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terça-feira, 30 de junho de 2009

JURID - Portador de deficiência será indenizado. [30/06/09] - Jurisprudência


Ricardo Eletro terá que pagar indenização por discriminar portador de deficiência.


Circunscrição: 9 - SAMAMBAIA
Processo: 2008.09.1.009648-2
Vara: 1403 - 3 JUIZADO ESPECIAL DE SAMAMBAIA

Processo: 9648-2/08
Ação: Indenização por Danos Morais
Autor: Jocélio Lisboa Nunes
Ré: Ricardo Eletro Divinópolis Ltda

S E N T E N Ç A

Vistos etc.

Cuida-se de Ação de Indenização por Danos Morais movida por Jocélio Lisboa Nunes em face de Ricardo Eletro Divinópolis Ltda, na qual requer a condenação da ré no pagamento do valor de R$ 8.300,00 (oito mil e trezentos reais), a título de indenização por danos morais.

Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei 9099/95, DECIDO.

Conforme consta da peça inicial e do depoimento pessoal colhido à fl. 27, o autor, portador de necessidades especiais, foi até o estabelecimento da ré a fim de adquirir um refrigerador. Como os eletrodomésticos se encontravam no subsolo e, diante da ausência de acessibilidade para cadeirantes, o autor questionou ao gerente como poderia ter acesso às mercadorias que não se encontravam no piso térreo da loja, ocasião em que o representante da ré, ironicamente, respondeu-lhe que poderia mandar subir ou descer todos os bens somente para atendê-lo.

Segundo o autor, após o gerente ter reagido em tom irônico, alguns funcionários se aproximaram, rindo do episódio o que, por óbvio, causou constrangimento ao autor e sua família.

A ré, por seu turno, contesta a versão oferecida pelo autor, sustentando, em síntese, que o mesmo não se desincumbiu de provar que seu representante agiu de maneira desrespeitosa e que o ônus da prova negativa, neste caso, não pode ser atribuída ao réu, em face de sua inviabilidade.

Além disso, refuta a responsabilidade civil, eis que não há qualquer indício de que a conduta da ré tenha sido ilícita. Por fim, assevera que o valor pretendido a título de dano moral é abusivo e reflete a intenção do autor em enriquecer às custas do presente processo.

Dos depoimentos juntados aos autos, é possível se extrair o quanto segue.

A narrativa do autor é coerente e harmoniosa com os depoimentos colhidos às fls. 48-49. Ambas as informantes, esposa e prima da esposa do autor, presenciaram o diálogo travado entre as partes, confirmando o conteúdo e o tom jocoso da resposta do gerente e, ainda, o constrangimento causado ao autor, tendo em vista que clientes e funcionários que se encontravam na loja foram mobilizados a prestar a atenção no incidente.

Embora a ré alegue que a prova negativa é inviável, neste caso, sequer tentou trazer em Juízo o gerente envolvido no episódio. O funcionário Nivaldo Henrique, com quem o autor estabeleceu o diálogo - conforme declaração do informante ouvido à fl. 50 e do autor à fl. 27 - esteve presente na audiência de conciliação, mas não compareceu nas duas oportunidades (audiências de fl. 26 e fl. 47) em que a ré teve de apresentar a tal prova negativa, cuja produção alega ser inviável...

É verdade que o funcionário ouvido à fl. 50 afirma que o gerente não agiu de maneira irônica com o autor, nem disse que iria mandar subir todos as mercadorias para o autor. Contudo, além de o funcionário ter afirmado que estava "passando no local" quando ouviu a reclamação do autor, também afirmou que, no momento do ocorrido, estava atendendo a outro cliente. Ora, se o funcionário não permaneceu todo o tempo em que autor e representante da ré conversaram, não pode testemunhar pelo diálogo integral. A única informação que efetivamente o informante pode confirmar é que a conversa chamou a atenção das pessoas que estavam ao redor das partes, tanto é verdade, que o próprio informante parou para ouvi-los.

Muito embora o relato das informantes trazidas pelo autor deva ser interpretado com a devida cautela - por força da emoção inerente à narrativa de pessoas envolvidas emocionalmente com a parte - o fato é que a coerência das versões oferecidas, aliada ao desinteresse da ré em trazer o principal personagem do ocorrido à audiência de instrução, é prova suficiente a sustentar a narrativa do autor.

Tenho, pois, que o autor logrou êxito em demonstrar que a ré agiu de maneira a violar a sua dignidade. A uma, porque não disponibilizou acesso às pessoas portadoras de necessidades especiais aos outros patamares do estabelecimento, conforme exigência legal; a duas, porque, ao ser questionada sobre esta falta, permitiu que seu representante respondesse em tom irônico, o que causou constrangimento ao consumidor.

Poder-se-ia argumentar que a causa de pedir do autor não se refere diretamente à falta de acessibilidade verificada no estabelecimento da ré, na medida em que se limita a questionar a conduta do seu preposto. Ocorre que, ambas as causas de pedir estão intrinsecamente ligadas, sendo dispensável a alusão explícita à ausência de acesso para cadeirantes. É que, não fosse esta ausência, muito provavelmente não haveria o diálogo travado pelo autor e o representante da ré. Além disso, a acessibilidade é matéria de natureza constitucional, de apreciação livre por parte do juiz.

Vejamos o que dispõe o ordenamento jurídico sobre a questão da acessibilidade a portadores de deficiência física.

O art. 227, § 2° da Constituição Federal, dispõe que:

"A lei disporá sobre normas de construção de logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência."

Uma das regulamentações deste dispositivo foi veiculada pela edição da Lei 10.098/00, a qual estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção de acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.

"Art. 11. A construção, ampliação ou reforma de edifícios públicos ou privados destinados ao uso coletivo deverão ser executadas de modo que sejam ou se tornem acessíveis às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.

Parágrafo único. Para os fins do disposto neste artigo, na construção, ampliação ou reforma de edifícios públicos ou privados destinados ao uso coletivo deverão ser observados, pelo menos, os seguintes requisitos de acessibilidade:

I - (...)

II - pelo menos um dos acessos ao interior da edificação deverá estar livre de barreiras arquitetônicas e de obstáculos que impeçam ou dificultem a acessibilidade de pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida;

III - pelo menos um dos itinerários que comuniquem horizontal e verticalmente todas as dependências e serviços do edifício, entre si e com o exterior, deverá cumprir os requisitos de acessibilidade de que trata esta Lei."

O significado constitucional desta previsão legal vai além da indispensável obediência ao princípio da isonomia. A obrigação de adequação dos espaços públicos ou privados de uso coletivo às pessoas portadoras de deficiências físicas é matéria afeta à dignidade da pessoa humana.

Não foi outro o entendimento expresso por um membro do Parlamento Inglês, ao apreciar um dos projetos de lei de proteção aos direitos dos portadores de deficiência física, em 1994. Assim se manifestou o parlamentar Roger Berry:

"(...) não se trata de caridade, ser paternalista ou... ser gentil com as pessoas portadoras de necessidades especiais. Trata-se de uma questão de direitos. O propósito do projeto de lei é assegurar que essas pessoas tenham os mesmos direitos que quaisquer outras ao emprego, à moradia, à educação, ao transporte público e ao acesso a outros bens e serviços. É certo que este projeto ou qualquer outro irá, finalmente, alcançar o estatuto de lei. Quando isto acontecer, nós olharemos para trás e nos surpreenderemos ao nos perguntar por que levou-se tanto tempo - por que, em 1994, nós ainda perdíamos tempo debatendo se 6.5 milhões de pessoas neste país deveriam ou não ter o direito à proteção contra a discriminação."

Ora, se as pessoas têm iguais direitos, dentre eles, o de ser diferente, é dever de todos, da sociedade e do Estado, a tarefa de propiciar a todos os cidadãos, independentemente de suas diferenças, idêntico acesso aos bens e a uma vida digna. Nas palavras do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, "a solidariedade como forma de conhecimento é o reconhecimento do outro como igual, sempre que a diferença lhe acarrete inferioridade, e como diferente, sempre que a igualdade lhe ponha em risco a identidade."

Não há se falar, pois, em igualdade sem o reconhecimento e o respeito às diferenças.

No corpo do voto emitido pelo Ministro José Delgado, no Recurso em Mandado de Segurança n° 9613/SP (98/0022827-6) o STJ registrou, dentre outros, os seguintes ENUNCIADOS acerca da matéria.

ENUNCIADO N° 1: A Magna carta, assim como toda a legislação regulamentadora, é clara e contundente em fixar condições obrigatórias à integração das pessoas portadoras de deficiência, seja física, mental ou sensorial auditiva e visual, na sociedade, a fim de tornar o espaço acessível a elas, eliminando barreiras físicas, naturais ou de comunicação, no equipamento e mobiliário urbano, nos edifícios e sua mobília, nas modalidades de transportes públicos que impeçam ou dificultem a livre circulação de qualquer pessoa, regras essas a serem observadas na construção de logradouros e dos edifícios de uso público, assim como nos já existentes;

ENUNCIADO N° 7: deve-se abandonar a idéia de desenhar e projetar obras para homens perfeitos (Adônis), de beleza rara, quando a nossa sociedade é plural;

ENUNCIADO N° 8: de acordo com a Organização Mundial de Saúde - OMS, em estatísticas feitas para países do primeiro mundo, em cada dez pessoas no mundo, há uma com deficiência física, mental ou sensorial auditiva e visual;

ENUNCIADO N° 9: há de se procurar, o mais rápido possível, romper essas barreiras que causam obstáculos às PPD's (pessoas portadoras de deficiências), direcionando os esforços pelo reconhecimento do direito e pela aplicação efetiva daquilo que foi conquistado constitucionalmente e pelas organizações públicas e privadas nas suas respectivas esferas. Exige-se, pois, a aplicação rigorosa dessa garantia fundamental, inclusive na reelaboração das leis existentes e dos casos omissos, de modo a garantir tais conquistas, para uma mais rápida adaptação das pessoas com deficiência na sociedade, de modo a incluí-las para que possam ter uma vida como outra pessoa qualquer, resguardando-se-lhes todos os direitos de cidadão".

O tratamento inadequado com que a ré cuidou do tema - seja ao negligenciar o seu dever legal de adequar suas instalações aos portadores de necessidades especiais, seja ao permitir que um funcionário abordasse um consumidor de maneira discriminatória - configura a ilicitude de sua conduta porque, antes de tudo, violou preceito constitucional.

Desse modo, patente o dano e o nexo causal entre este e a conduta da ré, a procedência do pedido é medida que se impõe.

Chega-se, agora, ao momento da fixação do quantum. Como reiteradamente se afirma, não há medida exata, matemática, para avaliar o dano moral. Fica esta tarefa ao prudente arbítrio do juiz.

Nos termos do artigo 944, do Código Civil, o valor da indenização está atrelado à extensão do dano; não obstante, quanto ao dano moral não se possa mensurar de forma absoluta esta extensão.

Cada indivíduo sente de maneira própria e única a dor moral. No entanto, quando da indenização por danos morais, deve-se ter em conta um padrão médio de convivência social, adequando-o às peculiaridades do caso concreto, há de se indenizar uma dor visível aos demais integrantes da sociedade.

Sobre o tema, leciona Sílvio de Salvo Venosa:

"(...) De qualquer modo, é evidente que nunca atingiremos a perfeita equivalência entre a lesão e a indenização, por mais apurada e justa que seja a avaliação do magistrado, não importando também que existam ou não artigos de lei apontando parâmetros. Em cada caso, deve ser aferido o conceito de razoabilidade. Sempre que possível, o critério do juiz para estabelecer o 'quantum debeatur' deverá basear-se em critérios objetivos, evitando valores aleatórios.

(...) Anota, com propriedade, Clayton Reis (2000:69): "a atividade judicante do magistrado há de ser a de um escultor, preocupado em dar contornos à sua obra jurídica, de forma a amoldar-se às exigências da sociedade e, sobretudo, da sua consciência". (Direito Civil, volume IV, Responsabilidade Civil, 3ª edição, Jurídico Atlas, páginas 206/207)

Delineados os critérios para a fixação, tenho que, no caso em tela, a indenização por dano moral deve guardar equivalência com a gravidade dos fatos que configuram violação de direitos humanos, razão pela qual arbitro em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Por todo o exposto, julgo procedente o pedido do autor e condeno a ré a lhe pagar indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigidos monetariamente a partir da presente sentença e incidentes juros de mora, no valor de 1% (um por cento) ao mês, desde a citação. Extingo o processo, com julgamento de mérito, nos termos do artigo 51, caput, da Lei 9.099/95 c/c artigo 269, I, do Código de Processo Civil.

Sem custas e honorários, conforme o artigo 55, da Lei 9.099/95.

P.R.I

Samambaia/DF, 06 de fevereiro de 2009.

Gláucia Falsarella Pereira Foley
Juíza de Direito



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