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sexta-feira, 26 de junho de 2009

JURID - Responsabilidade civil. Cirúrgia plástica. [26/06/09] - Jurisprudência


Responsabilidade civil. Cirúrgia plástica. Mamoplastia e abdominoplastia. Preliminar. Cerceamento de defesa.


Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.

Apelação Cível nº 70027269083

Nona Câmara Cível

Comarca de Porto Alegre

APELANTE/APELADO: TIAGO VALENTI

APELANTE/APELADO: MARIA ALICE DOS SANTOS FARINA

APELADO: HOSPITAL MAE DE DEUS CENTER

APELAÇÃO CÍVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRÚRGIA PLÁSTICA. MAMOPLASTIA E ABDOMINOPLASTIA. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. MOMENTO.

A relação entabulada entre o médico e paciente está albergada pela legislação consumerista. Assim, considerando que a consumidora não dispõe dos mesmos conhecimentos técnicos do profissional médico, impõe-se o reconhecimento da hipossuficiência, incidindo a espécie a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, inciso VIII, do CDC a efeito de facilitar os meios de defesa da lesada. A inversão do ônus da prova é uma regra de julgamento, de modo que não há qualquer vício em se acolher à inversão do ônus da prova por ocasião da sentença. Precedentes doutrinários e jurisprudenciais.

Ademais, in casu aplica-se a técnica de distribuição dinâmica da prova, que se vale de atribuir maior carga àquele litigante que reúne melhores condições de produzir o meio de prova.

RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL DO MÉDICO CIRURGIÃO PLÁSTICO. CICATRIZES HIPERTRÓFICAS. RESULTADO INSATISFATÓRIO.

Na hipótese a paciente objetiva a reparação dos danos materiais e extrapatrimoniais, decorrente de cirurgia plástica de mamas e abdômen. Tratando-se de cirurgia estética, de forma geral, se presume a culpa do cirurgião pela não obtenção do resultado esperado, pois esta intervenção objetiva a mudança de padrão estético da paciente. Na espécie, considerando o grau de incidência de cicatrizes hipertróficas nos procedimentos de mamoplastia e abdominoplastia e, tendo em vista que existem múltiplos fatores que interferem no aparecimento ou não de cicatrização hipertrófica, compete ao cirurgião plástico realizar um efetivo acompanhamento pré-operatório, atuando profilaticamente a fim de identificar fatores que poderão propiciar o surgimento de cicatrizes anormais.

A análise do conjunto probatório permite concluir ter sido insatisfatório o resultado obtido pela paciente através da cirurgia plástica, restando caracterizada a culpa do cirurgião, primeiro por não ter comprovado que adotou os procedimento pré-operatório necessários a fim de avaliar a predisposição da autora ao desenvolvimento de cicatrizes hipertróficas e, segundo por ter sido omisso em prestar informações necessárias e adequadas a pacientes acerca da probabilidade de surgirem cicatrizes desagradáveis e indesejáveis após a cirurgia plástica. Defeito na prestação do serviço. Dever de indenizar caracterizado em razão do insucesso do ato cirúrgico.

DANO MATERIAL. COMPROVAÇÃO. ORÇAMENTO.

É necessária para configuração do dano material a prova do efetivo prejuízo. Na espécie a lesada não comprovou através do recibo quitação ou do cheque repassado ao cirurgião os valores que efetivamente adimpliu pelo procedimento cirúrgico. Entretanto, considerando que efetivamente ocorreu a prestação dos serviços médicos e que a autora pagou pelos serviços prestados pelo médico, imperativo adequar o valor dos danos materiais a importância incontroversa. Danos materiais reduzidos.

DANO MORAL E ESTÉTICO. quantum indenizatório. critérios. MAJORAÇÃO.

É indiscutível a ocorrência dos danos imateriais pretendidos pela paciente lesada, à vista das fotografias exibidas nos autos e das conclusões do laudo pericial, sendo certo que, em se tratando de uma mulher, tais danos mais se acentuam, mormente porque a vítima viverá estigmatizada pelas graves deformidades decorrentes da intervenção cirúrgica.

O valor da indenização, em razão da natureza jurídica da reparação por danos morais, deve atender as circunstâncias do fato e a culpa de cada uma das partes, o caráter retributivo e pedagógico para evitar a recidiva do ato lesivo, além da extensão do dano experimentado e suas conseqüências. Valor da indenização majorado para adequá-lo aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA. Não merece reparos o valor dos honorários sucumbenciais fixados no juízo a quo, porquanto adequados ao tempo da demanda, ao zelo profissional e local de prestação do serviço e por não ter havido necessidade de realização de audiência. Inteligência do artigo 20, § 3º, do CPC.

REJEITARAM A PRELIMINAR E DERAM PARCIAL PROVIMENTO À AMBOS OS RECURSOS. UNÂNIME.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Magistrados integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar a preliminar e dar parcial provimento à ambos os recursos.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES.ª MARILENE BONZANINI BERNARDI (PRESIDENTE) E DR. LÉO ROMI PILAU JÚNIOR.

Porto Alegre, 27 de maio de 2009.

DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY,
Relator.

RELATÓRIO

Des. Tasso Caubi Soares Delabary (RELATOR)

MARIA ALICE DOS SANTOS FARINA ajuizou ação indenizatória em face de HOSPITAL MAE DE DEUS CENTER e TIAGO VALENTI, aduzindo, em síntese, que se submeteu à intervenção cirúrgica de caráter estético, objetivando colocar próteses mamárias e realizar procedimento plástico cirúrgico na região abdominal. Relatou que após a primeira intervenção cirúrgica o réu TIAGO constatou a necessidade de realizar outros procedimentos para corrigir as cicatrizes que se formaram na região abdominal. Noticiou que as mamas ficaram caídas, pois o tecido dos seios não suportou o tamanho das próteses mamárias escolhidas pelo demandado TIAGO, ressaltando que o tamanho escolhido era inadequado ao seu biótipo. Referiu que foram realizadas quase dez intervenções cirúrgicas com o intuito de corrigir a região abdominal e os seios. Referiu que o medico não teve habilidade técnica para proceder as intervenções estéticas, ressaltando que a obrigação do cirurgião estético é de resultado. Aduziu que o Hospital réu é solidariamente responsável, pela culpa in eligendo do seu médico credenciado. Propugnou pela aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor. Ao final requereu a condenação dos demandados ao pagamento de indenização pelos danos materiais, morais e estéticos suportados.

O HOSPITAL MAE DE DEUS CENTER contestou (fls. 80/104), asseverando que não há que se falar em culpa in eligendo, porquanto foi autora quem escolheu o profissional médico. Argumentou que o serviço contrato pela demandante foi relativamente à utilização do bloco cirúrgico e não quanto aos serviços prestados pelo médico. Destacou que inexiste qualquer inconformidade da demandante com relação às condições físicas e da equipe técnica da demandada. Asseverou que havendo a alegação de erro médico a responsabilidade do nosocômio não é objetiva.

TIAGO VALENTI, por sua vez, apresentou contestação argumentando que a autora lhe procurou para realizar cirurgia de diminuição da barriga e aumento dos seios. Argumentou que a cirurgia foi bem sucedida, atingindo os objetivos iniciais, porém a cicatrização na autora não se deu de forma esperada, razão pela qual houve a necessidade de realizar outras intervenções. Aduziu que os problemas ocasionados não decorreram da técnica ou da conduta médica, mas por causa da cicatrização hipertrófica ou queloidiana, que é uma característica genética de certos indivíduos. Referiu que a situação configura-se como caso fortuito, pois não há qualquer possibilidade de previsão. Sustentou que é ônus da autora demonstrar a ocorrência de erro médico (fls. 153/160).

Réplica às fls. 197/214.

Durante a instrução houve a produção de prova pericial (fls. 265/274) e oral (fls. 376/383).

Sobreveio decisão que julgou parcialmente procedente os pedidos, verbis:

"Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente demanda, para eximir do dever de indenizar a Associação Educadora São Carlos (Hospital Giovanni Battista) pelos danos materiais, estéticos e morais pleiteados pela autora e CONDENO o réu TIAGO VALENTI a indenizar a parte autora no valor de R$ 8.950,00 (oito mil novecentos e cinqüenta reais), referente à indenização pelos danos materiais e R$ 12.000,00 (doze mil reais), a título de indenização pelos danos estéticos e morais, corrigidos pelo IGP-M a contar da data da sentença e acrescido de juros de mora desde a citação.

"Ademais, arcará o réu Tiago com o pagamento das custas e honorários advocatícios devidos aos procuradores que atuaram no feito, os quais são fixados em 15% sobre o valor da condenação devidamente corrigido, nos termos do artigo 20, § 3°, do CPC".

O réu TIAGO VALENTI apelou (fls. 400/414), arguindo, em preliminar, a ocorrência de cerceamento de defesa, pois o julgador a quo inverteu o ônus da prova somente por ocasião da sentença. No mérito, referiu que o julgador singular não apreciou corretamente a prova, bem como ignorou a regra do art. 14, § 4º, da Lei nº 8.078/1990 que prevê a responsabilidade do profissional liberal mediante a demonstração de culpa. Asseverou que o magistrado sentenciante não apontou qualquer elemento caracterizador da culpa do demandado. Discorreu acerca da prova pericial, reeditando a tese de caso fortuito. Asseverou que a autora recebeu explicações e explanações sobre os riscos decorrentes de uma cirurgia estética. Ponderou que as cicatrizes são de natureza hipertrófica, ou seja, patológicas, razão pela qual não subsiste qualquer responsabilidade do réu. Sucessivamente, insurgiu quanto à condenação ao pagamento dos danos materiais, aduzindo que não há comprovação das despesas. Quanto ao dano moral, reafirmou que não há provas da conduta ilícita do apelante. Propugnou pela redução do quantum indenizatório arbitrado a titulo de danos extrapatrimoniais, bem como pela redução dos honorários advocatícios fixados na origem.

A autora, por sua vez, recorreu postulando a majoração do valor arbitrado na origem a título de danos morais e estéticos, sustentando que o valor não deve ser inferior a sessenta mil reais. Requereu, ainda, a majoração da verba honorária (fls. 416/436).

Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório.

VOTOS

Des. Tasso Caubi Soares Delabary (RELATOR)

Eminentes Colegas.

Prefacialmente, ao exame dos pressupostos de admissibilidade, nenhum reparo há a considerar. Os recursos são próprios, aportaram tempestivamente e acompanhados dos respectivos preparos. Portanto, aptos a serem conhecidos.

Considerando o nexo de prejudicialidade existente entre os apelos, especialmente porque o da parte autora tem por escopo exclusivo a majoração dos danos extrapatrimoniais e da verba honorária, examino em primeiro momento o recurso do demandado.

Cerceamento de Defesa.

O réu apelante sustentou que a decisão recorrida é nula, asseverando que ocorreu cerceamento de defesa, porquanto o juízo a quo inverteu o ônus da prova no momento da sentença.

Pois bem, no caso concreto a relação entabulada entre o médico réu e a paciente autora está albergada pelo art. 14, § 4º, da legislação consumerista. Assim, considerando que a consumidora demandante não dispõe dos mesmos conhecimentos técnicos do profissional médico, impõe-se o reconhecimento da hipossuficiência da autora, incidindo na espécie a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, inciso VIII, do CDC a efeito de facilitar os meios de defesa da consumidora, sobretudo porque se trata de parte vulnerável.

Veja, a propósito a lição de Sergio Cavalieri Filho:

"Não se olvide que o médico é prestador de serviço pelo que, não obstante subjetiva a sua responsabilidade, está sujeito á disciplina do Código do Consumidor. Pode conseqüentemente o juiz, em face da complexidade técnica da prova da culpa, inverter o ônus dessa prova em favor do consumidor, conforme autoriza o art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. A hipossuficiência de que ali fala o Código não é apenas econômica, mas também técnica, de sorte que, se o consumidor não tiver condições econômicas ou técnicas para produzir a prova dos fatos constitutivos de seu direito, poderá o juiz inverter o ônus da prova a seu favor, como observa oportunamente o insigne Nélson Nery Jr. ('Princípios gerais do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor', Direito do Consumidor 3/5, setembro-dezembro/92)". (Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros Editores, 6ª edição; São Paulo, 2006, p. 398/399)

Aliás, no mesmo sentido é o magistério de Luiz Guilherme Marinoni: "A outra hipótese de inversão do ônus da prova na sentença decorre da chamada hipossuficiência do consumidor. Por hipossuficiência, aqui, deve-se entender a impossibilidade de prova - ou de esclarecimento da relação de causalidade - trazida ao consumidor pela violação de uma norma que lhe dá proteção", concluindo que "em determinados casos, ainda que não seja possível determinar, através de prova, que um defeito ocasionou um dano, seja porque as provas não são conclusivas, seja porque as regras de experiência não são absolutas, pode ser viável ao menos chegar a uma convicção de verossimilhança, a qual é legitimada em razão de que o violador da norma de proteção assumiu o risco da dúvida. Nessas situações, é possível julgar com base na verossimilhança preponderante, ou, nos termos do Código de Defesa de Consumidor, inverter o ônus da prova na sentença com base na verossimilhança da alegação" (Manual de processo de conhecimento. 5ª ed. São Paulo: RT, 2006, p. 280)

Especificamente, quanto ao momento da inversão do ônus da prova, importante considerar que se trata de regra de julgamento, da qual o magistrado lança mão quando o conjunto probatório carreado aos autos não é instruído a contento para fundamentar o julgamento da lide.

Não é outro o posicionamento da doutrina: "A inversão do ônus da prova é direito de facilitação da defesa e não pode ser determinada senão após o oferecimento e valoração da prova, se e quando o julgador estiver em dúvida". (FILOMENO, José Geraldo Brito. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, 7.ª edição, Ada Pellegrini Grinover et al., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 130).

Da mesma forma, quanto ao momento da aplicação da regra de inversão do ônus da prova, o processualista Kazuo Watanabe defende que essa inversão se deva dar no "julgamento da causa", sob o fundamento de que "as regras de distribuição do ônus da prova são regras de juízo e orientam o juiz, quando há um 'non liquet' em matéria de fato, a respeito da solução a ser dada à causa" (op. cit., p. 735); concluindo que "somente após a instrução do feito, no momento da valoração das provas, estará ao juiz habilitado a afirmar se existe ou não situação de 'non liquet', sendo caso ou não, conseqüentemente, de inversão do ônus da prova. Dizê-lo em momento anterior será o mesmo que proceder ao prejulgamento da causa, o que é de todo inadmissível " (op. cit., p.736)- destaquei.

Nesse sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - 2º GRAU DE JURISDIÇÃO - POSSIBILIDADE - CRITÉRIO DE JULGAMENTO.

Sendo a inversão do ônus da prova uma regra de julgamento, plenamente possível seja decretada em 2º grau de jurisdição, não implicando esse momento da inversão em cerceamento de defesa para nenhuma das partes, ainda mais ao se atentar para as peculiaridades do caso concreto, em que se faz necessária a inversão do ônus da prova diante da patente hipossuficiência técnica da consumidora que não possui nem mesmo a documentação referente ao contrato de seguro.

Agravo regimental improvido. (AgRg nos EDcl no Ag 977.795/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/09/2008, DJe 13/10/2008)

Dessa forma, não há qualquer vício em se acolher à inversão do ônus da prova por ocasião da sentença.

Ademais, tenho in casu aplica-se a técnica de distribuição dinâmica da prova, que se vale de atribuir maior carga àquele litigante que reúne melhores condições para oferecer o meio de prova ao destinatário que é o juiz.

Ora, não se duvida que ao cirurgião médico é muito mais fácil de comprovar que não agiu negligentemente ou com imperícia, porque aplicou a técnica adequada, do que ao leigo, demonstrar que esta mesma técnica não foi convenientemente observada.

Nesse sentido:

EMBARGOS INFRINGENTES. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. TEORIA DA CARGA PROBATÓRIA DINÂMICA. APLICABILIDADE DIANTE DO PECULIAR E ESCASSO MATERIAL PROBATÓRIO. 1. A utilização da técnica de distribuição dinâmica da prova, que se vale de atribuir maior carga àquele litigante que reúne melhores condições para oferecer o meio de prova ao destinatário que é o juiz, não se limita, no caso, apenas às questões documentais, como prontuários e exames, que se alega pertencem ao hospital, mas à prova do fato como um conjunto, ou seja, não se duvida que ao médico é muito mais fácil de comprovar que não agiu negligentemente ou com imperícia, porque aplicou a técnica adequada, do que ao leigo demonstrar que esta mesma técnica não foi convenientemente observada. (...). EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS, POR MAIORIA DE VOTOS. (Embargos Infringentes Nº 70017662487, Quinto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 31/08/2007)

Por essas considerações estou desacolhendo a preliminar de cerceamento de defesa.

Mérito.

A autora procurou o demandado, cirurgião plástico, objetivando colocar próteses mamárias e retirar o excesso de pele e gordura da região abdominal através de cirurgia plástica denominada de abdominoplastia.

A responsabilidade dos profissionais liberais, em princípio, é baseada na culpa (art. 14, § 4º do Código de Defesa do Consumidor), mas, nos casos de cirurgia estética ou plástica, o cirurgião assume a obrigação de resultado, devendo indenizar pelo não cumprimento da mesma, decorrente de eventual deformidade ou de alguma irregularidade no procedimento cirúrgico.

Nesse ponto, aliás, vale destacar os esclarecedores ensinamentos do doutrinador Sérgio Cavalieri Filho, verbis:

"Importa, nessa especialidade, distinguir a cirurgia corretiva da estética. A primeira tem por finalidade corrigir deformidade física congênita ou traumática. O paciente, como sói acontecer, tem o rosto cortado, às vezes deformado, em acidente automobilístico; casos existem de pessoas com deformidade da face e outras com defeitos físicos, sendo, então, recomendável a cirurgia plástica corretiva. O médico, nesses casos, por mais competente que seja, nem sempre pode garantir, nem pretender, eliminar completamente o defeito. Sua obrigação, por conseguinte, continua sendo de meio. Tudo fará para melhorar a aparência física do paciente, minorar-lhe o defeito, sendo, às vezes, necessárias várias cirurgias sucessiva.

"O mesmo já não ocorre com a cirurgia estética. O objetivo do paciente é melhorar a aparência, corrigir alguma imperfeição física - afinar o nariz, eliminar rugas do rosto, etc. Nestes casos, não há dúvida, o médico assume obrigação de resultado, pois se compromete a proporcionar ao paciente o resultado pretendido. Se esse resultado, não é possível, deve desde logo alertá-lo e se negar a realizar a cirurgia. O ponto nodal, conforme já salientado (...), será o que foi informado ao paciente quanto ao resultado esperável. Se o paciente só foi informado dos resultados positivo que poderiam ser obtidos, sem ser advertido dos possíveis efeitos negativos (risco inerentes), eis aí a violação do dever de informar, suficiente para respaldar a responsabilidade médica.

"(...)

"O resultado que se quer é claro e preciso, de sorte que, se não for possível alcançá-lo, caberá ao médico provar que o insucesso - total ou parcial da cirurgia - deveu-se a fatores imponderáveis.

"(...)

"Em conclusão, em caso de insucesso na cirurgia estética, por se tratar de obrigação de resultado haverá presunção de culpa do médico que a realizou, cabendo-lhe elidir essa presunção, mediante a ocorrência de fator imponderável capaz de afastar o seu dever de indenização.

"A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em que pese à divergência dos eminentes Mins. Ruy Rosado de Aguiar e Carlos Alberto Menezes Direito (...), continua entendendo que a cirurgia estética gera obrigação de resultado (...)". (in Programa de Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 401/403).

Veja-se a jurisprudência do STJ:

CIVIL E PROCESSUAL - CIRURGIA ESTÉTICA OU PLÁSTICA - OBRIGAÇÃO DE RESULTADO (RESPONSABILIDADE CONTRATUAL OU OBJETIVA) - INDENIZAÇÃO - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.

I - Contratada a realização da cirurgia estética embelezadora, o cirurgião assume obrigação de resultado (Responsabilidade contratual ou objetiva), devendo indenizar pelo não cumprimento da mesma, decorrente de eventual deformidade ou de alguma irregularidade.

II - Cabível a inversão do ônus da prova.

III - Recurso conhecido e provido (Resp 81101 / PR - RECURSO ESPECIAL 1995/0063170-9, Relator(a) Ministro WALDEMAR ZVEITER (1085), TERCEIRA TURMA, 13/04/1999).

Aliás, a orientação desta Corte é pacifica no sentido de que se tratando de cirurgia estética, como na hipótese em comento, o médico assume uma obrigação de resultado:

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAL, MORAL E ESTÉTICO. CIRURGIA PLÁSTICA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CLÍNICA REJEITADA. ERRO MÉDICO. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. É parte legítima para atuar em ação de indenização por erro médico a clínica que também é de propriedade do profissional demandado. Preliminar rejeitada. A cirurgia plástica de natureza estética caracteriza obrigação de resultado. (...). Apelação dos demandados não-provida. Apelação da demandante provida. Unânime. (Apelação Cível Nº 70020314175, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 08/05/2008)

RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO E CLÍNICA ESTÉTICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA. EXTENSÃO. CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA. NATUREZA JURÍDICA DA OBRIGAÇÃO. DISSIDÊNCIA DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL. ENTENDIMENTO MAJORITÁRIO DA CORTE E UNÂNIME DA CÂMARA NO SENTIDO DE SER OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. ¿A responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação técnico-profissional dos médicos que neles atuam ou a eles sejam ligados por convênio, é subjetiva, ou seja, dependente da comprovação de culpa dos prepostos, presumindo-se a dos preponentes.¿ (REsp. 258389/SP). Sendo o procedimento uma cirurgia plástica estética, a natureza da responsabilidade do profissional de saúde é de resultado. (...). APELO PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70021301411, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Minha Relatória, Julgado em 27/02/2008)

Apelação Cível. Ação condenatória. Responsabilidade civil decorrente de cirurgia plástica de lipoaspiração. Agravo retido. Pedido de realização de nova prova pericial. Desnecessidade, ante o laudo do perito assistente juntado pela autora. Apelos. Contratada a realização de cirurgia plástica estética, o cirurgião assume obrigação de resultado, sendo obrigado a indenizar pelo não cumprimento da obrigação, nos termos avençados.(...). Agravo retido desprovido. Unânime. Apelos providos em parte. Por maioria. (Apelação Cível Nº 70012679718, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann Neto, Julgado em 15/12/2006) (destaquei)

Portanto, na espécie não se vislumbra uma obrigação de meio, haja vista que a autora procurou o cirurgião plástico demandado, unicamente, com o objetivo de corrigir as imperfeições dos seios e da região do abdômen.

Neste contexto, imperativo reconhecer que na cirurgia plástica embelezadora, o profissional de medicina atuará sobre um corpo são, com objetivo de eliminar imperfeições, visando atingir o nível de satisfação do paciente sob o ponto de vista estético.

Como ensina Miguel Kfouri Neto em sua consagrada obra Responsabilidade Civil do Médico, ao abordar o tema da cirurgia plástica:

"procedimento que não tem por escopo curar uma enfermidade, mas sim eliminar as imperfeições físicas que, sem alterar a saúde de uma pessoa, tornam-na feia, sob o ponto de vista estético. Do mesmo modo, outros autores consideram que não se trata de atos curativos, ainda que para isso tenham de abstrair da cirurgia estética determinadas intervenções que normalmente se classificam dentre as curativas, como as necessárias à correção de falhas anatômicas ou fisiológicas" (Responsabilidade Civil do Médico - 5ª ed. - São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,2003.)

Nas cirurgias plásticas estéticas, de forma geral, se presume a culpa do cirurgião pelo não alcance do resultado esperado, pois esta intervenção objetiva a mudança de padrão estético da pessoa, ao embelezamento puro e simples, constituindo por tanto obrigação de resultado.

E assim, por possuir a cirurgia plástica para fins estéticos obrigação de resultado, a culpa se presume a partir do descumprimento, bastando à lesada, no caso a paciente, demonstrar a existência da obrigação e afirmar a inexecução.

Por outro lado, incumbe ao profissional médico, provar sua diligência e elidir tal presunção, evidenciando a ocorrência de causa diversa.

Vejamos as circunstâncias do caso concreto.

O médico réu realizou um procedimento cirúrgico na autora a efeito de colocar próteses de silicone nos seios (mamoplastia) e corrigir a parede abdominal distendida através da técnica da abdominoplastia.

Sobressai dos autos que a intervenção cirúrgica deixou cicatrizes anormais no corpo da paciente, claramente comprovadas pelas fotografias de fls. 43/68 e 162/170, bem como pela avaliação do expert que ao realizar o exame físico especializado consignou que a autora "apresenta-se em pós-operatório de dermolipectomia abdominal e mamaplastia de aumento com correção secundária de ptose mamária por acesso periareolar. A autora apresenta cicatrização de padrão hipertrófico em toda a extensão cicatricial permeada por áreas de atrofia e alargamento cicatricial" (fl. 266) - destaquei.

O médico recorrente sustentou que "todos os risco existentes na realização de uma cirurgia plástica foram exaustivamente explicados a autora que ficou ciente de todos os risco a que estava submetida", argumentou, ainda, que "em razão de característica pessoais da autora, bem como por fatores extrínsecos e imprevisíveis e fora do controle do médico, a cicatrização não se deu de forma esperada ocorrendo um verdadeiro caso fortuito".

É cediço que toda incisão nas regiões do corpo humano, sejam elas cirúrgicas ou não, acarretam lesões à pele decorrente do processo de cicatrização. Essas lesões podem apresentar diferenças mínimas ou aspectos anormais característicos do processo de cicatrização exacerbada.

Pois bem, em relação aos fatores externos que influenciam o processo de cicatrização - tipo de incisão, posicionamento das linhas de força, material utilizado e terapia aplicada - o Sr. Perito referiu que: "Conclui-se que o cirurgião é responsável por uma parte do processo cicatricial, podendo atuar sobre os fatores externos (técnicos) e preparando o paciente do ponto de vista clínico para obter a melhor qualidade cicatricial possível. Entretanto, por ser um processo biológico, dinâmico e auto-limitado, a cicatrização pode apresentar-se patológica (hiperplásica, hipertrófica, queloidiana, alargada, deprimida, etc.) por características pessoais e falta de cuidados específicos em regime de pós-operatório". (fl. 267)

As conclusões do laudo médico pericial também atestaram que o padrão cicatricial verificado na autora é compatível com cicatrização hipertrófica, verbis: "Ao exame pericial da paciente identifica-se a presença de cicatrizes com características hipertróficas com algumas áreas de atrofia (afinamento dermo-epidérmico, telangectasias, hipocromia) e alargamento", ressaltando, ainda, o expert que "A reversão completa da cicatriz inestésia/patológica é improvável do ponto de vista técnico com os recurso hoje disponíveis".

Portanto, o conjunto probatório evidencia que as lesões cicatriciais diagnosticadas na demandante ocorreram em razão de um processo patológico que pode estar associado a uma predisposição da paciente, ligada à hereditariedade, idade, cor da pele ou etnia.

Assim posta a questão, considerando que se trata de intervenção cirúrgica embelezadora, caberia ao médico réu comprovar que adotou todas as medidas preventivas necessárias para evitar o surgimento de cicatrizes hipertróficas, bem como cientificou adequadamente a paciente acerca da possibilidade de restarem sequelas cicatriciais indesejáveis, mormente porque a presença de cicatrizes inestéticas hipertróficas macula o resultado final proposto pelo cirurgião plástico e desejado pela paciente, consoante consignou o Sr. Perito, em resposta ao quesito de número 05 (fl. 271).

Dito isto, colhe-se da literatura médica que "As cirurgias que deixam as incisões mais evidentes são a mamoplastia (redução ou elevação das mamas), cicatriz em forma de T invertido, e a abdominoplastia (remoção de pele e gorduras abdominais), que geralmente deixa uma incisão que vai de um lado ao outro na região do quadril. Nesses casos o médico deve deixar bem claro aos pacientes quanto ao resultado final para que se avalie a relação custo/benefício desse procedimento. É fundamental analisar bem se o problema que a leva a submeter-se a cirurgia, incomoda mil vezes mais que a possibilidade de uma cicatriz mesmo que visível". (1) (grifos meus).

Dessa forma, considerando o grau de incidência de cicatrizes hipertróficas nos procedimentos de mamoplastia e abdominoplastia e, tendo em vista que existem múltiplos fatores que interferem no aparecimento ou não de cicatrização hipertrófica, compete ao cirurgião plástico realizar um efetivo acompanhamento pré-operatório, atuando profilaticamente a fim de identificar fatores que poderão propiciar o surgimento de cicatrizes hipertróficas.

Aliás, tal orientação consta expressamente de artigo publicado na Revista nº 13, Volume 1, do Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, in verbis:

"É indicada a atuação fisioterapêutica em diversas cirurgias com fins estéticos. Dentre elas, destacam-se aquelas para rejuvenescimento facial (ritidoplastia ou facelift), correção do contorno palpebral (blefaroplastia), correção de mama (mamaplastia), implantes mamários, correção de abdome (abdominoplastia) e a lipoaspiração, feita por várias técnicas.

"Na fase pré-operatória, é importante o trabalho com a manutenção da musculatura que estará envolvida na cirurgia, além de uma documentação prévia completa das condições gerais do paciente, musculares e de pele" (2). (destaquei)

O Dr. Luiz Philipe Molina Vana adverte que "Certas pacientes apresentam tendência à cicatrização hipertrófica ou ao quelóide. Esta tendência, entretanto, poderá ser prevista, até certo ponto, durante a consulta inicial, quando lhe fazemos uma série de perguntas sobre sua vida clínica pregressa, bem como características familiares, que muito ajudam quanto ao prognóstico das cicatrizes"(3).

Portanto, muito embora o aparecimento de cicatrizes patológicas decorra de fatores desconhecidos, é possível ao médico prever a provável ocorrência destas deformidades através da análise da "predisposição do paciente, por meio de cirurgia prévia ou mesmo de um machucado(4)" anterior, de maneira a advertir a paciente acerca do resultado estético desagradável que poderá advir, pois conforme consignou o Perito a alteração cicatricial é um dos fatores determinantes e decisivos para um desfecho negativo do procedimento. (grifos meus).

Ora, as circunstâncias específicas que envolviam o procedimento cirúrgico realizado, exigiam de forma induvidosa que o demandado alertasse a autora dos riscos envolvidos no processo de cicatrização, de maneira a informar a paciente sobre a possibilidade de ocorrerem sequelas cicatriciais hipertróficas. Ademais, o réu não comprovou que adotou qualquer providência pré-operatória hábil para avaliar a probabilidade de ocorrência de cicatrizes hipertróficas, de maneira a garantir a satisfação da paciente com a cirurgia plástica.

Do confronto do conjunto probatório, mister concluir pela existência do nexo de causalidade entre a conduta do cirurgião plástico e a ocorrência dos danos suportados pela autora, inacolhendo a tese aventada pelo réu no que diz respeito as causas diversas excludentes de sua responsabilidade, porquanto o réu não demonstrou que, efetivamente, tenha realizado uma prévia anamnese do histórico clínico e familiar da demandante, a fim de investigar a predisposição da paciente ao desenvolvimento de cicatrizes anormais. Ressalte-se que as fichas de atendimento clínico elaboradas pelo réu em seu consultório não vieram aos autos, as quais poderiam comprovar documentalmente a efetiva investigação das condições pessoais da autora.

De outro vértice, a autora narrou na exordial que durante o decorrer da primeira consulta o demandado "explicou os métodos que iria utilizar", ressaltando, ainda, que o réu "prometeu que o que ela esperava iria conseguir".

Assim, diferentemente do que faz crer o demandado não restou incontroverso que a demandante recebeu as explicações e especificações sobre os riscos da cirurgia, muito pelo contrário, explicar sobre a metodologia a ser utilizada no procedimento não implica em advertir sobre eventuais riscos decorrentes do tratamento proposto. Portanto, era ônus do réu comprovar que a paciente foi devidamente cientificada sobre os risco decorrentes dos procedimentos cirúrgicos e possibilidade do resultado com cicatrizes hipertróficas.

Neste contexto, evidentemente, que à autora não foi dada informação suficiente e necessária para que lhe fosse possível consentir ou não com a realização do tratamento proposto pelo médico cirurgião.

Os arts. 6º, inciso II, 31 e 39 todos do Código de Defesa do Consumidor, bem como art. 422 do Código Civil dispõem sobre a necessidade de se obter o consentimento informado do paciente para a execução de procedimentos médicos.

No mesmo sentido vai o Código de Ética Médica (Resolução nº 1.246, de 8 de janeiro de 1988, do Conselho Federal de Medicina) em seus artigos 46, 48, 56 e 59 a saber: "CAPÍTULO IV - Direitos Humanos - É vedado ao médico: Art. 46 - Efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo em iminente perigo de vida. Art. 48 - Exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a sua pessoa ou bem-estar. CAPÍTULO V - Relação com Pacientes e Familiares - É vedado ao médico: Art. 56 - Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo de vida. Art. 59 - Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal."

Nessa senda, não resta dúvida que existe a necessidade do médico obter o consentimento informado do paciente, especialmente na hipótese em comento, em que o risco de surgirem sequelas hipertróficas compromete o objetivo final do procedimento embelezador.

Paulo Roque Khouri leciona que "Se o profissional deixar de informar corretamente o paciente, inclusive, sobre os riscos de uma seqüela em função do ato cirúrgico, independentemente do mesmo ter sido ou não diligente na execução da atividade advindo a seqüela, o médico será obrigado a indenizar o paciente, pois agiu culposamente ao negligenciar uma informação importante, que poderia influir na sua decisão de se submeter à cirurgia. Anote-se que ainda que a seqüela seja inerente ao risco de determinado ato cirúrgico, o paciente tem o direito de ser informado corretamente. O médico ou o hospital só não serão obrigados a indenizá-lo se este direito do paciente tiver sido claramente respeitado, tendo o mesmo sido amplamente informado sobre este risco da cirurgia." (ERRO MÉDICO. Revista Consulex, ano III, nº36, dezembro, 1999, p. 21) - destaquei.

Portanto, havia a necessidade do réu investigar e documentar os antecedentes clínicos e históricos da paciente, além de informar adequadamente a demandante sobre as possíveis consequência da intervenção cirúrgica.

Entretanto, o réu não comprovou que advertiu a autora dos riscos decorrentes do processo de cicatrização. Destaco que as testemunhas ouvidas durante a instrução processual - Rosângela e Beti (fls. 378/381) relataram experiências próprias referentes as suas consultas, nada referindo acerca do caso concreto. Assim, não há como se presumir que as recomendações prestadas a terceiros também foram repassadas à autora.

O fato, é que apesar da demandante não estar satisfeita com a sua aparência, e ter procurado corrigir o aspecto estético de seus seios e abdômen com a cirurgia plástica, após a intervenção cirúrgica realizada pelo demandado, o problema deixou de ser apenas estético, mas se tornou uma deformidade, como se vê das fotografias da demandante e das conclusões da perícia médica.

Por tudo isto, tendo em vista que a cirurgia plástica realizada foi puramente estética, com obrigação de resultado, o qual não foi alcançado, entendo por caracterizada a culpa do cirurgião réu, primeiro por não ter comprovado que adotou os procedimento pré-operatório necessários a fim de avaliar a predisposição da autora ao desenvolvimento de cicatrizes hipertróficas e, segundo por ter sido omisso em prestar informações necessárias e adequadas a pacientes acerca da probabilidade de surgirem cicatrizes desagradáveis e indesejáveis após a cirurgia plástica.

Na espécie, a análise do conjunto probatório permite concluir ter sido insatisfatório o resultado obtido pela paciente através das inúmeras cirurgias plásticas realizadas pelo réu, o que lhe acarretou inclusive a impossibilidade de reverter do ponto de vista técnico o aspecto estético que resultou dos procedimentos, consoante consignou o expert ao responder o quesito nº 04 (fl. 270).

De concreto: a autora procurou o serviço do demandado para melhorar sua aparência e obteve um resultado pior do que o estado anterior. Evidente que ninguém procura um cirurgião plástico, para realizar um procedimento eletivo estético, com o objetivo de obter uma aparência pior do que a que ostentava anteriormente.

Dessa forma, devidamente caracterizada a culpa, o nexo causal e os danos sofridos pela autora, não há como se eximir o réu do dever de indenizar.

Passo ao exame da verba indenizatória arbitrada no comando sentencial.

Danos materiais.

A sentença recorrida condenou o demandado a ressarcir a quantia de R$ 8.950,00 à autora a título de danos materiais.

O réu asseverou que não existe comprovação dessas despesas, destacando que os gastos com o procedimento foram de R$ 4.400,00, consoante consta do orçamento acostado aos autos.

Segundo consta da inicial, o réu fez um orçamento no valor de R$ 8.950,00 para realizar o procedimento cirúrgico. A autora referiu que o valor orçado foi devidamente quitado, parte através de cheque pós-datado entregue ao demandado TIAGO e parte adimplida diretamente ao Hospital.

Destarte, o documento de fl. 38 não se trata de um recibo de quitação dos serviços prestados pelo réu, mas, tão-somente, de um orçamento cirúrgico elaborado pelo médico.

Assim, incumbia a ré, comprovar através da juntado de cópia do cheque pago ao réu, os valores que efetivamente desembolsou com a realização da intervenção plástica.

Todavia, a prova do pagamento não veio aos autos, razão pela qual não é possível considerar a integralidade da importância apontada na inicial, até mesmo porque é incontroverso que parte dos valores orçados foram repassados diretamente ao Hospital.

De outro vértice, considerando que efetivamente ocorreu a prestação do serviço e que a autora pagou pelos serviços prestados pelo cirurgião réu, mister acolher a irresignação do demandado, de modo a adequar o valor dos danos materiais a importância de R$ 4.400,00, quantia esta sobre a qual não paira controvérsia.

Dano moral e estético.

Quanto aos danos imateriais pretendidos, tem-se como indiscutível a ocorrência de dano moral e estético, à vista das fotografias exibidas nos autos e das conclusões do laudo pericial, certo que, em se tratando de uma mulher, tais danos mais se acentuam, mormente porque o expert consignou que a reversão das cicatrizes é improvável do ponto de vista técnico dos recursos atualmente disponíveis.

No que se refere ao quantum indenizatório, matéria que também é objeto do recurso da autora, consigno que é notória a dificuldade de sua fixação pela inexistência legal de critérios objetivos para o seu arbitramento, o julgador deve observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade(5). Outrossim, deve atentar para a natureza jurídica da indenização(6), que deve constituir uma pena ao causador do dano e, concomitantemente, compensação ao lesado, além de cumprir seu cunho pedagógico sem caracterizar enriquecimento ilícito.

À falta de medida aritmética, e ponderadas as funções satisfatória e punitiva, serve à fixação do montante da indenização o prudente arbítrio do juiz, tendo em conta certos requisitos e condições, tanto da vítima quanto do ofensor. Assim recomenda o v. Acórdão da 6ª CC do TJRGS, na Ap. 592066575, Rel. Des. Osvaldo Stefanello, com a seguinte ementa:

"DANO MORAL. Sua mensuração. Na fixação do quantum referente à indenização por dano moral, não se encontrando no sistema normativo brasileiro método prático e objetivo, o Juiz há que considerar as condições pessoais do ofensor e ofendido: grau de cultura do ofendido, seu ramo de atividade, perspectivas de avanço e desenvolvimento na atividade que exercia, ou em outro que pudesse vir a exercer, grau de suportabilidade do encargo pelo ofensor e outros requisitos que, caso a caso, possam ser levados em consideração. Requisitos que há de valorar com critério de justiça, predomínio do bom senso, da razoabilidade e da exeqüibilidade do encargo a ser suportado pelo devedor. Quantum que nem sempre deverá ser inferior ao do dano patrimonial, eis que a auto-estima, a valoração pessoal, o ego, são valores humanos certamente mais valiosos que os bens meramente materiais ou econômicos. Inconformidade com a sentença que fixou o montante da indenização por dano moral. Improvimento do apelo da devedora" (in RJTRGS 163/261).

Com efeito, tomando como norte os balizadores acima mencionados e, na casuística, as condições pessoais dos litigantes e, tendo em vista que a lesão deformadora, o dano estético, representa um "plus" que potencializa o dano moral vivenciado pela lesada, em virtude da maior dificuldade da vítima de conviver com a dor que lhe traz a sequela, pois a demandante viverá estigmatizada pelas graves deformidades decorrentes da intervenção cirúrgica, entendo minguada a quantia arbitrada na origem (R$ 12.900,00).

Nestas condições, tenho por adequado a majoração da verba indenizatória para R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), com o que estou provendo o recurso da demandante.

Honorários advocatícios.

Finalizando, em relação a verba honorária, também objeto de irresignação dos recorrentes, tenho que descabe qualquer modificação.

Considerando a parcial procedência do pedido, o magistrado a quo fixou os honorários sucumbenciais em 15% sobre o valor da condenação, quantia que entendo adequada, considerando o tempo da demanda, o lugar da prestação do serviço, o zelo profissional e o trabalho desenvolvido, atendendo, desta forma, os vetores do art. 20, § 3º, do CPC.

À vista do exposto, rejeito a preliminar suscitada, dou parcial provimento ao recurso do réu para reduzir o valor da indenização a título de danos materiais para R$ 4.400,00, acrescido de correção monetária e juros de mora a partir do efetivo desembolso, nos termos das Súmulas nºs 43 e 54, do STJ e, provejo, em parte, o recurso da autora a efeito de majorar o valor da condenação a título de danos extrapatrimoniais para R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), com correção pelo IGP-M, a partir da data deste julgamento (Súmula 362, do STJ), e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, contados também da data da sessão de julgamento, consoante entendimento deste Órgão Fracionário(7).

Mantidos os demais termos da sentença.

É o voto.

Dr. Léo Romi Pilau Júnior (REVISOR) - De acordo.

Des.ª Marilene Bonzanini Bernardi (PRESIDENTE) - De acordo.

DES.ª MARILENE BONZANINI BERNARDI - Presidente - Apelação Cível nº 70027269083, Comarca de Porto Alegre: "REJEITARAM A PRELIMINAR E DERAM PARCIAL PROVIMENTO À AMBOS OS RECURSOS. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: REGIS DE OLIVEIRA MONTENEGRO BARBOSA



Notas:

1 - Acessado em 27.05.2009. [Voltar]

2 - Acessado em 27.05.2009. [Voltar]

3 - Acessado em 21.05.2009. [Voltar]

4 - Acessado em 29.05.2009. [Voltar]

5 - REsp 797.836/MG, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, j. 02.05.2006. [Voltar]

6 - "A reparação pecuniária do dano moral é um misto de pena e satisfação compensatória. (...). Penal, constituindo uma sanção imposta ao ofensor. (...). Satisfatória ou compensatória, (...) a reparação pecuniária visa proporcionar ao prejudicado uma satisfação que atenue a ofensa causada." (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 94, V. 7)
"Segundo nosso entendimento a indenização da dor moral, sem descurar desses critérios e circunstâncias que o caso concreto exigir, há de buscar, como regra, duplo objetivo: caráter compensatório e função punitiva da sanção (prevenção e repressão), ou seja: a) condenar o agente causador do dano ao pagamento de certa importância em dinheiro, de modo a puni-lo e desestimulá-lo da prática futura de atos semelhantes; b) compensar a vítima com uma importância mais ou menos aleatória, em valor fixo e pago de uma só vez, pela perda que se mostrar irreparável, ou pela dor e humilhação impostas." (STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo: RT, 2004, p. 1709.) [Voltar]

7 - 70023515893; 70023919202; 70024590812; 70022562995. [Voltar]




JURID - Responsabilidade civil. Cirúrgia plástica. [26/06/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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