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segunda-feira, 15 de junho de 2009

JURID - Habeas corpus. Competência. Ação penal. Estelionato simples. [15/06/09] - Jurisprudência


Habeas corpus. Competência. Ação penal. Estelionato simples e formação de quadrilha. Continuidade delitiva.


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

HABEAS CORPUS Nº 99.951 - RJ (2008/0026741-0)

RELATOR: MINISTRO JORGE MUSSI

IMPETRANTE: ROSÁLIA RIOS MARÔT

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PACIENTE: WALTER MACHADO JÚNIOR (PRESO)

EMENTA

HABEAS CORPUS. COMPETÊNCIA. AÇÃO PENAL. ESTELIONATO SIMPLES E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. CONTINUIDADE DELITIVA. INTERCEPTAÇÃO DE CARTÕES DE CRÉDITO ENVIADOS A CLIENTES. EMPREGADO DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. DELITOS QUE VISAVAM OBTER VANTAGEM ILÍCITA EM DETRIMENTO DE PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO. ABSOLVIÇÃO DO EMPREGADO DA EBCT. INEXISTÊNCIA DE LESÃO A BENS, SERVIÇOS OU INTERESSES DA UNIÃO, ENTIDADE AUTÁRQUICA FEDERAL OU EMPRESA PÚBLICA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. COAÇÃO ILEGAL NÃO EVIDENCIADA.

1. Ainda que houvesse envolvimento de empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - EBCT, que restou absolvido pela dúvida, para justificar a fixação da competência federal para o processamento e julgamento dos ilícitos assestados ao paciente haveria necessidade de haver dano à referida empresa pública, o que não restou comprovado.

2. Não demonstrada a ocorrência de qualquer lesão a bens, serviços ou interesses da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, correta a decisão do Tribunal impetrado que denegou a ordem, mantendo a competência da Justiça Estadual para processar e julgar os delitos em questão.

3. Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 29 de abril de 2009. (Data do Julgamento).

MINISTRO JORGE MUSSI
Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de WALTER MACHADO JÚNIOR, contra acórdão da Oitava Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, julgando writ lá ajuizado, denegou a ordem, mantendo a competência da Justiça Estadual para processar e julgar a Ação Penal n. 2005.204.013040-6, da 2ª Vara Criminal da comarca de Bangu, em que findou condenado ao cumprimento de 7 anos e 6 meses de reclusão, em regime semiaberto, e ao pagamento de 166 dias-multa, cada qual no valor de 1/2 do salário mínimo, pela prática dos delitos dispostos no art. 171, caput, c/c art. art. 71, e art. 288, ambos do Código Penal, em concurso material (HC n. 2007.059.07312).

Informa que as investigações que embasaram a condenação tiveram início a partir da instauração, pela Delegacia de Defraudações, do Inquérito Policial n. 118/06, em razão de notícia criminal oferecida pelo Banco Fininvest S/A, visando apurar fatos criminosos ocorridos entre janeiro a julho de 2005, visto que constatou-se que nesse período "cartões de crédito operados pela mencionada Empresa estavam sendo extraviados, via correios, antes de chegarem ao poder dos clientes e, após serem desbloqueados, eram utilizados por terceiras pessoas que não seus reais proprietários" (fls. 3).

Noticia que, encerradas as investigações, o órgão ministerial apresentou denúncia contra o paciente, acusando-o de ter se associado permanentemente com os outros sete acusados e com eles praticado "diversos estelionatos em prejuízo das Instituições Financeiras Fininvest S/A e Mastercard/IBI, mantendo em erro diversos funcionários de estabelecimentos comerciais localizados sobretudo nos bairros de Realengo, Sulacap e Padre Miguel, mediante fraude" (fls. 3).

Alega a ocorrência de constrangimento ilegal, diante da incompetência absoluta - ratione materiae - da Justiça Estadual para processar e julgar os delitos pelos quais o paciente restou condenado, pois, conforme preceitua o art. 109, IV, da Carta Magna, competiria à esfera federal apreciá-los, dado o envolvimento de empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - EBCT nos ilícitos em questão.

Assim, e salientando a ofensa aos princípios do Juiz Natural e da Legalidade, constitucionalmente garantidos, postulou a concessão sumária da ordem mandamental, a fim de que seja expedido alvará de soltura em favor do paciente, e, no mérito, a concessão da ordem, para que fosse cassada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, bem como reconhecida a incompetência daquela Vara para processar o aludido feito, e declarada a sua nulidade desde o recebimento da denúncia, com a remessa do procedimento ao Juízo Federal Criminal da Seção Judiciária daquele Estado.

Instruiu o pleito com os documentos acostados a fls. 24 usque 144.

A medida liminar foi indeferida e, solicitadas informações à autoridade impetrada, esta as prestou.

Instado, o Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da ordem.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Compulsando os autos, e como informou o próprio impetrante, constata-se que o paciente foi denunciado, e em seguida condenado, porque, no período compreendido entre janeiro de 2005 a 8 de março de 2007, teria se associado aos outros acusados para praticar, de forma livre e consciente, e de maneira estável, reiteradamente os crimes de estelionato, sendo inclusive acusado de ser o líder da quadrilha, o que findou comprovado, senão leia-se da fundamentação da sentença condenatória:

"Com bem ressaltou a autoridade policial responsável pela investigação, o acusado Walter Machado agiu como líder dos demais membros da quadrilha, visto que era a pessoa que orientava a conduta dos demais [...]" (fls. 64).

Consta ainda da exordial acusatória que a quadrilha era extremamente organizada, sendo que Wallace Fernandes Magalhães, único qualificado como funcionário público, pois empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - EBCT - até 4-8-2006 (fls. 141/142), Marcelo Rodrigues da Silva e Maurício Rosário de Oliveira, atuavam na primeira fase da empreitada criminosa, sendo os responsáveis pela interceptação de cartões de crédito enviados aos clientes pelas instituições financeiras lesadas - Fininvest S/A e Mastercard/IBI - repassando-os ao paciente, mediante pagamento de cerca de 20 a 50% do limite de crédito de cada cartão (vide fls. 53).

Do édito condenatório infere-se ainda que:

"Os demais acusados no curso das investigação criminal mantiveram-se no desempenho de suas tarefas criminosas. Durante o período da investigação, isto é, por cerca de dois anos, os acusados continuaram a adquirir e desbloquear cartões de crédito, com o fito de obter vantagem indevida, qual seja, a realização de compras com cartões alheios. Para tal havia membros do grupo encarregados de obter dados cadastrais dos titulares do cartão, realizarem compras e, finalmente, venderem o produto do crime, momento em que se daria a consumação do delito visado pelo grupo criminoso.

[...]

"A conduta criminosa consistia em desviar cartões de crédito que seriam enviados pelo correio a seus legítimos destinatários. Após, efetuada a pesquisa de dados dos titulares do cartão, era realizado de forma fraudulenta o desbloqueio dos cartões de crédito por integrantes da quadrilha que se faziam passar por seus respectivos titulares. Por fim, uma vez desbloqueados os cartões de crédito, eram efetuadas compras para, então, serem revendidos os bens indevidamente adquiridos.

"[...].

"O prejuízo financeiro experimentado pelas empresas lesadas é considerável. Conforme consta do ofício de fls. 908, o valor do prejuízo sofrido pela Fininvest S/A alcança o montante de R$ 2.936.274,23, fato este que caracteriza a grave consequência do crime.

"[...].

"Na verdade não se trata de uma pequena quadrilha. A quantidade de integrantes preordenados para o cometimento de práticas criminosas (considerando que os denunciados chegam a oito pessoas), a divisão de tarefas entre os integrantes do bando, os meios utilizados pelos agentes (cartões de crédito, desbloqueio por telefone, obtenção de dados via internet etc.), e, finalmente, o elevado prejuízo gerado no mercado por seus integrantes demonstra o grau de organização do aludido bando" (fls. 64 a 71).

Esclarecidas as questões fáticas que deram ensejo à condenação do paciente, verifica-se que pretende o impetrante em verdade a nulidade do feito, ao argumento da incompetência em razão da matéria da Justiça Estadual para processar e julgar os delitos em questão, dada a participação de um empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos nos ilícitos.

A Corte impugnada afastou a aludida incompetência do Juízo, em aresto assim ementado:

"Habeas Corpus. Arts. 171 n/f 71 e 288 todos do CP em cúmulo material. Condenação. Decisão sujeita ao segundo grau de jurisdição. Constrangimento ilegal decorrente da condenação por juízo manifestamente incompetente em relação à matéria. Sustenta a impetrante que o evidente envolvimento de funcionários da EBCT, torna inquestionável a competência para processo e julgamento da Justiça Federal. Como deflui da redação do artigo 109, IV da CRFB, só persistiria a competência se as práticas visassem bens, serviços ou interesses da União, suas autarquias ou empresas públicas, inferindo-se que o patrimônio lesado pertence à pessoas jurídicas de direito privado, não contido na exordial, menção à EBTC, ou que a empresa tenha sofrido qualquer tipo de lesão. Ilícitos perpetrados contra particulares permanecem adstritos ao juízo comum estadual, nos exatos termos do artigo que lastreia o presente 'writ'. Ordem denegada" (fls. 137).

Da fundamentação do acórdão, retira-se, por oportuno:

"Como se infere das informações prestadas, em nenhum momento restou abalado o interesse da referida empresa pública, existindo apenas como alvo, patrimônio privado. Ainda que exista, a participação de agentes que integram os quadros da EBCT, tal fato, por si só não desloca a competência para a justiça federal, exigindo, como preleciona o referido artigo que lastreia o presente writ, que interesse, patrimônio ou serviço público seja afetado pela atividade criminosa" (fls. 138).

E assim decidindo, não se pode dizer que o Tribunal impetrado incorreu em constrangimento ilegal, visto que, segundo precedentes desta Corte Superior, não evidenciada qualquer lesão a bens, serviços ou interesse da União, suas entidades autárquicas ou empresas públicas, não há o que se falar em deslocamento da competência para a Justiça Federal, nos precisos termos do art. 109, IV, da CF/88, que é taxativa.

Como apropriadamente observado pelo Parquet Federal:

"Mesmo que os cartões fossem interceptados quando de seu envio pelos correios, não há, nos autos, informação de que essa entrega se desse diretamente pela ECT ou por empresa franqueada" (fls. 188).

Não se pode olvidar o enunciado na Súmula n. 254 do extinto Tribunal Federal de Recursos, que dita que: "Compete à Justiça Federal processar e julgar os delitos praticados por funcionário público federal, no exercício de suas funções e com estas relacionadas".

No caso, o denunciado Wallace Fernandes Magalhães, único qualificado como funcionário público federal, visto que empregado, até 4-8-2006, da EBCT, findou absolvido pela dúvida, haja vista a ausência de provas suficientes do seu envolvimento nos delitos denunciados, consoante se infere da leitura da fundamentação esposada no édito condenatório.

Contudo, e ainda que houvesse no caso o envolvimento de servidor da EBCT, para justificar a fixação da competência federal para o processamento e julgamento dos ilícitos em questão haveria necessidade de haver dano ou prejuízo à referida empresa pública, o que não restou comprovado.

Evidente, portanto, que os visados e, consequentemente, lesados, pelas práticas delitivas perpetradas pelo paciente e seu bando foram unicamente as instituições financeiras mencionadas na denúncia - Fininvest S/A e Mastercard/IBI - pessoas jurídicas de direito privado, competindo portanto à Justiça Estadual a apuração dos crimes contra as mesmas cometidos - estelionato e formação de quadrilha - delitos nos quais restou condenado o paciente.

Assim, não demonstrada a ocorrência de qualquer lesão a bens, serviços ou interesses da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, correta a decisão do Tribunal impetrado que denegou a ordem, mantendo a competência da Justiça Estadual para processar e julgar os delitos em questão.

Nesse sentido, mutatis mutandis, pode-se colacionar, da Terceira Seção deste Superior Tribunal:

"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO. PREJUÍZO AO PATRIMÔNIO ALHEIO. AUSÊNCIA DE DETRIMENTO DE BENS, SERVIÇOS OU INTERESSES DA UNIÃO E DE SUAS ENTIDADES. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

"1. Para delinear-se a competência da Justiça Federal o interesse requerido no preceito constitucional, art. 109, IV, tem de ser de tal sorte que resulte em prejuízo potencial à União ou a seus entes, não cabendo a afetação por via intermediária.

"2. In casu, inexistindo prejuízo ao patrimônio público, já que os agentes, sem qualquer vinculação com a Administração, buscaram tão-somente conseguir vantagem indevida de particular, não caracteriza hipótese de competência da Justiça Federal, pois incogitável o detrimento de bens, serviços ou interesses da União e de suas entidades.

"3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da Comarca de Rio Negro, PR, suscitado" (CC n. 37.073/PR, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14-3-2007).

"CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZOS FEDERAL E ESTADUAL. PENAL. CRIME DE FURTO E ESTELIONATO. FUNCIONÁRIO DO BANCO DO BRASIL. MOVIMENTAÇÃO DE CONTA DE FALECIDO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA ESTADUAL. PRECEDENTES ANÁLOGOS.

"O apuratório visa esclarecer possíveis delitos capitulados nos arts.

155 e 171 do Código Penal que teriam sido praticados por funcionário do Banco do Brasil, consubstanciado na movimentação da conta de um falecido, cujos bens encontram-se em fase de inventário.

"Ausência de interesse da União.

"Conflito conhecido declarando-se a competência do juízo estadual, o suscitado" (CC n. 40.793/SP, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, julgado em 24-3-2004).

"PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM E JUSTIÇA FEDERAL. ESTELIONATO E CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA E O SISTEMA FINANCEIRO.

"A competência da Justiça Federal prevista no art. 109, inciso VI da 'Lex Maxima', pressupõe previsão legal. Inocorrendo lesão ou perigo de lesão a bens, interesses ou serviços da União, em fraude imputada, a competência é da Justiça Estadual.

"Conflito conhecido, declarando-se competente o Juízo Suscitado" (CC n. 23.116/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, julgado em 16-12-1998).

Diante do exposto, denega-se a ordem.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUINTA TURMA

Número Registro: 2008/0026741-0 HC 99951 / RJ

MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 20052040130406 200705902013 200705907312

EM MESA JULGADO: 29/04/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro JORGE MUSSI

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. HAROLDO FERRAZ DA NOBREGA

Secretário
Bel. LAURO ROCHA REIS

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE: ROSÁLIA RIOS MARÔT

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PACIENTE: WALTER MACHADO JÚNIOR (PRESO)

ASSUNTO: Penal - Crimes contra a Paz Pública (art.286 a 288) - Quadrilha ou Bando (art.288)

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, denegou a ordem."

Os Srs. Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 29 de abril de 2009

LAURO ROCHA REIS
Secretário

Documento: 878113

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 01/06/2009




JURID - Habeas corpus. Competência. Ação penal. Estelionato simples. [15/06/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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