Saraiva, São Paulo, 1980), só admite o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa, o que abarca o dano direto e imediato sempre, e, por vezes, o dano indireto e remoto, quando, para a produção deste, não haja concausa sucessiva. Daí, dizer Agostinho Alvim (1. c): 'os danos indiretos ou remotos não se excluem, só por isso; em regra, não são indenizáveis, porque deixam de ser efeito necessário, pelo aparecimento de concausas. Suposto não existam estas, aqueles danos são indenizáveis.' (RE 130.764/PR, RTJ 143/270, 283).

V

A questão a ser posta, agora, é esta: a fuga de um apenado da prisão, vindo este, tempos depois, integrando quadrilha de malfeitores, assassinar alguém, implica obrigação de indenizar por parte do poder público, sob color de falta do serviço?
No citado RE 130.764/PR, da relatoria do Ministro Moreira Alves, cuidou-se de tema semelhante ao aqui tratado. Ali, a espécie versada foi a seguinte: bando de marginais, integrado por dois evadidos de prisões estaduais, invadiu residência e, dominando a família, apossou-se de bens desta, levando o terror às pessoas, agredindo o dono da casa e causando elevado prejuízo à família. Proposta a ação de indenização, reconheceram as instâncias ordinárias a responsabilidade civil do Estado, condenando-o a compor os danos materiais, mediante a aplicação da responsabilidade objetiva e invocando a falta do serviço. Decidiu, então, o Supremo Tribunal Federal, no mencionado RE 130.764/PR:

'EMENTA: Responsabilidade Civil do Estado. Dano decorrente de assalto por quadrilha de que fazia parte preso foragido vários meses antes.
- A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no artigo 107 da Emenda Constitucional nº 1/69 (e, atualmente, no § 6º do artigo 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros.
- Em nosso sistema jurídico, como resulta do dispositivo no artigo 1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito à impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada.
- No caso, em face dos fatos tidos como certos pelo acórdão recorrido, e com base nos quais reconheceu ele o nexo de causalidade indispensável para o reconhecimento da responsabilidade objetiva constitucional, é inequívoco que o nexo de causalidade inexiste, e, portanto, não pode haver a incidência da responsabilidade prevista no artigo 107 da Emenda Constitucional nº 1/69, a que corresponde o § 6º do artigo 37 da atual Constituição. Com efeito, o dano decorrente do assalto por uma quadrilha de que participava um dos evadidos da prisão não foi o efeito necessário da omissão da autoridade pública que o acórdão recorrido teve como causa da fuga dele, mas resultou de concausas, como a formação da quadrilha, e o assalto ocorrido cerca de vinte e um meses após a evasão.
- Recurso extraordinário conhecido e provido.' ('D.J.' de 07.8.92).

No RE 172.025/RJ, Relator o Ministro Ilmar Galvão, decidiu o Supremo Tribunal Federal:

'EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LATROCÍNIO PRATICADO POR PRESO FORAGIDO, MESES DEPOIS DA FUGA.
Fora dos parâmetros da causalidade não é possível impor ao Poder Público uma responsabilidade ressarcitória sob o argumento de falha no sistema de segurança dos presos.
Precedente da Primeira turma: RE 130.764, Relator Ministro Moreira Alves.
Recurso extraordinário não conhecido.' ('D.J.' de 19.12.96).

Nesse RE 172.025/RJ, cuidou-se de ação de reparação de dano proposta contra o Estado do Rio de Janeiro, com base no art. 107 da CF/67, por ter sido o marido da autora vítima de latrocínio praticado por presidiário foragido.
Caso igual, portanto, ao que examinamos aqui.
(...)."

O caso aqui tratado é igual ao que foi examinado e decidido no RE 369.820/RS, acima transcrito.
Não há dúvida que, no caso, houve falha do serviço, a faute du service dos franceses. Esta, todavia, não prescinde da demonstração do nexo de causalidade. É dizer, no caso, deveria estar demonstrado o nexo de causalidade entre a fuga do apenado e o lamentável fato ocorrido, certo que há de ser observada a teoria, quanto ao nexo de causalidade, do dano direto e imediato.
Não há possibilidade, portanto, da adoção, no caso sob julgamento, da falha do serviço.
Do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento.

* julgamento pendente de conclusão em virtude do pedido de vista do Min. Joaquim Barbosa




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