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terça-feira, 4 de novembro de 2008

Informativo STF 356 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 9 a 13 de agosto de 2004- Nº356.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO

Plenário
Falsidade Ideológica e Potencialidade Lesiva
Perda de Representação de Partido e Legitimidade para ADI
ADI e Ato Regulamentar
Associação de Associações: Legitimidade para ADI - 2
Crédito-Prêmio do IPI: Delegação de Atribuições
IPTU e Alíquotas Progressivas
Primeira Turma
Impetração Sucessiva de Habeas Corpus e Julgamento Definitivo
Inquérito Policial e Direito de Vista
Militar: Estelionato e Direito a Transporte
Segunda Turma
Terras Indígenas e Ocupação por Posseiros
Suspensão de Ação Penal e Parcelamento de Débito Tributário
Crime contra o Sistema Financeiro e Comunicação de Condição de Caráter Pessoal
Progressão de Regime e Revogação
Clipping do DJ
Transcrições

ADI e Loteria Social do DF (ADI-2847)
PLENÁRIO

Falsidade Ideológica e Potencialidade Lesiva

O Tribunal recebeu denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra ex-Governador do Estado de Santa Catarina, atual Deputado Federal, pela suposta prática do crime de falsidade ideológica, decorrente de declaração falsa por ele inserida em ordem de serviço que resultara na emissão indevida de títulos da dívida pública daquele Estado (CP, art. 299, e parágrafo único: "Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:... Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte."). Tratava-se, na espécie, de ação penal que tramitara perante a Justiça Federal da Seção Judiciária de Santa Catarina, remetida a este Tribunal em decorrência da diplomação do ex-Governador como Deputado Federal, em se imputava ao mesmo e a outros a prática de diversos delitos. Inicialmente, com base em precedente do STF (Inq 1690/PE) no sentido de não admitir a equiparação de Estado a uma instituição financeira nos termos do art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.492/86, declarou-se a não-ocorrência dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional em relação a todos os denunciados (Lei 7.492/86, arts. 5º, 6º e 7º). Em conseqüência, decretou-se a nulidade do recebimento da denúncia pelo juízo federal, em razão de sua incompetência absoluta. Em relação ao parlamentar, determinou-se, por atipicidade, o arquivamento dos crimes de dispensa ou de inexigibilidade de licitação (Lei 8.666/93, art. 89) e de falsidade ideológica na confecção de listas precatórias (CP, art. 299). Recebeu-se a denúncia, em relação ao mesmo deputado, apenas quanto ao crime de falsidade ideológica da ordem de serviço. Salientou-se que o fato da Justiça Federal de Santa Catarina não ter encaminhado o inquérito que originara a ação penal ao STF, em razão da suposta participação de senador nesse crime, seria irrelevante, tendo em conta não existirem nos autos elementos que comprovassem essa suposta participação, bem como por não caber invocar o princípio da indivisibilidade na ação penal pública. Ressaltou-se que a realização pericial na ordem de serviço seria prescindível ao oferecimento da denúncia, tendo em vista a existência de cópias não-autênticas da mesma, que constituiriam vestígios do delito e, ainda, da assertiva do próprio acusado no sentido de admitir a existência do documento. Asseverou-se que o fato da expedição da ordem de serviço não ter sido suficiente para os fins do disposto no art. 33 do ADCT da CF e, conseqüentemente, para a emissão das Letras Financeiras estaduais, não descaracterizaria a prática da conduta criminosa, porquanto a falsidade realizada alterara verdade juridicamente relevante, com potencialidade para prejudicar direito. Salientou-se que o crime de falsidade ideológica não exige dano efetivo, sendo suficiente a potencialidade do evento danoso, e que, no caso, a falsificação inserida na ordem de serviço revestira-se dessa potencialidade, pois possibilitara ao Estado de Santa Catarina emitir os títulos da dívida pública, o que, em conseqüência, gerara enormes prejuízos àquele Estado, na medida em que ocasionara o surgimento de uma dívida desnecessária para o mesmo. Afastou-se, ainda, a alegação de que a falsificação, caso ocorrida, "seria mero crime-meio, absorvido pelo crime-fim de emissão fraudulenta de títulos públicos", ou seja, "meios para a realização do tipo penal descrito no artigo 7º da Lei nº 7.492/86, não podendo ser consideradas como crimes autônomos", em face da incoerência do argumento, tendo em conta o fato de o próprio denunciado reconhecer a impossibilidade de existência do crime tipificado na Lei 7.492/86. Determinou-se, por fim, o desmembramento do feito, com traslado de cópias do processo, a fim de que seja encaminhado à Justiça Estadual de Santa Catarina para adoção de providências cabíveis em relação aos demais envolvidos.
AP 351/SC, rel. Min. Marco Aurélio, 12.8.2004.(AP-351)

Perda de Representação de Partido e Legitimidade para ADI

O Tribunal, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto contra decisão do Min. Carlos Velloso, relator, que, por ilegitimidade ativa ad causam, negara seguimento a ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Social Liberal - PSL contra as expressões "conjunta dos Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e", constantes do art. 7º da Emenda Constitucional 19/98, que incluíra o inciso XV no art. 48 da CF, dispondo sobre a iniciativa legislativa para a fixação do subsídio dos Ministros do STF. Entendeu-se que a aferição da legitimidade deve ser feita no momento da propositura da ação e que a perda superveniente de representação do partido político no Congresso Nacional não o desqualifica como legitimado ativo para a ação direta de inconstitucionalidade. Vencidos o Min. Carlos Velloso, relator, e Celso de Mello, que consideravam que a perda da representação implicava a perda da capacidade postulatória. Em seguida, declarou-se prejudicado o pedido, em face do advento da Emenda Constitucional 41/2003, que alterou o inciso XV do art. 48 da CF, na redação que lhe havia sido dada pela EC 19/98.
ADI 2159 AgR/DF, rel. originário Min. Carlos Velloso, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, 12.8.2004.(ADI-2159)

ADI e Ato Regulamentar

Com base no entendimento supracitado, quanto à legitimidade ativa para a ADI, o Tribunal, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto contra decisão do Min. Carlos Velloso, relator, que, também por ilegitimidade ativa ad causam, negara seguimento a agravo regimental em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Social Liberal - PSL contra o Provimento nº 34, de 28 de dezembro de 2000, da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que regulamenta a Lei dos Juizados Especiais ("Provimento nº 34, de 28.12.2000. Capítulo 18, Juizado Especial Criminal. Seção, 2, Inquérito Policial e Termo Circunstanciado: '18.2.1 - A autoridade policial, civil ou militar, que tomar conhecimento da ocorrência, lavrará termo circunstanciado, comunicando--se com a secretaria do juizado especial para agendamento da audiência preliminar com intimação imediata dos envolvidos'"). Vencidos, no ponto, os Ministros Carlos Velloso e Celso de Mello, pelas mesmas razões acima mencionadas. Em seguida, negou-se provimento ao agravo regimental interposto contra a decisão do Min. Carlos Velloso, relator, que negara seguimento à mencionada ação direta de inconstitucionalidade. Entendeu-se que o ato normativo impugnado não é ato normativo primário, mas secundário, interpretativo de lei ordinária (Lei 9.099/95), tratando a questão, não de inconstitucionalidade, mas de ilegalidade se o ato regulamentar vai além do conteúdo da lei.
ADI 2618 AgRAgR/PR, rel. Min. Carlos Velloso, 12.8.2004.(ADI-2618)

Associação de Associações: Legitimidade para ADI - 2

O Tribunal concluiu julgamento de agravo regimental em ação direta de inconstitucionalidade no qual se discutia se entidades que congregam pessoas jurídicas consubstanciam entidades de classe de âmbito nacional, para os fins de legitimação para a propositura de ação direta. Tratava-se, na espécie, de agravo regimental interposto pela Federação Nacional das Associações dos Produtores de Cachaça de Alambique - FENACA contra decisão do Min. Celso de Mello, relator, que, por ausência de legitimidade ad causam da autora, julgara extinto o processo e declarara o prejuízo da apreciação do pedido de medida cautelar - v. Informativo 346. Por maioria, deu-se provimento ao recurso, por se entender que a autora possui legitimidade ad causam, haja vista ser entidade de classe que atua na defesa da mesma categoria social, apesar de se reunir em associações correspondentes a cada Estado. Vencidos os Ministros Celso de Mello, relator, e Carlos Britto que mantinham a decisão agravada, salientando a orientação da Corte segundo a qual não se qualificam como entidades de classe aquelas que, congregando exclusivamente pessoas jurídicas, apresentam-se como verdadeiras associações de associações, nem tampouco as pessoas jurídicas de direito privado, ainda que coletivamente representativas de categorias profissionais ou econômicas. (CF, art. 103: "Podem propor a ação de inconstitucionalidade:... IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.").
ADI 3153 AgR/DF, rel. Min. Celso de Mello, rel. p/ acordão Min. Sepúlveda Pertence, 12.8.2004.(ADI-3153)

Crédito-Prêmio do IPI: Delegação de Atribuições

O Tribunal retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade do art. 1º do Decreto-lei 1.724/79 ["Art. 1º - O Ministro de Estado da Fazenda fica autorizado a aumentar ou reduzir, temporária ou definitivamente, ou extinguir os estímulos fiscais de que tratam os artigos 1º e 5º do Decreto-lei nº 491 de 5 de março de 1969." ('Art 1º As emprêsas fabricantes e exportadoras de produtos manufaturados gozarão a título estimulo fiscal, créditos tributários sôbre suas vendas para o exterior, como ressarcimento de tributos pagos internamente. §1º Os créditos tributários acima mencionados serão deduzidos do valor do Impôsto sôbre Produtos Industrializados incidente sôbre as operações no mercado interno. §2º Feita a dedução, e havendo excedente de crédito, poderá o mesmo ser compensado no pagamento de outros impostos federais, ou aproveitado nas formas indicadas por regulamento.'; 'Art 5º É assegurada a manutenção e utilização do crédito do IPI relativo às matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem efetivamente utilizados na industrialização dos produtos exportados.' )]. Trata-se, na espécie, de recurso extraordinário interposto pela União contra acórdão do TRF da 4ª Região que adotara precedente do Plenário daquela Corte no qual se declarara a inconstitucionalidade da norma impugnada. Na sessão de 20.11.97, o Min. Maurício Corrêa, relator, conheceu do recurso e lhe deu provimento para afastar a inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal de origem, por entender que a delegação de atribuições ao Ministro de Estado da Fazenda, que resultou na edição de portarias que "reduziram, extinguiram ou modificaram" a base de cálculo dos incentivos fiscais à exportação de manufaturados previstos no Decreto-lei 491/69 (Crédito-Prêmio - IPI), encontrava-se consentânea com a CF/69, diante da regra do art. 81, V ("Art. 81 - Compete privativamente ao Presidente da República:... V - dispor sobre a estruturação, atribuições e funcionamento dos órgãos da administração federal;"), e da faculdade prevista no parágrafo único do mesmo artigo ("O Presidente da República poderá outorgar ou delegar atribuições mencionadas nos itens V, VIII, primeira parte, XVIII e XXII deste artigo aos Ministros de Estado ou a outras autoridades, que observarão os limites traçados nas outorgas e delegações."). Na mesma sessão, o Min. Nelson Jobim acompanhou o voto do relator. O Min. Marco Aurélio, em voto-vista, conheceu do recurso e o desproveu, e declarou a inconstitucionalidade do art. 1º do Decreto-lei 1.724/79, no que implicou a delegação ao Ministro de Estado da Fazenda para extinguir os mencionados incentivos fiscais, por considerar violado o princípio da legalidade, haja vista ter-se disposto, por meio de portaria, sobre crédito tributário, e também o parágrafo único do art. 6º da CF/69, que proibia a delegação de atribuições a qualquer dos Poderes ("Salvo as exceções previstas nesta Constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições..."). Após, o Min. Carlos Velloso pediu vista.
RE 208260/RS, rel. Min. Maurício Corrêa, 12.8.2004.(RE-208260)

IPTU e Alíquotas Progressivas

O Tribunal, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário para declarar a inconstitucionalidade do art. 17 da Lei 1.354, de 22 de dezembro de 1979, com a redação dada pela Lei Complementar 178, de 22 de dezembro de 1996, ambas do Município de Maringá/PR, que estabeleciam alíquotas progressivas para o Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU. Tratava-se, na espécie, de recurso interposto contra acórdão do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, que reformara sentença concessiva de segurança que declarara a nulidade de lançamentos do IPTU referente ao exercício de 1997. Tendo em conta a inexistência, à época, de lei federal regulamentando o art. 182, §4º, da CF, e a ausência de Plano Diretor, adotou-se o entendimento do STF fixado no RE 153771/MG (DJU de 5.9.97), no sentido de que a única progressividade admitida pela CF/88, em relação ao IPTU, é a extrafiscal, destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana. Vencido o Min. Carlos Velloso que negava provimento ao recurso e declarava a constitucionalidade da progressividade das alíquotas.
RE 400780/PR, rel. Min. Marco Aurélio, 12.8.2004.(RE-400780)


PRIMEIRA TURMA


Impetração Sucessiva de Habeas Corpus e Julgamento Definitivo

A Turma aplicou o entendimento firmado no Enunciado 691 da Súmula do STF ("Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.") para indeferir habeas corpus impetrado contra decisão do STJ que negara seguimento a outro habeas corpus, por entender incabível a impetração contra decisão singular que indefere liminar antes do julgamento em definitivo do writ. Asseverou-se, ainda, que, na espécie, a apreciação de eventuais fatos novos ou a verificação acerca do posterior desaparecimento das razões que justificaram a expedição do decreto de prisão preventiva deveriam ser feitas pela instância competente, cuja jurisdição não estava exaurida. Precedentes citados: HC 79238/RS (DJU de 6.8.99); HC 79776/RS (DJU de 3.3.2000); HC 79775/AP (DJU de 17.3.2000) e HC 79748/RJ (DJU de 23.6.2000).
HC 84009/SP, rel. Min. Carlos Britto, 10.8.2004.(HC-84009)

Inquérito Policial e Direito de Vista

A Turma julgou habeas corpus impetrado em favor de paciente - objeto de inquérito policial - a cujos advogados constituídos as instâncias ordinárias denegaram, em mandado de segurança, o direito de vista dos autos do inquérito e a obtenção de cópias, sob o fundamento de que deveria ser assegurado, no transcurso do procedimento investigatório, o sigilo necessário à elucidação dos fatos (CPP, art. 20), e que a regra do inc. XIV do art. 7º da Lei 8.906/94, que confere o acesso amplo e irrestrito do advogado aos autos do inquérito policial, deveria ser interpretada tendo em conta a supremacia do interesse público, de forma a se restringir a publicação de casos em que o sigilo das investigações fosse imprescindível para a apuração do ilícito penal e de sua autoria. Inicialmente, afastou-se a preliminar de não conhecimento do writ, suscitada pelo Ministério Público Federal, no sentido de não se admitir habeas corpus para defesa de outros interesses que não o da constrição ou do risco efetivo de constrição à liberdade de locomoção física do paciente. Entendeu-se que o caso era de constrangimento que, se existente e ilegal, poderia resultar em prejuízo da defesa do paciente no processo e, em tese, redundar em condenação à pena privativa de liberdade ou na mensuração desta. Salientou-se que o mesmo constrangimento ao exercício da defesa pode substantivar violação à prerrogativa profissional do advogado, questionável por meio de mandado de segurança, e ameaça, já que mediata, à liberdade do indiciado, por isso legitimado a figurar como paciente no writ voltado a fazer cessar a restrição à atividade de seus defensores. No mérito, considerou-se inexistente o aparente conflito entre os interesses contrapostos. Asseverou-se que a Lei 8.906/94 resolveu em favor da prerrogativa do defensor e contra a oponibilidade ao advogado do sigilo decretado do inquérito, uma vez que no inciso XIV do seu art. 7º não fez nenhuma distinção entre inquéritos sigilosos e não sigilosos. Além disso, concluiu-se que essa oponibilidade esvaziaria a garantia prevista no inciso LXIII, do art. 5º, da CF (" o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;"), cuja interpretação alcança o indiciado solto, no sentido de a ele também se estender o direito ao silêncio e, no mínimo, a faculdade da assistência técnica do advogado que constituir, a qual, por sua vez, não seria devidamente prestada se sonegado ao defensor o acesso aos autos do inquérito. Dessa forma, deferiu-se o writ para que aos advogados constituídos pelo paciente se faculte a consulta aos autos do inquérito policial e a obtenção de cópias pertinentes antes da data designada para a sua inquirição. Precedente citado: HC 79191/SP (RTJ 171/258).
HC 82354/PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 10.8.2004.(HC-82354)

Militar: Estelionato e Direito a Transporte

A Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de militar acusado da suposta prática do crime de estelionato, previsto no art. 251 do Código Penal Militar ("Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento:"), no qual se pretendia trancar a ação penal contra ele instaurada, sob a alegação de falta de justa causa. Na espécie, o paciente, que residia no Rio de Janeiro, ao passar para a reserva remunerada, informara que fixaria residência em Natal/RN, recebendo, por isso, a indenização de transporte a que alude o inciso II do art. 58 da Lei 8.237/91 ("Art. 58. O militar da ativa, ao ser transferido para a inatividade remunerada, faz jus aos seguintes direitos:... II - ao transporte para si, seus dependentes e um empregado doméstico, bem como à translação da respectiva bagagem, do local onde servia para outra localidade do território nacional onde declarou fixar residência."). De acordo com investigações posteriores, ter-se-ia apurado que o imóvel indicado pelo paciente fora alugado a terceiros, tendo o paciente retornado ao Rio de Janeiro. Entendeu-se que, em tese, os fatos consubstanciaram o crime - e que, na instrução criminal, o procedimento imputado ao paciente há de ser comprovado pelo Ministério Público -, uma vez que a afirmação de deslocamento para local mais distante, a fim de obter verbas superiores a título de indenização, deixando-se de implementar o que alegado, implica o induzimento da Administração Pública, mediante fraude, a erro, alcançando-se vantagem indevida em prejuízo do erário.
HC 83673/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 10.8.2004.(HC-83673)

SEGUNDA TURMA

Terras Indígenas e Ocupação por Posseiros

A Turma deu provimento a recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal contra acórdão do TRF da 1ª Região que provera agravo de instrumento interposto contra decisão proferida pelo Juiz Federal da 5ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso que, em ação civil pública, autorizara o retorno da Comunidade Indígena Xavante às terras que lhe foram destinadas, sem prejuízo da permanência dos posseiros na área. O acórdão impugnado apresentara, em síntese, os seguintes fundamentos: a) a permanência dos posseiros no local estaria resguardada por anterior decisão judicial; b) o caráter litigioso da área em questão; c) a inexistência de comprovação, nos autos, de que tivessem sido adotadas medidas concretas, visando à separação dos grupos indígenas e de possuidores, para garantia da incolumidade física de ambos; e d) a precipitação da medida, que resultaria em fator de conflito social. Nos autos da mesma ação civil pública, o TRF da 1ª Região, em outro agravo de instrumento, já transitado em julgado, considerando precipitada a medida, cassara liminar anteriormente concedida pelo referido juízo federal, em que fora determinada a desocupação da área, tão logo fosse concluída a demarcação das terras de Marãiwatsede pela FUNAI e pela União e estas apresentassem alternativa de reassentamento dos posseiros noutro local. Ressaltou-se, inicialmente, que a discussão da causa limitava-se à solução dada pelo juízo federal que criara situação peculiar, ao determinar o retorno dos indígenas, porquanto a ocupação da área não se daria com exclusividade pelos silvícolas, mas em conjunto com os posseiros lá fixados. Ademais, salientou-se, ainda, ser fato incontroverso a declaração das terras como tradicionalmente ocupadas pelos índios pela Portaria 363/93, do Ministro de Estado da Justiça, homologada por Decreto do Presidente da República, contra o qual fora proposta ação de nulidade do processo de demarcação, cujos efeitos persistem, uma vez que até o momento não houve decisão judicial que os suspendessem. Entendeu-se: a) que o acórdão recorrido ofendera os arts. 231 e 232, ambos da CF, ao negar a legítima posse aos Xavantes; b) que a decisão do juízo federal não fora açodada, já que a demarcação está homologada por decreto presidencial e que, passados mais de cinco anos, os índios ainda se encontram afastados de suas terras e c) que a mera alusão a iminente conflito não se prestaria a suspender a mencionada decisão, tendo em conta que a área destinada aos silvícolas não seria a ocupada pelos posseiros. Afastou-se, por fim, a alegação de ofensa ao Enunciado 283 da Súmula do STF, consistente no argumento de que o direito indígena cederia, momentaneamente, espaço a um direito maior a ser assegurado, qual seja, o direito à vida e à segurança pessoal dos silvícolas, dos posseiros e de suas famílias (CF, art. 5º, caput). Considerou-se que, além de ser apriorística essa hierarquização de preceitos constitucionais, a aludida tensão não seria fundamento suficiente do acórdão recorrido porque, ao se pretender ver reconhecida a violação ao art. 231, da CF, seria implícito que se estaria a pleitear o reconhecimento de um direito a ser exercido pelos índios e, tal como o reconhecimento de qualquer outro direito, dependeria logicamente de não se negar o direito à vida. Proveu-se o recurso para se restabelecer a decisão proferida pelo juízo de origem, a fim de se determinar o retorno da Comunidade Indígena Xavante à Terra Indígena Marãiwatsede, sem prejuízo, por enquanto, da permanência dos posseiros na área onde se encontram. Precedente citado: RE 183188/MS (DJU de 14.2.97).
RE 416144/MT, rel. Min. Ellen Gracie, 10.8.2004.(RE-416144)

Suspensão de Ação Penal e Parcelamento de Débito Tributário

A Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado em favor de sócios-administradores de empresa, denunciados pela suposta prática dos delitos previstos no art. 36, parágrafo único, da Lei 6.538/78; no art. 296, do CP e no art. 1º, IV, da Lei 8.137/90, todos em concurso material. Pretende-se, na espécie, o trancamento da ação penal, sob a alegação de: a) incompetência da justiça federal, em razão da matéria, para processar os pacientes, uma vez que não ocorrera dano à Caixa Econômica Federal - CEF e à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT; b) incompetência da justiça de Tocantins, em razão do local, haja vista que a suposta utilização de documento falso ocorrera em outro Estado; e c) negativa de autoria dos fatos imputados. O Min. Joaquim Barbosa, relator, por entender existir questão prejudicial ao mérito da impetração, consistente na existência de parcelamento de débito tributário junto à Fazenda do Estado de Tocantins, concedeu habeas corpus de ofício, para suspender a ação penal movida contra os pacientes, a teor do disposto no art. 9º, caput, da Lei 10.684/2003 e na Lei Complementar 104/2001, que alterou a redação do art. 151 do CTN. Asseverou-se, por fim, que essas últimas normas estão em consonância com o entendimento do STF, no sentido de exigir a ocorrência do lançamento "definitivo" para fins de consumação do crime do art. 1º, da Lei 8.137/90. Após, pediu vista o Min. Gilmar Mendes.
HC 83936/TO, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10.8.2004.(HC-83936)

Crime contra o Sistema Financeiro e Comunicação de Condição de Caráter Pessoal

A Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia o trancamento de ação penal instaurada contra denunciado como suposto partícipe em delito de tomada vedada de empréstimo (Lei 7.492/86, art. 17: "Tomar ou receber, qualquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta Lei, direta ou indiretamente, empréstimo ou adiantamento, ou deferi-lo a controlador, a administrador, a membro do conselho estatutário, aos respectivos cônjuges, aos ascendentes ou descendentes, a parentes na linha colateral até o segundo grau, consangüíneos ou afins, ou a sociedade cujo controle seja por ela exercido, direta ou indiretamente, ou por qualquer dessas pessoas:..."), sob a alegação de ofensa ao princípio da reserva legal em matéria penal, em razão de ter sido estendido ao paciente prática de crime próprio, quanto ao sujeito. Entendeu-se que, apesar de o paciente não ser controlador, administrador, diretor ou gerente de instituição financeira, essa qualidade, por ser elementar do crime, deveria ser a ele estendida, em observância ao disposto no art. 30, do CP ("Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.") Precedente citado: HC 81438/RJ (DJU de 10.5.2002).
HC 84238/BA, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10.8.2004.(HC-84238)

Progressão de Regime e Revogação

A Turma, em razão das especificidades do caso concreto, concedeu habeas corpus para restabelecer decisão que deferira pedido de progressão de regime formulado por condenado pela prática de crime hediondo à pena de reclusão em regime fechado, e para determinar a sua imediata transferência para o regime semi-aberto. Na espécie, o juízo da execução revogara unilateralmente, sem provocação por parte do Ministério Público, sob o argumento de que o delito praticado seria hediondo, decisão em que deferira, com base em parecer favorável do parquet, a progressão do regime estabelecido. Tendo em conta ter sido a progressão aprovada pelo órgão ministerial e, ainda, precedentes do STF no sentido de não admitir a revogação de decisão deferitória de progressão de regime em que verificado trânsito em julgado ou preclusão, entendeu-se indevida a revogação efetivada de ofício. Precedentes citados: HC 79385/SP (DJU de 15.10.99); HC 83911/RJ (DJU de 23.4.2004).
HC 84151/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.8.2004.(HC-84151)


Sessões  Ordinárias  Extraordinárias  Julgamentos
Pleno  --  12.8.2004 6
1ª Turma 10.8.2004 -- 44
2ª Turma 10.8.2004 -- 82


C L I P P I N G  D O  D J

13 de agosto de 2004
RE N. 140.671-CE
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CF/69. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. DUPLA FONTE PAGADORA. RECOLHIMENTO TRIMESTRAL. DL nº 2.396/87 E 2.419/88. CONSTITUTIONALIDADE.
1. O DL nº 2.396/87 foi publicado no Diário Oficial da União no dia 22/12/1987, para ser aplicado no ano de 1988, em total conformidade, portanto, com a norma do art. 153, § 29 da CF/69.
2. A norma do caput do art. 3º do Decreto-Lei nº 2.396/87 não revela delegação indevida para o Ministro da Fazenda estabelecer as alíquotas ou a base de cálculo do imposto de renda, que, conforme previsto no item 5º deste artigo, encontram-se fixadas no art. 6º deste decreto-lei.
3. Não ofendia a Carta decaída, tampouco configurava instituição irregular de empréstimo compulsório, a sistemática de recolhimento do imposto de renda, na fonte, mês a mês ou o seu pagamento trimestral, para posterior reajuste anual.
4. A regra do art. 2º do Decreto-Lei nº 2.419/88 apenas atualizou monetariamente os valores constantes na tabela do art. 6º do Decreto-Lei nº 2.396/87, medida que não representou majoração da alíquota ou da base de cálculo do imposto, pelo contrário, beneficiou o contribuinte.
5. Os artigos 4º e 5º do Decreto-Lei 2.419/88 modificaram os itens 4º e 5º do art. 3º do Decreto-Lei nº 2.396/87, contudo, apenas para melhorar a técnica da redação primitiva e a ampliação da faixa de dispensa do recolhimento trimestral do imposto de renda.
6. As inovações do Decreto-Lei nº 2.419/88 não implicaram criação ou aumento de tributo. Ofensa ao princípio da anterioridade tributária afastada.
7. Recurso extraordinário conhecido e provido.
* noticiado no Informativo 354

RE N. 212.558-RS
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IPTU. MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE. LC 285/92. MUDANÇA NA PLANTA DE VALORES. ALÍQUOTA PROGRESSIVA. IMÓVEL RESIDENCIAL E NÃO-RESIDENCIAL. DIFERENÇA NA BASE DE CÁLCULO.
1. O Tribunal a quo, ao analisar a legislação tributária do Município de Porto Alegre, concluiu que a majoração na base de cálculo do IPTU se deu mediante a aprovação da competente lei complementar. Afastada a alegação de ofensa ao princípio da legalidade.
2. Antes da edição da EC nº 29/2000, este Supremo Tribunal decidiu que é inconstitucional qualquer progressividade do IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal. Súmula nº 668. 
3. O acórdão recorrido, além de julgar legítima a norma que diminuiu apenas base de cálculo do IPTU incidente sobre imóveis residenciais, entendeu que eventual declaração de sua inconstitucionalidade em nada aproveitaria aos recorrentes. Apenas o primeiro destes fundamentos foi impugnado no extraordinário. Incidência da Súmula STF nº 283.
4. Recurso extraordinário conhecido em parte e, nessa parte, provido, para afastar a cobrança de alíquotas progressivas do IPTU.
* noticiado no Informativo 354

Acórdãos Publicados: 297

T R A N S C R I Ç Õ E S

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
_______________________________________________________________________________
ADI e Loteria Social do DF (Transcrições)

(v. Informativo 355)

ADI 2847/DF*

RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO

Relatório: O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, com fundamento no art. 103, VI, da Constituição Federal, propõe ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de suspensão cautelar, das Leis Distritais:

a) 1.176, de 29 de julho de 1996, que "institui e regulamenta a Loteria Social do Distrito Federal" (fls. 20/21);

b) 2.793, de 16 de outubro de 2001, que "altera dispositivos da Lei 1.176, de 29 de julho de 1996" (fls. 24/25); 

c) 3.130, de 16 de janeiro de 2003, que "altera dispositivos da Lei nº 1.176, de 29 de junho de 1996, alterada pela Lei nº 2.793, de 16 de outubro de 2001" (fl. 22);

d) 232, de 14 de janeiro de 1992, que "autoriza o Governo do Distrito Federal a instituir a Loteria Social e dá outras providências" (fl. 23).

Sustenta o requerente, em síntese, o seguinte:

a) violação ao inciso XX do art. 22 da Constituição Federal, dado que a competência legislativa para dispor sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive loterias e bingos, é privativa da União;

b) violação ao inciso I do art. 22 da Constituição Federal, mormente porque, nos termos do art. 1º do D.L. 204/67, "a exploração de loteria federal dar-se-á como derrogação excepcional das normas de Direito Penal, constituindo serviço público exclusivo da União não suscetível de concessão, sendo permitida apenas nos termos do mencionado Decreto-lei" (fl. 11).

Ao final, requer o autor seja concedida medida cautelar para suspender, até o julgamento final da ação, a eficácia das Leis Distritais 1.176/96, 2.793/2001, 3.130/2003 e 232/92, que versam sobre a Loteria Social do Distrito Federal.

Solicitadas informações (fl. 58), na forma do art. 12 da Lei 9.868/99, o Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal sustentou, em síntese, o seguinte (fls. 64/77):

a) necessidade da análise de diploma infraconstitucional, no caso, o D.L. 204/67, o que inviabiliza o controle concentrado de constitucionalidade;

b) constitucionalidade das normas impugnadas, porquanto a legislação distrital atende ao disposto no art. 195, III, da Constituição Federal, que autoriza a instituição de concursos de prognósticos pelas loterias estaduais para assegurar o financiamento da seguridade social.

Por sua vez, a Governadora do Distrito Federal em exercício, em suas informações (fls. 80/88), sustentou, preliminarmente, a inépcia da inicial, consubstanciada na impugnação genérica e abstrata das normas tidas como inconstitucionais e na ausência de pedido principal de declaração de inconstitucionalidade, requisitos essenciais ao conhecimento da presente ação. No mérito, aduziu, em síntese, a constitucionalidade das normas impugnadas. 

O ilustre Advogado-Geral da União, Dr. Álvaro Augusto Ribeiro Costa, manifestou-se no sentido de que "a estrita observância à jurisprudência dessa Excelsa Corte conduz ao entendimento de que a legislação distrital instituidora e regulamentadora de loteria não se coaduna com a diretriz estabelecida sobre essa matéria na Constituição da República" (fl. 93). 

O eminente Procurador-Geral da República, Prof. Geraldo Brindeiro, opinou pela procedência da presente ação, para que seja declarada a inconstitucionalidade das Leis Distritais 1.176/96, 2.793/2001 e 3.130/2003, bem como da Lei Distrital 232/92, tendo em vista a possibilidade de efeito repristinatório (fls. 96/105).

É o relatório, do qual serão expedidas cópias aos Exmºs Srs. Ministros.


Voto: Sustenta-se que as leis distritais objeto da causa, que dispõem sobre a Loteria Social do Distrito Federal, são inconstitucionais, porque usurpam competência da União para legislar sobre direito penal (C.F., art. 22, I), bem como sobre sistema de consórcios e sorteios, incluindo-se, nesse contexto, as loterias e bingos (C.F., 22, XX).

Tanto o ilustre Advogado-Geral da União, Dr. Álvaro Augusto Ribeiro Costa, quanto o não menos ilustre Procurador-Geral da República, Prof. Geraldo Brindeiro, opinam no sentido da inconstitucionalidade das leis objeto da causa. O primeiro registrou:

"(...) A estrita observância à jurisprudência dessa Excelsa Corte conduz ao entendimento de que a legislação distrital instituidora e regulamentadora de loteria não se coaduna com a diretriz estabelecida sobre essa matéria na Constituição da República.(...)." (fl. 93)

O eminente Procurador-Geral da República assim se manifestou:

"(...) 5. Conforme determina o art. 1º, do Decreto-Lei nº 204, de 27 de fevereiro de 1967, a exploração de loteria dar-se-á como derrogação excepcional das normas de Direito Penal, constituindo serviço público exclusivo da União não suscetível de concessão, sendo permitida apenas nos termos do mencionado Decreto-lei.
6. Dessa forma, e com fulcro no que dispõe o inciso I do art. 22 da Constituição Federal, tratando-se de excepcional derrogação das normas de Direito Penal, resta evidente ter a Câmara Legislativa e o Governador do Distrito Federal invadido competência privativa da União para legislar sobre matéria afeta ao direito penal. 
7. Nesse sentido, válido transcrever manifestação do eminente Ministro-Relator ILMAR GALVÃO, quando do julgamento da ADIMC nº 1.169/DF, publicada no DJ de 29 de junho de 2001, no que tange à inobservância da competência privativa da União para legislar sobre direito penal, in verbis:
'(...) A competência legislativa, entre nós, para autorizar a prática de loteria, como tal considerada 'toda ocupação que, mediante a distribuição de bilhete, listas, cupons, vales, sinais, símbolos ou meios análogos, faz depender de sorteio a obtenção de prêmio em dinheiro ou bens de outra natureza' (art. 51, § 2º, do DL 3.688/41), sem sombra de dúvida, é da União, ente a que a Constituição Federal conferiu privativamente a iniciativa legislativa sobre direito penal (art. 22, I, da CF/88), da qual se infere, por via de conseqüência, a competência de descriminalização das loterias, por meio da autorização prevista no referido decreto-lei (art. 51, § 3º).'
8. Ademais, as Leis distritais ofenderam ainda o disposto no inciso XX do citado art. 22, haja vista estarem as loterias abrangidas pela terminologia sorteios, utilizada pela Constituição Federal no mencionado dispositivo legal. Afinal, o conceito de sistema de sorteios, preconizado pelo constituinte originário, abrange toda espécie de jogo cujo resultado dependa do acaso. Assim sendo, forçoso concluir pela inconstitucionalidade formal das normas distritais oras impugnadas, na medida em que houve clara inobservância aos ditames de competência legislativa fixados pelo Texto Maior.
9. Válido, pois, trazer à colação trecho do voto proferido pelo eminente Ministro CARLOS VELLOSO, nos autos da supra mencionada ADIMC nº 1.169/DF, vejamos:
'(...) De outro lado, a lei, no § 1º do art. 57, ao dizer que 'o órgão competente de cada Estado e do Distrito Federal normatizará e fiscalizará a realização dos eventos de que trata este artigo', faz tábula rasa do disposto no art. 22, inciso XX, da Constituição, ao estabelecer que compete privativamente à União legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios. Na verdade, a Lei 8672, de 1993, institui jogatina desenfreada nas grandes cidades dos Estados e quer fazer destes o regulamentador e disciplinador dessa desenfreada jogatina, que não presta obséquio à sociedade brasileira e serve apenas para enriquecer grupos de pessoas'.
11. Ante o exposto, e pelas razões aduzidas, opina o Ministério Público Federal pela procedência da presente ação direta, para que seja declarada a inconstitucionalidade das Leis nº 1.176, de 29/07/1996; 2.793, de 16/10/2001; 3.130, de 16/01/2003; bem como da Lei nº 232, de 14/01/1992, tendo em vista a possibilidade de efeito repristinatório.(...)." (fls. 103-105)

Corretos os entendimentos.

Tem-se, com a exploração de loteria, derrogação excepcional de normas de Direito Penal: D.L. 204, de 27.02.67. A competência legislativa, por isso mesmo, é da União, na forma do que dispõe o art. 22, I, da Constituição Federal. Nesse sentido, aliás, o decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 1.169-MC/DF, Relator o Ministro Ilmar Galvão.

Ademais, porque as loterias estão abrangidas pela terminologia sorteios, segue-se que a competência para legislar a respeito é da União: C.F., art. 22, XX.

Reporto-me, no ponto, ao voto que proferi quando do julgamento da citada ADI 1.169-MC/DF, transcrito nas manifestações dos ilustres Advogado-Geral da União e Procurador-Geral da República.

Do exposto, julgo procedente a ação e declaro a inconstitucionalidade das Leis 1.176, de 29.7.96, 2.793, de 16.10.2001, 3.130, de 16.01.2003, e 232, de 14.01.92, todas do Distrito Federal.

* acórdão pendente de publicação


Assessora responsável pelo Informativo
Anna Daniela de A. M. dos Santos e Silva
informativo@stf.jus.br

 
Praça dos Três Poderes - Brasília - DF - CEP 70175-900 Telefone: 61.3217.3000

Informativo STF - 356 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

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