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terça-feira, 4 de novembro de 2008

Informativo STF 362 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 20 a 24 de setembro de 2004 - Nº 362.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO


Plenário
Improbidade Administrativa e Prerrogativa de Foro
CPI Estadual e Quebra de Sigilo Bancário
ADI e Lei do Petróleo - 2
Extradição. Promessa de Reciprocidade. Caráter Político. Dupla Tipicidade
ICMS. Crédito. Aproveitamento Fracionado
1ª Turma
Defeito de Procuração e Supressão de Instância
Crime Hediondo, Indulto e Retroatividade - 2
Responsabilidade Civil do Estado e Ato Ilícito Praticado fora das Funções Públicas
Desnecessidade de Cargo e Devido Processo Legal
2ª Turma
Juizado Especial e Intimação
Transcrições
CPI Estadual e Quebra de Sigilo Bancário (ACO 730/RJ)

PLENÁRIO


Improbidade Administrativa e Prerrogativa de Foro

O Tribunal iniciou julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - CONAMP e pela Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB contra os §§ 1º e 2º do art. 84 do Código de Processo Penal, inseridos pelo art. 1º da Lei 10.628/2002. Alega-se ofensa aos artigos 2º; 102, I; 105, I; 108, I e 125, §1º, da CF. Inicialmente, afastou-se, por unanimidade, a preliminar de ilegitimidade da CONAMP e a de ausência de pertinência temática das requerentes. Quanto àquela, tendo em conta recente precedente do Pleno no qual se decidira pela legitimação para ação direta de inconstitucionalidade das chamadas "associações de associações" (ADI 3153 AgR/DF - v. Informativo 356) e, ainda, em virtude de o novo estatuto da CONAMP restringir a qualidade de associados efetivos às pessoas físicas integrantes da categoria. Quanto a esta, por se entender que as normas impugnadas se refletem na distribuição vertical de competência funcional entre os órgãos do Poder Judiciário e, por conseguinte, entre os do Ministério Público, o que configuraria a necessária relação de pertinência entre aquelas e as finalidades institucionais das respectivas entidades nacionais de classe. Em relação ao mérito, o Min. Sepúlveda Pertence, relator, julgou procedente o pedido de ambas as ações. Salientou que o §1º do art. 84 do CPP constitui reação legislativa ao cancelamento da Súmula 394, ocorrido no julgamento do Inq 687 QO/SP (DJU de 9.11.2001), cujos fundamentos a lei nova estaria a contrariar, e no qual se entendera que a tese sumulada não se refletira na CF/88 (Enunciado 394 da Súmula: "Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício"). Asseverou ser improcedente a alegação de que o cancelamento da Súmula 394 se dera por inexistir, à época, previsão legal que a consagrasse, já que tanto a súmula quanto a decisão no Inq 687 QO/SP teriam derivado de interpretação direta e exclusiva da Constituição Federal. Declarou a inconstitucionalidade do §1º do art. 84 do CPP por considerar que o mesmo, além de ter feito interpretação autêntica da Carta Magna, o que seria reservado à norma de hierarquia constitucional, teria usurpado a competência do STF como guardião da Constituição Federal ao inverter a leitura por ele já feita de norma constitucional, o que, se admitido, implicaria sujeitar a interpretação constitucional do STF ao referendo do legislador ordinário. Declarou, também, a inconstitucionalidade do §2º do art. 84 do CPP. Disse que esse parágrafo veiculou duas regras: a que estende a competência especial por prerrogativa de função para inquérito e ação penais à ação de improbidade administrativa e a que manda aplicar, em relação à mesma ação de improbidade, a previsão do §1º do citado artigo. Esta última regra, segundo o relator, estaria atingida por arrastamento pela declaração de inconstitucionalidade já proferida. E a primeira implicaria declaração de competência originária não prevista no rol taxativo da Constituição Federal. Ressaltou que a ação de improbidade administrativa é de natureza civil, conforme se depreende do §4º do art. 37 da CF ("Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.") e que o STF jamais entendeu ser competente para o conhecimento de ações civis, por ato de ofício, ajuizadas contra as autoridades para cujo processo penal o seria. Salientou, ainda, que a Constituição Federal reservou às constituições estaduais, com exceção do disposto nos artigos 29, X e 96, III, a definição da competência dos seus tribunais (CF, art. 125, §1º), o que afastaria, por si só, a possibilidade da alteração dessa previsão por lei federal ordinária. Concluiu que o eventual acolhimento, no julgamento da Rcl 2138/DF, da tese de que a competência constitucional para julgar crimes de responsabilidade se estenderia às ações de improbidade, não prejudicaria nem seria prejudicado pela declaração de inconstitucionalidade do §2º do art. 84, já que a competência dos tribunais para julgar crimes de responsabilidade é bem mais restrita que aquela para julgar os crimes comuns. Após, o Min. Eros Grau pediu vista dos autos. (CPP: "Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade. § 1o A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública. § 2o A ação de improbidade, de que trata a Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1o.").
ADI 2797/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 22.9.2004. (ADI-2797)
ADI 2860/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 22.9.2004. (ADI-2860)

CPI Estadual e Quebra de Sigilo Bancário

O Tribunal concluiu julgamento de ação cível originária em que se discutia sobre a existência ou não de poder das Comissões Parlamentares de Inquérito estaduais para determinar quebra de sigilo bancário. Tratava-se de mandado de segurança impetrado pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro contra ato do Banco Central do Brasil, consistente na negativa de quebra de sigilo bancário requerida pela Comissão Parlamentar de Inquérito daquele Estado, que investiga denúncias de irregularidades e de corrupção na LOTERJ e no RIOPREVIDÊNCIA - v. Informativo 358. O Banco Central justificava o ato impugnado com base no art. 4º da LC 105/2001 (que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências), sustentando que o mesmo não autoriza o Poder Legislativo estadual a ter acesso a dados relativos a serviços prestados por instituições financeiras. O Pleno concedeu, por maioria, e, em parte, a ordem, para determinar que o Banco Central forneça as informações requeridas pela CPI. Inicialmente, asseverou-se que a referida autarquia fizera mera leitura formalista da questão e que a interpretação somente seria válida se a proteção constitucional conferida ao sigilo de dados bancários fosse de natureza absoluta, o que, conforme jurisprudência do STF, já teria sido afastado. Entendeu-se que a regra do §3º do art. 58 da CF, à luz do princípio federativo, é extensível às CPI estaduais (CF, art. 58: "§3º- As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores."). Ressaltou-se que a possibilidade de criação de CPI decorre de norma constitucional central de absorção compulsória nos estados-membros, a qual se destina a garantir o potencial do Poder Legislativo em sua função de fiscalizar a administração, um dos traços fundamentais da separação de poderes no sistema federativo. Acrescentou-se que a quebra do sigilo bancário seria instrumento inerente e fundamental ao exercício dessa atividade parlamentar e que, tendo em conta a semelhança entre as CPI federais e as estaduais, impedir que esse instrumento fosse utilizado pelos legislativos estaduais implicaria a criação de "elemento adicional de apoucamento das já institucionalmente fragilizadas unidades integrantes da Federação.". Vencidos os Ministros Eros Grau, Cezar Peluso, Ellen Gracie, Carlos Velloso e Nelson Jobim que entendiam que, em face de estar em jogo garantia individual fundamental, o §3º do art. 58 da CF, por ser expressamente voltado às CPI de cunho federal, não poderia comunicar às CPI estaduais atribuições de poderes judiciais, sendo necessária para a quebra de sigilo a prévia autorização judicial. Leia o inteiro teor do acórdão do relator na seção de Transcrições deste Informativo.
ACO 730/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 22.9.2004. (ACO-730)

ADI e Lei do Petróleo - 2

O Tribunal retomou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Estado do Paraná contra diversos dispositivos da Lei federal 9.478/97, que dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências. O requerente alega ofensa aos artigos 1º, 2º, 4º, 20, V a IX, 23, I a X, 170 e 177, caput, I a IV e §§1º e 2º, todos da CF - v. Informativo 361. O Min. Carlos Britto, relator, em relação ao mérito, confirmou os fundamentos do voto proferido na sessão de 16.9.2004, ressaltando o entendimento de que todos os bens relativos a recursos minerais pertencem à União, e julgou procedente, em parte, o pedido para declarar a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos da lei impugnada: a) a expressão "conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos", do caput do art. 26, dando a esse artigo interpretação conforme a CF no sentido de que o concessionário só pode ser brasileiro ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sede e administração no País; b) o §3º do referido artigo; c) os incisos I e III do art. 28; d) o parágrafo único do art. 37; e) o art. 43 e f) o parágrafo único do art. 51 e o caput do art. 60. Após, o Min. Marco Aurélio pediu vista dos autos.
ADI 3273/DF, rel. Min. Carlos Britto, 16.9.2004. (ADI-3273)

Extradição. Promessa de Reciprocidade. Caráter Político. Dupla Tipicidade

O Tribunal deferiu pedido de extradição formulado pela República Tcheca para entregar nacional tcheco condenado, naquele País, à pena de oito anos de prisão, pela prática do crime de estelionato qualificado. O extraditando impugnava o pedido por estas razões: a) caráter político do julgamento penal em questão, em razão de ter sido realizado sob a égide de um Estado totalitário (República Popular da Tchecoslováquia), no qual não teria sido observado o direito à ampla defesa; b) inocorrência da dupla tipicidade, por não haver no sistema normativo brasileiro "a figura do estelionato de prejuízo considerável"; c) impossibilidade da extradição, em face do cabimento, na espécie, do art. 77, IV, da Lei 6.815/80, tendo em conta o fato de a lei brasileira impor, ao crime subjacente ao pedido extradicional, pena igual ou inferior a um ano. Ressaltou-se, inicialmente, com base na jurisprudência do STF e no art. 76 do Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80), que a inexistência de tratado de extradição entre o Brasil e o Estado requerente não era óbice à formulação e ao atendimento do pleito, já que este formulara promessa de reciprocidade de tratamento ao Brasil por meio de Nota Verbal. Salientou-se que, não obstante a essencialidade da cooperação internacional na repressão penal aos delitos comuns, o Estado brasileiro, e, particularmente, o STF, deveriam zelar pela observância dos direitos fundamentais do estrangeiro contra o qual se postulasse pedido extradicional, e que a possibilidade de haver privação, em juízo penal, do devido processo legal, seria causa impeditiva do deferimento desse pedido. Entendeu-se, no entanto, inocorrente, no caso, a hipótese de violação aos direitos básicos da pessoa humana, tendo em vista que a condenação penal imposta ao extraditando se dera em julgamento realizado em 1995, momento posterior à divisão da antiga República da Tchecoslováquia em dois novos Estados soberanos: a República Tcheca, ora requerente, e a República Eslovaca, constituindo aquela um Estado Democrático. No que se refere à alegada inexistência da dupla incriminação, considerou-se que a eventual discrepância terminológica constante das leis penais vigentes no Brasil e no Estado requerente não obstava a efetivação da medida requerida, já que, tanto neste quanto naquele país, o fato imputado ao extraditando é juridicamente qualificado como crime, o qual se ajusta ao modelo normativo consubstanciado no tipo penal descrito no art. 171 do CP. Afastou-se, também, a apontada ocorrência da vedação inscrita no inciso IV do art. 77 do Estatuto do Estrangeiro, haja vista que, no Brasil, o crime de estelionato, mesmo na sua forma simples (CP, art. 171, caput), seria punível com pena de prisão variável entre um a cinco anos. Asseverou-se, ainda, ser improcedente a afirmação do extraditando, quando de seu interrogatório judicial, acerca da falsidade das imputações penais a ele atribuídas, as quais estariam fundadas em "provas plantadas", o que tornaria precária a condenação pronunciada. Acentuou-se que o modelo extradicional vigente no Brasil, que adota o sistema de contenciosidade limitada (Lei 6.815/80, art. 85, §1º), não permite, em sede extradicional promovida perante o STF, que se renove o litígio penal que lhe deu origem nem que se efetive o reexame do conjunto probatório ou a discussão sobre o mérito da acusação ou da condenação proferidas por órgão competente do Estado estrangeiro. Concluiu-se que essa limitação não seria incompatível com a cláusula constitucional de garantia da ampla defesa, conforme entendimento fixado pelo Pleno do STF em diversos julgamentos. (Lei 6.815/80: "Art. 76. A extradição poderá ser concedida quando o governo requerente se fundamentar em tratado, ou quando prometer ao Brasil a reciprocidade. Art. 77. Não se concederá a extradição quando:... IV - a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano;... Art. 85. Ao receber o pedido, o Relator designará dia e hora para o interrogatório do extraditando e, conforme o caso, dar-lhe-á curador ou advogado, se não o tiver, correndo do interrogatório o prazo de dez dias para a defesa. § 1º A defesa versará sobre a identidade da pessoa reclamada, defeito de forma dos documentos apresentados ou ilegalidade da extradição.").
Ext 897/República Tcheca, rel. Min. Celso de Mello, 23.9.2004. (Ext-897)

ICMS. Crédito. Aproveitamento Fracionado

O Tribunal concluiu julgamento de medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria - CNI contra dispositivos da LC 102, de 11.7.2000, que, alterando a LC 87/96, modificam o critério de apropriação dos créditos do ICMS decorrentes de aquisições de mercadorias para o ativo permanente, de energia elétrica e de serviços de telecomunicação (inserção do § 5º ao art. 20, alteração do inciso II do art. 33 e acréscimo do inciso IV) - v. Informativos 212 e 245. Na sessão de 29.11.2000, o Pleno, apreciando a questão do princípio da anterioridade (CF, art. 150, III, b), deferiu, em parte, a liminar para emprestar interpretação conforme a Constituição e sem redução de texto, no sentido de afastar a eficácia do art. 7º da norma impugnada ("Esta Lei Complementar entra em vigor no primeiro dia do mês subseqüente ao da sua publicação"), no tocante à inserção do § 5º do art. 20 da LC 87/96, e às inovações introduzidas no art. 33, II, da referida Lei, bem como à inserção do inciso IV, protraindo o início da eficácia desses dispositivos para 1º.1.2001. Entendeu-se que a modificação do sistema de creditamento pela norma em questão, quer consubstancie a redução de um benefício de natureza fiscal, quer configure a majoração de tributo, cria uma carga para o contribuinte e, portanto, sujeita-se ao princípio da anterioridade. Prosseguindo o julgamento, em relação à análise da ofensa ao princípio da não-cumulatividade, o Tribunal, por maioria, indeferiu o pedido, por não vislumbrar a alegada violação, uma vez que, não tendo a Constituição Federal fixado de maneira inequívoca, no inciso I do §2º do art. 155, o regime de compensação de tributos, cuja regulamentação há de ser feita por lei complementar (CF, art. 155, §2º, XII, c), nada impede que lei complementar fixe um novo critério, ressalvado o direito adquirido à apropriação dos créditos, na conformidade do disposto na legislação anterior. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, relator, que deferia a liminar por considerar que o aproveitamento fracionado de créditos, sem se permitir a atualização da moeda, implicaria verdadeiro empréstimo compulsório, fora das hipóteses do art. 148 da CF.
ADI 2325 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 23.9.2004. (ADI-2325)

PRIMEIRA TURMA

Defeito de Procuração e Supressão de Instância

A Turma, por maioria, deferiu, em parte, habeas corpus impetrado contra acórdão de Turma Recursal que dera provimento a apelação para cassar sentença que, acolhendo preliminar de nulidade de procuração, rejeitara queixa-crime promovida contra o paciente pela suposta prática do delito de exercício arbitrário das próprias razões (CP, art. 345). No caso concreto, o acórdão impugnado entendera que a referida procuração teria preenchido os requisitos constantes do art. 44 do CPP e que a nulidade apontada na mesma, consistente na ausência da menção do fato criminoso imputado ao paciente, teria sido sanada em face da indicação do nomen juris, por ato de ratificação antes do vencimento do prazo decadencial, e pela presença das querelantes em audiências realizadas, considerada a informalidade nos procedimentos dos Juizados Especiais. Insistiam os impetrantes na nulidade do instrumento procuratório, bem como sustentavam a ocorrência de supressão de instância, em razão de não terem sido apreciadas, nem pelo juízo de primeiro grau nem pela Turma Recursal, as demais preliminares suscitadas. Entendeu-se, com base em precedente do Pleno do STF, que a exigência da menção do fato criminoso prevista no art. 44 do CPP não tem por objetivo a descrição abstrata contida no tipo, para o que bastaria, se o caso, a indicação do artigo ou do nome atribuído ao crime, mas a fixação de eventual responsabilidade por denunciação caluniosa no exercício do direito de queixa, sendo imprescindível a descrição do fato concreto. Salientou-se que, apesar da indicação do nomen juris na procuração ser insuficiente, o defeito poderia ser sanado a qualquer tempo por meio de ratificação dos atos processuais, mesmo que escoado o prazo decadencial, o que teria ocorrido na espécie. No que se refere à alegada supressão de instância, considerou-se que, na linha da jurisprudência da Corte, rejeitada a queixa pelos fundamentos do art. 43 e 44 do CPP, o recurso da acusação devolveria à Turma Recursal todas as questões levantadas, razão por que a apreciação de uma delas não afastaria a análise das demais. HC deferido, em parte, para reformar o acórdão impugnado e determinar que a Turma Recursal prossiga no julgamento e aprecie, como entender de direito, as teses suscitadas em audiência. Vencido, em parte, o Min. Marco Aurélio, que deferia o writ integralmente por considerar que a ação penal privada há de estar aperfeiçoada no prazo assinado em lei e se, o instrumento de mandato discrepa do disposto no art. 44 do CPP, não há uma segunda oportunidade para se chegar ao atendimento do requisito legal, incidindo, na espécie, a decadência. (CPP, art. 44: "A queixa poderá ser dada por procurador com poderes especiais, devendo constar do instrumento do mandato o nome do querelante e a menção do fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no juízo criminal.").
HC 84397/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 21.9.2004. (HC-84397)

Crime Hediondo, Indulto e Retroatividade - 2

A Turma, por maioria, negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus e manteve acórdão do STJ que denegara pedido de comutação da pena requerido por condenado pela prática de crime hediondo, ao fundamento de que os decretos de concessão de indulto, por traduzirem juízo de conveniência do Presidente da República, poderiam excluir os condenados por crimes hediondos, não importando se os delitos consumaram-se antes ou depois da edição da lei que assim os qualificou - v. Informativo 359. Sustentava-se, na espécie, que o recorrente, por ser primário e já haver cumprido um quarto da condenação, teria direito ao citado benefício, concedido pelo Decreto 3.226/99, uma vez que a Lei 8.072/90 não poderia retroagir para alcançá-lo, haja vista que os crimes por ele praticados teriam sido anteriores à vigência dessa lei. Ressaltou-se não ser relevante o fato de inexistir, no decreto de indulto invocado, a exclusão do seu alcance dos condenados por crimes hediondos cometidos antes da lei que assim os define e que, no caso, a exclusão do recorrente do indulto não constitui aplicação retroativa da lei penal, mas mero exercício do poder presidencial de graça que implica o de excluir dos benefícios os condenados de quaisquer tipos penais, seja qual for a lei vigente ao tempo de sua produção. Vencido o Min. Marco Aurélio, relator, que dava provimento ao recurso para afastar o óbice e determinar fosse apreciado o direito do recorrente sem a retroação proclamada, tendo em conta que o Decreto 3.226/99, causa de pedir do habeas corpus, não permitira a retroação. Acompanhou a divergência o Min. Carlos Britto.
RHC 84572/RJ, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ acórdão Min. Sepúlveda Pertence, 21.9.2004. (RHC-84572)

Responsabilidade Civil do Estado e Ato Ilícito Praticado fora das Funções Públicas

A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto pelo Estado de São Paulo contra acórdão do tribunal de justiça daquele Estado que, reconhecendo a existência de responsabilidade objetiva, condenara o ente federativo a indenizar vítima de disparo de arma fogo, pertencente à corporação, utilizada por policial durante período de folga. Alega-se, na espécie, ofensa ao art. 37, §6º, da CF, uma vez que o dano fora praticado por policial que se encontrava fora de suas funções públicas. O Min. Carlos Britto, relator, negou provimento ao recurso por entender que a culpa do Estado residiria no fato de ter fornecido arma a um servidor sem condições de usá-la, assumindo um risco, pelo qual responderia civilmente na eventual ocorrência de dano. Asseverou que não há diferença, para fins de apuração da responsabilidade civil do recorrente, se o dano causado por arma de fogo, pertencente ao Estado e sob a guarda de policial militar, ocorreu quando este estava ou não em serviço. Ressaltou, ainda, jurisprudência do STF no sentido de que, mesmo não estando o agente público em exercício efetivo de sua função, há a responsabilidade civil do Estado pela conduta do mesmo. Após, pediu vista dos autos o Min. Eros Grau. Precedentes citados: RE 160401/SP (DJU de 4.6.99) e RE 213525/SP (DJU de 14.5.2002).
RE 363423/SP, rel. Min. Carlos Britto, 21.9.2004. (RE-363423)

Desnecessidade de Cargo e Devido Processo Legal

A Turma deu provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que entendera legal e constitucional a exoneração de servidores públicos do Município de Bicas/MG, que se encontravam em estágio probatório, tendo em conta o excessivo número de cargos existentes no referido Município, conforme declarado em decreto municipal, bem como a limitação dos gastos com a folha de pagamento imposta pela LC 82/95 (Lei Camata). No caso concreto, o prefeito que determinara a exoneração, teria empossado, em seguida, novos servidores para assumir os mesmos cargos declarados desnecessários. Entendeu-se que o acórdão recorrido teria violado, a pretexto de dar comprimento à LC 82/95, os incisos LIV e LV do art. 5º da CF, uma vez que o Município não poderia ter exonerado servidores ocupantes de cargo efetivo sem o devido processo legal, garantindo-lhes o direito ao contraditório e à ampla defesa, bem como estaria em confronto com o Enunciado 21 da Súmula do STF ("funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade."). Asseverou-se que a declaração de desnecessidade costuma atingir cargos providos há um tempo considerável, tanto que a Constituição a prevê apenas quando trata de servidores estáveis e, para esses casos, prescreve a disponibilidade remunerada e o aproveitamento em outro cargo, mas não a exoneração. Afastou-se, por fim, a incidência do Enunciado 22 da Súmula do STF ("o estágio probatório não protege o funcionário contra a extinção do cargo.") porque a hipótese não envolvia a extinção de cargo, mas a declaração de desnecessidade, e, ainda, em razão de o referido enunciado não tratar da ausência de processo administrativo anteriormente ao ato de exoneração, tema central do recurso. RE provido para reformar o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e restabelecer os termos da sentença de primeiro grau. Precedentes citados: RE 222532/MG (DJU de 1º.9.2000); RE 230540/SP (DJU de 13.8.99).
RE 378041/MG, rel. Min. Carlos Britto, 21.9.2004.(RE-378041)

SEGUNDA TURMA

Juizado Especial e Intimação

É dispensável, no âmbito dos juizados especiais, a intimação pessoal das partes, inclusive do representante do Ministério Público e defensores nomeados, bastando que a mesma se faça pela imprensa oficial. Afasta-se, dessa forma, o §4º do art. 370 do CPP, para a aplicação, com base no princípio da especialidade, do § 4º do art. 82 da Lei 9.099/95 ("As partes serão intimadas da data da sessão de julgamento pela imprensa."). Com esse entendimento, fixado pelo Pleno do STF no julgamento do HC 76915/RS (DJU de 27.4.2001), a Turma indeferiu habeas corpus em que se alegava nulidade de acórdão proferido por Turma Recursal, em face da ausência de intimação pessoal de defensor público da data da sessão de julgamento de recurso de apelação. Salientou-se, ainda, que não sendo a sustentação oral ato essencial à defesa, mas uma faculdade concedida às partes, e tendo sido a Defensoria Pública devidamente intimada, nos termos da Lei 9.099/95, não haveria que se falar em nulidade do julgamento. Precedentes citados: HC 71642/AP (DJU de 21.10.94); HC 81281/MS (DJU de 22.3.2002); HC 81446/RJ (DJU de 10.5.2002).
HC 84277/MS, rel. Min. Carlos Velloso, 21.9.2004. (HC-84277)

Sessões

Ordinárias

Extraordinárias

Julgamentos

Pleno

22.9.2004

23.9.2004

26

1a. Turma

21.9.2004

----

298
2a. Turma

21.9.2004

----119

T R A N S C R I Ç Õ E S

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
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CPI Estadual e Quebra de Sigilo Bancário

(v. Informativo 358)

ACO 730/RJ*

RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA

RELATÓRIO: Trata-se de mandado de segurança, distribuído em 23.06.2004, impetrado pela ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO contra ato do BANCO CENTRAL DO BRASIL consubstanciado na negativa de quebra de sigilo bancário requerida pela Comissão Parlamentar de Inquérito estadual destinada a investigar denúncias de irregularidades e de corrupção na LOTERJ e no RIOPREVIDÊNCIA. Sustenta a impetrante ameaça ao pacto federativo, para invocar a competência desta Corte nos termos do art. 102, I, f, da Constituição Federal.
Em síntese (inicial, fls. 4), alega a impetrante:
"No caso ora submetido à suprema apreciação dessa Egrégia Corte, um órgão da União Federal - BANCO CENTRAL DO BRASIL - afirma não poder fornecer dados protegidos por sigilo bancário a um órgão do Estado do Rio de Janeiro - Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa Fluminense - simplesmente por ser tal órgão estadual."

Antes de apreciar o pedido de liminar, solicitei informações, em despacho de 24.06.2004, as quais foram devidamente prestadas (fls. 30-36), tendo retornado os autos a meu gabinete em 08.07.2004. O BANCO CENTRAL DO BRASIL sustenta a incompetência desta Corte para julgar a impetração. Justifica o ato pela literalidade da redação do art. 4º da Lei Complementar 105/2001, para não atender ao requerimento da CPI estadual de quebra do sigilo bancário do senhor Waldomiro Diniz. Transcrevo o dispositivo legal invocado:
"Art. 4o O Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários, nas áreas de suas atribuições, e as instituições financeiras fornecerão ao Poder Legislativo Federal as informações e os documentos sigilosos que, fundamentadamente, se fizerem necessários ao exercício de suas respectivas competências constitucionais e legais.
§ 1o As comissões parlamentares de inquérito, no exercício de sua competência constitucional e legal de ampla investigação, obterão as informações e documentos sigilosos de que necessitarem, diretamente das instituições financeiras, ou por intermédio do Banco Central do Brasil ou da Comissão de Valores Mobiliários.
§ 2o As solicitações de que trata este artigo deverão ser previamente aprovadas pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, ou do plenário de suas respectivas comissões parlamentares de inquérito." (Grifos nossos)

Indeferi o pedido de liminar e abri vista à Procuradoria-Geral da República, indicando a urgência da questão.
Em seu parecer, o ilustre procurador-geral opina pelo conhecimento da presente impetração, pela alínea f do inciso I do art. 102 da Constituição Federal. E destaca (fls. 43, in verbis):
"Assim, então, vista a questão, ou seja que as comissões parlamentares são instrumentos vitais à atuação do Poder Legislativo por certo os textos das Constituições estaduais, que as reproduzem, sob este aspecto, o modelo federal, tais textos sintonizam-se perfeitamente não permitindo a ruptura interpretava, redutora, que o réu está a fazer."

Manifesta-se ainda pela procedência da ação, para que se determine ao Banco Central do Brasil que forneça a documentação requerida pela CPI estadual.
Na sessão de 26.08.2004, o Pleno da Corte decidiu, em questão de ordem, afirmar a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar a presente impetração.
É o relatório.

VOTO: Sr. Presidente, em despacho de 09 de agosto último, indeferi a liminar, atento, de um lado, à ponderável argumentação do BANCO CENTRAL DO BRASIL no sentido de que o princípio da presunção de constitucionalidade estaria a militar em favor do art. 4º da LC 105/2001, o que ipso facto subtrairia à impetração um dos requisitos da concessão da liminar, ou seja, o fumus boni iuris. Por outro lado, deixei de conceder a liminar tendo em vista o imperativo de prudência que me parece incontornável em matéria de concessão de cautelares, que, em certos casos, como na hipótese dos autos, podem assumir eficácia satisfativa, esgotando por completo o objeto da ação mandamental postulada perante a composição plenária da Corte.
Noto ainda que as ações diretas de inconstitucionalidade que atacam a Lei Complementar 105 (ADI 2.386, 2.390 e 2.397) não tratam do art. 4º em questão, e o assunto, ao que parece, é novidade que se apresenta à Corte.
Adianto, melhor refletindo sobre o problema, que revi minha primeira leitura do pedido, e votarei pela concessão parcial da segurança, com as seguintes considerações.
Vejamos, inicialmente, o conteúdo do ato atacado neste mandado de segurança. O Banco Central do Brasil recusou-se a proceder à quebra de sigilo bancário solicitada pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, alegando o seguinte:
"... Reportamo-nos ao Oficio 59, de 24.3.04, recebido neste Banco Central em 2.4.04, em que V.Exa., como Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, criada pela Resolução ALERJ n° 425/2004 para investigar as denúncias de irregularidades e corrupção na Loterj e no Rioprevidência, solicita "informações de movimentação bancária, financeira e de crédito envolvendo o Sr. WALDOMIRO DINIZ - CPF: 023.511.558-40, ora investigado", no período que assinala.
2. De ordem do Sr. Presidente deste Banco Central e consoante esclarecimentos prestados pelo setor jurídico, consignamos a V.Exa. que esta Autarquia está impossibilitada de atender à solicitação de V.Exa., em razão das disposições contidas na Lei Complementar 105, de 10.1.01, referentes ao sigilo bancário, que não autorizam o Poder Legislativo Estadual a ter acesso às operações ativas e passivas e aos serviços prestados pelas instituições financeiras.
3. Assim sendo, na hipótese em tela, a não ser que haja expressa autorização do investigado, ou específica determinação judicial, a solicitação de V.Exa. não poderá ser atendida por este Banco Central."

O Banco Central fez no caso uma leitura meramente textual, formalista, da questão e concluiu que as Assembléias legislativas estaduais não têm o poder de determinar a quebra de sigilo bancário, porque a lei federal de regência da matéria a elas não se refere expressamente.
Começo com uma consideração prévia, que poderia ser suscitada como óbice à concessão da ordem: pretendo deixar claro que não ignoro estarmos tratando de matéria que para muitos se insere no campo dos direitos fundamentais, cuja proteção a Constituição confia a esta Corte, como uma das suas magnas atribuições.
Para aqueles que conferem ao sigilo bancário uma fundamentalidade extremada, com o que eu não concordo, qualquer restrição a esse direito haveria de superar obstáculos rigorosos, entre os quais a exigência de (reserva legal?) legalidade estrita para o estabelecimento de qualquer tipo de restrição (é a questão dos limites dos limites aos direitos fundamentais).
Mas essas são alegações ancilares, que estão prejudicadas ante a constatação de que o sigilo bancário não é protegido de forma absoluta em nosso sistema.
A meu ver, a interpretação formalista do BANCO CENTRAL DO BRASIL seria válida apenas se a proteção garantida pela ordem constitucional atual ao sigilo dos dados bancários fosse uma proteção de natureza absoluta, traduzida pela exigência de incontornável reserva legal para legitimar a determinação de quebra do sigilo.
No entanto, no julgamento do MS 21729 (pleno 05.10.1995, rel. min. Néri da Silveira), quando se discutia a possibilidade de o Ministério Público Federal requisitar informações ao Banco do Brasil, esta Corte frisou justamente a relativização dessa proteção. A despeito das peculiaridades daquele caso, permito-me destacar as considerações no voto do eminente ministro Sepúlveda Pertence naquela impetração:

"Não entendo que se cuide de garantia com status constitucional. Não se trata da "intimidade" protegida no inciso X do art. 5º da Constituição Federal. Da minha leitura, no inciso XII da Lei Fundamental, o que se protege, e de modo absoluto, até em relação ao Poder Judiciário, é da comunicação "de dados" e não os "dados", o que tornaria impossível qualquer investigação administrativa, fosse qual fosse. Reporto-me, no caso, brevitatis causae, a um primoroso estudo a respeito do Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior.
Em princípio, por isso, admitiria que a lei autorizasse autoridades administrativas, com função investigatória e sobretudo o Ministério Público, a obter dados relativos a operações bancárias.
(...) No caso, entretanto, há um dado, para mim bastante, já acentuado por vários dos Senhores Ministros: a revelação de que o mecanismo da equalização das taxas de juros importa utilização de recursos públicos, de recursos do Tesouro Nacional para viabilizar as questionadas operações de crédito privilegiado à lavoura canavieira. Há pois, como objeto das indagações do Procurador-Geral ao Banco do Brasil, não operações bancárias comuns, mas atos de gestão de dinheiros públicos. Ora, em matéria de gestão de dinheiro público, não há sigilo privado, seja ele de status constitucional ou meramente legal, a opor-se ao princípio basilar da publicidade da administração republicana." Também nesse sentido, o ministro Francisco Rezek, manifestando-se naquela oportunidade:
"Parece-me, antes de qualquer outra coisa, que a questão jurídica trazida à corte neste mandado de segurança não tem estatura constitucional. Tudo quanto se estampa na própria Carta de 1988 são normas que abrem espaço ao tratamento de determinados temas pela legislação complementar. É neste terreno, pois, e não naquele da Constituição da República, que se consagra o instituto do sigilo bancário do qual já se repetiu ad nauseam, neste país e noutros, que não tem caráter absoluto. Cuida-se de instituto que protege certo domínio de resto nada transcendental, mas bastante prosaico da vida das pessoas e das empresas, contra a curiosidade gratuita, acaso malévola, de outros particulares, e sempre até o exato ponto onde alguma forma de interesse público reclame sua justificada prevalência.
Não que ainda não se tenha tentado levar ao texto constitucional a garantia do sigilo bancário, qual sucedeu, sem êxito, em 1984, conforme lembrado nestes autos pelo Vice-Procurador-Geral Moacir Machado Silva numa das peças mais consistentes, e de maior brilho, que o Ministério Público tem produzido em feitos da competência desta casa. O empreendimento frustrou-se, e a mesma lei de 31 de dezembro de 1964, sede explícita do sigilo bancário, disciplina no seu artigo 38 exceções, no interesse não só da justiça, mas também no do parlamento e mesmo no de repartições do próprio governo mal se entendendo por quê um diploma ulterior, como a Lei Complementar 75/93, não as poderia modificar ou estender.
Tenho dificuldade extrema em construir, sobre o artigo 5º, sobre o rol constitucional de direitos, a mística do sigilo bancário somente contornável nos termos de outra regra da própria Carta. O inciso X afirma invioláveis "a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas", valores que não têm merecido, diga-se de passagem, maior respeito por parte da sociedade brasileira de nossa época e dos meios de comunicação de massa, que em última análise atendem à demanda e ao gosto, ainda no que têm de menos nobre ou construtivo, dessa mesma sociedade."

É nesses termos que esse tipo de sigilo parece não encerrar um valor próprio, mas freqüentemente vinculado a outras garantias constitucionais, especialmente à inviolabilidade da intimidade do cidadão.
Daí entender-se que a prerrogativa de que dispõem as comissões parlamentares de inquérito é lida por esta Corte a partir dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, que representam a pedra de toque do controle jurisdicional da atividade dessa importante função fiscalizadora do poder Legislativo.
A Jurisprudência do STF é rica no delineamento dos limites dos poderes investigatórios das comissões parlamentares de inquérito, notadamente quando se trata de coibir quebra de sigilo bancário em decisão sem fundamentação (MS 23452, rel. min. Celso de Mello, MS 23619 e MS 23668, rel. min. Octavio Gallotti, MS 23.843, rel. min. Moreira Alves, entre outros). Firmou-se, desse modo, o entendimento segundo o qual exige-se, das comissões de inquérito, a "demonstração da existência de causa provável" para justificar o requerimento de quebra do sigilo (cito o MS 24217, rel. min. Maurício Corrêa e o MS 24028, rel. min. Néri da Silveira).
Observo, portanto, que neste caso a alegação é de natureza diversa, tratando da própria noção de equilíbrio federativo e a garantia aos estados-membros de exercício, por um de seus poderes, de prerrogativas essenciais em nossa atual conformação das instituições públicas.
Surge das posições contrapostas na presente ação a seguinte indagação: prevalece a literalidade do §3º do art. 58 da Constituição federal, de aplicação geral temperada pela jurisprudência do STF, ou prevalece a omissão da legislação específica?
Para uma possível resposta, acredito ser necessário fixar entendimento sobre os seguintes tópicos:
(1) impõe a CF-88 a simetria entre as disciplinas aplicáveis às esferas federal e estaduais sobre a delimitação dos poderes das comissões parlamentares de inquérito?
(2) sendo a disciplina do sistema financeiro competência legislativa exclusiva da União, poderia esta, por ato legislativo, restringir os poderes de CPI estadual em casos de investigação de dados protegidos pelo sigilo bancário?
O fato, Sr. Presidente, é que eu entendo que essa matéria há de ser examinada à luz do princípio federativo.
Como eu disse, a questão deve ser vista sob uma perspectiva estrutural e sistemática, tendo como norte o princípio federativo.
Já advertiu o eminente ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento da ADI 98 (cf. igualmente a ADI 1749, pleno 18.12.1997, rel. min. Pertence), ao tratar do princípio da separação de poderes, que para este não há "fórmula universal apriorística", sendo necessário extrair da atual Constituição o traço essencial da atual ordem, para efeito de controle de constitucionalidade das normas constitucionais estaduais, sobretudo em face do que o ministro Pertence descreve como:

"... uma terceira modalidade de limitações à autonomia constitucional dos Estados: além dos grandes princípios e das vedações - esses e aqueles, implícitos ou explícitos - hão de acrescentar-se as normas constitucionais centrais que, não tendo o alcance dos princípios, nem o conteúdo negativo das vedações, são, não obstante, de absorção compulsória - com ou sem reprodução expressa - no ordenamento parcial dos Estados e Municípios"

Entendo que a possibilidade de criação de comissões parlamentares de inquérito seja uma dessas normas de absorção compulsória nos estados-membros, destinada a garantir o potencial do poder legislativo em sua função de fiscal da administração.
Assim, em nossa estrutura federativa, um dos traços fundamentais da separação de poderes, que é a fiscalização da administração pelo Legislativo reforçada pelos meios a ela inerentes, não autoriza eventual pretensão restritiva dos Estados-membros. Esta Corte, ao examinar alegações de excesso dos constituintes estaduais, sistematicamente procura assegurar a reprodução nas Constituições estaduais das noções de: equilíbrio na separação de poderes estaduais (e.g., ADI 165, pleno 07.08.1997, rel. min. Sepúlveda Pertence; ADI 217, pleno 28.08.2002, rel. min. Ilmar Galvão); impossibilidade de renúncia à autonomia estadual (ADI 1425, pleno 01.10.1997, rel. min. Marco Aurélio) ou a competências concorrentes (ADI 2544, pleno 12.06.2002, rel. min. Sepúlveda Pertence). A extensa relação de julgados em que se constatou o excesso dos Estados não eclipsa, por outro lado, as ressalvas desta Corte sobre a disciplina de questões orgânicas, a exemplo do que ocorre em questões referentes à organização das Casas Legislativas (Rp 1245-RN, pleno 15.10.1986, rel. min. Oscar Corrêa; ADI 792-RJ, pleno 26.05.1997, rel. min. Moreira Alves) ou a normas procedimentais para a eleição indireta destinada a suprir a vacância dos cargos de governador e vice-governador para exercício de mandato residual (ADIMC 1057, pleno 20.04.1994, rel. min. Celso de Mello), ressalvas essas que avançam até mesmo para uma compreensão mais elaborada dos meandros das relações entre entes da Federação.
Destaco, a esse respeito, dois julgados interessantes. Na ADIMC 2452 (pleno 24.09.2003, rel. min. Nelson Jobim) decidiu-se que um estado-membro, ao proceder a projeto de desestatização, poderia estabelecer restrições à participação de empresas estatais de outros estados-membros, como medida de garantia de autonomia da política estadual de serviços públicos.
Na ADI 1001 (pleno 08.08.2002, rel. min. Carlos Velloso), declarou-se a constitucionalidade de norma da Constituição gaúcha que prevê o a possibilidade de requerimento de informações, pelas Câmaras municipais, à administração estadual situados no Município.
Registro ainda a decisão liminar monocrática da eminente ministra Ellen Gracie no MSMC 23866 (DJ 14.02.2001), impetrado pela União, para determinar a suspensão da CPI da CODEBA, sociedade de economia mista federal, a partir da plausibilidade da alegação, fundada na incompetência da CPI estadual.
Esses julgados indicam inegável tendência da Corte à manutenção de esferas necessárias de autonomia dos entes federados, dentro do que é permitido em nosso modelo substancialmente centrípeta de federalismo.
Não é de estranhar, portanto, que, ainda sob a vigência da Constituição anterior e da Lei 4.595/1964, cujo artigo 38, hoje revogado, continha a mesma omissão do art. 4º da Lei complementar 105/2001, esta Corte tenha se manifestado pela legitimidade de criação de comissão parlamentar de inquérito por Câmara Municipal. Cito o RE 96049 (1ª turma 30.06.1983, rel. min. Oscar Corrêa), do qual destaco o seguinte trecho:
"... parece-nos indubitável que as Câmaras Municipais podem criar Comissões de Inquérito sobre fato determinado e prazo certo, nos moldes que a Constituição Federal autoriza à Câmara e ao Senado, as Constituições Estaduais autorizam às Assembléias Legislativas e a Lei Orgânica dos Municípios do Estado de São Paulo autoriza às Câmaras Municipais, ou, mais longe ainda, o próprio Regimento Interno destas pode prever, respeitados os parâmetros federal e estadual.
Cremos, mesmo que é de todo interesse sejam elas criadas pelo legislativo municipal. Há cerca de 28 anos, na Câmara dos Deputados, debatendo a matéria, referíamos que 'o poder de criar comissões de inquérito é implícito, é ínsito ao Poder Legislativo, pela própria natureza da função, que lhe cabe, de legislar, de fiscalizar e de controlar, exercendo tarefa permanente de vigília sobre todos os negócios públicos' (Diário do Congresso Nacional, Seção I, 28/6/1955 - p. 3684/3686).
E o limite que a essa função se põe é apenas o do respeito à independência e harmonia com os demais poderes, dentro do texto constitucional. E há de ser informando-se das condições do desempenho da administração municipal - do Governo Municipal - que a Câmara Municipal bem cumprirá as suas funções. Não vemos, pois como recursar-lhe a competência para criá-las."

A quebra de sigilo bancário, quando regularmente determinada por comissões parlamentares de inquérito, constitui ferramenta indispensável ao trabalho de fiscalização exercido pelos órgãos legislativos. Como se sabe, a fiscalização exercida pelos órgãos Legislativos, aí incluídos os Legislativos estaduais, é um mecanismo essencial dos checks and counterchecks através dos quais um ramo do poder controla o outro, assegurando, assim, um certo equilíbrio no exercício das funções governamentais, tendo como objetivo derradeiro a liberdade e a satisfação do bem comum. Dessa ferramenta de fiscalização muitas vezes depende a efetividade das investigações levadas a efeito pelas CPIs. Não é por outra razão que a Constituição Federal, no art. 58, § 3º, diz que essas comissões têm poderes investigatórios próprios das autoridades judiciais1[1]. Tal dispositivo ilustra bem a importância que a Constituição Federal atribui à função fiscalizadora exercida pelo Legislativo, conferindo a esse Poder os meios eficazes de exercer a sua missão constitucional.
Aliás, essa importância conferida à função de fiscalização decorre talvez de uma simples constatação daquilo que já foi avançado por alguns juristas mais argutos: o fato de que, na configuração moderna do Estado, a função de fiscalização tende a superar em relevo a própria função legislativa do Estado.
No quadro constitucional e federativo brasileiro, a fiscalização dos órgãos da Administração exercida sem exclusividade pelos órgãos legislativos constitui um "pendant" necessário, uma decorrência natural de um princípio constitucional sensível, o princípio da obrigatoriedade da prestação de contas da administração pública, direta e indireta (art. 34, VII, "d"). Princípio esse cujo descumprimento pode ensejar o mais traumático dos eventos constitucionais suscetíveis de ocorrer em um Estado federal: a intervenção federal no Estado-membro.
Ora, se a Constituição Federal autoriza a União a intervir no Estado-membro em razão de descumprimento do princípio da prestação de contas da Administração, parece-me juridicamente insustentável o ato do Banco Central, uma entidade integrante da estrutura administrativa da União, em recusar à assembléia legislativa um instrumento fundamental ao exercício da sua função fiscalizadora, cujo acionamento pode se dar, entre outras, precisamente nas hipóteses de violação, pela Administração, do princípio constitucional da prestação de contas.
Para sintetizar esse primeiro e mais importante fundamento do meu voto, eu diria que a quebra de sigilo bancário por parte das comissões parlamentares de inquérito constitui instrumento inerente ao exercício da função fiscalizadora ínsita aos órgãos legislativos e, como tal, dela também podem fazer uso as CPIs instituídas pelas Assembléias Legislativas, desde que observados os requisitos e as cautelas preconizadas em inúmeras decisões desta Corte sobre o tema.
O contrário, ou seja, retirar aos legislativos estaduais a possibilidade de utilizar-se desse instrumento, equivale a criar um elemento adicional de apoucamento das já institucionalmente fragilizadas unidades integrantes da nossa Federação.
Sobre esse tópico, concluo, portanto, que em termos gerais, ressalvadas diferenças orgânicas entre o Legislativo federal e os estaduais, o art. 58, § 3º, da Constituição pressupõe inegável semelhança entre as comissões parlamentares de inquérito federais e estaduais, do que resulta a impossibilidade de os estados-membros as vedarem.
Dessa primeira conclusão decorre a impossibilidade de a legislação federal limitar ou estabelecer proibições desproporcionais aos Legislativos estaduais e locais. Tanto seria assim que acredito que a expressa exclusão das CPIs estaduais e municipais da redação original do projeto de lei complementar (emenda apresentada pelo Senador Vilson Kleinübing na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, no projeto de lei do Senado 219/1995, parecer 58/1998) não tem resultado prático, pois não tem o condão de negar a aplicação natural da Constituição Federal sobre os poderes das CPIs.
É que a possibilidade de as CPIs estaduais determinarem a quebra de sigilo permanece, ainda que sem tratamento legal específico, por aplicação direta da Constituição federal e das normas estaduais aplicáveis, não sendo possível ignorar que a Constituição do Estado do Rio de Janeiro legitima a atuação da CPI em questão.
Reforça ainda minha convicção o fato de que a lei complementar de regência da matéria viabilizou o fornecimento de dados bancários a órgãos fiscalizadores puramente administrativos (como a COAF do Ministério da Fazenda e a CVM) e até mesmo a entidades privadas (entidade de proteção ao crédito - SERASA - v. art. 1º, § 3º, II, da LC 105/2001), mantendo-se, contudo, omissa quanto às CPIs estaduais.
Do exposto, voto pelo conhecimento e provimento parcial do mandado de segurança, determinando-se ao BANCO CENTRAL DO BRASIL que forneça as informações requeridas pela COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, DESTINADA A INVESTIGAR IRREGULARIDADES NA LOTERJ E RIOPREVIDÊNCIA.

* acórdão pendente de publicação


Assessora responsável pelo Informativo

Anna Daniela de A. M. dos Santos e Silva
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