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quarta-feira, 2 de junho de 2010

JURID - Bem móvel. Rescisão contratual. Decadência e prescrição. [02/06/10] - Jurisprudência


Bem móvel. Rescisão contratual. Ação julgada parcialmente procedente. Alegação de decadência e prescrição.
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Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP.

EMENTA: Bem móvel. Rescisão contratual. Ação julgada parcialmente procedente. Alegação de decadência e prescrição. Não ocorrência. Prazo decadencial para reclamar do serviço que não se confunde com aquele do consumidor para pleitear indenização. Alegação de fraude no registro de quilometragem. Fato constitutivo do direito comprovado. Vício que autoriza reconhecimento , da responsabilidade da fornecedora. Danos materiais. Ausência de nexo entre os gastos efetuados com o vício apontado. Verba indevida. Danos morais. Dissabores sofridos que caracterizam ofensa ao direito de personalidade. Improvimento do recurso da ré e provimento parcial daquele da autora.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 992.07.033314-8, da Comarca de Santo André, em que são apelantes/apelados RAMAL VEÍCULOS LTDA e LUCIANA DA SILVA PESSOA PEREIRA.

ACORDAM, em 32ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ E DERAM PROVIMENTO PARCIAL ÀQUELE DA AUTORA.V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que íntegra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RUY COPPOLA (Presidente sem voto), ROCHA DE SOUZA E WALTER ZENI.

São Paulo, 29 de abril de 2010.

KIOITSI CHICUTA
RELATOR

COMARCA: Santo André - 6ª Vara Cível

APTES/APDAS: Ramal Veículos Ltda.; Luciana da Silva Pessoa Pereira

VOTO Nº 19.279

Não há prescrição e nem decadência do direito da autora. O prazo previsto no artigo 26 do CDC refere-se ao lapso temporal para o consumidor reclamar do serviço ao fornecedor e não para ele exercer o direito de pleitear indenização.

O vício apontado autoriza reconhecimento da responsabilidade da fornecedora, mesmo em se tratando de produto usado. Bem por isso, adquirindo a autora um veículo usado com alteração no hodômetro, que estava, segundo tudo indica, em bom estado de conservação, com baixa quilometragem, cujo pormenor a estimulou a fazer a aquisição, é lícito à consumidora usar da faculdade concedida pelo parágrafo primeiro, II, dó artigo 18 do CDC. No caso, não se pode falar em rescisão e restituição ao estado anterior diante de fato superveniente (venda do bem a terceiro).

Os danos materiais reclamados são indevidos, não existindo nexo entre os gastos efetuados nos diversos reparos feitos no automóvel com o vício apontado.

Há ofensa relevante ao direito de personalidade, sendo certo que os sofrimentos padecidos pela autora ultrapassam mero aborrecimento ou incômodo, sendo desnecessária prova do prejuízo em concreto (Recurso Especial 196.024, Rel. Min. César Asfor Rocha). O valor da indenização por dano moral deve ser suficiente para atender a repercussão econômica do dano, a dor experimentada pela vítima, além do grau de culpa da ofensora. A fixação em R$10.000,00 pelo dissabor sofrido pela compradora revela-se razoável e serve como alerta para coibir a repetição do mesmo fato, sob pena de premiar-se a fraude.

Tratam-se de recursos interpostos contra r. sentença que julgou parcialmente procedente a ação para declarar rescindido o contrato de compra e venda do veículo automotor, condenando a ré a devolver à autora o valor do preço, no importe de R$ 10.126,73, recebendo de volta o bem, arcando a vencida com as custas e honorários de advogado de 10% sobre o débito corrigido.

Sustenta a ré que há prescrição, e decadência, mesmo porque, nos termos do artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor, o direito de reclamar pelos defeitos de difícil constatação caduca em noventa dias e esse prazo escoou antes do ajuizamento da ação, mesmo considerada a notificação. Quanto à rescisão, diz que o ato de venda não está eivado de dolo, simulação, coação e fraude, não sendo cabível a anulação do negócio com base na quilometragem, destacando que nunca se negou a manter o veículo em bom estado, fazendo os reparos necessários, havendo até excesso ha devolução, eis que o preço médio do bem de mercado é inferior ao concedido na sentença. Busca a improcedência ou, quando menos, a redução do montante do pagamento.

De outro lado, alega a autora que os acessórios utilizados valorizaram o veículo e, na devolução desta, faz jus ao reembolso, dizendo, mais, que fez gastos de manutenção de R$ 1.520,00 e que, de igual forma, devem ser reembolsados. Afirma, também, que a adulteração do marcador de quilometragem do veículo causou-lhe danos que atingem o direito de personalidade, acrescentando que, se soubesse da real rodagem, não teria feito a compra, mesmo porque utiliza o carro para se locomover ao local de trabalho e o tratamento a ela dispensado pela ré justifica a indenização perseguida, não sendo necessária demonstração de prejuízo. Pede total procedência da ação.

Processados os recursos com preparos e contrarrazões, os autos restaram encaminhados a este C. Tribunal.

É o resumo do essencial.

Há fato superveniente e que merece considerado por este Tribunal na apreciação dos recursos. A autora vendeu o bem a terceiro (fls. 241/243), sustentando a ré a perda do objeto e pedindo a autora que a ação prossiga em relação aos danos materiais e morais perseguidos.

Vários são os pedidos formulados pela autora e, nada obstante a venda prejudique o pedido de rescisão do contrato, com restituição das partes ao estado anterior, bem se vê que ainda subsiste interesse na apreciação das demais matérias.

Rejeita-se, de início, arguição de decadência e prescrição. A ré é empresa especializada na revenda de veículos, enquadrando-se no conceito de fornecedora de produtos, e a autora como consumidora, mostrando, dessa forma, a pertinência da invocação do Código de Defesa do Consumidor.

O prazo decadencial previsto no artigo 26 da Lei 8.078/90 é para o consumidor reclamar do serviço ao fornecedor e não para ele exercer o direito de pleitear indenização. A notificação restou efetivada logo depois de apurada a adulteração no registro de quilometragem do veiculo e, sobre o tema, deixou assentado-o Desembargador Celso Pimentel, da 28ª Câmara de Direito Privado deste Tribunal, que "reclamar pressupõe a idéia de obter o. afastamento do vício e, pois, a de concluir o contrato, a de obter o produto ou o serviço, sem o vício que o contamina. De modo diverso, se a pretensão consiste, em reparação de danos, seja porque o contrato bem ou mal se exauriu, seja porque ao contratante não mais convém o cumprimento, aí não se cogita de decadência, mas de prescrição, que se dá em cinco anos" (artigo 27).

Tal convicção não destoa dos julgados, desta C. Câmara, tanto assim que, no julgamento da Apelação 1.094.238, anotou o eminente Relator, o Desembargador Ruy Coppola, que "uma coisa é a reclamação do consumidor a obstar o prazo decadencial. Outra coisa é o prazo para exercitar seu direito, que não se limita a 90 dias". A esse respeito, Rizzato Nunes traz os esclarecimentos necessários, dizendo que o prazo decadencial do artigo 26 tem duplo objetivo: "a) conseguir obter a solução do problema de vício existente no. produto ou relativo ao. serviços (aqui a resposta é positiva do fornecedor); b) garantir, no caso de resposta negativa do fornecedor ou ausência de resposta, seu direito - de pleitear", os direitos subseqüentes previstos na lei (cf. Curso de Direito do Consumidor, pág. 357).

Afasta-se, destarte, a decadência reconhecida e, no mérito, a procedência é de rigor, como reconheceu a sentença para conceder o dano moral pleiteado pela autora.

O vício apontado (fraude no registro de quilometragem) autoriza reconhecimento da responsabilidade da fornecedora, mesmo em se tratando de produto usado (Rizzato "Nunes, "Curso de Direito do Consumidor", 3ª. Edição, pág. 380).

A autora adquiriu um veículo com alteração, no hodômetro, o que configura vício oculto de extrema gravidade, mormente em se tratando de veículo usado, que estava, segundo tudo indica, em bom estado de conservação, com baixa quilometragem. E, conforme a própria autora admite, foi essa baixa quilometragem (fictícia) que a estimulou a fazer a aquisição.

A responsabilidade da ré é objetiva, daí porque era lícito à outra parte, com base no artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor, usar da faculdade concedida pelo parágrafo primeiro., inciso II do mesmo dispositivo legal, com a restituição da quantia paga. A própria ré admite a adulteração quando o veículo se encontrava sob sua responsabilidade e não era exigível da autora comportamento diverso, daí porque o erro a que foi induzida é justificadora da solução adotada, não, podendo, porém, falar-se era rescisão e restituição ao estado anterior pelo fato superveniente noticiado.

Ainda assim, demonstrada responsabilidade contratual da ré, cabe discussão sobre os danos materiais e morais.

Quanto aos danos materiais reclamados, não se vê nexo entre os gastos efetuados nos diversos reparos, com o vício apontado. A aquisição foi feita em 09/05/02 para veículo, fabricado em 1996 é os gastos com manutenção e conservação são os rotineiros para todo veículo, ainda mais com o tempo de uso até a compra, e existe relação de prejudicialidade em relação aos equipamentos de mero conforto - ou deleite, mesmo porque integrantes de veículo vendido a. terceiro. Nem mesmo existe prova de pagamento do prêmio do seguro a que se refere, cuidando-se o documento indicado nas razões de recurso de mera apólice e que indica data futura para pagamento (fl. 21).

Em relação aos danos morais, respeitado convencimento adverso, estão caracterizados, valendo repetir voto do Desembargador Ruy Coppola, no julgamento da Apelação com Revisão nº 1.094.238-0/4:

"No caso vertente o autor tentou das mais variadas maneiras fazer valer seus direitos de consumidor, só logrando êxito judicialmente, pelo descaso evidente do fornecedor.

Falando português claro, todo consumidor, que passa pelo que o autor passou, sente-se um 'idiota', um 'violentado', um 'imbecil', que confiou em alguém que não deveria confiar. Sente-se 'violentado', 'deprimido', 'angustiado', 'revoltado'.

Ou como diria aquele personagem de Jô Soares: 'Eu acreditei!'.

Um exame singelo da doutrina nos mostra que 'a causação de dano moral independe de prova, ou melhor, comprovada a ofensa moral o direito à indenização desta decorre, sendo dela presumido'.

O trecho acima é extraído da obra do eminente Desembargador Rui Stoco, que logo abaixo mostra o seguinte:

'Significa, em resumo, que o dever de reparar é corolário da verificação do evento danoso, dispensável, ou mesmo incogitável, a prova do prejuízo.

Contudo a assertiva acima feita comporta esclarecimentos, senão temperamentos, pois a afirmação de que o dano moral independe de prova decorre muito mais da natureza imaterial do dano do que das quaestionis facti.

Explica-se: Como o dano moral, é, em verdade, um 'não dano', não haveria como provar, quantificando, o alcance desse dano, como ressuma óbvio.

Sob esse aspecto, porque o gravame no plano moral não se indeniza, mas apenas se compensa, é que não se pode falar em prova de um dano que, à rigor, não existe no plano material.

Mas não basta a afirmação da vitima de ter sido atingida moralmente, seja, no plano objetivo como no subjetivo, ou seja, em sua honra, imagem, bom nome, tradição, personalidade, sentimento interno, humilhação, emoção, angústia, dor, pânico, medo e outros.

Impõe-se que se possa extrair do fato efetivamente ocorrido o seu resultado, com a ocorrência de um dos fenômenos acima exemplificados.

Ou seja, não basta, ad exemplum, um passageiro alegar ter sido ofendido moralmente, em razão do extravio de sua bagagem, ou do atraso no vôo, em viagem de férias que fazia, se todas as circunstâncias demonstram que tais fatos não o molestaram nem foram suficientes para atingir um daqueles, sentimentos d'alma.

A só devolução de um cheque pela instituição financeira ou o protesto de um título de crédito já pago nem sempre tem força suficiente para denegrir a imagem de uma empresa ou para ofender sua honra objetiva, enodoando seu prestígio perante o público.

Há casos em que tais fatos, porque esclarecidos e corrigido o equívoco com presteza e eficácia e diante da retratação cabal, imediata e completa do ofensor, sequer chegam ao conhecimento de terceiros ou causam reflexos negativos.

Os autores Gabriel Stiglitz e Carlos Echeyesti, citados por Antônio Jeová Santos (Dano moral indenizável, 1ª ed., São Paulo, Lejus, 1997, expõem que: 'Diferente do que ocorre com o dano material, a alteração desvaliosa do bem-estar psicofísico do indivíduo deve apresentar certa magnitude para ser reconhecida como prejuízo moral. Um mal-estar trivial, de escassa importância, próprio do risco cotidiano da convivência ou da atividade que o indivíduo desenvolva, nunca o configurará. Isto quer dizer que existe um 'piso' de incômodos, inconvenientes ou desgostos a partir dos quais este prejuízo se configura juridicamente e procede sua reclamação' (Responsabilidade civil, p. 243).

De sorte que o mero incômodo, o enfado e desconforto de algumas circunstâncias que o homem médio tem de suportar em razão do cotidiano não servem para a concessão de indenizações, ainda que o ofendido seja alguém em que a suscetibilidade aflore com facilidade (Antônio Jeová, Santos, ob. cit. p. 36), ao contrário da mãe que perde o único filho, ainda infante, ou o seu marido, de forma trágica, cujo sofrimento, angústia, dor e desolação' decorrem da natureza das coisas e dispensam comprovação, posto que presumíveis, caracterizando dano moral e impondo compensação.

Significa dizer, em resumo, que o dano em si, porque imaterial, não depende de prova ou de aferição do seu quantum. Mas o fato e os reflexos que irradia, ou seja, a sua potencialidade ofensiva, dependem de . comprovação, ou pelo menos que esses reflexos decorram, da natureza das coisas e levem à presunção segura de- que a vítima, face às circunstâncias, foi atingida em seu patrimônio subjetivo, seja com relação ao ,seu vultus, seja, ainda, com relação aos seus sentimentos, enfim, naquilo que lhe seja mais caro e importante.' (Tratado de Responsabilidade Civil, Ed. RT, 5ª Edição, pág. 1381/82). (Apelação com Revisão nº 1.057.623-0/3, julgada, por esta Câmara).

O E. STJ já decidiu que:

'A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que na concepção moderna da reparação do dano moral prevalece a orientação de que a responsabilização do agente se opera por força do simples fato da violação, de modo a tornar desnecessária a prova do prejuízo em concreto' (REsp. nº 196.024,- 4ª Turma, Rel. Min. César Asfor Rocha, j. 2.3.1999, RSTJ 124/397)".

O valor da indenização por dano moral deve ser suficiente para atender ã repercussão econômica do dano, a dor experimentada pela vítima, além do grau de culpa da ofensora, ou seja, deve existir proporção entre a lesão e o valor da reparação e, neste caso, merece fixado em valor sugerido, ou seja, o equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais), até mesmo como alerta para coibir a repetição do mesmo fato futuramente, sob pena de premiar-se a fraude. A indenização deve ser corrigida a partir da publicação do. acórdão, com juros de mora desde a citação.

Assim, diante do fato superveniente, considera-se prejudicado o pedido de rescisão do contrato, r com devolução das partes ao estado anterior, negando provimento ao recurso da ré e acolhendo em parte aquele da autora para os fins constantes do voto, mantida a sucumbência.

Isto posto, nega-se provimento ao recurso da ré e dá-se provimento parcial àquele da autora.

KIOITSI CHICUTA
Relator




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