Anúncios


terça-feira, 29 de junho de 2010

JURID - Crime contra a incolumidade pública. Incêndio doloso. [29/06/10] - Jurisprudência


Penal e processual penal. Crime contra a incolumidade pública. Incêndio doloso.

Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Apelação Criminal n. 2009.062211-9, de Turvo

Relator: Des. Substituto Roberto Lucas Pacheco

PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA. INCÊNDIO DOLOSO (CP, ART. 250, § 1.º, INCISO II, "A").

RECURSO DA DEFESA. PRELIMINAR. NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE ANÁLISE DE TESES LEVANTADAS PELA DEFESA. MAGISTRADO QUE, AO APRESENTAR OS MOTIVOS DO SEU CONVENCIMENTO PARA CONDENAR A RÉ, AFASTOU, POR VIA OBLÍQUA, A TESE DESCLASSIFICATÓRIA. NULIDADE INEXISTENTE.

MÉRITO. PRETENDIDA A APLICAÇÃO DO ART. 26 DO CÓDIGO PENAL. INIMPUTABILIDADE NÃO DEMONSTRADA POR PROVA PERICIAL. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE AFASTADA. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA CRIME DE DANO OU PARA INCÊNDIO CULPOSO. RÉ QUE, DELIBERADAMENTE, ATEOU FOGO À RESIDÊNCIA DO EX-MARIDO, LOCALIZADA EM ÁREA RESIDENCIAL E PRÓXIMA A OUTRAS MORADIAS. PERIGO À INCOLUMIDADE PÚBLICA. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE NÃO DEIXA DÚVIDA ACERCA DA INTENÇÃO DA ACUSADA. IMPOSSIBILIDADE DE DESCLASSIFICAÇÃO.

DOSIMETRIA. ALMEJADA REDUÇÃO DA PENA. CULPABILIDADE QUE NÃO SE AFASTA DA NORMALIDADE. VETOR QUE NÃO PODE SER UTILIZADO PARA EXASPERAÇÃO DA REPRIMENDA BASILAR. EXISTÊNCIA DE OUTRAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS QUE AUTORIZAM A FIXAÇÃO DA PENA-BASE UM POUCO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA JÁ RECONHECIDA NA SENTENÇA RECORRIDA. VIOLENTA EMOÇÃO. RÉ QUE DEIXOU DE COMPROVAR TER SIDO INFLUENCIADA POR ATO INJUSTO PRATICADO PELA VÍTIMA. CIRCUNSTÂNCIA LEGAL DE REDUÇÃO DA PENA QUE NÃO SE VISLUMBRA NA ESPÉCIE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. VEDAÇÃO CONTIDA NO ART. 44, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. FIXAÇÃO DE REGIME MENOS SEVERO PARA O CUMPRIMENTO DA REPRIMENDA. IMPOSSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA DO ART. 33, § 2.º, ALÍNEA "B", DO CÓDIGO PENAL.

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2009.062211-9, da comarca de Turvo (Vara Única), em que é apelante Maria Terezinha de Melo, e apelada A Justiça, por seu Promotor:

ACORDAM, em Terceira Câmara Criminal, por votação unânime, afastar a preliminar e dar provimento parcial ao recurso para adequar a reprimenda. Custas legais.

RELATÓRIO

Na comarca de Turvo, o Ministério Público ofereceu denúncia contra Maria Terezinha de Melo, atribuindo-lhe a prática do delito previsto no art. 250, § 1.º, inciso II, alínea "a", do Código Penal, em razão dos fatos que assim descreveu na inicial acusatória:

No dia 19 de julho de 2006, por volta das 14:30 horas, a denunciada Maria Teresinha de Melo dirigiu-se de bicicleta de Meleiro à Turvo com intuito de incendiar a residência de seu ex-marido, Arilton Dandolini localizada na comunidade de Linha Seminário, Município de Turvo/SC. Chegando ao local supra citado a mesma sem medir esforços, arrombou a porta dos fundo, entrou na residência e ateou fogo na morada, expondo assim perigo à vida, à integridade física e o patrimônio da vítima, bem como dos vizinhos, visto que várias pessoas moram nas proximidades do local do incêndio, conforme comprova o laudo de fls. 56/62 (fl. 2 - ipsis litteris).

Concluída a instrução, sobreveio a sentença de fls. 136/139, na qual o juiz a quo julgou procedente o pedido contido na denúncia e condenou a ré à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, em regime fechado, e ao pagamento de 53 dias-multa, cada um no valor mínimo unitário, por infração ao art. 250, § 1.º, inciso II, alínea "a", do Código Penal.

Inconformada com o teor da decisão, a ré interpôs apelação criminal sustentando, em preliminar, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, ao argumento de que o sentenciante deixou de analisar todas as teses apresentadas pela defesa nas alegações finais. No mérito, aduz que em razão da depressão pós-parto por ela vivenciada na época dos fatos, não tinha condições de conhecer o caráter ilícito da sua conduta, devendo ser reconhecida a sua inimputabilidade com base no art. 26 do Código Penal, asseverando, por outro lado, que não existem provas suficientes para a condenação. Sucessivamente, caso mantida a condenação, requer a desclassificação para o art. 163 do Código Penal ou para o crime de incêndio Gabinete Des. Roberto Lucas Pacheco doloso (CP, art. 250, § 2.º). Se ainda assim for mantida a condenação pelo incêndio culposo, pugna pela redução da pena imposta, tendo-se por favoráveis as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, devendo ser aplicada em seu favor, ainda, a atenuante do art. 65, inciso III, alínea "c", do Código Penal, bem ainda, a substituição da pena corporal por restritiva de direitos, e o cumprimento da pena em regime menos gravoso (fls. 147/162).

As contrarrazões ao recurso foram apresentadas às fls. 173/177.

Com vista dos autos, a Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Dr. Paulo Antônio Günther, opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 182/187).

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, passa-se ao estudo das teses recursais.

1. Preliminarmente, a apelante alega ter sido cerceada em seu direito de defesa, porquanto o magistrado não teria analisado na sentença todas as teses levantadas pela defesa.

Da atenta leitura da peça apresentada na fase das alegações finais, infere-se que além da matéria de fundo relativa às provas da materialidade e autoria do delito, a defesa apresentou duas teses desclassificatórias (crime de dano ou incêndio culposo), bem ainda, sustentou a ocorrência da atenuante da violenta emoção (fls. 130/135).

In casu, ainda que o sentenciante não tenha enfrentado especificamente cada uma das teses da defesa, nota-se que ao concluir pela prática do crime de incêndio doloso, afastou, por via oblíqua, a pretensão desclassificatória, não havendo qualquer vício no julgado.

Ademais, é cediço que o magistrado não é obrigado a se manifestar sobre todos os argumentos lançados pelas partes, quando as razões de seu convencimento estão apresentadas de forma clara e precisa, não deixando dúvida alguma acerca dos motivos que o levaram a determinada decisão.

Nessa linha de pensamento, colhe-se da jurisprudência deste Tribunal de Justiça:

APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES - ALEGADA NULIDADE DAS RAZÕES RECURSAIS DA DEFESA - PREJUÍZO INEXISTENTE - PREFACIAL AFASTADA - EXEGESE DA SÚMULA 523 DO STF - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS MILITARES NA FASE POLICIAL E JUDICIAL CONDIZENTES COM A REALIDADE DOS AUTOS - PERDIMENTO DOS BENS APREENDIDOS NO MOMENTO DO FLAGRANTE - INVIABILIDADE.

I - Conforme preconiza o entendimento sumular n. 523 do STF, inquestionável a Gabinete Des. Roberto Lucas Pacheco ausência de nulidade processual, quando a tese defensiva, apesar de concisa, não motivar qualquer vulneração ao direito de defesa do acusado capaz de ensejar o retorno dos presentes autos ao juízo de origem.

[...] (Apelação criminal n. 2007.052446-0, de Braço do Norte, rel. Des. Salete Silva Sommariva, j. em 5.5.2008).

E deste relator:

APELAÇÕES CRIMINAIS. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONCUSSÃO (CP, ART. 316, CAPUT). CONDENAÇÃO. RECURSOS DEFENSIVOS.

PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA PELA AUSÊNCIA DE ANÁLISE DAS TESES DEFENSIVAS. ARGUMENTOS QUE NÃO PRECISAM SER ENFRENTADOS DE PER SE. ATO JUDICIAL DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. COMANDO CONSTITUCIONAL INSCULPIDO NO ART. 93, INCISO IX, ATENDIDO. PREFACIAL RECHAÇADA [...] (Apelação criminal n. 2007.016184-2, de Caçador, j. em 26.10.2009).

Em arremate, insta anotar com relação à atenuante da violenta emoção que, em verdade, sua análise está relacionada com a aplicação da pena, não havendo óbice para o seu reconhecimento neste grau de jurisdição, caso presentes os requisitos necessários.

Diante desses argumentos, afasta-se a preliminar de nulidade aduzida pela defesa.

2. No mérito, a defesa pretende, de início, o reconhecimento da inimputabilidade da apelante ao argumento de que ela, ao tempo dos fatos, encontrava-se sob influência do estado puerperal, fazendo jus à aplicação do art. 26 do Código Penal.

Em que pese tal alegação, não se pode afastar a responsabilidade penal da recorrente, pelas mesmas razões já bem lançadas no parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, da lavra do Dr. Paulo Antônio Gunther, a quem se pede vênia para transcrever excerto, adotando-o como razão de decidir, verbis:

No tocante ao pleito de que a ré seja declarada inimputável ou semi-imputável em virtude de suposta depressão pós-parto ocorrida à época dos fatos, também não merece guarida o pleito recursal.

A apelante, a rigor do que lhe incumbia, não fez prova, nem tampouco requereu a realização de perícia sobre tal assunto durante a instrução criminal, não havendo nos autos sequer indícios da pretensa inimputabilidade ou semi-inimputabilidade, cuja tese afigura-se infundada, já que não encontra qualquer respaldo no elenco probatório.

Está na jurisprudência: "[...] PRETENDIDO RECONHECIMENTO DA INIMPUTABILIDADE OU SEMI-INIMPUTABILIDADE DO APELANTE [...]. DEFESA QUE NÃO PRODUZIU QUALQUER PROVA NESTE SENTIDO. REQUERIMENTO REPELIDO [...]." (Ap. Cri. 2009.007756-5, de Porto União, rel. Des. Alexandre d'Ivanenko, j. 22/05/2009).

Gabinete Des. Roberto Lucas Pacheco E ainda: "A plena capacidade mental é regra no processo penal, presumindo-se que todos aqueles que cometem atos ilícitos são imputáveis. A inimputabilidade, por outro lado, é que depende de exame para ser aferida". (Ap. Cri. 2009.033344-9, de Timbó, Rel. Des. Alexandre d'Ivanenko, j. 14/09/2009).

Portanto, não há dúvidas de que, ao tempo da infração, a acusada possuía capacidade de entender o caráter ilícito de sua conduta, caindo por terra as teses de inimputabilidade e semi-imputabilidade invocadas.

Dessa forma, não se configurando a excludente de culpabilidade pretendida pela defesa, prossegue-se com o estudo das demais teses recursais. Segundo entende a apelante, as provas existentes nos autos não são suficientes para a sua condenação nos termos da denúncia, devendo ser absolvida ou, então, ter sua conduta desclassificada e enquadrada como crime de dano (CP, art. 163) ou de incêndio culposo (CP, art. 250, § 2.º).

A materialidade do delito repousa cristalina no auto de prisão em flagrante, especialmente no boletim de ocorrência (fls. 22/23), no laudo pericial de fls. 59/66, bem ainda pelas declarações da vítima e das testemunhas ouvidas na fase policial e em juízo.

No que concerne à autoria, o acervo probatório da mesma forma não deixa dúvida de que foi a recorrente quem ateou fogo à residência da vítima.

As testemunhas ouvidas reconheceram a acusada na fase policial como sendo a pessoa que no dia dos fatos esteve na casa da vítima pouco antes de aquela pegar fogo (fls. 10 e 14), reiterando tal reconhecimento em juízo.

A esse respeito, Wagner Vieira Vitorino, inquirido à fl. 106, afirmou que "estava trabalhando próximo à residência da vítima e viu a acusada sair de dentro da casa e logo em seguida viu uma fumaça; que estava com alguns colegas e foram até a residência; que abriram a porta da casa e viram que o sofá estava pegando fogo este já estava se alastrando pelas paredes".

A própria acusada, em seu interrogatório, admitiu ter ateado fogo no interior da residência da vítima:

Que seu ex-marido não estava pagando pensão e também lhe devia o jogo de sofá e por essa razão resolveu ir até a casa dele para cobrar a conta; que seu ex-marido não estava em casa e a interroganda conseguiu entrar na residência apenas empurrando a porta; que estava podre; que não saiu de casa com a intenção de incendiar; mas, ao chegar na casa e ver que Arilton tinha muitas roupas e calçados novos, resolveu colocar fogo no sofá uma vez que tem duas filhas as quais não recebem qualquer ajuda; que Arilton comprou um carro novo e vendeu um terreno para o futuro das crianças; que por razão desses fatos a interroganda pegou um isqueiro que estava na própria casa e colocou fogo somente no sofá; que não assistiu ao incêndio, apenas ateou fogo e saiu (fl. 87).

E nem se diga que a recorrente agiu com culpa ao atear fogo nas roupas da vítima - não tendo intenção de incendiar o local - pois, segundo o parâmetro do Gabinete Des. Roberto Lucas Pacheco homem médio, qualquer pessoa tem condições de prever que acender uma "fogueira" feita com roupas no interior de uma residência cheia de materiais potencialmente inflamáveis, ainda mais utilizado-se de álcool, poderia resultar em uma combustão de grandes proporções. Se não houve dolo direto, pelo menos a acusada assumiu o risco quanto ao resultado ocasionado.

Ademais, é a própria ré quem confessa que sua intenção era queimar os pertencentes da vítima, admitindo a prática de uma ação que não se coaduna com o crime em sua modalidade culposa.

Inviável, ainda, o enquadramento da conduta por ela praticada como crime de dano (CP, 163), porquanto tal delito difere substancialmente do crime efetivamente praticado por ela.

Enquanto no crime de dano a proteção jurídica recai sobre o patrimônio, no crime de incêndio a intenção é salvaguardar a incolumidade pública, considerando-se, para tanto, o perigo comum resultante das chamas oriundas do incêndio, as quais expõem a perigo a vida, a integridade física ou patrimonial de terceiros, determinados ou não, pouco importando, para a configuração do delito, a natureza do bem incendiado ou os meios empregados pelo agente para atingir o seu intento.

Doutra parte, o elemento subjetivo de cada um dos crimes também se afigura diverso, pois o crime de incêndio resulta da vontade consciente e específica que provocar incêndio com relevante poder de destruição a fim de causar prejuízos a alguém sem se preocupar com a coletividade que pode ser atingida por tal conduta. Já no crime de dano, o foco do agente está voltado ao prejuízo patrimonial.

Em linhas gerais, pode-se dizer que os efeitos do crime de dano atingem exclusivamente o patrimônio do proprietário dos bens destruídos ou danificados, ao passo que no crime de incêndio tais efeitos ultrapassam o prejuízo econômico daquele que era dono de tais objetos, atingindo também outros indivíduos.

Tanto é que, para comprovar a materialidade de tal delito, o Código de Processo Penal, em seu art. 173, exige a realização de prova pericial específica não só para aferir as causas e consequências do incêndio mas também para constatar se tal conduta resultou perigo para a vida ou patrimônio alheios:

Art. 173. No caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato.

O laudo pericial do local de incêndio (fls. 59/65), embora não tenha conseguido determinar a causa do incêndio (fato irrelevante dado que a ré admitiu ser a causadora de tal fato criminoso), após realizar minucioso levantamento in loco, descrevendo a extensão dos danos causados, consignou: "O incêndio ofereceu perigo direto, pois há residências próximas à residência incendiada" (fl. 60).

Gabinete Des. Roberto Lucas Pacheco Com efeito, ao atear fogo em uma residência habitada e localizada em área residencial, a acusada gerou uma potencial situação de perigo não só para o dono da residência incendiada mas também para o patrimônio e para a vida de um número considerável de pessoas.

Nessa seara, restando comprovado que a conduta da ré expôs a perigo a vida, a integridade física e/ou o patrimônio de outrem, não se há falar em crime de dano, devendo ser mantida sua condenação pelo crime previsto no art. 250 do Código Penal.

Superada essa questão, segue-se com a análise da pena dosada na sentença e que a recorrente pretende seja reduzida, entendendo como favoráveis as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, bem ainda pelo reconhecimento das atenuante do art. 65, inciso III, alíneas "c" e "d", do Código Penal.

Analisando a dosimetria levada a efeito na sentença recorrida, observa-se que o juiz a quo, na primeira fase de aplicação da pena,fixou a pena-base em 1 ano e 6 meses acima do mínimo legal, entendendo desfavoráveis à apelante a culpabilidade, as circunstâncias e as consequências do crime, fazendo-se mister nova análise sobre cada uma das circunstâncias consideradas a fim de se aferir eventual excesso.

Por culpabilidade, entende-se a maior ou menor reprovabilidade social da conduta praticada pelo agente e pela postura deste frente ao bem jurídico tutelado. Na lição de Cezar Roberto Bittencourt, "a culpabilidade funciona não como fundamento da pena, mas como limite desta, impedindo que a pena seja imposta aquém ou além da medida prevista pela própria idéia de culpabilidade, aliada, é claro, a outros critérios, como importância do bem jurídico, fins preventivos etc" (Tratado de direito penal. 10 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1, p. 700).

Neste contexto, a reprovação social da conduta praticada pela apelante é normal à espécie, não contendo nenhum elemento específico capaz de influenciar na aplicação da pena.

As circunstâncias do cometimento do crime, judiciosamente analisadas na sentença, de fato são desfavoráveis à recorrente, dado que entrou de maneira clandestina e sorrateira, aproveitando-se da ausência da vítima, para atear fogo na residência.

Ainda, as consequências do crime, considerando-se, para tanto, o elevado prejuízo patrimonial experimentado pela vítima, também contribuem para a exasperação da pena-base.

Nestes termos, sendo desfavoráveis à recorrente apenas as circunstâncias e as consequências do crime, impõe-se seja a pena-base estabelecida acima do mínimo legal, todavia, não em quantidade tão elevada quanto aquela aplicada na sentença, razão pela qual deve ser reduzida ao patamar de 4 anos de reclusão.

Gabinete Des. Roberto Lucas Pacheco Em relação à pena de multa, os 40 dias-multa fixados pelo juiz, conforme já explanado em meu voto no julgamento da Apelação Criminal n. 2007.058956-9, não guardam simetria com a pena privativa de liberdade; todavia, não havendo recurso da acusação e, vedada a reforma da sentença para piorar a situação jurídica do réu, a multa deverá permanecer no patamar fixado pelo magistrado.

Na segunda fase da dosimetria, a ré pretende o reconhecimento das atenuantes da confissão e da violenta emoção, esta ao argumento de que sua conduta foi uma reação ao descaso da vítima para com as filhas do casal que estavam sem receber o valor da pensão alimentícia.

Com relação à confissão, nota-se que tal atenuante foi aplicada na decisão vergastada, em razão do que a pena foi reduzida em 6 meses, parâmetro este que se mantém.

Por outro lado, no que concerne à violenta emoção, não há como acolher a pretensão recursal, pois a ré não comprovou ter agido após ato injusto praticado pela vítima, ônus que lhe competia, sendo tal pretensão calcada exclusivamente nas suas alegações. Ademais, a conduta praticada nos moldes admitidos pela própria acusada deixa evidente que ela foi impelida por motivo de vingança, seja pelo fim do casamento, seja como forma de represália pela não assistência material aos filhos comuns.

Assim, diante da ausência de circunstâncias agravantes, e uma vez reconhecida a atenuante da confissão espontânea, a pena nesta etapa dosimétrica é estabelecida em 3 anos e 6 meses de reclusão.

Por fim, nenhum reparo deve ser feito na última fase da dosimetria, mantendo-se o acréscimo de 1/3 aplicado pelo sentenciante em decorrência da causa especial de aumento prevista no art. 250, § 1.º, alínea "a", do Código Penal, o qual, aplicado à nova pena estabelecida neste acórdão, totaliza 4 anos e 8 meses de reclusão e 53 dias-multa, reprimenda esta que deve ser tornada definitiva.

Quanto aos pedidos de substituição da pena corporal por restritivas de direitos e de fixação de regime menos gravoso para o cumprimento da pena, diante do quantum estabelecido, superior a 4 anos, não há como deferi-los, nos exatos termos dos arts. 44, inciso I, e 33, § 2.º, alínea "b", do Código Penal.

Diante do exposto, voto pelo afastamento da preliminar arguída e, no mérito, pelo provimento parcial do recurso, tão somente para reduzir a pena imposta à acusada, consolidando-a em 4 anos e 8 meses de reclusão, em regime semiaberto, e ao pagamento 53 dias-multa, no valor mínimo unitário.

DECISÃO

Ante o exposto, nos termos do voto do relator, a Terceira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, afastar a preliminar e, no mérito, dar provimento parcial ao recurso para adequar a reprimenda.

Gabinete Des. Roberto Lucas Pacheco O conteúdo do presente acórdão, nos termos do § 2.º do art. 201 do Código de Processo Penal, acrescentado pela Lei n. 11.690/08, deverá ser comunicado pelo juízo de origem.

O julgamento, realizado no dia 13 de abril de 2010, foi presidido pelo Exmo. Des. Torres Marques, com voto, e dele participou o Exmo. Des. Alexandre d'Ivanenko. Funcionou como representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. Pedro Sérgio Steil.

Florianópolis, 4 de maio de 2010.

Roberto Lucas Pacheco
RELATOR




JURID - Crime contra a incolumidade pública. Incêndio doloso. [29/06/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário