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terça-feira, 4 de novembro de 2008

Informativo STF 358 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 23 a 27 de agosto de 2004 - Nº 358.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO

Plenário
Denúncia. Precedência de Auditoria. Aprovação de Contas. Admissibilidade de Ação Penal.
CADE e Contratação Temporária
Provimento de Cargos Públicos. Vício de Iniciativa. Ausência de Concurso Público.
Extradição. Prisão Perpétua.Compromisso de Comutação.
HC Preventivo e Extradição Futura - 2
Competência do STF e Conflito Federativo
1ª Turma
Crime contra a Economia Popular e Circunstâncias Agravantes
Ofensa Propter Officium e Legitimação Concorrente
Crimes Praticados em Consórcio: Competência da Justiça Federal
2ª Turma
Exercício da Advocacia e Revista Pessoal
Responsabilidade Civil do Estado: Prestadores de Serviço Público e Terceiros Não-Usuários
Clipping do DJ
Transcrições
Quadrilha e Crimes contra a Ordem Tributária: Autonomia (HC 84223/RS)


PLENÁRIO

Denúncia. Precedência de Auditoria. Aprovação de Contas. Admissibilidade de Ação Penal.

O Tribunal iniciou julgamento de inquérito em que se imputa a ex-prefeito do Município de Araguaína - TO, atual deputado federal, a suposta prática dos crimes previstos no art. 1º, incisos I, II, III, V, VI, XI, XIII, do Decreto-lei 201/67 e no art. 312 do CP (DL 201/67: "Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; Il - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos; Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;... V - ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-Ias em desacordo com as normas financeiras pertinentes; VI - deixar de prestar contas anuais da administração financeira do Município a Câmara de Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado indicar, nos prazos e condições estabelecidos;... XI - Adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei;... XIII - Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei;"; CP: "Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio..."). Na espécie, o STJ, em recurso especial interposto pelo Ministério Público estadual, restabelecera decisão que recebera denúncia contra o indiciado, oferecida por Procuradora de Justiça daquele Estado, cassando acórdão do TJ-TO que provera agravo regimental para rejeitar a peça acusatória, sob os seguintes fundamentos: a) falta de justa causa para a ação penal, tendo em vista a aprovação das contas municipais pela Câmara de Vereadores; b) falta de oportunidade para a ampla defesa e para o contraditório, já que a denúncia fora ofertada de forma sumária, sem respaldo de procedimento apuratório adequado e sem proporcionar, ao acusado, meios amplos de defesa. Na sessão de 6.9.2001, o Plenário, em questão de ordem, deferira habeas corpus de ofício ao acusado para declarar nulo o acórdão do STJ, em razão da incompetência do mesmo para julgar o recurso especial, haja vista que o julgamento dessa Corte se dera quando o acusado já estava investido no cargo de parlamentar - v. Informativo 241. O Tribunal, por unanimidade, julgou extinta a punibilidade com relação ao art. 1º, incisos III, V, VI, XI e XIII, do Decreto-lei 201/67, em razão da prescrição da pretensão punitiva do Estado quanto a esses delitos. Prosseguindo no julgamento, o Min. Sepúlveda Pertence, relator, admitiu a denúncia em relação ao art. 1º, incisos I e II, do Decreto-lei 201/67. Afastou, inicialmente, com base na jurisprudência do STF, a alegação de prescrição antecipada pela pena em perspectiva. Ressaltou que, não obstante a ausência de prequestionamento do art. 12 do CPP, cuja violação era alegada no recurso especial, o fato de a denúncia estar precedida de procedimento administrativo apuratório, no caso, auditoria do Tribunal de Contas do Estado de Tocantins, assim como se dá em relação ao inquérito policial, afastaria a alegada ofensa à ampla defesa. Salientou, por fim, que a aprovação das contas do indiciado pela Câmara Municipal não impede, por si só, a propositura da ação penal, quando nelas se aponta a incidência de crimes definidos no DL 201/67. Após, o Min. Eros Grau pediu vista.
Inq 1070/TO, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 25.8.2004. (Inq-1070)

CADE e Contratação Temporária

O Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo PFL - Partido da Frente Liberal contra a Lei 10.843/2004. A ação fora proposta, inicialmente, contra a Medida Provisória 136/2003, que inseriu, na Lei 8.884/94, o artigo 81-A ("Art. 81-A. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE poderá efetuar, nos termos do art. 37, inciso IX, da Constituição, e observado o disposto na Lei no 8.745, de 9 de dezembro de 1993, contratação por tempo determinado, pelo prazo de 12 (doze) meses, do pessoal técnico imprescindível ao exercício de suas competências institucionais. Parágrafo único. A contratação referida no caput poderá ser prorrogada, desde que sua duração total não ultrapasse o prazo de 24 (vinte e quatro) meses, ficando limitada sua vigência, em qualquer caso, a 31 de dezembro de 2005, e dar-se-á mediante processo seletivo simplificado, compreendendo, obrigatoriamente, prova escrita e, facultativamente, análise de 'curriculum vitae', sem prejuízo de outras modalidades que, a critério do CADE, venham a ser exigidas."). Com a conversão da MP na Lei 10.843/2004, houve aditamento. O Pleno afastou, por unanimidade, as preliminares suscitadas quanto à impossibilidade de aditamento, decorrente da inserção, pela lei de conversão, da expressão "limitando-se ao número de 30 (trinta)" no art. 81-A da Lei 8.884/94, e quanto à alegação de inadmissibilidade de ação direta contra atos de efeitos concretos. Em relação à primeira, julgou-se cabível o aditamento, porquanto a modificação promovida pela lei de conversão não fora substancial, e a discussão não se referia ao número de contratações de forma temporária, mas à possibilidade desse tipo de contratação. No que concerne à segunda, entendeu-se que o ato normativo em questão não era de efeito concreto, mas abstrato, autônomo, que desafiava o controle da constitucionalidade. No mérito, ressaltou-se que o inciso IX do art. 37 da CF não fez distinção entre atividades a serem desempenhadas em caráter eventual, temporário ou excepcional, e atividades de caráter regular e permanente, nem previu, exclusivamente, a contratação por tempo determinado de pessoal para desempenho apenas das primeiras, mas, amplamente, autorizou contratações para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público tanto numa quanto noutra hipótese, o que teria ocorrido na espécie, já que a norma impugnada visara suprir, temporariamente, enquanto não criado o quadro de pessoal permanente do CADE, a ser preenchido por meio de concurso público, a notória carência de pessoal da autarquia. Salientou-se, por fim, que a alegada inércia da Administração não poderia ser punida em detrimento do interesse público, que ocorre quando colocado em risco a continuidade do serviço estatal, como no caso. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, Carlos Britto, Gilmar Mendes, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence que julgavam procedente o pedido por considerarem inocorrente, na espécie, necessidade temporária de excepcional interesse público, e ressaltavam a jurisprudência do STF no sentido de não admitir a investidura em cargos públicos sem a prévia aprovação em concurso público, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, nos termos do inciso II do art. 37 da CF.
ADI 3068/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ acordão Min. Eros Grau, 25.8.2004. (ADI-3068)

Provimento de Cargos Públicos. Vício de Iniciativa. Ausência de Concurso Público.

O Tribunal julgou procedente pedido de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra a Emenda Constitucional 3/90, que introduziu dois parágrafos no art. 7º do Ato das Disposições Transitórias da Constituição do Maranhão ("Art. 7º O Poder Executivo encaminhará à Assembléia Legislativa, no prazo de cento e vinte dias, contados da promulgação desta Constituição, o plano de carreira, cargos e salários dos servidores da administração direta, autarquias e fundações públicas. §1º - Fica assegurado aos então servidores na data da promulgação desta Lei, o direito ao aproveitamento no cargo de acordo com sua qualificação profissional. §2º - Terão preferência ao acesso dos cargos existentes, só servidores aludidos no parágrafo anterior."). Entendeu-se que a norma impugnada ofendia o princípio do concurso público (CF, art. 37, II), que exige, para investidura em cargo público, com exceção dos cargos em comissão, a prévia aprovação em concurso público de provas, ou de provas e títulos, bem como o princípio da separação dos poderes (CF, art. 2º), que reserva, ao Chefe do Poder Executivo, a iniciativa privativa para legislar sobre o provimento de cargos públicos vinculados à estrutura administrativa desse Poder.
ADI 637/MA, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 25.8.2004. (ADI-637)

Extradição. Prisão Perpétua.Compromisso de Comutação.

O Tribunal, por unanimidade, deferiu pedido de extradição formulado pelo Governo do Chile, para entregar nacional chileno condenado, naquele País, a duas penas de prisão perpétua, pela prática dos crimes de extorsão mediante seqüestro, formação de quadrilha e homicídio, todos qualificados como delitos de natureza terrorista. Na espécie, o extraditando também fora condenado pela Justiça do Estado de São Paulo à pena de trinta anos de reclusão, pela prática dos crimes de extorsão mediante seqüestro, formação de quadrilha e tortura, condenação com trânsito em julgado, encontrando-se preso cautelarmente em virtude de decisão do relator neste processo, Min. Celso de Mello. Inicialmente, considerou-se observado o requisito da dupla tipicidade (Lei 6.815/80, art. 77, II e Decreto 1.888/37). Afastou-se a incidência da hipótese prevista no inciso LII do art. 5º da CF, que veda a extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião, por se considerar que os crimes praticados pelo extraditando não se revestiam desse caráter, sendo comuns, porquanto os mesmos teriam ocorrido em período no qual a república chilena já se encontrava em plena normalidade democrática, estando os partidos políticos em situação legal e tendo o povo chileno escolhido o novo Presidente da República em eleições livres, abertas e democráticas. Salientou-se que o extraditando não fora julgado por Tribunal de exceção e que teriam sido atendidos todos os requisitos concernentes ao devido processo legal. Ressaltou-se que, apesar desse contexto, o deferimento da extradição dependeria do Estado requerente assumir o compromisso de comutar, em pena não superior a trinta anos de reclusão, as penas de prisão perpétua impostas ao extraditando, uma vez que a regra contida na alínea b do inciso XLVII do art. 5º da CF, que veda a cominação de penas de caráter perpétuo, precederia a outras de ordem convencional ou legal. Assim, condicionou-se, por maioria, a entrega do extraditando à comutação das penas de prisão perpétua em penas de prisão temporária de no máximo trinta anos, observados, desde que assim o entenda o Presidente da República, os arts. 89 e 67 da Lei 6.815/80. Vencidos, nesse ponto, os Ministros Carlos Velloso e Nelson Jobim, Presidente, que não admitiam a ressalva por entender que não se poderiam estabelecer restrições oponíveis à ordem jurídica do país requerente. (Lei 6.815/80: "Art. 67. Desde que conveniente ao interesse nacional, a expulsão do estrangeiro poderá efetivar-se, ainda que haja processo ou tenha ocorrido condenação.... Art. 77. Não se concederá a extradição quando:... VII - o fato constituir crime político; e... § 1° A exceção do item VII não impedirá a extradição quando o fato constituir, principalmente, infração da lei penal comum, ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal.... Art. 89. Quando o extraditando estiver sendo processado, ou tiver sido condenado, no Brasil, por crime punível com pena privativa de liberdade, a extradição será executada somente depois da conclusão do processo ou do cumprimento da pena, ressalvado, entretanto, o disposto no artigo 67.").
Ext 855/República do Chile, rel. Min. Celso de Mello, 26.8.2004. (Ext-855)

HC Preventivo e Extradição Futura - 2

O Tribunal, por maioria, não conheceu de habeas corpus preventivo em que se pretendia evitar a prisão preventiva do paciente, nascido na Itália e filho de brasileira, supostamente destinada a futuro processo de extradição - Informativo 320. Inicialmente, afastou-se a possibilidade de discussão acerca de uma nacionalidade prevalecente, para fins da extradição, em razão da inexistência, nos autos, de elementos suficientes que permitissem analisar os "laços fáticos" do paciente com o Brasil ou a Itália, e dos quais se pudesse inferir a opção por determinada nacionalidade. Ressaltou-se que seria improvável a efetiva ocorrência do pedido de extradição, haja vista o decurso de quase dois anos entre a alegação do risco iminente da protocolização desse pedido no STF e a data presente, bem como a ausência de apresentação de qualquer documento que atestasse a existência de um procedimento criminal em curso na Itália do qual pudesse ter-se originado a suposta decretação da prisão, ou dos crimes atribuídos ao paciente. Vencido o Min. Marco Aurélio, relator, que conhecia do habeas corpus e concedia o salvo-conduto pleiteado, tendo em conta a condição de brasileiro nato do paciente, que inviabilizaria o deferimento da extradição, e o risco iminente do mesmo vir a ser preso. (CF, art. 5º, LI: "nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;").
HC 83450/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ acórdão Min. Nelson Jobim, 26.8.2004. (HC-83450)

Competência do STF e Conflito Federativo

O Tribunal resolveu questão de ordem suscitada pelo Min. Joaquim Barbosa, relator, para declarar, com base na alínea f do inciso I do art. 102 da CF, a sua competência para o julgamento de ação cível originária. Trata-se, na espécie, de mandado de segurança impetrado pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro contra ato do Banco Central do Brasil, consistente na negativa de quebra de sigilo bancário requerida pela Comissão Parlamentar de Inquérito daquele Estado, que investiga denúncias de irregularidades e de corrupção na LOTERJ e no RIOPREVIDÊNCIA. Entendeu-se que o ato atacado era potencialmente ofensivo ao pacto federativo, tendo em conta as possíveis repercussões nas atividades do Poder Legislativo estadual, já que se estaria cerceando o exercício de uma relevante função do mesmo (fiscalização de sua própria Administração).
ACO 730 QO/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 26.8.2004. (ACO-730)


PRIMEIRA TURMA


Crime contra a Economia Popular e Circunstâncias Agravantes

A Turma deferiu habeas corpus, impetrado contra acórdão do STJ que denegara igual medida, para afastar da pena imposta ao paciente, condenado pela prática de crime contra a economia popular (Lei 4.591/64, art. 65), a agravante prevista no art. 61, II, g, do CP ("II - ter o agente cometido o crime:... g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão;"; Lei 4.591/64, art. 65: "É crime contra a economia popular promover incorporação, fazendo, em proposta, contratos, prospectos ou comunicação ao público ou aos interessados, afirmação falsa sobre a construção do condomínio, alienação das frações ideais do terreno ou sobre a construção das edificações."). No caso, a sentença de primeiro grau acrescera em 6 meses a pena sob o fundamento de que o paciente teria cometido o crime com abuso de poder e violação de dever inerente à profissão de presidente da ASSEMERJ - Associação dos Servidores Militares do Estado do Rio de Janeiro, bem como se utilizando do posto de Coronel do Corpo de Bombeiros. Inicialmente, considerou-se correto o entendimento do STJ, que afastara a alegação de abuso de poder, por considerar que o paciente, no momento em que cometera o delito, não gozava do status de autoridade pública, haja vista que o art. 89 da Lei 880/95 (Estatuto dos Bombeiros-Militares do Rio de Janeiro) estabelece que o presidente da ASSEMERJ exerce função de natureza civil. Asseverou-se que a agravante também deveria ser afastada no ponto em que se considerara o posto de Coronel, já que os deveres inerentes ao cargo de Bombeiro-Militar nada tinham a ver com o delito. Salientou-se que, para a aplicação das circunstâncias agravantes do art. 61, II, g, do CP, é necessária a demonstração da existência fática das mesmas e, também, do maior grau de afetação do bem jurídico, e, na espécie, não se teria demonstrado como o crime em questão fora assistido e facilitado pela violação de dever inerente à profissão de presidente da mencionada associação, não tendo a sentença sequer especificado o dever que teria sido violado. Ressaltou-se que, ainda que da sentença se extraísse a presunção de que esse dever seria o de dizer a verdade, ou de ser o paciente fiel a suas afirmações, isso estaria contido na elementar "fazer afirmação falsa" (Lei 4.591/64, art. 65).
HC 84187/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 24.8.2004. (HC-84187)

Ofensa Propter Officium e Legitimação Concorrente

A Turma aplicou o entendimento firmado no Enunciado 714 da Súmula do STF ("É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções.") e negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus em que se pretendia, por ilegitimidade ativa da querelante, o trancamento de ação penal privada proposta por juíza supostamente ofendida em razão de seu ofício judicante. Alegava o recorrente que, na espécie, as decisões judiciais que permitem a legitimação concorrente para a ação penal relativa a crimes contra a honra de funcionário público em razão do exercício de sua função, violariam duplamente a Constituição, uma vez que transformariam o Poder Judiciário em legislador ordinário positivo, em detrimento da separação e harmonia dos Poderes de Estado (CF, art. 2º) e infringiriam o princípio constitucional do monopólio do Ministério Público, quanto às ações penais públicas (CF, art. 29, I). Entendeu-se que o Poder Judiciário não fizera o papel de legislador positivo, mas se limitara ao exercício de sua função de intérprete da lei, sem criar nova espécie de ação penal, não havendo, por isso, violação ao art. 129, I, da CF. Asseverou-se, ainda, que o bem jurídico tutelado pelos arts. 20, 21 e 22 da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa) seria a honra do ofendido e, em regra, o instrumento para a persecução penal seria a queixa-crime. Concluiu-se que, apesar dessa regra estar excepcionada quando o prestígio da Administração Pública fosse violado em conexão com a honra do servidor, a exceção, por não ser absoluta, não teria o condão de derrogar a regra geral. Precedentes citados: Inq 726 AgR/RJ (DJU de 29.4.94); Inq 1937/DF (DJU de 27.2.2004).
RHC 82549/PA, rel. Min. Eros Grau, 24.8.2004. (RHC-82549)

Crimes Praticados em Consórcio: Competência da Justiça Federal

A Turma negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus em que se pretendia a anulação de ações penais nas quais a recorrente fora condenada, pela Justiça Federal do Rio Grande do Sul, pela prática de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Os crimes consistiam na apropriação de recursos de consorciados por terceiros, com a conivência dos administradores de consórcio, entre os quais a paciente figurava. Alegava a recorrente a incompetência da Justiça Federal para julgar os feitos, uma vez que a administradora do consórcio em questão, por não trabalhar com a intermediação ou captação de recursos de terceiros, não poderia ser considerada instituição financeira. Sustentava, ainda, que a Lei 7.492/86, que equipara à instituição financeira pessoa jurídica que administre consórcio, não teria sido recepcionada pelo art. 192 da CF. Entendeu-se que, por força do disposto no art. 1º, parágrafo único, I, da Lei 7.492/86, seria da competência da Justiça Federal o julgamento de crimes praticados na formação e funcionamento de consórcio (Lei 7.492/86:"Art. 1º. Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que... Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira: I - a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros;"). Asseverou-se, ainda, que o art. 192 da CF, por não ser exaustivo quanto à estrutura do Sistema Financeiro Nacional, permitiria que o legislador ordinário criasse a equiparação no campo penal, não havendo, por conseguinte, que se falar em ausência de recepção da mencionada Lei pela CF/88. Precedente citado: HC 83729/SC (DJU de 23.4.2004).
RHC 84182/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 24.8.2004. (RHC-84182)

SEGUNDA TURMA

Exercício da Advocacia e Revista Pessoal

A Turma indeferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que denegara igual medida, em que se pretendia a dispensa de revista pessoal do paciente, advogado, para ingresso nos fóruns do Estado de São Paulo. Insistia o impetrante, com base no art. 5º, caput, II, III, XIV, XV, XXXV, XLI, LIV, LVII, LXVIII, da CF, na tese de que: a) o Provimento 811/2003, do tribunal de justiça daquele Estado, que determinara a instalação de detector de metal na entrada do tribunal, seria inconstitucional; b) a submissão pública de revista pessoal de advogado e de seus pertences seria humilhante, inconstitucional e ilegal, por estar comprometendo a prerrogativa do sigilo da classe, protegida pelo art. 7º, II, da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB); c) a referida norma seria discriminatória, tendo em conta a dispensa da revista dos magistrados e membros do Ministério Público. Entendeu-se que não havia constrangimento a ser sanado, uma vez que a prerrogativa que os advogados têm de ingressarem livremente nas repartições judiciais não seria absoluta, a ponto de dispensá-los dos procedimentos voltados à manutenção da segurança nessas repartições. Considerou-se, também, que o mencionado Provimento é legal e constitucional, visto que não revela conteúdo discriminatório, pois se dirige a todas as pessoas, de forma indistinta. Ressaltou-se, por fim, que o ato impugnado está consubstanciado na proporcionalidade do exercício do poder de polícia como medida de segurança do referido tribunal.
HC 84270/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 24.8.2004. (HC-84270)

Responsabilidade Civil do Estado: Prestadores de Serviço Público e Terceiros Não-Usuários

A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto por empresa privada concessionária de serviço público de transporte coletivo contra acórdão do Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo que entendera configurada a responsabilidade objetiva da recorrente em acidente automobilístico envolvendo veículo de terceiro. Sustenta-se, na espécie, ofensa ao art. 37, §6º, da CF, sob a alegação de que a responsabilidade objetiva prevista na Constituição incide somente sobre a prestação de serviço em relação ao passageiro transportado, hipótese que seria diversa da dos autos, e de que o ônus da prova, por essa razão, caberia ao recorrido. O Min. Carlos Velloso, relator, deu provimento ao recurso por considerar que a responsabilidade objetiva das prestadoras de serviço público não se estende a terceiros não-usuários, uma vez que somente o usuário é detentor do direito subjetivo de receber um serviço público ideal, não cabendo ao mesmo, por essa razão, o ônus de provar a culpa do prestador do serviço na causação do dano. Após, pediu vista o Min. Joaquim Barbosa.
RE 262651/SP, rel. Min. Carlos Velloso, 24.8.2004. (RE-262651)

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno25.8.2004 26.8.2004 6
1ª Turma24.8.2004 -- 24
2ª Turma24.8.2004-- 84



C L I P P I N G   D O   D J

27 de agosto de 2004
ADI N. 3.080-SC
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 11.561/2000, DO ESTADO DE SANTA CATARINA. ARTS. 21, X E 22, V DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE SERVIÇO POSTAL.
1. É pacífico o entendimento deste Supremo Tribunal quanto à inconstitucionalidade de normas estaduais que tenham como objeto matérias de competência legislativa privativa da União. Precedentes: ADIns nº 2.815, Sepúlveda Pertence (propaganda comercial), nº 2.796-MC, Gilmar Mendes (trânsito), nº 1.918, Maurício Corrêa (propriedade e intervenção no domínio econômico), nº 1.704, Carlos Velloso (trânsito), nº 953, Ellen Gracie (relações de trabalho), nº 2.336, Nelson Jobim (direito processual), nº 2.064, Maurício Corrêa (trânsito) e nº 329, Ellen Gracie (atividades nucleares).
2. O serviço postal está no rol das matérias cuja normatização é de competência privativa da União (CF, art. 22, V). É a União, ainda, por força do art. 21, X da Constituição, o ente da Federação responsável pela manutenção desta modalidade de serviço público.
3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

* noticiado no Informativo 355
Inq N. 1.884-RS
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
INQUÉRITO - AÇÃO PENAL PÚBLICA - ARQUIVAMENTO. Tratando-se de inquérito relativo a fatos ligados a possível ação penal pública, a manifestação do Chefe do Ministério Público - pelo arquivamento, ante a inexistência de tipicidade - é irrecusável.
DENÚNCIA - EXTENSÃO SUBJETIVA - INÉPCIA. Descabe concluir pela inépcia da denúncia, sob o argumento de não abranger a totalidade dos envolvidos no fato típico.
PROCESSO - RETIRADA DO CARTÓRIO - NULIDADE - AUSÊNCIA. A regra concernente à vista do processo fora do Cartório sofre limitação, considerado o disposto nos artigos 86 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, 803 do Código de Processo Penal e 7º, inciso XV, § 1º, item 2, da Lei nº 8.906/94.
CRIME ELEITORAL CONTRA A HONRA. Na análise da ocorrência de crime eleitoral contra a honra, há de fazer-se presente o inafastável aprimoramento do Estado Democrático de Direito e o direito dos cidadãos de serem informados sobre os perfis dos candidatos, atendendo-se à política da transparência.

* noticiado no Informativo 346
MS N. 24.859-DF
RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PENSÃO. T.C.U.: JULGAMENTO DA LEGALIDADE: CONTRADITÓRIO. PENSÃO: DEPENDÊNCIA ECONÔMICA.
I. - O Tribunal de Contas, no julgamento da legalidade de concessão de aposentadoria ou pensão, exercita o controle externo que lhe atribui a Constituição Federal, art. 71, III, no qual não está jungindo a um processo contraditório ou contestatório. Precedentes do STF.
II. - Inaplicabilidade, no caso, da decadência do art. 54 da Lei 9.784/99.
III. - Concessão da pensão julgada ilegal pelo TCU, por isso que, à data do óbito do instituidor, a impetrante não era sua dependente econômica.
IV. - M.S. indeferido.

HC N. 84.217-SP
RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
EMENTA: I. Habeas corpus: cabimento para dar à versão do fato acertada pela instância de mérito a sua correta classificação jurídica, mais favorável ao paciente.
II. Latrocínio ou homicídio em concurso com roubo: diferenciação.
1. No roubo com resultado morte ("latrocínio"), a violência empregada - da qual deve resultar a morte -, ou se dirige à subtração, ou, após efetivada esta, a assegurar a posse da coisa ou a impunidade do delito patrimonial, que constitui a finalidade da ação.
2. Diversamente, tem-se concurso de homicídio e roubo (ou furto), se a morte da vítima, em razão de animosidade pessoal de um dos agentes - segundo a própria versão dos fatos acertada pela decisão condenatória - foi a finalidade específica da empreitada delituosa, na qual a subtração da sua motocicleta - que, embora efetivada antes da morte, logo após é lançada ao rio pelos autores -, antes se haja de atribuir à finalidade de dissimular o crime contra a vida planejado.

HC N. 84.223-RS
RELATOR: MIN. EROS GRAU
EMENTA: HABEAS-CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL. ADESÃO AO REFIS. PARCELAMENTO DO DÉBITO. SUSPENSÃO DO PROCESSO. DELITO DE QUADRILHA OU BANDO. FALTA DE JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA. CRIME FORMAL.
1. A suspensão do processo relativo ao crime de sonegação fiscal, em conseqüência da adesão ao REFIS e do parcelamento do débito, não implica ausência de justa causa para a persecução penal quanto ao delito de formação de quadrilha ou bando, que não está compreendido no rol taxativo do artigo 9º da Lei 10.684/03.
2. O delito de formação de quadrilha ou bando é formal e se consuma no momento em que se concretiza a convergência de vontades, independentemente da realização ulterior do fim visado.
Ordem denegada.

* noticiado no Informativo 355
HC N. 84.330-RJ
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
CRIME MILITAR - DESERÇÃO - PRISÃO - ARTIGOS 187 DO CÓDIGO PENAL MILITAR E 456 A 459 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR - RECEPÇÃO PELA CARTA DE 1988. A prisão no crime de deserção - artigo 187 do Código Penal Militar - mostra-se harmônica com o disposto no inciso LXI do artigo 5º da Constituição Federal.

* noticiado no Informativo 354
MED. CAUT. EM RE N. 418.609-SC
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
PENSÃO - IGUALIZAÇÃO AO SALÁRIO DE BENEFÍCIO DO SERVIDOR - LEIS Nºs 8.213/91 E 9.032/95 - DATA DO ÓBITO - IRRELEVÂNCIA - PROCESSOS EM CURSO NO TERRITÓRIO NACIONAL - SUSPENSÃO - INDEFERIMENTO. Embora a maioria admita a suspensão dos processos em curso, considerado certo recurso extraordinário - artigo 14 da Lei nº 10.259/01 -, entendimento em relação ao qual continuo guardando reserva, descabe a providência quando o conflito de interesses envolvido está ligado ao direito de viúva de perceber pensão em valor idêntico ao salário de benefício do servidor falecido, independentemente da data do óbito.
* noticiado no Informativo 342

Acórdãos Publicados: 297


T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
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Quadrilha e Crimes contra a Ordem Tributária: Autonomia (Transcrições)

(v. Informativo 355)

HC 84223/RS*


RELATOR: MINISTRO EROS GRAU

RELATÓRIO: Trata-se de habeas-corpus, com pedido de liminar, impetrado contra ato do Superior Tribunal de Justiça, consubstanciado na denegação da ordem pleiteada no HC 32.087/RS, cuja ementa tem o seguinte teor:
 
"HABEAS CORPUS. CRIME DE QUADRILHA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL A SER COARCTADO.
Narrando a denúncia fatos revestidos, em tese, de ilicitude penal, com observância do disposto no art. 41, do CPP, incabível é a concessão de habeas corpus para trancamento da ação penal sob a alegação de justa causa.
No crime de quadrilha basta o propósito de associação do agente ao grupo criado com a finalidade da prática de crimes, sendo desnecessário atribuir-lhe ações concretas.
Ordem denegada." (fl. 341).

2. Os pacientes foram denunciados como incursos nas sanções do artigo 1º, c/c o 12, ambos da Lei 8.137/90, em concurso formal impróprio e de forma continuada, bem como por infringirem o disposto no artigo 288 do Código Penal (fls. 228/240).
  
3. Segundo a acusação, apesar de não constarem no contrato social da firma UNIDATA INFORMÁTICA LTDA., posteriormente denominada UNINET, os pacientes eram seus verdadeiros proprietários e, nessa condição, engendraram várias ações que propiciaram a supressão de tributos federais (IRPF, IRPJ, Contribuição Social e PIS), cujo montante totalizou R$ 13.736.309,42 (treze milhões, setecentos e trinta e seis mil, trezentos e nove reais e quarenta e dois centavos).
 
4. Recebida a denúncia em 23.05.03 (fls. 241/243), impetraram habeas-corpus junto ao Tribunal Regional Federal da 4º Região com a pretensão de trancar a ação penal, por falta de justa causa, sob a alegação de que a referida empresa aderiu ao programa de recuperação fiscal e parcelou seu débito, na forma do artigo 9º da Lei nº 10.684/2003, em razão de que foi determinada a suspensão do processo-crime por sonegação fiscal, por decisão proferida pelo TRF da 4ª Região no HC 2004.04.01.005937-9. Em conseqüência, entendem os impetrantes que não mais remanesce o delito do artigo 288 do Código Penal (fls. 275/282).
 
5. Refutada a tese pelo TRF da 4ª Região, reiteraram-na perante o Superior Tribunal de Justiça, a quem imputam a prática do constrangimento ilegal que se visa sanar neste writ.
 
6. Deduzem idênticos fundamentos, aos quais acrescem que "Não caracteriza o cometimento do delito do art. 288 do Código Penal (formação de quadrilha) o fato de os pacientes estarem na gerência de uma empresa. Seria como considerar o crime de quadrilha possível em todos os crimes contra a ordem tributária, desde que, no quadro de responsáveis por determinada empresa, aparecessem mais de três pessoas! (...)" Ademais, asseveram que "O fim de praticar o comércio é muito diferente daquele relacionado ao delito de formação de quadrilha (...)". (Fl. 9). Nessa perspectiva, falta, à consumação do tipo penal em apreço, o elemento subjetivo consistente na expressão "para o fim de cometer crimes" (fl. 14).
 
7. Trazem à colação precedente do próprio STJ, firmado no HC 6.215, que, conforme entendem, revela tratamento diametralmente oposto ao adotado no acórdão ora impugnado (fls. 9/10).
 
8. De outra parte, afirmam constar da inicial mera referência ao artigo 288 do Código Penal, desprovida da descrição da conduta subsumível na figura típica nele descrita, o que configura, no ponto, inépcia da peça acusatória (fl. 12).
 
9. Por fim, requerem o deferimento do writ para trancar a ação penal no que tange ao crime de quadrilha, por falta de justa causa (fl. 15).
 
10. A liminar foi indeferida (fls. 322/324).
 
11. Informações (fls. 340/350).
 
12. O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República Edson Oliveira de Almeida, manifesta-se pela denegação da ordem (fls. 84/98).
 
É o relatório.

VOTO: De pronto, afasto a alegação de que a denúncia não descreve conduta enquadrável no artigo 288 do Código Penal, e por isso mesmo deve ser tida por inepta. É que esse argumento não foi posto à apreciação das instâncias precedentes, de modo que é insuscetível o seu conhecimento nesta sede. Ainda que se pudesse superar esse óbice, o que se vê da denúncia é a fartura de detalhes que podem perfeitamente caracterizar o fumus comissi delicti, autorizador da persecução penal relativa ao crime de quadrilha ou bando, como adiante se verá.
 
2. O objeto deste writ, na verdade, diz respeito ao não acolhimento, pelo STJ, da tese segundo a qual a adesão ao programa de recuperação fiscal, instituído pela Lei 10.684/2003, além de acarretar a suspensão da ação penal referente ao delito de sonegação fiscal, implica ausência de justa causa para a acusação por crime de quadrilha.
 
3. Não merecem guarida, no entanto, as razões dos impetrantes. Como referido acima, a acusação é suficiente para autorizar um juízo positivo de admissibilidade, propiciador da persecução penal pelo referido crime, conforme deixam claro os seguintes trechos da denúncia, a revelarem o engendramento de um esquema para a prática de crimes contra a ordem tributária, inclusive com a utilização de "laranjas":
 
"(...)
11. Os denunciados [nome(s) suprimido(s)], pessoas não aparentes no contrato social, mas os verdadeiros proprietários e administradores da pessoa jurídica (...), conjuntamente com [nome(s) suprimido(s)], estes na condição de sócios aparentes no contrato social da pessoa jurídica UNIDATA INFORMÁTICA LTDA., posteriormente UNINET - (...), com atuação do contador [nome(s) suprimido(s)], associaram-se em quadrilha para o fim de praticar delitos contra a ordem tributária, sendo que, nos períodos de apuração de janeiro de 1995 a dezembro de 1998 suprimiram R$ 13.736.309,42 em tributos federais, já acrescidos dos encargos legais, pertinentes ao IRPJ (5.564.850,84), IRF (R$ 323.162,89), CONTRIBUIÇÃO SOCIAL (R$ 2.033.623,98), COFINS (R$ 4.365.383,10) e PIS (R$ 1.449.288,61), mediante omissão de informações às autoridades fazendárias (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90).
(...)
14. No decorrer da fiscalização foram efetuados diversos levantamentos e confrontações dos dados obtidos, e ao final foi apurada a existência de irregularidades diversas, tanto na área contábil, quanto na fiscal, de ordem a tornar impossível a validação dos controles e livros da UNIDATA, por serem totalmente incompatíveis com a realidade e por não possuírem comprovação documental.
(...)
27. Dos elementos insertos na representação fiscal da Receita Federal, que integram a presente denúncia, em especial o Capítulo III, Cláusula Sexta do Contrato Social da empresa UNIDATA, posterior UNINET (...), decorrem que os denunciados [nome(s) suprimido(s)] (Diretor-Presidente) e [nome(s) suprimido(s)] (Diretor-Financeiro) da empresa UNIBRÁS - com poderes de gerência e administração da UNIDATA - são os responsáveis legais (aparentes no contrato social) pelas condutas antes narradas.
28. Outrossim, os denunciados [nome(s) suprimidos(s)], seja na condição de responsáveis legais pela gerência da empresa A. Ferreira Gomes Ltda. - administradora da UNIBRÁS -, seja como outorgados com poderes de gerência da empresa UNIDATA, conforme poderes conferidos nos instrumentos de procuração nos autos (...), são os agentes que praticaram a conduta descrita no tipo penal, tendo em vista os atos de gerência exercidos sob a empresa UNIDATA, sendo que associaram-se especificamente para cometer crimes [o grifo não é do original] contra a ordem tributária.
(...)."
 
5. Tem-se, em tese, possível subsunção das condutas dos quatro pacientes no tipo penal descrito no artigo 288, como bem salientou o eminente Subprocurador-Geral da República Edson Oliveira de Almeida, tudo a depender, obviamente, do que for apurado no curso da ação penal, fundada, como se percebe, em elementos factíveis, os quais, como é cediço, não podem ser analisados no estreito rito do habeas-corpus.
 
6. Nesse contexto, é patente a impropriedade do writ para trancar precocemente a ação penal, porquanto, como visto, somente o revolver da matéria fático-probatória conduzirá à formação de um juízo acerca da existência, ou não, de justa causa para a persecução penal quanto ao crime de quadrilha ou bando. Aliás, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é uníssona sobre a excepcionalidade do habeas-corpus para trancar ação penal, só o admitindo quando, no dizer do Ministro Celso de Mello, "... inexista qualquer situação de iliquidez ou de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes à acusação penal" (HC 82.393, 2ª Turma, DJ de 22.08.03). No mesmo sentido, confiram-se, entre outros, os HHCC 80.954, 1ª Turma, Sydney Sanches, DJ de 05.04.02 e 81.517, 2ª Turma, Maurício Corrêa, DJ de 14.06.02 e o RE 229.465, 2ª Turma, Néri da Silveira, DJ de 14.12.01.
 
7. Ademais, por evidente, não procede o argumento de que inexiste o elemento subjetivo do tipo descrito no artigo 288 do Código Penal - para o fim de cometer crime - à consideração de que os pacientes não podem ser nele enquadrados somente porque estavam na gerência de uma empresa. Com efeito, nada impede que, nessa condição, se associem para esse objetivo.
 
8. De outra parte, igualmente não vingam as razões da impetração ao visarem elidir a acusação por quadrilha ou bando, tão-somente em face da suspensão da ação penal pelo crime de sonegação fiscal, em decorrência da adesão ao programa de recuperação fiscal, porquanto o artigo 9º da Lei 10.684/03 não tem o alcance que se pretende, abrangendo unicamente o delito ali especificado. O entendimento desta Corte sobre o assunto é de que, sendo a quadrilha ou bando crime autônomo e formal, o delito se consuma no momento em que se concretiza a convergência de vontades e independe da realização ulterior do fim visado (RHCs 50.966, 2ª Turma, Barros Monteiro, DJ de 25.05.73; 61.957, 2ª Turma, Djaci Falcão, DJ de 29.06.84; 63.158, 2ª Turma, Djaci Falcão, DJ de 13.12.85; 70.710, 2ª Turma, Carlos Velloso, DJ de 29.04.94; e HHCC 70.290, Pleno, Sepúlveda Pertence, DJ de 13.06.97; 70.919, 1ª Turma, Sepúlveda Pertence, DJ de 29.04.94; 75.349, 2ª Tuma, Néri da Silveira, DJ de 26.11.99; 81.260, Pleno, Sepúlveda Pertence, DJ de 19.04.02 e 81.295, 1ª Turma, Ellen Gracie, DJ de 14.12.01). A propósito, esse entendimento encontra respaldo na doutrina de Nélson Hungria, verbis: "O momento consumativo do crime é o momento associativo, pois com este já se apresenta um perigo suficientemente grave para alarmar o público ou conturbar a paz ou tranqüilidade de ânimo da convivência civil. Não fora o grave perigo concreto que a organização da quadrilha ou bando representa por si mesma, e não passaria de mero ato preparatório, penalmente irrelevante".
 
9. Por fim - embora não possa exercer qualquer influência neste julgamento - cabe observar, a despeito da afirmação dos impetrantes de que o TRF da 4ª Região deferiu aos pacientes o HC 2004.04.01.005937-9, para garantir-lhes o direito à suspensão da ação penal referente ao crime de sonegação fiscal (fl. 8), que tal decisão não veio aos autos, mas, ao contrário, foi juntada apenas cópia do acórdão proferido por aquela Corte no HC 2003.04.01.040889-8, em que foi refutado tal pedido, à míngua de comprovação do efetivo parcelamento do débito fiscal em questão (fls. 277/278).
 
Ante o exposto, conheço do habeas-corpus em parte, mas denego a ordem na parte conhecida.

* acórdão publicado no DJU de 27.8.2004




Assessora responsável pelo Informativo

Anna Daniela de A. M. dos Santos e Silva
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Informativo STF - 358 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

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