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segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Informativo STF 346 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 3 a 7 de maio de 2004- Nº346.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO



Imunidade Parlamentar Material
"Associações de Associações": Legitimidade para a ADI
Propaganda Eleitoral e Crime contra a Honra
Recebimento da Nota Verbal e Prescrição
Juntada do Incidente de Inconstitucionalidade
Tribunal de Contas do DF: Modelo Federal
Contribuição Previdenciária do Estado do RS - 2
Vinculação ao Salário Mínimo - 2
Estupro e Atentado Violento ao Pudor: Natureza
Consunção e Crime de Falso - 2
Associação e Legitimidade Ativa - 2
ADI e Softwares Abertos (Transcrições)
Lei ainda Constitucional - CPP, art. 68 (Transcrições)

PLENÁRIO


Imunidade Parlamentar Material

As manifestações sobre matéria alheia ao exercício do mandato não estão abrangidas pela imunidade material dos deputados e senadores prevista no art. 53 da CF - na redação dada pela EC 35/2001: "Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos". Com base nesse entendimento, o Tribunal afastou a incidência, no caso, da alegada inviolabilidade parlamentar mas, entendendo que as declarações do querelado não constituem crime contra a honra, rejeitou queixa-crime oferecida contra deputado federal, em decorrência de afirmações deste em entrevista veiculada em jornal, na qual, na qualidade de presidente de agremiação, criticara a atuação partidária do querelante. Precedentes citados: Inq 1710/SP (DJU de 28.6.2002), Inq 1344/PR (DJU de 1º.8.2003) e Inq 503/RJ (RTJ 148/73).
Inq 1905/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 29.4.2004.(INQ-1905)

"Associações de Associações": Legitimidade para a ADI

Iniciado o julgamento de agravo regimental em ação direta de inconstitucionalidade no qual se discute se entidades que congregam pessoas jurídicas consubstanciam entidades de classe de âmbito nacional, para os fins da legitimação para a propositura de ação direta. Trata-se, na espécie, de agravo regimental interposto pela Federação Nacional das Associações dos Produtores de Cachaça de Alambique - FENACA contra decisão do Min. Celso de Mello, relator, que, por ausência de legitimidade ad causam da autora, julgara extinto o processo e declarara o prejuízo da apreciação do pedido de medida cautelar. O Min. Celso de Mello, relator, salientando a orientação da Corte segundo a qual não se qualificam como entidades de classe aquelas que, congregando exclusivamente pessoas jurídicas, apresentam-se como verdadeiras associações de associações, nem tampouco as pessoas jurídicas de direito privado, ainda que coletivamente representativas de categorias profissionais ou econômicas, proferiu voto no sentido de manter a decisão agravada. Os Ministros Sepúlveda Pertence, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e Gilmar Mendes, por sua vez, reconhecendo a legitimidade ativa ad causam da autora - já que tal entidade atua na defesa da mesma categoria social, apesar de se reunir em associações correspondentes a cada Estado -, votaram pelo provimento do agravo e conseqüente processamento da ação direta. Após, pediu vista dos autos o Min. Carlos Britto (CF, art. 103: "Podem propor a ação de inconstitucionalidade: ... IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.").
ADI 3153 AgR/DF, rel. Min. Celso de Mello, 5.5.2004.(ADI-3153)

Propaganda Eleitoral e Crime contra a Honra

Julgado inquérito no qual se pretendia o recebimento da denúncia oferecida contra deputado federal pela suposta prática de delito eleitoral, fundada na veiculação de propaganda eleitoral ilícita contendo inverdades, decorrentes da afirmação de que candidato a pleito eleitoral, na condição de advogado detentor de causas contra o Estado e de escritório "famoso por ganhar dinheiro advogando contra o Governo", se eleito, cuidaria de seus próprios interesses. O Tribunal, por maioria, rejeitou a denúncia, por entender que as afirmações tidas como ofensivas não caracterizaram delito contra a honra, mas revelaram fatos notórios e verídicos da vida pública do denunciante, quais sejam, a respectiva qualificação como advogado, e a atuação anterior em causas contra o Estado, apenas consignando reflexão quanto ao futuro desempenho deste. Vencidos os Ministros Cezar Peluso, Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence e Maurício Corrêa, que recebiam a denúncia, sob o entendimento de que a propaganda veiculada sugeriria que o denunciante, caso eleito, buscaria a defesa dos interesses pessoais em detrimento dos interesses do Estado que pretendia governar, ajustando-se ao delito previsto no art. 326 do Código Eleitoral.
Inq 1884/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 5.5.2004.(INQ-1884)

Recebimento da Nota Verbal e Prescrição

Iniciado o julgamento de pedido de extradição formulado pela República Italiana, em que se postula a entrega de nacional para cumprimento de execuções decorrentes de oito condenações impostas em diversos tribunais do mesmo país. O extraditando alega, no caso, a prescrição de todas as penas a ele imputadas. O Min. Joaquim Barbosa, relator, embora negando o pedido quanto aos delitos previstos nos itens 1 a 6, proferiu voto no sentido de deferir em parte a extradição quanto aos delitos previstos nos itens 7 - crime de receptação, com condenação em 2 anos e 1 mês - e 8 da nota verbal - condenação de 1 ano e 4 meses pelo crime previsto no art. 368 do Código Penal Italiano, correspondente ao delito de denunciação caluniosa do Direito Penal brasileiro (e não ao delito de calúnia, como entendera o Parquet) -, por considerar não implementada a prescrição no momento do recebimento do pedido de extradição, na forma prevista na alínea b do artigo III do Tratado de Extradição celebrado entre o Brasil e a Itália, que dispõe sobre as hipóteses de recusa da extradição. O Min. Joaquim Barbosa, considerou, portanto, que o recebimento da nota verbal consubstanciaria causa interruptiva da prescrição. O Min. Marco Aurélio, por sua vez, votou no sentido do indeferimento da extradição, por considerar implementada a prescrição com relação a todas as penas impostas ao extraditando, salientando, assim, com relação aos itens 7 e 8 da nota verbal, a incidência da prescrição pela legislação italiana, suficiente para justificar o indeferimento da extradição. Após, o julgamento foi adiado em face do pedido de vista do Min. Sepúlveda Pertence (Tratado de Extradição Brasil-Itália, art. 3º, III, b: "se, na ocasião do recebimento do pedido, segundo a lei de uma das partes, houver ocorrido prescrição do crime ou da pena;").
Ext 870/República Italiana, rel. Min. Joaquim Barbosa, 5 e 6.5.2004.(EXT-870)

Juntada do Incidente de Inconstitucionalidade

Iniciado o julgamento de agravo regimental em re­curso extraordinário afetado ao Plenário pela Primeira Turma, em que se discute sobre a possibilidade de conhecimento de recurso extraordinário interposto com base na alínea b do inciso III do art. 102 da CF contra decisão fundamentada em precedente do órgão especial ou do plenário que declarou incidentalmente a inconstitucionalidade de norma federal, ainda que o recorrente não tenha procedido à juntada do inteiro teor deste acórdão - v. Informativo 310. Cuida-se, na espécie, de agravo regimental interposto contra decisão do Min. Sepúlveda Pertence, relator, que, ante a ausência da juntada da argüição de inconstitucionalidade aos autos, negara seguimento a recurso extraordinário interposto pela União contra acórdão do TRF da 1ª Região que, fundado em precedente do Plenário daquela Corte, não integrado aos autos, reconhecera a inconstitucionalidade do art. 3º, I, da Lei 8.200/91 - declarado constitucional pelo STF nos autos do RE 201465/MG (DJU de 17.10.2003). O Ministro Sepúlveda Pertence, relator, afastando a incidência, na espécie, do parágrafo único do art. 481 do CPC, proferiu voto no sentido de manter a decisão agravada, por entender que a dispensa da juntada da argüição de inconstitucionalidade, diversamente do que ocorrera no caso concreto, pressupõe que o órgão parcial haja aplicado o precedente do STF. O Ministro Sepúlveda Pertence salientou, ademais, o fato de que o acórdão recorrido, embora contrário à decisão desta Corte, vinculara-se à precedente do plenário do próprio TRF da 1ª Região. Após, o julgamento foi adiado em face do pedido de vista do Min. Gilmar Mendes (CPC, art. 481, parágrafo único: "Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão"). 
RE 196752 AgR/MG, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 6.5.2004.(RE-196752)

 

Tribunal de Contas do DF: Modelo Federal

Iniciado o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Distrito Federal contra os artigos 60, XXIX, e 81 da Lei Orgânica do Distrito Federal - "art. 60: Compete, privativamente, à Câmara Legislativa do Distrito Federal: ... XXIX - apreciar e julgar , anualmente , as contas do Tribunal de Contas do Distrito Federal."; "art. 81 - O Tribunal de Contas do Distrito Federal prestará contas anualmente de sua execução orçamentária, financeira e patrimonial à Câmara Legislativa até sessenta dias da data de abertura da sessão do ano seguinte àquela a que se referir o exercício financeiro quanto aos aspectos de legalidade, legitimidade e economicidade, observados os demais preceitos legais". O Min. Carlos Velloso, relator, entendendo caracterizada a afronta ao art. 75, o qual estende aos tribunais de contas dos Estados e dos Municípios o modelo de organização, composição e fiscalização do Tribunal de Contas da União, cuja observância é obrigatória, bem como ao art. 71, ambos da CF, proferiu voto pela procedência do pedido formulado, e conseqüente inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados, no que foi acompanhado, quanto à conclusão, pelo Ministro Carlos Britto. Os Ministros Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa, de outra parte, tendo em conta o princípio constitucional que impõe a prestação de contas no âmbito da administração pública direta e indireta, votaram pela improcedência do pedido, sob o entendimento de que os tribunais de contas, embora detenham autonomia, como ordenadores de despesas, possuem o dever de prestar contas a outro órgão, e, ainda, que o crivo feito pelo Poder Legislativo harmoniza--se com a Constituição. Após, o julgamento foi adiado em face do pedido de vista da Ministra Ellen Gracie.
ADI 1175/DF, rel. Min. Carlos Velloso, 6.5.2004.(ADI-1175)

PRIMEIRA TURMA
Contribuição Previdenciária do Estado do RS - 2

Concluído o julgamento de agravo regimental interposto pelo Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul - IPERGS contra decisão do Min. Sepúlveda Pertence, relator, que afastara a incidência da contribuição previdenciária sobre proventos de pensionista - v. Informativo 316. A Turma, por maioria, mantendo a decisão do Min. Sepúlveda Pertence, relator, proveu o agravo regimental para dar parcial provimento ao recurso, a fim de determinar a restituição dos valores pagos a tal título somente com relação ao período anterior à EC 20/98. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto que negavam provimento ao agravo regimental, por entenderem que quando o servidor fora admitido não havia incidência da contribuição social e, por isso, a situação em curso estaria protegida pela Constituição. Precedentes citados: ADI 1441 MC/DF (DJU de 18.10.96) e RE 372356 AgR/MG (DJU de 20.6.2003).
RE 340878 AgR/RS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 4.5.2004.(RE-340878)

Vinculação ao Salário Mínimo - 2

Concluído o julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do TST que afastara o direito de servidores ao recebimento de base salarial vinculada a múltiplos do salário mínimo, assegurado anteriormente à promulgação da CF/88 - v. Informativo 340. A Turma, por maioria, ressaltando tratar-se de obrigação de pagamento em relação de trato sucessivo e afastando, no caso, a incidência do art. 17 do ADCT, manteve a decisão recorrida, por entender caracterizada, na espécie, a ofensa ao art. 7º, IV, haja vista que a CF/88, na qualidade de norma constitucional originária, possui incidência imediata e não tem compromisso com a ordem jurídica anterior. O Min. Carlos Britto, ao proferir seu voto, salientou, ainda, que, para se evitar possível violação ao princípio da irredutibilidade de vencimentos, com a redução dos salários, deve-se assegurar aos empregados o direito ao piso salarial calculado pelo valor do salário mínimo vigente à época da proclamação da CF/88, corrigido monetariamente. Vencido o Min. Marco Aurélio, relator, que dava provimento ao recurso, por entender inaplicável o inciso IV do art. 7º da CF em razão do fator temporal, uma vez que as sentenças transitaram em julgado em data anterior à vigente Constituição.
RE 407272/CE, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. para o acórdão Min. Carlos Britto, 4.5.2003.(RE-407272)

Estupro e Atentado Violento ao Pudor: Natureza

A Turma, por maioria, indeferiu a liminar e o sobrestamento, proposto pelo Ministro Marco Aurélio, relator, de habeas corpus no qual se sustentava que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, na sua forma simples, não se caracterizam como hediondos. Em seguida, também por maioria, a Turma, ressaltando tratar--se de julgamento cautelar, e mantendo fidelidade à jurisprudência firmada na Corte, indeferiu o writ por considerar que, embora a questão da hediondez esteja novamente submetida ao Plenário no julgamento do HC 82959/SP, o entendimento ainda vigente é no sentido de que os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor são hediondos, tanto na sua forma simples quanto na qualificada, o que inviabilizaria a concessão de liminares em sentido contrário às decisões de mérito já proferidas. Vencidos, em ambos os casos, os Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluzo, que deferiam o pedido.
HC 84006/RJ, rel. originário Min. Marco Aurélio, rel. para acórdão Min. Joaquim Barbosa, 4.5.2004.(HC-84006)

SEGUNDA TURMA
Consunção e Crime de Falso - 2

Concluído o julgamento de habeas corpus no qual se pretendia o trancamento da ação penal instaurada contra denunciado pela suposta prática do crime de uso de documento falso, consistente na apresentação, à autoridade fazendária, de recibo relativo à entrega de declaração retificadora do imposto de renda, cujo carimbo fora posteriormente periciado e considerado diferente dos padrões utilizados, à época, por tal órgão. No caso concreto, tratava-se de inquérito instaurado para apurar o suposto enriquecimento ilícito do paciente no exercício do cargo de juiz, o qual, originando auto de infração pela não-declaração de rendimentos tributáveis, fora impugnado mediante apresentação da referida declaração retificadora - v. Informativo 341. A Turma, por maioria, considerando que as imputações feitas ao paciente ainda se encontram em fase de investigação, da qual pode resultar a conclusão de que houve a prática de outros delitos que não o de sonegação fiscal, afastou a alegação de que este delito absorveria o de uso de documento falso e indeferiu o writ, por entender que o crime de uso de documento falso é conduta autônoma. Vencido o Min. Gilmar Mendes, relator, que o deferia por entender aplicável o princípio da consunção e, tendo em conta a comprovação nos autos de que houve integral pagamento do tributo, declarava extinta a punibilidade. A Min. Ellen Gracie retificou o voto anteriormente proferido. Precedentes citados: HC 72986/SP (DJU de 19.12.96), HC 80772/PR (DJU de 29.6.2001) e HC 83184/SP (DJU de 3.10.2003).
HC 83115/SP, rel. orig. Min. Gilmar Mendes, rel. p/ o acórdão Min. Carlos Velloso,4.5.2004.(HC-83115)

Associação e Legitimidade Ativa - 2

Concluindo o julgamento de recurso em que se discutia a legitimidade ativa de associação para promover ação civil pública na defesa de direitos individuais homogêneos de contribuintes (v. Informativo 294), a Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental e, desde logo, a recurso extraordinário, para julgar procedente ação rescisória ajuizada contra acórdão do TRF da 4ª Região que, confirmando sentença proferida nos autos de ação civil pública promovida pela Associação Paranaense de Defesa do Consumidor - APADECO, garantira a contribuintes paranaenses a restituição do empréstimo compulsório sobre aquisição de combustíveis, instituído pelo DL 2.288/86. Considerou-se, na espécie, a orientação da Corte no sentido de que não há relação de consumo entre o contribuinte de tributo e o poder público, sendo inviável, por conseguinte, a legitimação ativa da citada Associação para promover ação civil pública. Vencido o Min. Carlos Velloso, relator, que negava provimento ao agravo por entender ausente o requisito do prequestionamento.
AI 382298 AgR/RS, rel. orig. Min. Carlos Velloso, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, 4.5.2004.(AI-382298)

Sessões

Ordinárias

Extraordinárias

Julgamentos

Pleno

5.5.2004

6.5.2004

17

1a. Turma4.5.2004--139
2a. Turma4.5.2004--

160



C L I P P I N G    D O    D J

7 de maio de 2004

ADI N. 1.998-DF
RELATOR: MIN. MAURÍCIO CORRÊA
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 6º DA LEI 9648/98 E 6º DA MEDIDA PROVISÓRIA 1819-1/99. PROGRAMAS DE PRIVATIZAÇÃO DA UNIÃO, DOS ESTADOS, DO DISTRITO FEDERAL E DOS MUNICÍPIOS. INCLUSÃO DE EMPRESAS PÚBLICAS E DE SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA. LEVANTAMENTO CONTÁBIL. FIXAÇÃO DE PRAZO DISTINTO DO PREVISTO PARA AS EMPRESAS EM GERAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. AFRONTA AO § 1º E INCISO II DO ARTIGO 173 DA CONSTITUIÇÃO. ALEGAÇÃO IMPROCEDENTE. 1. Empresas públicas e sociedades de economia mista sujeitas a processo de privatização. Sujeição a procedimentos distintos e prazos diferenciados para a elaboração do balanço contábil em relação às empresas privadas em geral. Ofensa ao princípio da isonomia. Inexistência. O processo de privatização das empresas públicas e das sociedades de economia mista é distinto daquele realizado pelas empresas privadas quando submetidas à incorporação, fusão ou cisão, dadas as exigências peculiares do programa de desestatização e da cogente observância dos princípios moralizadores que regem os atos da administração pública, sob pena de invalidação.
2. Empresas públicas e sociedades de economia mista. Prazo diferenciado daquele previsto para as empresas privadas para apresentação de balanço contábil. Afronta ao § 1º e inciso II do artigo 173 da Constituição. Alegação improcedente. A norma impugnada não procedeu à alteração do regime próprio das empresas públicas e sociedades de economia mista, limitando-se à fixação de prazo específico para a conclusão do levantamento contábil em razão do programa de desestatização. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.
* noticiado no Informativo 340

RE N. 197.917-SP
RELATOR: MIN. MAURÍCIO CORRÊA
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV. APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL.
1. O artigo 29, inciso IV da Constituição Federal, exige que o número de Vereadores seja proporcional à população dos Municípios, observados os limites mínimos e máximos fixados pelas alíneas a, b e c.
2. Deixar a critério do legislador municipal o estabelecimento da composição das Câmaras Municipais, com observância apenas dos limites máximos e mínimos do preceito (CF, artigo 29) é tornar sem sentido a previsão constitucional expressa da proporcionalidade.
3. Situação real e contemporânea em que Municípios menos populosos têm mais Vereadores do que outros com um número de habitantes várias vezes maior. Casos em que a falta de um parâmetro matemático rígido que delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao postulado da isonomia.
4. Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma municipal que estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem observância da relação cogente de proporção com a respectiva população configura excesso do poder de legislar, não encontrando eco no sistema constitucional vigente.
5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso na Constituição Federal, sem que a proporcionalidade reclamada traduza qualquer afronta aos demais princípios constitucionais e nem resulte formas estranhas e distantes da realidade dos Municípios brasileiros. Atendimento aos postulados da moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CF, artigo 37).
6. Fronteiras da autonomia municipal impostas pela própria Carta da República, que admite a proporcionalidade da representação política em face do número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera segundo o modelo de composição da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas (CF, artigos 27 e 45, § 1º).
7. Inconstitucionalidade, incidenter tantun, da lei local que fixou em 11 (onze) o número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais de 2600 habitantes somente comporta 09 representantes. 8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário conhecido e em parte provido.
* noticiado no Informativo 341

Acórdãos Publicados: 401

T R A N S C R I Ç Õ E S

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
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ADI e Softwares Abertos (Transcrições)
(v. Informativo 343)

ADI 3059 MC/RS*

RELATOR : MIN. CARLOS BRITTO

Voto: Feito o relatório, passo a votar.
11. De pronto, reconheço a legitimidade processual ativa do Partido da Frente Liberal - PFL (aqui representado pelo Presidente da Comissão Executiva Nacional), por se tratar de agremiação política de notória participação nos atuais quadros parlamentares federais. O que faz incidir a regra habilitadora do inciso VIII do Art. 103 da Lex Legum Nacional, assim como a firme jurisprudência desta Casa no sentido de afastar o reclamo da pertinência temática, nos casos em que a propositura de uma determinada Ação Direta de Inconstitucionalidade é da autoria de partido político. Jurisprudência a que reverencio e modestamente busco reforçar, perguntando e incontinenti respondendo: como recusar entranhado interesse pela depuração constitucional da Ordem Jurídica, seja qual for o assunto posto em debate, a quem se constitui na mais acabada expressão institucional desse princípio jurídico estruturante que é o "Pluralismo Político" (inciso V do art. 1º da Constituição Federal)? Pluralismo que se põe como um dos explícitos "fundamentos" da República Federativa do Brasil, exatamente por encarnar o reino-em-si da multilateralidade de concepções quanto aos negócios da pólis?
12. Com efeito, se partido político é facção ou corrente de opinião pública, no claro sentido de centro institucional que peculiariza um dos muitos modos de se conceber e praticar o governo da pólis (pluralismo político é isso), resulta claro que tudo aquilo que disser respeito a esse tipo de governo também diz respeito a cada agremiação partidária. Um automático respeito, ajunte-se, principalmente quando a função governativa se dá pela expedição de atos materialmente normativos. É que os efeitos irradiantes de tais atos no interior do Ordenamento Jurídico são duradouramente renováveis. E sendo assim duradouramente renováveis, são atos que perlongam sua eventual predisposição para ofender a Constituição Positiva. Donde o atalho do controle abstrato de constitucionalidade, a que eles, partidos políticos, se acham natural e instantaneamente habilitados a seguir.
13. Noutro modo de dizer as coisas, partido político existe para manter com o Poder Governamental - também apropriadamente chamado de Poder Político - um enlace tão umbilical quanto insuscetível de desfazimento. Pois começa com a própria forma de conceber a estruturação de tal Poder e prossegue, ora com a tentativa eleitoral de assumi-lo, ora com o acompanhamento crítico do respectivo desempenho. Logo, enquanto houver governo da polis, haverá partido político (tirante as hipóteses do mais radical holocausto da Democracia). O que já significa, no plano das ações diretas de inconstitucionalidade versadas pela Magna Carta brasileira de 1988, a titularidade de uma habilitação processual cujo núcleo deôntico se mantém logicamente aberto. Não aberto no sentido negativo de que não se exige o requisito da pertinência temática, sempre que a autoria do feito couber a organização político-partidária. Mas aberto no sentido positivo de que tal pertinência já existe por antecipação. Já se presume, então, como corolário do regime jurídico-constitucional de todo partido político brasileiro com representação no Congresso Nacional. É repetir: pertinência material adrede assegurada por essa filha unigênita do Poder Constituinte, que é a Lei Maior de 1988, ao fazer das instituições político-partidárias pessoas jurídicas de permanente vitalização institucional do pluralismo político. Entendido o pluralismo político, já do ângulo dos cidadãos, como o direito de se organizar em pessoas jurídico-eleitorais diferenciadas para conceber por um modo peculiar o Governo da pólis. Com seus naturais desdobramentos quanto à forma de investidura e sua duração, exercício e acompanhamento crítico desse Poder de abrangência territorial e pessoal máxima. Logo, e em última análise, direito à convivência político-ideológica dos contrários, que é um dos mais visíveis conteúdos da Democracia.
14. Ora bem, se o art. 17 da Lex Máxima de 1988 faz do pluripartidarismo um limite à liberdade de organização partidária, é porque, antes, já consagrara o protoprincípio do pluralismo político. E de afirmação em afirmação desse princípio de superior estatura sistêmica é que faz da nossa Democracia, sem exagero argumentativo, uma Democracia de partidos. Mais precisamente, uma Democracia partidária, na acepção de que entre os governantes eleitos e os cidadãos eleitores se colocam, necessariamente, os partidos políticos. Pois são elas, agremiações partidárias, que indicam à Justiça Eleitoral os seus filiados-candidatos, sabido que essa obrigatória filiação é tida pela Constituição Republicana como expressa condição de elegibilidade (inciso V do § 3º do artigo constitucional de nº 14, com a ressalva do inciso V do § 3º do artigo 142 da CF). E aí é que se dá a perfeita sinonímia entre Democracia Representativa e Democracia Pluripartidária, a patentear esse vínculo permanentemente umbilical entre os partidos políticos e os negócios de Governo. Se se prefere, entre o cotidiano dos partidos e o dia-a-dia do Poder Público.
15. Explicado fica, então, o porquê de tantos dispositivos constitucionais com expressa referência aos partidos políticos. Dispositivos, esses, que se concentram em capítulo próprio (Capítulo V do Título II) e voltam a se encorpar no âmbito do Poder Legislativo (§ 2º do art. 55 e os §§ 1º e 4º do art. 58), porque é no foro dos embates e das decisões parlamentares que tais agremiações podem velar por um dúplice compromisso: o compromisso delas próprias para com a Constituição do País e o compromisso de cada parlamentar-filiado com as normas de "fidelidade e disciplina partidárias" (§ 1º do art. 17). Este último a se revelar como um dever de conteúdo moral (lealdade) e uma satisfação que se dá ao eleitor que sufraga uma determinada sigla ou legenda partidária. É a Constituição mesma que resguarda o "funcionamento parlamentar" dos partidos, "de acordo com a lei" (inciso IV do art. 17), e assim mais intensamente participando das experiências do Parlamento - sobretudo no altaneiro plano da produção das leis e na vigília dos atos normativos dos demais Poderes (inciso XI do art. 49 da C.F. - é que essas pessoas jurídico-eleitorais que são os partidos políticos desfrutam de habilitação processual para o ajuizamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade.
16. Justificado, por esse prisma afirmativo, o reclamo da pertinência entre os objetivos institucionais do acionante e o objeto da ação direta de inconstitucionalidade em causa, passo ao exame da argüição preliminar de que o processo de formação da Lei nº 11.871/2002 olvidou o disposto no artigo 2º c/c artigo 61, inciso II, "b", da Carta Republicana de 1988. Argüição que não tenho como relevante - é com todo o respeito que o digo -, ao menos no âmbito acanhado do juízo de delibação que é próprio das decisões em processo de jurisdição cautelar. E se não tenho como relevante a argüição, isto se deve ao pensar jurisprudencial desta própria Excelsa Corte de Justiça, segundo o qual a iniciativa prevista na alínea "b" do artigo magno de número 61 só foi reservada ao Presidente da República por se tratar de matéria adstrita aos Territórios Federais. Confira-se:

"Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 7.616, de 3 de janeiro de 2002, do Estado de Mato Grosso. Prorrogação de prazo.

- Improcede a alegação de que a lei estadual ora atacada, por dizer respeito a matéria tributária, seria da iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo Estadual pela aplicação aos Estados do disposto, no tocante ao Presidente da República, no artigo 61, § 1º, II, "b", da Constituição, o qual seria aplicável aos Estados-membros. E improcede porque esse dispositivo diz respeito apenas à iniciativa exclusiva do Presidente da República no tocante às leis que versem matéria tributária e orçamentária dos TERRITÓRIOS.

(...)"

(ADI 2.599-MC, Rel. Min. Moreira Alves)
(original sem negritos)

17. Debruço-me, agora, sobre o juízo autoral de que a Lei nº 11.871/2002 abalroa, de frente, os princípios constitucionais da eficiência e da economicidade. Proposição que ainda uma vez me parece exigir pronto revide, pois saber que tipo de acesso a um determinado software atende melhor às coordenadas de eficiência administrativa e custo financeiro-público é operação mental que implica o necessário manuseio de dados empíricos; isto é, dados inteiramente situados no mundo do ser, a exigir, para o seu entendimento, operação descoincidente com aquela que segue o intelecto ao fazer o puro cotejo de uma norma jurídica de índole subconstitucional com outra de natureza constitucional. Cotejo tão-somente internormativo, agora sim, rigorosamente adstrito ao teórico plano do dever-ser que subjaz ao controle abstrato de constitucionalidade.
18. Uma proposição de mérito, contudo, se me afigura sólida o bastante para conferir à presente ação direta de inconstitucionalidade um desfecho cautelar exitoso. Refiro-me à proposição de que a Lei nº 11.871/2002 ofende o artigo 22, inciso XXVII, da Lei Republicana, desde que esse dispositivo seja interpretado de forma geminada com o inciso XXI do art. 37 da mesma Constituição Federal de 1988 ("ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações").
19. Bem, aqui, imperioso é proclamar que a lei em debate se revestiu de atributo que a Magna Lei Federal lhe sonegou: o de produzir normas gerais, em tema de licitação. Além de materializar usurpação de competência constitucionalmente deferida ao Poder Executivo, pois é fato que a preferência nela consubstanciada fez o Poder Legislativo estadual se substituir à Administração Pública sul-rio-grandense.
20. Deveras, o inciso XXI do art. 37 da Norma Normarum faz da licitação um obrigatório processo-competição de caráter administrativo. Um puro dever administrativo de igualitária concorrência, mas que admite, sim, exceção. Exceção, todavia:

I - figurante de lei congressual, por ser o processo licitatório um proceder administrativo de aplicabilidade irrestritamente federativa. Logo, de aplicabilidade federativamente uniforme, o que já patenteia sua obrigatória veiculação por aquele tipo de norma geral que a Magna Carta estatui no seu art. 22, inciso XXVII;
II - somente admissível naquelas situações em que a disputa abriga um componente jurídico de preordenada desequiparação entre os contendores, ou então se revele factualmente impossível, quando não francamente dispensável.

21. Ora, no âmbito objetivo da lei estadual guerreada, o que se fez foi uma tão declarada quanto antecipada preferência por um tipo de produto eletrônico: o software da espécie aberta ou completamente isento de restrições proprietárias. Logo, a própria lei estadual a excepcionar o caráter isonômico da licitação para se substituir à Administração Pública na emissão de um prévio e superior juízo de prestimosidade de um determinado bem informático ante os demais concorrentes. Que são concorrentes sabidamente numerosos e igualmente caracterizados por crescente sofisticação tecnológica de seus produtos. Corresponde a dizer: a lei mesma é que se encarregou de criar uma preferência e assim antecipar uma avaliação administrativa concreta ou empírica; avaliação traduzida na presunção de que um dado software satisfaz melhor aos interesses da Administração do que os outros. E satisfaz melhor a tais interesses por uma forma atemporal, acrescente-se, como se o mercado de bens informáticos não se tipificasse por um tão vertiginoso quanto ilimitado teor de aprimoramento.
22. Daqui resulta que a lei invectivada parece desconhecer: a) que a relativização ou flexibilização do princípio isonômico, em tema de licitação pública, é matéria de competência legislativa da União Federal, como assentado; b) que o software de sua declarada preferência pode até mesmo ser o que melhor consulta aos interesses da Administração, em termos de preço, técnica e gradativa apropriação autóctone de uma tecnologia reconhecidamente de ponta, entre outras vantagens comparativas. Mas todas essas virtudes só podem ser aferidas é no processo mesmo do certame em que a licitação consiste. É algo somente aferível caso a caso, dia-a-dia, momento-a-momento, disputa-a-disputa, conforme a natureza das necessidades e dos objetivos da Administração Pública, de um lado, e, de outro, a sempre cambiante qualidade intrínseca dos produtos em foco. Uma coisa a puxar a outra, necessária e ininterruptamente, como num aparelho auto-reverse. Ou como na feliz inspiração do poeta santista Vicente de Carvalho: "Eu sou quem sou, por serdes vós quem sois". Logo, circuito relacional-concreto por definição e por indissociável imbricamento, de modo a se incompatibilizar com a abstratividade dos comandos que timbram a lei em sentido material.
23. Recolocando a idéia: o processo de licitação em bases igualitárias é a regra geral para a Administração Pública. Aquilo que deve ser usualmente observado, pois, afinal, a disputa entre os licitantes é meio de efetivação não só do princípio constitucional da isonomia, como de várias outras normas principiológicas de idêntica matriz constitucional (princípios da moralidade, da eficiência e da publicidade, verbi gratia) e que têm na função administrativa do Estado uma das suas mais fortes justificativas. Sem empeço, tal competição pode conter elementos de desequiparação ou até mesmo ser posta de lado, conforme dito. A Magna Lei inicia sua legenda com a locução "ressalvados os casos especificados na legislação", de maneira a autorizar o entendimento de que a lei tem o condão de relativizar o princípio da igualdade (pense-se no tratamento favorecido que a própria Carta-cidadã conferiu às "empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País", a teor do inciso IX do art. 170) e ir além: indicar hipóteses de fuga pura e simples ao proceder competitivo dos interessados em se relacionar contratualmente com o Poder Público, tendo por objeto "obras, serviços, compras e alienações". Mas é de todo evidente que esse laborar no campo da excepcionalidade só pode defluir de normas gerais (repete-se), procedente de fonte congressual e de equânime aplicabilidade federativa, tudo conforme a sobredita inteligência do inciso XXVII do art. 22 do Código Político de 1988. Pois o certo é que norma geral, em matéria de licitação, é a lei ordinária que desdobra, debulha, desata, faz render, enfim, um comando nuclearmente constitucional, de sorte a conformar novas relações jurídicas sobre o mesmo assunto. E é por esse necessário vínculo funcional com norma de lastro constitucional -- seja ela um princípio, seja uma simples regra --, que a norma geral de que falo é de aplicabilidade federativamente uniforme.
24. Não é tudo. Além do reclamo de tais normas gerais de berço genuinamente legislativo-federal, é preciso, primeiro, que essas mesmas normas gerais aportem comandos seqüenciais daqueles que, na Constituição, prevejam situações em que a licitação comporte abrandamento no seu caráter isonômico. Depois, é necessário que elas, no uso da autorização constitucional que se lê na parte inicial do mencionado art. 37, inciso XXI, expressa e exaustivamente arrolem as hipóteses de dispensa do certame em que a licitação consiste, ou, ainda, prefigurem os casos em que a competição em si perde todo sentido (inexigibilidade). O que não nos parece ocorrer no caso dos autos, pois a utilização de softwares isentos de restrições quanto à observância de direitos autorais não atende melhor ou de forma instantânea, só pela sua natureza de softwares abertos, aos interesses da Administração Pública. É como falar: para que se afirme uma superioridade comparativa do produto é preciso demonstrar, no curso mesmo da licitação, em que ele atende mais aos requisitos de qualificação técnica, apropriação tecnológica e custos financeiros com a sua aquisição, manutenção e adaptação; ou seja, é preciso emitir sobre ele um juízo de valor, porém a partir do atendimento de critérios ou dados objetivos que já constem de normas editalícias logicamente situadas na esfera de movimentação que é própria da Administração Pública. Aí, sim, o concorrente que melhor pontuar, nos termos de cada edital convocatório dos interessados, será ungido como vencedor do certame. O adjudicatário, então, do objeto licitado.
25. Em suma, se os softwares abertos são, de fato, os mais interessantes para a Pública Administração, que isso fique demonstrado em termos de mais alta pontuação quanto aos critérios objetivamente figurantes de normas editalícias. E normas de matriz executiva, necessariamente, pena de o Poder Legislativo se substituir ao aparato administrativo do Estado e assim por usurpação de competência tisnar a pureza do pétreo princípio da Separação dos Poderes (arts. 2º e 60, § 4º, inciso III, da Constituição de 1988).
26. A título de arremate, portanto, penso que a Lei nº 11.871, de 19 de dezembro de 2002, elaborada pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, padece dos seguintes vícios de inconstitucionalidade:

a) invade área de competência legiferante reservada à União, com privatividade, que é o campo da produção de normas gerais em tema de licitação;

b) faz o Legislativo estadual substituir-se à Administração Pública igualmente estadual, fazendo um prévio juízo de conveniência que outra coisa não é senão usurpação competencial violadora do pétreo princípio constitucional da Separação dos Poderes; e

c) estreita, contra a natureza dos produtos que lhes servem de objeto normativo (bens informáticos), o âmbito de competição dos interessados em se vincular contratualmente ao Estado-administração.

26. Com estes fundamentos, o meu voto defere a medida liminar requerida, para suspender, até o julgamento final desta ação, a eficácia de toda a Lei sul-rio-grandense nº 11.871/2002. E se digo "toda a lei sul-rio-grandense", é por considerar que os respectivos enunciados são da espécie pro-indiviso em sua operatividade. Quero dizer, a lei se compõe de dispositivos rigorosamente entrelaçados em sua materialidade, de sorte que a invalidação do primeiro deles acarreta, necessariamente, a perda de eficácia dos demais.
27. É como voto.

Brasília, 15 de março de 2004.
* acórdão pendente de publicação


Lei ainda constitucional - CPP, art. 68 (Transcrições)

AI 482332/SP*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
EMENTA: MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL "EX DELICTO". LEGITIMIDADE. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 68. NORMA AINDA CONSTITUCIONAL. ESTÁGIO INTERMEDIÁRIO - DE CARÁTER TRANSITÓRIO - ENTRE A SITUAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE E O ESTADO DE INCONSTITUCIONALIDADE. A QUESTÃO DAS SITUAÇÕES CONSTITUCIONAIS IMPERFEITAS. SUBSISTÊNCIA DO ART. 68 DO CPP, ATÉ QUE SEJA INSTITUÍDA E REGULARMENTE ORGANIZADA, PELO ESTADO DE SÃO PAULO, A DEFENSORIA PÚBLICA LOCAL. PRECEDENTES.

DECISÃO: A controvérsia constitucional objeto do recurso extraordinário, a que se refere o presente agravo de instrumento, já foi dirimida pelo Supremo Tribunal Federal, cujo Plenário, ao julgar o RE 135.328/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO (RTJ 177/879), fixou entendimento no sentido de que, enquanto o Estado de São Paulo não instituir e organizar a Defensoria Pública local, tal como previsto na Constituição da República (art. 134), subsistirá íntegra a regra inscrita no art. 68 do CPP, na condição de norma ainda constitucional - que configura um transitório estágio intermediário situado "entre os estados de plena constitucionalidade ou de absoluta inconstitucionalidade" (GILMAR FERREIRA MENDES, "Controle de Constitucionalidade", p. 21, 1990, Saraiva) -, mesmo que tal preceito legal venha a expor-se, em face de modificações supervenientes das circunstâncias de fato, a um processo de progressiva inconstitucionalização, como registra, em lúcida abordagem do tema, a lição de ROGÉRIO FELIPETO ("Reparação do Dano Causado por Crime", p. 58, item n. 4.2.1, 2001, Del Rey).

É que a omissão estatal, no adimplemento de imposições ditadas pela Constituição - à semelhança do que se verifica nas hipóteses em que o legislador comum se abstém, como no caso, de adotar medidas concretizadoras das normas de estruturação orgânica previstas no estatuto fundamental - culmina por fazer instaurar "situações constitucionais imperfeitas" (LENIO LUIZ STRECK, "Jurisdição Constitucional e Hermenêutica", p. 468-469, item n. 11.4.1.3.2, 2002, Livraria do Advogado Editora), cuja ocorrência justifica "um tratamento diferenciado, não necessariamente reconduzível ao regime da nulidade absoluta" (J. J. GOMES CANOTILHO, "Direito Constitucional", p. 1.022, item n. 3, 5ª ed., 1991, Almedina, Coimbra - grifei), em ordem a obstar o imediato reconhecimento do estado de inconstitucionalidade no qual eventualmente incida o Poder Público, por efeito de violação negativa do texto da Carta Política (RTJ 162/877, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno).

É por essa razão que HUGO NIGRO MAZZILLI ("A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo", p. 72, item n. 7, nota de rodapé n. 13, 14ª ed., 2002, Saraiva), ao destacar o caráter residual da aplicabilidade do art. 68 do CPP - que versa hipótese de legitimação ativa do Ministério Público, em sede de ação civil "ex delicto" - assinala, em observação compatível com a natureza ainda constitucional da mencionada regra processual penal, que "Essa atuação do Ministério Público, hoje, só se admite em caráter subsidiário, até que se viabilize, em cada Estado, a implementação da defensoria pública, nos termos do art. 134, parágrafo único, da CR (...)" (grifei).

Daí a exata afirmação feita pelo eminente Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI ("Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional", p. 115/116, item n. 5.5, 2001, RT), cuja lição, a propósito do tema ora em exame, põe em evidência o relevo que podem assumir, em nosso sistema jurídico, as transformações supervenientes do estado de fato:

"Isso explica, também, uma das técnicas de controle de legitimidade intimamente relacionada com a cláusula da manutenção do estado de fato: a da 'lei ainda constitucional'. O Supremo Tribunal Federal a adotou em vários precedentes (...). Com base nessa orientação e considerando o contexto social verificado à época do julgamento, o Supremo Tribunal Federal rejeitou a argüição de inconstitucionalidade da norma em exame, ficando claro, todavia, que, no futuro, a alteração do status quo poderia ensejar decisão em sentido oposto." (grifei)

Cabe referir, por necessário, que esse entendimento tem sido observado em sucessivas decisões proferidas por esta Suprema Corte (RTJ 178/423, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RE 196.857-AgR/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE - RE 208.798/SP, Rel. Min. SYDNEY SANCHES - RE 229.810/SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - RE 295.740/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RE 341.717/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO), como o demonstra o julgamento do RE 147.776/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, efetuado pela Colenda Primeira Turma deste Tribunal (RTJ 175/309-310):

"Ministério Público: legitimação para promoção, no juízo cível, do ressarcimento do dano resultante de crime, pobre o titular do direito à reparação: C. Pr. Pen., art. 68, ainda constitucional (cf. RE 135328): processo de inconstitucionalização das leis.
1. A alternativa radical da jurisdição constitucional ortodoxa, entre a constitucionalidade plena e a declaração de inconstitucionalidade ou revogação por inconstitucionalidade da lei com fulminante eficácia ex tunc, faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade de realização da norma da Constituição - ainda quando teoricamente não se cuide de preceito de eficácia limitada - subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a viabilizem.
2. No contexto da Constituição de 1988, a atribuição anteriormente dada ao Ministério Público pelo art. 68 C. Pr. Penal - constituindo modalidade de assistência judiciária - deve reputar-se transferida para a Defensoria Pública: essa, porém, para esse fim, só se pode considerar existente, onde e quando organizada, de direito e de fato, nos moldes do art. 134 da própria Constituição e da lei complementar por ela ordenada: até que - na União ou em cada Estado considerado - se implemente essa condição de viabilização da cogitada transferência constitucional de atribuições, o art. 68 C. Pr. Pen. será considerado ainda vigente: é o caso do Estado de São Paulo, como decidiu o plenário no RE 135328." (grifei)

Todas essas considerações, indissociáveis do exame da presente causa, evidenciam que o acórdão ora recorrido ajusta-se à orientação jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na matéria em análise.

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, nego provimento ao presente agravo de instrumento, eis que se revela inviável o recurso extraordinário a que ele se refere.
Publique-se.
Brasília, 30 de abril de 2004.


Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão pendente de publicação

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Informativo STF - 346 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

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