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terça-feira, 4 de novembro de 2008

Informativo STF 364 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 4 a 8 de outubro de 2004- Nº364.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO


Plenário
Habeas Corpus. Prisão Preventiva. Pressupostos

RE. Efeito Suspensivo. Lei 10.259/2001. Termo de Adesão. FGTS
ADI. Bingos. Decreto. Natureza Autônoma
ADI. Repasse de Verbas. Manutenção e Conservação de Escolas Públicas
ADI. Cobrança de Multas. Trânsito. Processo Administrativo
Primeira Turma
Intimação de Advogado e Devido Processo Legal
Gratificação. Caráter Geral. Extensão a Inativos e Pensionistas
Segunda Turma
Crime pela Internet: Publicação de Cenas de Sexo Envolvendo Crianças e Adolescentes
Empregada Gestante. Contrato por Prazo Determinado
Ausência de Prequestionamento. RE. Provimento. Prevalência de Decisão do STF
Transcrições
Crime pela Internet: Publicação de Cenas de Sexo Envolvendo Crianças e Adolescentes (HC/84561)
Responsabilidade Civil Objetiva do Estado - Dano Causado em Hospital Público (AI/455846)


PLENÁRIO

Habeas Corpus. Prisão Preventiva. Pressupostos

O Tribunal iniciou julgamento de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário, impetrado contra acórdão do STJ que denegara idêntica medida, em que se pretende a nulidade do decreto de prisão preventiva da paciente, denunciada, com base em investigações na denominada "Operação Anaconda", pela suposta prática de crime de formação de quadrilha (CP, art. 288). Os impetrantes alegam a ausência dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP ("A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria."). O Min. Joaquim Barbosa, relator, denegou a segurança por entender que esses requisitos se encontram presentes na espécie. Salientou que os indícios da autoria e da prova da materialidade do delito estariam consubstanciados nos fatos levados em consideração pelo acórdão do TRF da 3ª Região para decretar a prisão preventiva, dentre os quais: a apreensão, na casa da paciente, de vultosa quantia em dinheiro, e em diversos tipos de moeda estrangeira; ser a paciente ex-mulher de um dos co-réus; haver indícios de ser também contadora e caixa da organização; a apreensão, no escritório de outro co-réu da paciente, de vários documentos relacionados com o delito em questão. Em relação à necessidade da prisão decretada, o relator considerou que um dos fundamentos utilizados pelo TRF para embasá-la subsistia, qual seja, o de assegurar a aplicação de eventuais sanções penais, tendo em conta o receio de fuga da paciente, fundado em dados objetivos como a grande soma de dinheiro apreendida na casa da mesma e a possível existência de rede de corrupção na Polícia Federal que poderiam facilitar a sua evasão do país. Os Ministros Eros Grau e Carlos Britto acompanharam o relator. Após, o Min. Cezar Peluso pediu vista dos autos.
HC 84275/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 6.10.2004.(HC-84275)

RE. Efeito Suspensivo. Lei 10.259/2001. Termo de Adesão. FGTS

O Tribunal, por maioria, referendou decisão concessiva de liminar, em ação cautelar, da Min. Ellen Gracie, relatora, para, com base no art. 321 do Regimento Interno do STF, conferir efeito suspensivo a recurso extraordinário e determinar a suspensão de todos os processos ora em tramitação perante os Juizados Especiais e Turmas Recursais da Seção Judiciária Federal do Estado do Rio de Janeiro, nos quais se discuta a desconsideração, como ato jurídico perfeito, de acordos comprovadamente firmados, decorrentes do termo de adesão previsto na LC 110/2001, que trata de correção monetária dos saldos em conta do FGTS. Na espécie, o recurso extraordinário fora interposto pela Caixa Econômica Federal contra decisão de juiz relator da 1ª Turma dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro que rejeitara embargos de declaração opostos contra decisão monocrática que negara seguimento a recurso inominado, e mantivera sentença que afastara o acordo firmado por meio do aludido termo de adesão, com base no Enunciado 21 das Turmas Recursais daquela Seção Judiciária (Enunciado 21: "O trabalhador faz jus ao crédito integral, sem parcelamento, e ao levantamento, nos casos previstos em lei, das verbas relativas aos expurgos de índices inflacionários de janeiro de 1989 (42,72%) e abril de 1990 (44,80%) sobre os saldos das contas de FGTS, ainda que tenha aderido ao acordo previsto na Lei Complementar n. 110/2001, deduzidas as parcelas porventura já recebidas."). A recorrente alega ofensa aos artigos 5º, XXXVI e 98, I, da CF. Entendeu-se que estavam presentes os requisitos viabilizadores da concessão da liminar. O periculum in mora decorreria do efeito multiplicador de demandas similares com considerável sobrecarga da máquina judiciária, tendo em conta o fato de que cerca de 32 milhões de correntistas do FGTS teriam aderido ao acordo nos termos da LC 110/2001. O fumus boni iuris, por sua vez, restaria configurado com a conjugação dos pressupostos de existência de juízo positivo de admissibilidade do recurso extraordinário, de viabilidade deste e plausibilidade jurídica do pedido, considerada a possibilidade de ocorrência dos seguintes fatos: supressão da análise do colegiado competente para a apreciação do recurso cabível (CF, art. 98, I); ofensa ao ato jurídico perfeito, em face da desconsideração do acordo firmado entre as partes, que teria sido anulado de ofício pelo julgador a quo; e disfarçado juízo de constitucionalidade em relação à LC 110/2001. Vencido o Min. Marco Aurélio que não referendava a decisão por considerar estar-se diante de recurso extraordinário fadado ao não conhecimento por depender da análise de fatos acerca da existência do vício na manifestação de vontade dos correntistas na formalização do acordo. E, ainda, ressaltava ser indevida a suspensão do recurso extraordinário fundada na Lei 10.259/2001, haja vista não ser o STF órgão de uniformização de jurisprudência.
AC 272 MC/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 6.10.2004.(AC-272)

ADI. Bingos. Decreto. Natureza Autônoma

O Tribunal, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto contra decisão do Min. Marco Aurélio, relator, que negara seguimento a pedido de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra o Decreto 25.723/99, do Estado do Rio de Janeiro, que regulamenta a exploração de loterias de bingo pela LOTERJ - Loteria do Estado do Rio de Janeiro, por considerar que o decreto impugnado seria mero ato regulamentar da Lei 2.055/93 desse Estado - que, em seu art. 9º, autorizou a LOTERJ a distribuir prêmios relativos ao "sorteio de bingo" - não se submetendo, por isso, a controle concentrado de constitucionalidade. Entendeu-se que o decreto em questão é norma autônoma em relação à Lei 2.055/93, dotada de natureza geral e abstrata, sujeitando-se, portanto, à análise de sua constitucionalidade por meio de ação direta. Vencido o Min. Marco Aurélio, relator, que negava provimento ao recurso, mantendo o entendimento esposado.
ADI 2950 AgR/RJ, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ acórdão Min. Eros Grau, 6.10.2004.(ADI-2950)

ADI. Repasse de Verbas. Manutenção e Conservação de Escolas Públicas

O Tribunal iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul contra o §2º do art. 202 da Constituição gaúcha, bem como contra todos os artigos da Lei 9.723/92 do mesmo Estado. O primeiro dispositivo impugnado determina a aplicação de, no mínimo, 10% dos recursos destinados ao ensino na manutenção e conservação das escolas públicas estaduais por meio de transferências trimestrais de verbas. Os demais disciplinam sobre o repasse de verbas para manutenção e conservação das escolas públicas. O requerente alega que as normas em questão violam os artigos 2º; 25; 165, caput, §§ 2º e 8º; 167, IV, da CF. Inicialmente, o Min. Eros Grau, relator, rejeitou a preliminar suscitada pelo Advogado-Geral da União no sentido de extinguir o processo, sem julgamento de mérito, em relação à Lei 9.723/92, sob a alegação de ser esta ato normativo de efeito concreto, insuscetível de apreciação no controle concentrado. O relator entendeu que a lei analisada é dotada de generalidade e abstração suficientes para sua submissão ao controle de constitucionalidade por meio de ação direta, sendo seus destinatários determináveis e não determinados. Quanto ao mérito, julgou procedente o pedido por considerar que as normas impugnadas ofendem o inciso III do art. 165 da CF, já que dispõem sobre matéria orçamentária, cuja iniciativa de lei é de competência privativa do Chefe do Poder Executivo ("Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:... III - os orçamentos anuais."). Esclareceu que o §2º do art. 202 da Constituição estadual estabelece vinculação orçamentária e que a decisão sobre a aplicação das verbas públicas é transferida do Poder Executivo para entidades - Conselhos Escolares - que não são públicas. Asseverou que essa previsão acaba por limitar a iniciativa do Poder Executivo para elaborar proposta orçamentária e, ainda, que a transferência de poder de decisão sobre a utilização das verbas públicas também é incompatível com a Constituição Federal, uma vez que não implica mero ato de gestão. Concluiu que a Lei 9.723/92, criada para disciplinar esse dispositivo da Constituição do Estado, restaria atingida pelos vícios deste. Após o voto do Min. Joaquim Barbosa, que acompanhava o relator, pediu vista dos autos o Min. Carlos Britto.
ADI 820/RS, rel. Min. Eros Grau, 6.10.2004.(ADI-820)

ADI. Cobrança de Multas. Trânsito. Processo Administrativo

O Tribunal, por maioria, julgou procedente, em parte, pedido de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Estado do Espírito Santo contra a Lei 5.839/99 desse Estado, que dispõe sobre cobrança de multas aplicadas pelo DETRAN e o DER ("Art. 1º - Fica estabelecida a obrigatoriedade de cobrança de multas aplicadas pelo DETRAN e DER somente após o recebimento de notificação via Correios. Parágrafo único: O prazo para contagem a partir da juntada do Aviso de Recebimento (AR) ao respectivo processo instaurado pela elaboração do boletim de ocorrência e da guia de recolhimento alusiva à multa aplicada. Art. 2º - Caso o DETRAN ou o DER não cumpram a presente Lei, sujeitar-se-ão às sanções pecuniárias correspondentes aos danos materiais e morais causados aos usuários de seus serviços, independentemente do ajuizamento de ações específicas."). Entendeu-se que, na competência privativa da União para legislar sobre trânsito (CF, art. 22, IX), não está compreendida a disciplina do processo administrativo do exercício, pelos Estados-membros, do poder de polícia sobre esse assunto, razão por que o art. 1º e seu parágrafo único da lei impugnada seriam constitucionais. Asseverou-se, ainda, que esses dispositivos observam a garantia do devido processo legal (CF, art. 5º, LV) em benefício do apontado como infrator de norma de trânsito. Em contrapartida, considerou-se inconstitucional o art. 2º da norma em questão, sob o fundamento de que o mesmo legisla sobre matéria típica de direito civil, cuja competência seria privativa da União (CF, art. 22, I). Vencido, em parte, o Min. Gilmar Mendes, relator, que julgava integralmente procedente o pedido. (CF: "Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;... XI - trânsito e transporte;").
ADI 2374/ES, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.10.2004.(ADI-2374)

PRIMEIRA TURMA

Intimação de Advogado e Devido Processo Legal

A Turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus interposto contra acórdão do STJ que não conhecera do writ, impetrado por advogado condenado pela prática do crime de apropriação indébita (CP, art. 168, §1º, III), ao fundamento de que o pedido nele formulado se limitara a considerações a respeito da sentença sem atacar o que decidido pelo tribunal de origem. No caso concreto, o impetrante, ora recorrente, antes do julgamento realizado pelo STJ, protocolizara pedido para que fosse intimado do dia da sessão, a fim de fazer sustentação oral, sendo tal petição juntada somente depois de realizado o julgamento. O recorrente alegava, preliminarmente, a nulidade do julgado, em face da não apreciação desse pedido. No mérito, sustentava a incidência do art. 648, VI, do CPP ("Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:...VI - quando o processo for manifestamente nulo;"), uma vez que fora condenado com base em suposições e conjecturas equivocadas. Inicialmente, asseverou-se que a motivação que implicara a ausência de inclusão do habeas corpus em pauta com publicação no Diário da Justiça fora a celeridade na tramitação processual e não a surpresa a ser causada ao impetrante. Não obstante, asseverou-se que, tendo em conta o longo transcurso de tempo entre a impetração do writ e seu julgamento, o pedido de ciência da data deste consubstanciaria direito de defesa, e sua inobservância resultaria em transgressão ao devido processo legal. Quanto ao tema de fundo, entendeu-se que o motivo que levara o impetrante a discorrer somente acerca dos vícios do Juízo de 1º grau era plausível, já que o Tribunal de Justiça confirmara a sentença, transcrevendo-a, razão por que incumbiria ao STJ proceder ao julgamento do mérito do habeas corpus e não simplesmente deixar de conhecê-lo, partindo do pressuposto de que o mesmo se limitara aos parâmetros da sentença. RHC provido para determinar que o STJ julgue o tema de fundo do writ, cientificando o impetrante da data da sessão respectiva.
RHC 84310/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 5.10.2004.(RHC-84310)

Gratificação. Caráter Geral. Extensão a Inativos e Pensionistas

A Turma negou provimento a recurso extraordinário interposto pela União contra acórdão do TRF da 1ª Região que, concedendo efeitos modificativos a embargos de declaração em apelação em mandado de segurança, entendera que aposentados e pensionistas teriam direito à percepção da Gratificação de Desempenho de Atividade Tributária - GDAT, com base no princípio da isonomia e no §8º do art. 40 da CF ("§8º Observado o disposto no art. 37, XI, os proventos de aposentadoria e as pensões serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos aposentados e aos pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão, na forma da lei."). Na espécie, a mencionada gratificação fora instituída aos integrantes da Carreira de Auditor-Fiscal da Receita Federal pela Medida Provisória 1.915, de 29.6.99, e estendida aos aposentados e seus pensionistas. Todavia, as reedições da citada Medida Provisória afastaram o pagamento da gratificação relativamente às aposentadorias e pensões concedidas até 30.6.99, o que teria ensejado a impetração do writ. A recorrente sustentava ofensa aos princípios da legalidade (CF, arts. 5º, II, e 37) e da independência entre os Poderes (CF, arts. 37, XI e 61, II, a). Alegava que a GDAT consistiria em premiação de desempenho cujo pagamento decorreria do efetivo exercício profissional do servidor e dependeria do cumprimento de metas de arrecadação e fiscalização, apurados em processo avaliatório de produtividade, o que não poderia ser observado em relação a inativos. E, ainda, que a Medida Provisória teria vedado a concessão da GDAT às aposentadorias e pensões deferidas antes de 30.6.99, fixando critérios para a incorporação aos proventos das inativações ocorridas a partir dessa data. Inicialmente, asseverou-se que a referida gratificação fora expressamente concedida, sem restrições, aos aposentados e pensionistas na primeira versão da Medida Provisória 1.915/99, sendo ela aferível não só em virtude do desempenho individual do servidor, mas também em decorrência de metas e resultados da arrecadação. Salientou-se que, posteriormente, a Lei 10.593/2002 teria restaurado o pagamento dessa gratificação a todos os aposentados e pensionistas, sem qualquer limitação temporal, a partir de janeiro de 2003. Diante disso, e por se entender que a GDAT se reveste de vantagem de caráter geral, concluiu-se que a mesma seria extensível aos aposentados e pensionistas, não sendo óbice à sua obtenção a vinculação a critérios de produtividade, de acordo com reiterada jurisprudência do STF. Ressaltou-se, por fim, que remanesceria o interesse das partes no desfecho da controvérsia, relativamente ao período compreendido entre a data da impetração e o previsto pela referida Lei 10.593/2002. Precedentes citados: RE 197648/SP (DJU de 21.6.2000); RE 214724/RJ (DJU de 6.11.98).
RE 397872/DF, rel. Min. Carlos Britto, 5.10.2004.(RE-397872)

SEGUNDA TURMA

Crime pela Internet: Publicação de Cenas de Sexo Envolvendo Crianças e Adolescentes

A Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia trancar ação penal, por falta de justa causa, instaurada contra paciente denunciado pela suposta prática do delito do art. 241 do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, decorrente da publicação de fotos de conteúdo pornográfico e de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes, em servidor de arquivos, na internet, por meio de programas de bate-papo. Alegava o impetrante a atipicidade da conduta, sob o argumento de que a troca de arquivos em sala reservada de bate-papo da internet, com apenas uma pessoa, não preencheria o elemento objetivo do tipo, qual seja, o verbo "publicar" e, ainda, que somente com o advento da Lei 10.764/2003, posterior ao suposto crime imputado ao paciente, que alterou a antiga redação do art. 241 do ECA ("Art. 241. Fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente..."), a divulgação, na internet, de material pornográfico envolvendo crianças e adolescentes seria considerada conduta criminosa. Entendeu-se que o verbo constante do art. 241 do ECA, na sua redação primitiva, estaria intimamente ligado à divulgação e reprodução das imagens de conteúdo sexual ou pornográfico envolvendo crianças e adolescentes, no sentido de torná-las públicas, e que qualquer meio hábil a viabilizar a divulgação dessas imagens ao público em geral corresponderia ao que o legislador almejou com a utilização do verbo "publicar", uma vez que referido dispositivo encerraria tipo penal aberto. Ressaltou-se que a internet, por ser um veículo de comunicação apto a tornar público o conteúdo pedófilo das fotos encontradas, já demonstraria, em tese, a tipicidade da conduta e, ainda, que qualquer pessoa que acessasse o servidor de arquivos criado pelo paciente teria o material à disposição. O writ não foi conhecido na parte referente à discussão em torno da aplicabilidade ou não da Lei 10.764/2003 ao caso, uma vez que a questão não fora debatida no RHC interposto perante o STJ. Precedentes citados: HC 76689/PB (DJU de 6.11.98). (Lei 10.764/2003, Art. 4º:"O art. 241 da Lei nº 8.069, de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação: 'Art. 241. Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente...'"). Leia o inteiro teor do voto do relator na seção de Transcrições deste Informativo.
HC 84561/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 5.10.2004.(HC-84561)

Empregada Gestante. Contrato por Prazo Determinado

A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto pelo Estado de Santa Catarina contra acórdão do Tribunal de Justiça desse Estado que concedera, em parte, mandado de segurança à recorrida, contratada temporariamente como professora, sob o regime da Lei 8.391/91, para assegurar-lhe o direito à licença maternidade. Na espécie, o acórdão recorrido entendera que, em razão de a impetrante estar a menos de dois meses do parto no momento em que encerrado o contrato de trabalho, o direito à licença deveria ser ao mesmo integrado, haja vista ser aquela uma proteção ao nascituro e ao infante e não uma benesse ao trabalhador. O recorrente sustenta ofensa aos arts. 2º; 7º, XVIII c/c 39, § 2º; 37, caput, II e IX, da CF, bem como a não incidência do art. 10, II, b, do ADCT. A Min. Ellen Gracie, relatora, deu provimento ao recurso para cassar a segurança concedida por entender que a interpretação dada pelo Tribunal estadual ao art. 7º, XVIII c/c art. 39, §2º (redação original), da CF, confere caráter absoluto à estabilidade garantida pelo art. 10, II, b, do ADCT, inaplicável ao caso, por não se tratar de dispensa arbitrária ou sem justa causa, mas de encerramento do prazo regular de duração de contrato temporário sob regime administrativo especial regulado por lei estadual (ADCT: "Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:... II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:... b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto."). Precedente citado: AI 253844/DF (DJU de 14.12.99). Após, o Min. Joaquim Barbosa pediu vista dos autos.
RE 287905/SC, rel. Min. Ellen Gracie, 5.10.2004.(RE-287905)

Ausência de Prequestionamento. RE. Provimento. Prevalência de Decisão do STF

A Turma deu provimento a agravo regimental para conhecer de agravo de instrumento, e dar, desde logo, provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que aplicara precedente de seu Órgão Especial, no qual se declarara a constitucionalidade do disposto no art. 7º da Lei 7.428/94, com a redação da Lei 7.539/94, que previa o reajuste automático bimestral dos vencimentos dos servidores do Município de Porto Alegre pela variação de índice de entidade particular (ICV-DIEESE). Ressaltou-se, inicialmente, que o Pleno do STF, no julgamento do RE 251238/RS (DJU de 23.8.2002), declarara, por maioria, a inconstitucionalidade da referida norma, sob o fundamento de que ela ofende o postulado da autonomia municipal. Assim, entendeu-se que, apesar da ausência de prequestionamento dos dispositivos apontados como violados no RE e, também, de não ter sido juntado aos autos o aresto do Órgão Especial aludido, a orientação do STF deveria preponderar sobre o do acórdão recorrido, a fim de se impedir a adoção de soluções diversas em relação à decisão do Pleno, que poderiam comprometer a segurança jurídica. Considerou-se, ainda, que, por se estar diante de uma lide envolvendo inúmeros servidores do referido Município, a existência de decisões divergentes pela instância inferior sobre o mesmo tema provocaria, além de disparidade de tratamento de situações idênticas, prejuízos às finanças do referido Município, impedindo o atendimento das limitações impostas aos gastos com pessoal pela Lei Camata (LC 82/95). Precedentes citados: RE 222874 AgR-ED/SP (DJU de 30.4.2004); RE 298694/SP (DJU de 23.4.2004) e RE 251238/RS (DJU de 23.8.2002).
AI 375011 AgR/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 5.10.2004.(AI-375011)

Sessões  Ordinárias  Extraordinárias  Julgamentos
Pleno  6.10.2004 7.10.2004 17
1ª Turma 5.10.2004 -- 190
2ª Turma 5.10.2004 -- 118

 

T R A N S C R I Ç Õ E S

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
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Crime pela Internet: Publicação de Cenas de Sexo Envolvendo Crianças e Adolescentes (Transcrições)

HC 84561/PR*

RELATOR : MIN. JOAQUIM BARBOSA

VOTO: O cerne da questão em debate é saber se a conduta praticada pelo paciente na vigência da antiga redação do art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente corresponde ao núcleo do tipo, o verbo "publicar".
Transcrevo a antiga redação do dispositivo em comento, para melhor compreensão:

"Art. 241. Fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena - reclusão de um a quatro anos."

Sustenta o impetrante que o paciente, ao trocar arquivos pela internet, o fez em uma sala de bate-papo reservadíssima (acesso restrito) e com apenas uma pessoa, o que não corresponderia ao verbo "publicar" exigido pelo tipo.
Assim não me parece.
O verbo constante do tipo do art. 241 do ECA está intimamente ligado à divulgação e reprodução das imagens de conteúdo sexual ou pornográfico envolvendo crianças e adolescentes, no sentido de torná-las públicas. Qualquer meio hábil a viabilizar a divulgação dessas imagens ao público em geral corresponde ao que o legislador almejou com a utilização do verbo "publicar".
Neste sentido, já dizia Nélson Hungria que publicar significa "tornar público, permitir o acesso ao público, no sentido de um conjunto de pessoas, pouco importando o processo de publicação" (Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958. Vol. VII. p. 340). 
Não resta dúvida de que a internet é um veículo de comunicação apto a tornar público o conteúdo pedófilo das fotos encontradas, o que já demonstraria, em tese, a tipicidade da conduta. 
Ademais, a denúncia formulada foi clara em registrar que qualquer pessoa que acessasse o servidor de arquivos criado pelo paciente teria à disposição esse material, conforme se depreende do trecho a seguir transcrito (fls. 58-59):

"Do mesmo modo, igualmente restou comprovado que Michel Neme Neto criou um servidor de arquivos na Internet usando do protocolo I.R.C (conversa pela internet), com o programa MIRC e os scripts 'the 7 deadly sins' e 'ninja' onde publicou, no período de 28.10.00 à 17.01.01, nesta cidade de Londrina-PR, fotos de conteúdo pornográfico e de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes, conforme demonstram as inúmeras fotos impressas na Informações em anexo.
Foi constatado que tal servidor de arquivos mantinha as fotos na internet à disposição de qualquer pessoa, durante o tempo em que o denunciado estivesse conectado ou que desejasse manter ligado o servidor. Esse 'file server' funcionava na base de 'escambo' de arquivos, com as trocas ocorrendo automaticamente com as pessoas que o acessassem. Foi localizado no computador do denunciado aproximadamente 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) arquivos com fotos, quase todos com conteúdo pedófilo, conforme comprovam as Informações em anexo." 

Por outro lado, a discussão referente ao advento da Lei 10.764/2003 não foi ventilada - e muito menos apreciada - no recurso em habeas corpus interposto no Superior Tribunal de Justiça, motivo por que não conheço do writ nessa parte, para evitar supressão de instância.
Evidente que à época da redação do dispositivo original (1990), o legislador não teria como prever o surgimento dessa nova tecnologia, daí por que já se decidiu ser o tipo do art. 241 aberto. Não foi outra a razão de a doutrina e a jurisprudência terem assinalado que qualquer instrumento hábil a tornar público o material proibido estaria incluído na compreensão do verbo "publicar". Por isso não se pode falar em interpretação prejudicial ao paciente nem em aplicação da analogia in malam partem. 
Esta Corte já se posicionou nesse sentido, no julgamento do HC 76.689 (rel. min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 06.11.1998), cuja ementa transcrevo:

"'Crime de Computador': publicação de cena de sexo infanto-juvenil (E.C.A., art. 241), mediante inserção em rede BBS/Internet de computadores, atribuída a menores: tipicidade: prova pericial necessária à demonstração da autoria: HC deferido em parte. 
1. O tipo cogitado - na modalidade de 'publicar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente' - ao contrário do que sucede por exemplo aos da Lei de Imprensa, no tocante ao processo da publicação incriminada é uma norma aberta: basta-lhe à realização do núcleo da ação punível a idoneidade técnica do veículo utilizado à difusão da imagem para número indeterminado de pessoas, que parece indiscutível na inserção de fotos obscenas em rede BBS/Internet de computador. 
2. Não se trata no caso, pois, de colmatar lacuna da lei incriminadora por analogia: uma vez que se compreenda na decisão típica da conduta criminada, o meio técnico empregado para realizá-la pode até ser de invenção posterior à edição da lei penal: a invenção da pólvora não reclamou redefinição do homicídio para tornar explícito que nela se compreendia a morte dada a outrem mediante arma de fogo. 
3. Se a solução da controvérsia de fato sobre a autoria da inserção incriminada pende de informações técnicas de telemática que ainda pairam acima do conhecimento do homem comum, impõe-se a realização de prova pericial."

Assim, não estamos diante de flagrante atipicidade da conduta que tenha o condão de trancar a ação penal por ausência de justa causa. "A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que não se tranca a ação penal quando a conduta descrita na denúncia configura, em tese, crime" (cf. HC 83.184, rel. min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 03.10.2003). E ainda: "não cabe o trancamento de ação penal, por falta de justa causa, se os fatos narrados na peça acusatória configuram fato típico, havendo a exposição das suas circunstâncias e da autoria. Tal medida seria viável somente na hipótese de fato evidentemente atípico. Precedentes" (HC 82.782, rel. min. Ellen Gracie, Primeira Turma, DJ 09.05.2003). 
Ressalto que o trancamento da ação penal via habeas corpus, por ausência de justa causa, apesar de perfeitamente possível, é tido como medida de caráter excepcional, conforme entendimento pacífico desta Corte:

"HABEAS CORPUS - PRETENDIDO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA - SITUAÇÃO DE ILIQUIDEZ QUANTO AOS FATOS SUBJACENTES À ACUSAÇÃO PENAL - EXISTÊNCIA DE CONTROVÉRSIA QUANTO À MATÉRIA FÁTICA - PEDIDO INDEFERIDO. 
- A extinção anômala do processo penal condenatório, embora excepcional, revela-se possível, desde que se evidencie - com base em situações revestidas de liquidez - a ausência de justa causa. O reconhecimento da inocorrência de justa causa para a persecução penal, embora cabível em sede de habeas corpus, reveste-se de caráter excepcional. Para que tal se revele possível, impõe-se que inexista qualquer situação de iliquidez ou de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes à acusação penal. - Havendo suspeita fundada de crime, e existindo elementos idôneos de informação que autorizem a investigação penal do episódio delituoso, torna-se legítima a instauração da 'persecutio criminis', eis que se impõe, ao Poder Público, a adoção de providências necessárias ao integral esclarecimento da verdade real, notadamente nos casos de delitos perseguíveis mediante ação penal pública incondicionada. Precedentes"
(HC 82.393, rel. min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 22.08.2003)

A conduta do paciente, ao que tudo indica, amolda-se ao tipo penal do artigo 241 do ECA, razão pela qual a alegação de ausência de justa causa para a continuidade do persecutio criminis não procede.
Igualmente improcedente a alegação de que o paciente está sendo processado por um único fato ocorrido após a sua maioridade, pois, conforme consta do escorreito parecer da Procuradoria-Geral da República (fls. 465):

"Embora o impetrante alegue a existência de um único fato ocorrido em 21/11/2000, a denúncia ofertada pelo Ministério Público federal às fls.58/60, evidencia que mesmo após a maioridade, o indiciado permaneceu realizando condutas consideradas delituosas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, estando a denúncia descrita com fundamento na existência de fatos ocorridos no período de 28/10/2000 a 22/01/2001."

De todo o exposto, conheço parcialmente do presente habeas corpus e, na parte conhecida, denego a ordem requerida.
É como voto.

* acórdão pendente de publicação

Responsabilidade Civil Objetiva do Estado - Dano Causado em Hospital Público (Transcrições)

AI 455846/RJ*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO. ELEMENTOS ESTRUTURAIS. PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DA INCIDÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. FATO DANOSO PARA O OFENDIDO, RESULTANTE DE ATUAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO NO DESEMPENHO DE ATIVIDADE MÉDICA. PROCEDIMENTO EXECUTADO EM HOSPITAL PÚBLICO. DANO MORAL. RESSARCIBILIDADE. DUPLA FUNÇÃO DA INDENIZAÇÃO CIVIL POR DANO MORAL (REPARAÇÃO-SANÇÃO): (a) CARÁTER PUNITIVO OU INIBITÓRIO ("EXEMPLARY OR PUNITIVE DAMAGES") E (b) NATUREZA COMPENSATÓRIA OU REPARATÓRIA. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO.

DECISÃO: O recurso extraordinário - a que se refere o presente agravo de instrumento - foi interposto contra decisão, que, proferida pelo E. Tribunal Regional Federal/2ª Região, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 18):

"CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - CIVIL - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - EXTRACONTRATUAL - PREVISIBILIDADE (...) - REPARAÇÃO - DANO MATERIAL E MORAL - CUMULAÇÃO - CABIMENTO - CONDENAÇÃO EXCESSIVA - REFORMA. 
- Sendo a responsabilidade objetiva, dispensada está a parte de provar a culpa lato sensu, ante a adoção, pelo direito pátrio, da teoria do risco; 
- Demonstrado o fato administrativo (conduta comissiva do agente), o nexo causal e o resultado danoso, devida a reparação por dano material, pois que também não houve culpa da vítima, bem como não restou configurada a excludente de responsabilidade; 
- O dano moral encontra matriz constitucional cujas regras expressam a tutela aos direitos da personalidade; 
.......................................................
- Para a quantificação do dano moral deve-se levar em conta a condição social das partes, a gravidade da lesão, o caráter punitivo para o agente e a natureza compensatória da condenação para a vítima, não podendo ser fonte de locupletamento; 
- Apelo e remessa parcialmente providos, apenas para reduzir a condenação por dano moral arbitrada excessivamente." (grifei)

A União Federal, no apelo extremo em questão, busca sustentar, a partir do exame de fatos e da análise de laudo pericial, que se registrou, na espécie, situação configuradora de força maior, apta a descaracterizar - segundo alega - o nexo de causalidade material entre a conduta do agente público e o dano causado ao menor Daniel Felipe de Oliveira Neto, que sofreu, quando de seu nascimento, "...afundamento frontal do crânio, edema cerebral e área de contusão hemorrágica, males esses ocasionados por ter sido retirado do ventre de sua genitora à base de fórceps" (fls. 14).

Cumpre observar que o acórdão impugnado em sede recursal extraordinária, apoiando-se na análise dos fatos e do conjunto probatório, reconheceu caracterizada, na espécie, a existência da necessária relação causal, posto que inocorrente qualquer fato capaz de romper o nexo de causalidade entre a conduta comissiva do agente público federal (médico) e o evento danoso infligido à pequena vítima (fls. 12/18).

A pretensão deduzida pela União Federal encontra obstáculo insuperável na impossibilidade de se reexaminarem, em sede recursal extraordinária, elementos probatórios, inclusive aqueles de natureza pericial, considerada, quanto a estes, a soberania do pronunciamento dos Tribunais ordinários sobre matéria de fato (Súmula 279/STF).

Vê-se, pois, que não se revela viável o recurso extraordinário em questão.

É que - tal como precedentemente enfatizado - não se mostra cabível proceder, em sede recursal extraordinária, a indagações de caráter eminentemente probatório, especialmente quando se busca discutir, como na espécie, elementos fáticos subjacentes à causa.

No caso, a verificação da procedência, ou não, das alegações deduzidas pela parte recorrente implicará necessário reexame de fatos e de provas, o que não se admite na sede excepcional do apelo extremo.

Essa pretensão, por isso mesmo, sofre as restrições inerentes ao recurso extraordinário, em cujo âmbito não se reexaminam fatos e provas, circunstância essa que faz incidir, na espécie, a Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal.

Incensurável, desse modo, o fundamento em que se apóia a decisão objeto do presente agravo de instrumento, revelando-se correta, por isso mesmo, a formulação, na espécie, do juízo negativo de admissibilidade do recurso extraordinário em questão (fls. 45).

Cabe observar, de outro lado, presente o contexto probatório soberanamente estabelecido pelo acórdão objeto do recurso extraordinário em questão, que a decisão emanada do E.TRF/2ª Região ajusta-se à orientação jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou na análise do art. 37, § 6º da Constituição da República.

Como se sabe, a teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros, desde a Carta Política de 1946, revela-se fundamento de ordem doutrinária subjacente à norma de direito positivo que instituiu, em nosso sistema jurídico, a responsabilidade civil objetiva do Poder Público, pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros (CF, art. 37, § 6º).

Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelos danos sofridos, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais, consoante enfatiza o magistério da doutrina (HELY LOPES MEIRELLES, "Direito Administrativo Brasileiro", p. 561, 21ª ed., 1996, Malheiros; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, "Direito Administrativo", p. 412/413, 5ª ed., 1995, Atlas; DIÓGENES GASPARINI, "Direito Administrativo", p. 410/411, 1989, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS, "Comentários à Constituição do Brasil", vol. 3, tomo III/172, 1992, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Curso de Direito Constitucional Positivo", p. 620/621, 12ª ed., 1996, Malheiros, v.g.).

É certo, no entanto, que o princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias - como o caso fortuito e a força maior - ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima (RDA 137/233 - RTJ 55/50 - RTJ 163/1107-1109, v.g.).

Impõe-se destacar, neste ponto, na linha da jurisprudência prevalecente no Supremo Tribunal Federal (RTJ 163/1107-1109, Rel. Min. CELSO DE MELLO), que os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o "eventus damni" e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público, que, nessa condição funcional, tenha incidido, como na espécie, em conduta comissiva, independentemente da licitude, ou não, do seu comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 - RTJ 71/99 - RTJ 91/377 - RTJ 99/1155 - RTJ 131/417).

É por isso que a ausência de qualquer dos pressupostos legitimadores da incidência da regra inscrita no art. 37, § 6º, da Carta Política basta para descaracterizar a responsabilidade civil objetiva do Estado, especialmente quando ocorre circunstância que rompe o nexo de causalidade material entre o comportamento do agente público e a consumação do dano pessoal ou patrimonial infligido ao ofendido.

Esclareça-se, por oportuno, que todas as considerações já feitas aplicam-se, sem qualquer disceptação, em tema de responsabilidade civil objetiva do Poder Público, a situações - como a destes autos - em que o "eventus damni" ocorreu em hospitais públicos (ou mantidos pelo Poder Público) ou derivou de tratamento médico inadequado ministrado por funcionário público (RT 304/876, Rel. Min. Vilas Boas) ou, então, resultou de conduta imputável a servidor público com atuação na área médica (RT 659/139 - RJTJSP 67/106-107, v.g.):

"O Estado responde pela cegueira conseqüente a infecção adquirida por pessoa internada em hospital por ele mantido."
(RF 89/178, Rel. Des. MÁRIO GUIMARÃES - grifei)

"PROCESSUAL CIVIL - RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
I - 'Se o erro ou falha médica ocorrer em hospital ou outro estabelecimento público, a responsabilidade será do Estado (Administração Pública), com base no art. 37, § 6º, da Constituição Federal (...).'"
(AC 278427, Rel. Juiz CASTRO AGUIAR - TRF/2ª Região, DJU de 22/08/2003, p. 255 - grifei)

"CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E DANOS MORAIS. INVALIDEZ RESULTANTE DE ATO CIRÚRGICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INDENIZAÇÃO DEVIDA.
1. A Fundação Universidade Federal de Mato Grosso, na qualidade de mantenedora do Hospital Universitário Júlio Müller, responde objetivamente pelos danos resultantes de ato cirúrgico a que foi submetido o autor naquele nosocômio (CF, art. 37, § 6º)."
(AC 01000520560, Rel. Juiz DANIEL PAES RIBEIRO - TRF/1ª Região, DJU de 03/04/2003, p. 142 - grifei)

"(...) 2. Sendo objetiva a responsabilidade do Hospital conveniado e do INAMPS, estes respondem pelos danos causados ou produzidos diretamente por agentes que estavam a seu serviço, independentemente da apuração de culpa ou dolo. O constituinte estabeleceu para todos os entes do Estado e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiro por seus servidores, independentemente de prova de culpa no cometimento da lesão. Adotou a Constituição a regra do princípio objetivo de responsabilidade sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos e seus delegados."
(AC 01000054165, Rel. Juiz MÁRIO CESAR RIBEIRO - TRF/1ª Região, DJU de 18/06/1999, p. 298 - grifei)

Impende assinalar, de outro lado, que a fixação do quantum pertinente à condenação civil imposta ao Poder Público - presentes os pressupostos de fato soberanamente reconhecidos pelo Tribunal a quo - observou, no caso ora em análise, a orientação que a jurisprudência dos Tribunais tem consagrado no exame do tema, notadamente no ponto em que o magistério jurisprudencial, pondo em destaque a dupla função inerente à indenização civil por danos morais, enfatiza, quanto a tal aspecto, a necessária correlação entre o caráter punitivo da obrigação de indenizar ("punitive damages"), de um lado, e a natureza compensatória referente ao dever de proceder à reparação patrimonial, de outro.

Definitiva, sob tal aspecto, a lição - sempre autorizada - de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA ("Responsabilidade Civil", p. 55 e 60, itens ns. 45 e 49, 8ª ed., 1996, Forense), cujo magistério, a propósito da questão ora em análise, assim discorre sobre o tema:

"Quando se cuida do dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de duas forças: 'caráter punitivo' para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o 'caráter compensatório' para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido.
.......................................................
O problema de sua reparação deve ser posto em termos de que a reparação do dano moral, a par do caráter punitivo imposto ao agente, tem de assumir sentido compensatório. (...). Somente assumindo uma concepção desta ordem é que se compreenderá que o direito positivo estabelece o princípio da reparação do dano moral. A isso é de se acrescer que na reparação do dano moral insere-se uma atitude de solidariedade à vítima (Aguiar Dias).
A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva. Mas é certo que a situação econômica do ofensor é um dos elementos da quantificação, não pode ser levada ela ao extremo de se defender que as suas más condições o eximam do dever ressarcitório." (grifei)

Essa orientação - também acompanhada pelo magistério doutrinário, que exige, no que se refere à função de desestímulo ou de sanção representada pela indenização civil por dano moral, que os magistrados e Tribunais observem, no arbitramento de seu valor, critérios de razoabilidade e de proporcionalidade (CARLOS ALBERTO BITTAR, "Reparação Civil por Danos Morais", p. 115 e 239, itens ns. 20 e 40, 2ª ed., 1994, RT; PABLO STOLZE GAGLIANO/RODOLFO PAMPLONA FILHO, "Novo Curso de Direito Civil", vol. II/319, item n. 2, 2ª ed., 2003, Saraiva; CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO/SÉRGIO CAVALIERI FILHO, "Comentários ao Novo Código Civil", vol. XIII/348-351, item n. 4.5, 2004, Forense; YUSSEF SAID CAHALI, "Dano Moral", p. 175-179, item n. 4.10-D, 2ª ed., 1998, RT; SÍLVIO DE SALVO VENOSA, "Direito Civil: Responsabilidade Civil", vol. 4/189-190, item n. 10.2, 2ª ed., 2002, Atlas; MARIA HELENA DINIZ, "Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil", vol. 7/105-106, 18ª ed., 2004, Saraiva, v.g.) - é igualmente perfilhada pelos Tribunais, especialmente pelo E. Superior Tribunal de Justiça, cuja jurisprudência, na matéria em questão, firmou essa mesma diretriz (REsp 295.175/RJ, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA - Resp 318.379/MG, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI - REsp 355.392/RJ, Rel. p/ o acórdão Min. CASTRO FILHO, v.g.):

"I - A indenização por dano moral objetiva compensar a dor moral sofrida pela vítima, punir o ofensor e desestimular este e outros membros da sociedade a cometerem atos dessa natureza."
(RSTJ 151/269-270, Rel. Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO - grifei)
"I - A indenização por dano moral objetiva compensar a dor moral sofrida pela vítima, punir o ofensor e desestimular este e a sociedade a cometerem atos dessa natureza. A fixação do seu valor envolve o exame da matéria fática, que não pode ser reapreciada por esta Corte (Súmula nº 7)(...)."
(REsp 337.739/SP, Rel. Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO - grifei)

Sendo assim, e pelas razões expostas, nego provimento ao presente agravo de instrumento, eis que se revela inviável o recurso extraordinário a que ele se refere.

Publique-se.

Brasília, 11 de outubro de 2004.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão pendente de publicação


Assessora responsável pelo Informativo
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