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sexta-feira, 18 de junho de 2010

JURID - Penal. Denunciação caluniosa. Ausência de dolo direto. [18/06/10] - Jurisprudência


Penal. Denunciação caluniosa. Ausência de dolo direto. Atipicidade da conduta. Absolvição.
MBA Direito Comercial - Centro Hermes FGV

Tribunal Regional Federal - TRF4ªR

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2004.71.00.046107-4/RS

RELATOR: Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

APELADO: FRANCISCO GOULART JAHN

ADVOGADO: Defensoria Pública da União

EMENTA

PENAL. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. AUSÊNCIA DE DOLO DIRETO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO.

1. O crime de denunciação caluniosa exige, para sua configuração, além da provocação de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, o conhecimento da inocência do acusado.

2. Reconhecida a atipicidade da conduta delitiva, é imperativa a absolvição do réu, com base no art. 386, III, do CPP.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do Ministério Público Federal, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 08 de junho de 2010.

Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Relator

RELATÓRIO

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra FRANCISCO GOULART JAHN pelo crime previsto no artigo 339, caput, combinado com o art. 70, todos do Código Penal.

Destaca-se, na denúncia, os seguintes trechos (fls. 02-05):

1. O denunciado, FRANCISCO GOULART JAHN, deu causa à instauração de investigação policial e administrativa, contra a auditora fiscal da Previdência Social, Jaqueline Kersting Chadanowicz, imputando-lhe falsamente a prática de crimes, conduta esta tipificada no artigo 339, caput, do Código Penal.

2. Em 1º de abril de 2004, o denunciado protocolou, na Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, representação criminal (fls. 06/17) contra a auditora fiscal Jaqueline, afirmando ter ela cometido os delitos de falsificação de documentos públicos, tentativa de furto, ameaça e de abuso de autoridade, além de requerer a interrupção da fiscalização promovida pelo INSS em sua empresa, Videojob Comércio e Serviços Ltda.

3. Narrou a representação, em síntese que, em 23 de março de 2004, no curso do procedimento fiscal, Jaqueline dirigiu-se ao escritório de Neila Gasperini, responsável pela contabilidade da empresa do denunciado, onde teria sido flagrada tentando subtrair documentos sem autorização de Neila, sendo, porém, impedida por esta e pelo denunciado. Em seguida, a agente fiscal teria se retirado do escritório contábil, ameaçando ambos das possíveis consequências de ter sido contrariada.

4. O denunciado também registrou ocorrência na Polícia Civil (fls. 14 e 46/48), onde foi instaurado o Inquérito Policial nº 111504100303 (fl. 58), e encaminhou expediente acusatório à Superintendência do INSS no Rio Grande do Sul, o qual foi, após realização de sindicância, arquivado (fls. 26/38 e 44/58).

5. Instaurado inquérito policial para apurar os fatos veiculados na representação criminal, o denunciado confirmou, em seu depoimento (fls. 74-76), o conteúdo de sua representação, porém amenizou a gravidade de suas imputações, declarando que "utilizou os termos 'subtrair' e 'furtar' em sua representação por estar de cabeça quente, aduzindo que a fiscal não tentara furtar os documentos de outras empresas no escritório, mas sim tentou levar consigo" esses documentos (fl. 76).

(...)

8. Dos autos depreende-se que tanto a sindicância da Corregedoria do INSS de fls. 26/38 e 44/58, quanto o inquérito policial em epígrafe foram instaurados, com base nas representações do denunciado, para apurar a conduta ilícita da auditora fiscal Jaqueline Kersting Chadanowicz. Entretanto, em ambos os processos concluíram que a atitude do denunciado se constituiu em "embaraço à fiscalização" (fl. 36), tendo "o fito de tumultuar e de protelar o procedimento fiscal contra a sua empresa Videojob Comércio e Serviços LTDA ME, o que de fato conseguiu em parte" (fl. 110), não restando caracterizada nenhuma conduta criminosa ou mesmo irregular por parte da fiscal.

(...)

A denúncia foi recebida em 22-06-2006 (fl. 123).

Devidamente processado o feito, sobreveio sentença em 13-03-2008, que absolveu o réu, com fundamento no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal, por não constituir o fato infração penal (fls. 473-475).

Apelou o Ministério Público Federal sustentando, em síntese, que o acusado tinha consciência de que a vítima não havia praticado os crimes que lhe imputou e que agiu dessa forma para tumultuar a ação fiscal e por ter ficado incomodado com a fiscalização (fls. 480-488).

Apresentadas contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.

A Procuradoria-Geral da República, em seu parecer, opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

À Revisão.

Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Relator

VOTO

Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença que absolveu o réu, com base no art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal, por não constituir o fato infração penal.

Alega o Ministério Público Federal que o acusado tinha consciência de que a vítima não havia praticado furto tentado, abuso de autoridade, ameaça e falsificação de documento público e que teria imputado tais crimes com o intuito de atrapalhar a fiscalização em seu estabelecimento.

Inicialmente, cumpre referir que o crime tipificado no art. 339 do Código Penal tutela a boa e regular administração da Justiça, que é atingida por falsas imputações que dão origem à instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa. Outrossim, o referido tipo penal protege a honra objetiva da pessoa que tem atingida sua reputação pessoal e a sua liberdade.

Para a configuração do crime de denunciação caluniosa, é elemento integrante do tipo penal o conhecimento da inocência do acusado, sendo esse o ponto crucial do apelo do Agente Ministerial.

Pelo que se vê dos autos, houve uma série de desentendimentos entre o acusado, Francisco Goulart Jahn, e a Fiscal do INSS, Jaqueline Kersting Chadanowicz, no decorrer da fiscalização de sua empresa Videojob, a começar pela visita da Fiscal em sua residência, com o atendimento pela esposa do réu, que estava grávida de sete meses. Nesse episódio, a esposa do réu sentiu-se ameaçada pela Fiscal do INSS ao ser advertida de que se não entregassem documentos relativos à empresa Videojob, o acusado poderia ser preso. Na sequência, acusado e Fiscal teriam se encontrado, momento em que foi colhida a assinatura do réu no Mandado de Procedimento Fiscal, Termo de Início da Auditoria Fiscal e Termo de Intimação para Apresentação de Documentos. Num terceiro encontro, a Fiscal, ao tentar examinar os documentos da empresa do acusado, foi por esse e pela contadora Neila Gasperini impedida de analisar, sob a suspeita de que poderia furtá-los. Sentindo-se obstaculizada de realizar o seu ofício, despediu-se com ânimo alterado, quando então teria dito ao acusado e à contadora que eles "iriam pagar caro por isto". Na sequência, ao não encontrar o Termo de Início da Auditoria Fiscal e o Termo de Intimação para Apresentação de Documentos assinados pelo réu, resolveu emiti-los novamente para que fossem assinados pelo réu. Não conseguindo a firmatura desse, deixou em sua caixa de correio os referidos documentos com a observação de que houve recusa em assinar. Diante desse fato, o acusado, não sabendo que se tratava de segunda via de documento que já havia sido por ele firmado, entendeu que se tratava de falsificação de documento público.

Ora, como bem esclareceu a sentença recorrida, a prova dos autos, sobretudo a testemunhal, demonstrou que o agente não tinha ciência da inocência quanto aos crimes que imputou à Fiscal do INSS, Jaqueline Kersting Chadanowicz, acreditando, efetivamente, que a Fiscal cometera os delitos imputados, o que não passou de uma sucessão de mal-entendidos alimentados por ânimos exaltados de ambos os lados.

Essa questão foi bem analisada pela sentença de fls. 473-475, da lavra do MM. Juiz Federal Daniel Marchionatti Barbosa. Dessa forma, peço vênia para transcrever trechos daquela decisão, cujos fundamentos adoto como razões de decidir, verbis:

Inicialmente, não tendo a ação fiscal encontrado o acusado na empresa, dirigiu-se a sua residência, onde falou com a esposa do réu, que afirma que este não se encontrava em casa.

Neste particular, embora a fiscal negue que tenha havido qualquer conflito com a esposa do denunciado (fls. 307-320), a esposa Sra. Renita Maria Schwade, afirmou que a fiscal teria dito que poderia haver a prisão do réu, caso ele não a atendesse (fls. 77-78 e 400-418). No mesmo sentido foi o depoimento do acusado (fls. 254-271) e da testemunha de defesa Carlos Antônio Gomes (fls. 387-391), que inclusive afirma que, na ocasião, recebeu uma ligação da esposa apavorada.

Passado este episódio, o acusado e a fiscal combinaram de se encontrar em outra data, quando então ela colheu as assinaturas do réu no Mandado de Procedimento Fiscal (fl. 16), Termo de Início da Auditoria Fiscal (fl. 17) e Termo de Intimação para Apresentação de Documentos (fl. 18).

Posteriormente, numa segunda visita ao escritório de contabilidade onde se encontravam os documentos da empresa, conforme os depoimentos do acusado (fls. 56-58, 79-81 e 254-271) e da contadora (fls. 53-55, 66-67 e 292-305), a fiscal tentou examinar documentos que não eram da empresa do denunciado, quando então foi impedida por ele pela contadora. De acordo com os depoimentos, a fiscal pretendia, inclusive, levar estes documentos de outras empresas para analisar em outro local, o que não foi admitido pelo réu e pela contadora.

Nesta ocasião, a fiscal sustenta que a contadoria teria omitido informações da empresa e, ao se retirar do local, estava alterada (conforme o depoimento da recepcionista Márcia Deniz da Silva Freitas - fls. 401-407), tendo ameaçado o réu e a contadora dizendo que eles "iriam pagar caro por isto" (conforme os depoimentos da contadora do INSS - fls. 53-55, na Polícia Federal - fls. 66-67 e em Juízo - fls. 292-305, bem como do acusado na Polícia Federal - fls. 79-81 e em Juízo - fls. 254-271).

Em outra ocasião, a testemunha Vandir Pinto de Freitas também ouviu a fiscal ameaçando o acusado de que "ele iria se ralar" (fls. 359-363).

Naquela data, a fiscal se retirou do escritório de contabilidade e não levou nenhum documento com ela.

Após, não encontrando o Mandado de Procedimento Fiscal, o Termo de Início da Auditoria Fiscal e o Termo de Intimação para Apresentação de Documentos assinados pelo réu, resolveu emiti-los novamente, inclusive com a mesma numeração dos anteriores, embora com data posterior.

De posse destes e não conseguindo colher novamente as assinaturas do acusado, a fiscal colocou no documento que o réu teria se recusado a assiná-los, sem nada mencionar sobre o fato de que havia extraviado o Mandado de Procedimento Fiscal, o Termo de Início da Auditoria Fiscal e o Termo de Intimação para Apresentação de Documentos anteriormente apresentados e assinados pelo réu ou, ainda, de que se tratavam de uma segunda via dos mesmos, conforme se observa dos documentos constantes nas fls. 13-15.

Assim, ao constatar que a fiscal havia lançado a declaração de que o fiscalizado tinha se recusado a assinar, é natural que o réu acreditasse que, realmente, ela tivesse falsificado documento público, uma vez que ele já havia assinado os mesmos documentos em outra ocasião (fl. 16). Esse, por si só, é um fato grave, que justifica a crença, pelo fiscalizado, de que a servidora estaria, de alguma forma, agindo de forma ilícita para desfavorecê-lo,

Daí a interpretação, possivelmente distorcida, no sentido de que a atuação da Fiscal ao exigir, no exercício do poder de polícia, a apreensão e entrega de documentos era, na verdade, furto. Não foi devidamente demonstrado a quem pertenciam os documentos que a Auditora pretendia examinar e apreender, mas a afirmação de que se tratavam de documentos de outras pessoas pode ser imputada a confusão por parte do réu, da contadora, ou mesmo por parte da própria Fiscal, visto que a mesma reconheceu que perdeu o Mandado de Procedimento Fiscal original, muito provavelmente os tendo misturado com documentos da fiscalizada.

De outra parte, a alegação de ameaças também pode ser imputada a interpretação exagerada das advertências feitas pela Auditora no exercício do poder de polícia. Tal interpretação pode estar relacionada com as evidentes desinteligência entre ambos. Também a exaltação por ocasião da discussão pode ter levado a Fiscal a proferir palavras em tom exagerado, contribuindo para a percepção pelo fiscalizado de que estaria sendo ameaçado.

Todo esse contexto contribui, associado à gravidez da esposa do réu, para a percepção de que a visita da Fiscal à residência do casal buscou criar algum tipo de mal-estar ou intimidação.

Em suma, ao fazer as representações e a queixa-crime contra a Fiscal, acreditava que, efetivamente, os crimes a ela imputados haviam sido praticados, não existindo prova nos autos que afaste esta conclusão.

Ademais, o fato de o acusado haver entregue atestado médico da esposa com data anterior ao fato criminoso e de a contadora ter apresentado versão em juízo diferente da apresentada na fase inquisitorial são meros fatos que, por si só, não servem para afastar a conclusão de que o acusado desconhecia a inocência da Fiscal do INSS, ônus que cabia ao Ministério Público Federal comprovar e que esse não o fez.

Assim, reconhecida a atipicidade da conduta imputada ao réu pela ausência de dolo específico, impõe-se a manutenção de sua absolvição, com base no art. 386, III, do Código de Processo Penal.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do Ministério Público Federal.

Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Relator


EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 08/06/2010

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2004.71.00.046107-4/RS

ORIGEM: RS 200471000461074

RELATOR: Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA

PRESIDENTE: Des. Federal Tadaaqui Hirose

PROCURADOR: Dr. Manoel do Socorro Tavares Pastana

REVISOR: Des. Federal TADAAQUI HIROSE

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

APELADO: FRANCISCO GOULART JAHN

ADVOGADO: Defensoria Pública da União

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 08/06/2010, na seqüência 39, disponibilizada no DE de 28/05/2010, da qual foi intimado(a) o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Certifico, também, que os autos foram encaminhados ao revisor em 19/05/2010.

Certifico que o(a) 7ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

RELATOR ACÓRDÃO: Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA

VOTANTE(S): Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Des. Federal TADAAQUI HIROSE
Des. Federal NÉFI CORDEIRO

Valéria Menin Berlato
Diretora de Secretaria

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Documento eletrônico assinado digitalmente por Valéria Menin Berlato, Diretora de Secretaria, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007, publicada no Diário Eletrônico da 4a Região nº 295 de 24/12/2007. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://www.trf4.gov.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3518644v2 e, se solicitado, do código CRC 16ABED76.

Informações adicionais da assinatura:

Signatário (a): VALERIA MENIN BERLATO:11094

Nº de Série do Certificado: 44357855

Data e Hora: 09/06/2010 14:44:53

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JURID - Penal. Denunciação caluniosa. Ausência de dolo direto. [18/06/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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