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quarta-feira, 23 de junho de 2010

JURID - Condenação. Rescisão contratual [23/06/10] - Jurisprudência


Concessionária é condenada a pagar mais de R$ 3 milhões


26ª VARA CÍVEL CENTRAL DA CAPITAL
Controle nº 488/2010

CONCLUSÃO


Em 18 de maio de 2010 faço estes autos conclusos ao MM. Juiz de Direito, Dr. CARLOS EDUARDO BORGES FANTACINI. Eu,___________, Escr., subscrevo.

Vistos.

HARLEY-DAVIDSON MOTOR COMPANY, INC., HARLEY-DAVIDSON BRASIL LTDA. e H-D MICHIGAN LLC movem AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C.C. INDENIZAÇÃO, pelo rito ORDINÁRIO, com pedido de tutela antecipada, contra HDSP COMÉRCIO DE VEÍCULOS LTDA., alegando, em suma, que as partes estão vinculadas por contratos de concessão comercial, distribuição de veículos, com cláusula de exclusividade, sendo que a ré vem incorrendo em vários inadimplementos contratuais, violando a exclusividade ao vender motocicletas e acessórios de outras marcas, utilizando indevidamente a marca HARLEY-DAVIDSON em conjunto com outras marcas, bem como alterando sua composição societária; a par de demora no emplacamento das motocicletas que, mesmo já vendidas e pagas pelo consumidor final, continuam empenhadas a alguns bancos; péssimos serviços no pós-venda, com insatisfação dos consumidores. Com isso gerando irremediável quebra de confiança e danos à marca notória de motocicletas. Foi de plano concedida a tutela antecipada (fls. 766/8), em parte reconsiderada após a interposição de agravo de instrumento (fls. 1.809). Contestação a fls. 1.813 e ss., onde a ré sustenta, em suma: a verdadeira intenção das autoras é se apoderar do lucrativo mercado brasileiro, aumentando seus ganhos, locupletando-se às custas do mercado construído pela ré ao longo de 18 anos; falta de interesse de agir, por exigência de prévio e obrigatório procedimento de mediação, previsto em contrato; carência de ação, na medida em que não esgotado o prazo de 90 dias para a ré purgar a mora; o e-mail de 11.11.2010 não é suficiente para caracterizar notificação formal, não cumprindo a formalidade solene e essencial do contrato, que exige notificação por escrito; quanto à alteração societária da ré, quando da propositura desta ação, a ré já havia sanado tal ponto; quanto às supostas falhas de atendimento aos consumidores, não há nos contratos regimes jurídicos que delimitem parâmetros de aferição (quantitativos, qualitativos, etc.); também sobre este ponto deveria haver prévia notificação; em que pesem as cláusulas de exclusividade quanto à marca da motocicleta revendida, por ajuste entre as partes, restaram flexibilizadas, com admissão pelas autoras de comercialização pela ré de outras marcas; as rés sempre souberam da venda de outras marcas e sempre anuíram com tal procedimento comercial, compatível com estratégia de vendas, certo que a ré recebeu diversos prêmios por seu desempenho; aliás, as demais marcas vendidas nem sequer são concorrentes diretas; o próprio contrato relativiza a exclusividade, prevendo a possibilidade de comercialização da marca Triumph; deve ser aplicada a cláusula 18.5, específica, e não a cláusula 18.6 (e), geral; assim, os contratos somente poderão ser rescindidos se a ré, notificada da infração, "deixe de saná-las ou se recuse a fazê-lo, no prazo de 90 (noventa) dias"; ao contrário do afirmado pelas autoras, em nenhum momento a ré renunciou a seus direitos; a ré adotou as medidas exigidas pelas autoras com o único intuito de preservar seu negócio, tanto que rescindiu o contrato firmado com as demais marcas de motocicletas, encerrando as filiais que vendiam tais marcas outras; no endereço da Juscelino Kubitschek não funcionava mais uma filial da ré, quando das notas fiscais de compra da marca Ducatti e da vistoria feita pela oficial de justiça, pois que já havia dado entrada na 34ª alteração contratual perante a Junta Comercial; as diversas marcas de motocicletas eram exibidas na revista da ré, sempre elogiada e premiada pelas autoras, por seu excelente desempenho; os representantes da ré tinham pleno conhecimento da comercialização de outras marcas em loja diversa, inclusive porque visitaram a loja de Curitiba (fls. 1841); a alteração societária foi sanada, a par de não implicar em qualquer alteração de controle, mas apenas de uma reorganização do capital social, sem comprometer a capacidade comercial, financeira e operacional para administrar a ré, não se aplicando a cláusula 18.4; as autoras sempre reconheceram o bom desempenho da ré, não se vendo relevância nas supostas reclamações dos consumidores, certo que houve apenas quatro (4) junto ao PROCON, nos últimos 3 anos, número muito baixo; quanto à questão de emplacamento das motos, não há prática comercial abusiva, mas sim "financiamento para revendas" junto aos bancos, onde a ré obtém crédito rotativo para compra de produtos junto às fábricas e montadoras, operação comum e corriqueira neste, quando são dadas em garantia as motos, com respectiva baixa quando do pagamento; a demora na liberação das garantias se deve a problemas burocráticos junto ao DETRAN; quanto ao fornecimento de peças à Polícia Federal, como as motos são revendidas diretamente pelas autoras, a ela caberia a respectiva manutenção; são mantidas peças de reposição em estoque em quantidade suficiente para atender satisfatoriamente os consumidores (quase 6 vezes o faturamento mensal); as reclamações dos consumidores foram resolvidas; não há que se falar em danos materiais e morais, inexistente conduta ilícita; descabida tutela antecipada, devendo ser exigida caução das rés, estrangeiras. Réplica a fls. 4871/4908. Manifestações das autoras a fls. 5292/5308 e da ré a fls. 4696/4974 e 5311/5333.


É O RELATÓRIO. DECIDO.

Afasto as preliminares, que na realidade se confundem com o mérito, mormente quanto à eficácia da notificação e à possibilidade de purgar a mora, ou curar o inadimplemento, evidenciado o legítimo interesse de agir, pois aqui se busca tutela útil e adequada à pretensão resistida.

Nem tampouco há que se falar em obrigatoriedade de prévia do procedimento de mediação que, diversamente da arbitragem, pressupõe vontade comum das partes, sendo pela própria natureza optativo.

Superadas as preliminares, cabível o julgamento antecipado, pois a confissão da ré e a prova documental trazida aos autos é mais que suficiente para o deslinde da causa.

Após análise exauriente dos autos, com farta prova documental, tornou-se ainda mais robusto o convencimento firmado quando da concessão total da tutela antecipada, dissipada e superada a dúvida trazida pelo agravo, que então levou à parcial e equivocada reconsideração. Assim, para reitero, em linhas gerais, o convencimento já firmado quando concedida a tutela antecipada.

As partes estão vinculadas por contratos de distribuição, ou seja, de venda de motocicletas e acessórios produzidos pela autora, tratando-se a ré de concessionária exclusiva no Brasil, que vem violando sistematicamente obrigações contratuais e legais, rompendo irremediavelmente a relação de confiança e de boa-fé que deve nortear qualquer negócio jurídico.

Com efeito, houve quebra da exclusividade, prevista na cláusula 6.2 do contrato de fls. 200/300 e 302/382 e 387/438, com farta prova de que a ré tem comercializado sob seu próprio nome e CNPJ, motocicletas e produtos de outras marcas concorrentes diversas, como bem se vê a fls. 524/5, especificamente em e-mail onde o diretor presidente da ré, dirigindo-se aparentemente a seu advogado fala em "criar uma estratégia para tirar todas as marcas das lojas até lá ou simplesmente nos defender", o que implica em confissão.

O mesmo se observa nos cupons fiscais a fls. 742, 536/9, 546 e 566; nos cartões de visitas que exibem várias marcas ao lado da marca da autora (fls. 579/580); anúncio na Internet (fls. 552/9); nota fiscal da fábrica Ducati em nome da ré (fls. 566) e termo de inscrição de outra marca concorrente em nome da ré doc. 562/3.

Com isso, associou a marca notória Harley Davidson a outras concorrentes, violando a cláusula 16.2 dos contratos de distribuição e 14.2 do contrato de distribuição de mercadorias; além de implicar em concorrência desleal, a teor do artigo 195, IV, da Lei nº 9.729/96, criando confusão nos consumidores, o que afronta também os princípios do Código de Defesa do Consumidor, na medida em que induz o consumidor em erro. Tamanha a má-fé da ré, que, além de promover alteração societária sem prévia ciência e aprovação pelas autoras, infringindo os contratos entre as partes (fls. 583/596), ainda se associou com novos sócios que participam de empresa concorrente da autora, que fabricará motocicletas da marca Triumph (fls. 601 e 604/5).

Não bastasse, houve outra prática espúria, qual seja, demora no emplacamento e entrega das motocicletas já vendidas nas lojas e pagas pelos consumidores, na medida em que empenhava tais veículos a alguns bancos, dentre eles o Banco Cacique e o Cruzeiro do Sul, mais uma vez violando o contrato e colocando em risco os consumidores, o que pode ser visto, inequivocamente, a fls. 608/610, 614/6, 618/665, gerando grande insatisfação entre os clientes da marca, manchando sua boa reputação.

Tanto que a ré sofreu procedimento instaurado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, onde veio a firmar termo de compromisso de ajustamento de conduta (fls. 688), certo que, mais recentemente, sofre outro procedimento perante a Promotoria do Consumidor nesta capital.

É certo, ainda que a ré foi devidamente notificada para cessar sua conduta, assim constituída em mora, no dia 11/11/2009 (fls. 475/7), no que a ré confessou o inadimplemento contratual (fls. 480/2); ao que se seguiu nova notificação (fls. 485/9), com resposta mais uma vez confessando os ilícitos (fls. 499/505), certo que tal conduta continuou mesmo depois das diversas notificações trocadas entre as partes, e mesmo depois de concedida a tutela antecipada. As más práticas comerciais da ré atingiram até a própria Polícia Federal (fls. 757/8), que não consegue comprar peças para suas motocicletas, frágil o argumento da ré no sentido de que caberia às próprias autoras fazer a manutenção das motocicletas por elas vendidas diretamente, na medida em que a ré é a única concessionária autorizada no Brasil, nos moldes da Lei 6.729/79 ("Lei Renato Ferrari"). É o quanto basta para autorizar a rescisão por justa causa, vez que os argumentos da defesa não prosperam, como se passará a analisar mais detidamente.

Evidente que o e-mail de 11/11/2010 é válido como notificação, na medida em que se deu na forma escrita, onde foram narradas adequadamente as infrações contratuais, certo que se trata de forma usual, moderna e corriqueira de comunicação, inequívoca a plena ciência da ré, tanto que o respondeu em 17/01/2010 (fls. 480/2), tendo o ato atingido sua plena finalidade. Ademais, era corriqueira tal forma de comunicação entre as partes, como se vê ao longo do processo, tanto que diversos foram os e-mails mandados pela ré, inclusive em caráter de formal notificação.

De qualquer sorte, não há que se falar em prazo de 90 dias para purgação da mora, na medida que a cláusula 18.5 se refere a "obrigações relativas a vendas, assistência técnica, instalações e desenvolvimento". Com efeito, inequívoco e incontroverso ter havido alteração no controle societário da ré, o que configura infração contratual especificamente prevista na cláusula 18.4, não sujeita a arrependimento ou a prazo para purgação da mora; assim, tarde demais a nova mudança no quadro societário (o que implica em mais uma confissão), autorizada, pois, a rescisão de imediato, independente de prévia notificação.

Quanto à violação da marca HARLEY-DAVIDSON, à concorrência desleal e à quebra da exclusividade, ao contrário do que pretende a ré, igualmente não se aplica a cláusula 18.5, que se refere ao normal funcionamento do comércio - falhas de vendas, assistência técnica, etc. Mas sim a cláusula 18.6 (e) em que não se prevê prazo de 90 dias, mas sim no prazo fixado em notificação; no caso (fls. 485/9) o prazo se vencia em 05/02/2010, certo que, conforme bem se vê a fls. 546, 549, e fls. 6 e 112 dos autos em apenso, demonstram que, bem após o termo final, e mesmo após o ajuizamento desta ação, a ré continuou a violar a exclusividade, bem como a vincular a marca das autoras a outros fabricantes.

Não bastasse, por outro lado, além de inadimplir voluntariamente o contrato, a ré faltou com a verdade, com o dever de boa-fé e lealdade que devem presidir a relação contratual, na medida em que negou peremptoriamente as infrações contratuais (fls. 499/505). Ora, quem não assume a mora não tem como purgá-la ou, noutros termos, flagrada em diversos ilícitos, se pretendia a ré corrigir seus erros, o primeiro passo seria assumi-los, só assim se viabilizando eventual reconciliação de interesses; ao mentir, o inadimplemento contratual consolidou-se e, pois, tornou-se absoluto.

No entanto, diante da conduta recalcitrante, mais uma vez restou reforçada a quebra de confiança, indispensável em qualquer relação comercial, mormente numa desta magnitude, que envolve marca notória, de inegável reputação, que evidentemente não pode ser compelida a se manter contratada com a ré. Mais não seria preciso para legitimar a rescisão por justa causa. Veja-se que a ré se mostra evasiva, contraditória e recalcitrante, ora não assumindo seus erros, ora dizendo que atendeu aos reclamos das autoras "apenas para manter seu negócio".

Não prosperam os argumentos da ré ao dizer que as regras de exclusividade quanto à marca, por ajuste entre as partes, restaram "flexibilizadas", com admissão pelas autoras de comercialização pela ré de outras marcas, o que seria compatível com estratégia comercial, citando o exemplo da Rua São Caetano (dos vestidos de noivas).

Ora, dentro do que normalmente se observa, pela experiência comum, tal argumento não faz o menor sentido, mormente diante da fama da marca das autoras, verdadeiro mito do motociclismo mundial, que não tem razão nenhuma para se associar a outras marcas, longe disto. Até porque o consumidor é fiel à marca e a presença de outras marcas evidentemente que leva ao desvio de clientela, prática espúria e desleal, que não pode ser tolerada.

Ademais, tratando-se de contrato escrito e complexo, com tanto detalhamento, como é típico dos contratos do direito anglo-saxão, bastante formais neste aspecto, completamente absurdo imaginar que fosse haver um "ajuste entre as partes" para "flexibilizar" o contrato, o que fere a lógica o bom senso, até porque o aditamento ou o distrato se fazem pela mesma forma que o contrato, como é regra nas obrigações.

Nem tampouco se pode imaginar que a eventual tolerância, ou mesmo a concessão de prêmios em período anterior à notificação, tenha o condão de alterar o contrato, ou mesmo de implicar em renúncia ao direito de rescisão, nem tampouco significam um salvo conduto para a ré, para que possa violar o contrato a seu livre alvedrio. Aliás, neste aspecto, nota-se que, depois de longo relacionamento entre as partes, justamente quando este relacionamento tinha se consolidado e aprofundado, foi que a ré agiu com abuso de confiança, traindo as autoras.

Absurdo dizer que as outras marcas não seriam concorrentes da marca das autoras; ora, apesar da fidelidade característica dos consumidores da marca autora, evidentemente que podem ser desviados ou impulsionados a adquirir outra motocicleta, por variadas razões, como preço, prazo de entrega, etc. Pouco importando, no caso, a previsão da cláusula 6.2, que apenas abriu a possibilidade de comercialização da marca Triumph, desde que houvesse um "acordo em separado entre o concessionário e o fabricante", não existindo tal acordo.

Mais uma vez, repita-se, quanto à violação da exclusividade, ponto essencial do contrato, de seu sinalagma, não se aplica a cláusula 18.5, que se refere apenas a vendas da marca HARLEY-DAVIDSON, mas sim à cláusula 18.6 (e), daí que o prazo, ainda que cabível (e não era, diante do inadimplemento absoluto, como já exposto), venceu em 05/02/2010, após o que a ré continuou a violar a exclusividade, conforme demonstram inequivocamente, as notas fiscais com datas, respectivamente, de 11/02/2010 (fls. 546), 25/02/2010 (fls. 549) e 16/03/2010 (fls. 6 do apenso), esta última deitando por terra o argumento de que a filial da Avenida Juscelino Kubitschek não mais lhe pertencia, pois tinha dado entrada na Junta Comercial.

Ora, mesmo depois de citada e intimada desta ação, o fato é que, conforme demonstram os diversos documentos dos autos, reincidiu nas infrações contratuais e desrespeitou a ordem judicial, como bem se pode ver no auto de constatação do incidente em apenso ao 28º volume (fls. 112 e 114), nada afastando a fé pública da Sra. Oficial de Justiça, que constatou de forma inequívoca o funcionamento da ré naquele local (em 24 de março de 2010), onde existiam diversos documentos, bem como a exposição à venda de produtos de outras marcas concorrentes, a despeito de mais uma tentativa da ré, por seus representantes e prepostos, de tentar enganar a Justiça, sem sucesso, ressalte-se.

De qualquer sorte, com a alegação de que fechou filiais que vendiam outras marcas, deu-se a confissão quanto à violação da marca e concorrência desleal. Ao contrário do que afirma a ré, no sentido de que a alteração societária não teria afetado sua capacidade comercial, financeira e operacional, o fato é que o procedimento ilegal de empenhar a bancos motocicletas já vendidas e pagas pelos consumidores, coloca em xeque sua própria idoneidade comercial e financeira, até porque se vê que é ré em nada menos que três processos de despejo por falta de pagamento (fls. 4250/2) e executada em diversas execuções fiscais (fls. 4253/4267).

Ressaltando-se também a busca de crédito caro junto a banco, ao que tudo indica para resgatar gravames sobre motocicletas pendentes junto a outros bancos (fls. 938/948).

Por fim, não é de se admitir como lícita a alienação, em favor de diversos bancos, de motocicletas já revendidas ao consumidor final, que se vê impedido de emplacá-las.

Ora, a qualquer um é dado saber que, quando se adquire qualquer veículo automotor novo em concessionária, até por exigência administrativa de trânsito e por razões de segurança, em poucos dias se obtém o emplacamento - procedimento usual e padrão - evidente que quando haja financiamento pelo consumidor comprador, daí a restrição em favor da instituição financeira consta no documento do veículo.

Não é o caso dos autos, onde a ré está se financiando às custas de seus consumidores (sem que estes saibam disso, violando o dever de informação e transparência previsto no Código de Defesa do Consumidor), que se vêem impedidos de emplacar suas motocicletas por longo período, o que deu ensejo a procedimento perante o Ministério Público do Rio Grande do Sul, e mais recentemente perante a Promotoria de Justiça do Consumidor de São Paulo, capital. Não prosperando a desculpa de que haveria demora burocrática por parte do DETRAN, até porque a portaria invocada se limita ao Estado de São Paulo, e o problema da demora no emplacamento se observa em todo o país.

Aliás, a demonstrar que a ré continua em sua conduta de má-fé, colocando em risco os consumidores, conforme documentos trazidos a fls. 4304 e seguintes, existiam no mínimo 180 motocicletas já vendidas pela ré, mas ainda não emplacadas, em virtude do ilícito procedimento por ela adotado (até porque tudo indica estar "liquidando" seu estoque, com preços inferiores aos normalmente praticados).

Conforme ali listado pelas autoras, dos 180 consumidores prejudicados, 10 deles aguardavam emplacamento há mais de 100 dias, 53 há mais de 60 dias, e outro tanto há mais de 30 dias, o que foge por completo ao admissível, posto que tais motocicletas se encontram com gravames em favor de diversos bancos. Por fim, não faz o menor sentido que as autoras, depois de tanto tempo de relacionamento, fossem pura e simplesmente querer "descartar" a ré, apoderando-se de "seu mercado".

Até porque, por força da "Lei Ferrari", terão que obrigatoriamente se valer de novos concessionários, sem contar o enorme desgaste gerado para a marca com a pendência. O que ocorreu, e continua a ocorrer, isto sim, é um conjunto de descumprimento doloso e voluntário de obrigações pela ré, que comete diversas ilegalidades, quebrando irremediavelmente a confiança que lhe foi depositada, inviabilizando, por óbvio, a manutenção de qualquer relação entre as partes, sob pena de agravamento irreparável de danos à marca, misturada indevidamente a marcas concorrentes, obscuras, em conduta suscetível de causar confusão com a marca notória, ícone do motociclismo mundial, conforme ampla documentação acostada aos autos, a par de fato notório. São desleais e ilícitos todos os comportamentos ou práticas comerciais que sejam falaciosas ou transgridam de qualquer forma as regras de boa-fé e que influenciem as relações entre concorrentes ou entre fornecedores e clientes.

Ou seja, qualquer procedimento que embaraçar de maneira inadmissível a situação comercial dos concorrentes, causando desvio de clientela. A intenção de locupletamento ilícito da ré salta aos olhos, e sua má-fé ainda mais se evidencia diante da continuidade de sua nefasta conduta, induzindo em erro o consumidor. Assim, a conduta da ré viola a propriedade industrial da autora, implica em concorrência desleal e induz em erro o consumidor, pelo que deve ser condenada e repudiada.

A respeito da concorrência desleal entre duas empresas no ambiente comercial, pode ela ocorrer não somente pela indução a erro dos consumidores, ou desvio de clientela, mas também pela diluição. Na lição da melhor doutrina, "diluição é a perda da capacidade que possuí uma marca famosa de identificar e distinguir produtos ou serviços, independentemente da presença ou ausência de risco de confusão, erro ou engano.

As leis antidilution (contra a diluição) centram o seu foco de atenção na proteção do titular da marca, mas com isso logram proteger o consumidor. Os requisitos são: a marca deve ser notória e o uso ilícito deve apresentar caráter comercial que provoque a diluição da qualidade distintiva da marca. Pode ocorrer dilution no caso de tamishment (descrédito), que ocorre quando uma marca famosa é vinculada a produtos de pior qualidade ou é representada de uma maneira perniciosa, e blurring (obscurecimento), que tem lugar nas hipóteses em que ocorre uma perda do poder de venda e do valor da marca como conseqüência do uso não autorizado' (RICARDO LUIZ LORENZETTI Comércio eletrônico, tradução de Fabiano Menke, RT 2004, p. 231)".

Ocorreram as infrações contratuais, com o inadimplemento absoluto, e igualmente os prejuízos materiais, diante do desvio de clientela, na medida em que os consumidores adquiriram produtos diversos dos da autora, que no mínimo perde a oportunidade de vender os seus, e vê sua marca enfraquecida. Inequívocos assim os danos materiais e morais acarretados à autora, que devem desde logo ser arbitrados, evitando-se a eternização do litígio, com infindável liquidação, fonte inesgotável de incertezas e complexidade. Assim, tomo por base o valor declarado do faturamento mensal da ré, de R$ 500.000,00, por ela declinado, que restou incontroverso, estimada margem de lucro de 20%, pelo que arbitro o valor da multa prevista no artigo 26 da Lei Ferrari, 5% das vendas presumidas em 4 meses, em R$ 80.000,00.

Quanto ao dano material relativo ao desvio de clientela, tratando-se de contrato diferido no tempo, mostra-se razoável fixar desde logo o critério e o valor: será de 20% (padrão para multa compensatória neste tipo de contrato) do faturamento total da ré (bruto - R$ 500.000,00), durante o período de um ano. Restando, assim, o valor arbitrado em R$ 1.200.000,00.

Inequívoco, por outro lado, o prejuízo causado à marca da autora, posto que já abalada com a utilização indevida, a par de todas as ilicitudes e prejuízos causados aos consumidores. Face ao grau de dolo, de má-fé, e considerando o porte das partes, e o grande mercado envolvido, visando desestimular este deplorável tipo de conduta, tão recorrente em nosso país, arbitro desde já o valor do dano moral às autoras e sua marca em 10% do valor da causa (estimado pela própria ré), ou seja, em R$ 1.760.000,00, garantindo com isso punição e ressarcimento. Por fim, não há que se falar em necessidade de caução, questão preclusa porque já decidida.

Isto posto, JULGO PROCEDENTE a ação para declarar rescindidos os contratos entre as partes por culpa única e exclusiva da ré, após o prazo de 120 dias a contar da publicação desta, conforme § 2º do artigo 22, da Lei nº 6.729/79, cessando então quaisquer obrigações entre as partes.

De outro lado, tendo em vista a gravidade das infrações e o descumprimento da ordem judicial, como já demonstrado, e tendo em vista os princípios constitucionais da efetividade, celeridade, eficiência e presteza no exercício da jurisdição (Arts. 5º, inciso LXXVIII, 37, caput, e art. 93, II, c, CF; art. 125, II, CPC), visando evitar o agravamento dos prejuízos às autoras e a milhares de consumidores e, dentro do poder geral de cautela e coerção; e também com base no artigo 461 do Código de Processo Civil, visando o resultado prático, SUSPENDO DE IMEDIATO A EXCLUSIVIDADE contratual concedida à ré pelas cláusulas 1.1 e 1 dos contratos de distribuição, autorizados às autoras, de imediato, nomear novos concessionários no Brasil.

CONDENO ainda a ré, no período de 120 dias, à obrigação de não fazer, qual seja, que se abstenha, imediatamente de promover, anunciar, expor à venda e/ou alienar produtos de quaisquer outras marcas que não Harley Davidson, bem como utilizar a marca referida, sob qualquer forma, em conjunto com quaisquer outras pertencentes a terceiros, tudo sob pena de pagamento de multa de R$ 100.000,00 por cada ato de descumprimento, o que poderá ser comprovado por qualquer meio idôneo e executado de imediato nestes próprios autos, ainda que em apenso.

Concedo, neste tópico de rescisão contratual, quebra de exclusividade e obrigação de não fazer, tutela antecipada, face à certeza inequívoca e ao risco de prejuízo irreparável para as autoras e para os consumidores, rerratificada a decisão de fls. 766/8, superada sua parcial revogação. Pelo que tais condenações e obrigação de não fazer não ficarão sujeita a efeito suspensivo em caso de recurso, podendo ser de imediato executada, em caráter definitivo, através de carta de sentença, em caso de apelação.

Por fim, como já fundamento, pelos danos materiais e morais somados, CONDENO a ré HDSP COMÉRCIO DE VEÍCULOS LTDA. a indenizar as autoras em R$ 3.040.000,00, valor este corrigido pela tabela prática do Tribunal de Justiça a contar do ajuizamento, e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês a partir da citação.

Ante a sucumbência, CONDENO a ré a arcar com despesas processuais, sendo honorários advocatícios de 15% do valor da condenação. Uma vez que a condenação envolve a rescisão do contrato, mantenho o valor da causa para todos os efeitos, inclusive preparo de eventual apelação.

P.R.I.C.

São Paulo, 18 de junho de 2010.


CARLOS EDUARDO BORGES FANTACINI
Juiz de Direito




JURID - Condenação. Rescisão contratual [23/06/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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