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segunda-feira, 1 de junho de 2009

JURID - Comércio eletrônico. Compra e venda pela internet. Erro. [01/06/09] - Jurisprudência


Responsabilidade civil. Comércio eletrônico. Compra e venda pela internet. Erro. Cobrança duplice na fatura do cartão de crédito.

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. COMÉRCIO ELETRÔNICO. COMPRA E VENDA PELA INTERNET. ERRO. COBRANÇA DUPLICE NA FATURA DO CARTÃO DE CRÉDITO. ATENDIMENTO ON LINE. DESCASO COM O CONSUMIDOR. DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO. CRITÉRIOS.

Supera o mero dissabor a situação dos autos em que a autora, ao adquirir produtos pela internet, teve lançado em duplicidade os valores em seu cartão de crédito. Diversos contatos entre o consumidor e o fornecedor sem que o impasse fosse solucionado. Descaso com o consumidor verificado. Cessação da cobrança atingida apenas mediante ação judicial. Dano moral caracterizado.

Valor da condenação fixado de acordo com as peculiaridades do caso concreto, especialmente considerando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, além da natureza jurídica da condenação.

DERAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.

Apelação Cível

Nona Câmara Cível

Nº 70026683938

Comarca de Porto Alegre

KATHLEEN FRAGA KEENAN
APELANTE

B2W COMPANHIA GLOBAL DO VAREJO
APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.ª Marilene Bonzanini Bernardi (Presidente e Revisora) e Des. Odone Sanguiné.

Porto Alegre, 29 de abril de 2009.

DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY,
Relator.

RELATÓRIO

Des. Tasso Caubi Soares Delabary (RELATOR)

Trata-se de recurso de apelação interposto por KATHLEEN FRAGA KEENAN em face a sentença de parcial procedência lançada nos autos da ação indenizatória que moveu em desfavor de B2W - COMPANHIA GLOBAL DO VAREJO (Americanas.com).

A decisão atacada reconheceu que houve cobrança em duplicidade no cartão de crédito da autora do produto adquirido, razão porque acolheu o pedido de declaração de inexistência de débito e repetição em dobro. No entanto, o julgador singular entendeu que a situação vivida pela demandante não caracteriza dano moral, mas sim "mero dissabor de uma vida social permeada pela inexistência de contato entre as pessoas!" (fls. 78/79).

Interpostos embargos de declaração pelos dois litigantes, foram rejeitados.

KATHLEEN FRAGA KEENAN apresentou recurso de apelação (fls. 93/111) buscando a reforma da sentença no tocante ao dano moral. Sustentou que a situação vivida supera um mero dissabor, especialmente porque utiliza o cartão de crédito para pagar suas despesas, de maneira que o bloqueio de 2/3 de seu limite causou diversos transtornos. Além disso, salientou os contados que teve para tentar solucionar o impasse, todos inexistosos, tendo resolvido apenas com o ajuizamento da presente ação.

Pugnou pela reforma da sentença com a consequente procedência integral da pretensão inicial.

Apresentadas contrarrazões, vieram os autos a esta Corte e a mim distribuídos por sorteio.

É o relatório.

VOTOS

Des. Tasso Caubi Soares Delabary (RELATOR)

Ilustres Colegas.

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade, dispensado o preparo em razão da gratuidade deferida na origem (fl. 40).

Quanto ao objeto, importante ressaltar que as matérias atinentes à repetição do indébito e declaração de inexistência do débito já estão preclusas, já que a ré não recorreu. De resto, o exame por esta Corte deve se limitar ao pedido de recomposição dos danos morais.

Com efeito, as circunstâncias fáticas que contornam o caso sub judice não são controvertidas. Pelo contrário: a requerida reconheceu nos autos e nas tratativas anteriores ao ajuizamento da ação que errou ao proceder a cobrança em duplicidade. Nos dizeres da contestação, "ocorreu um erro no processamento do pedido, cuja explicação é perfeitamente plausível, tanto que a ré tentou imediatamente repará-lo." (fl. 46).

E nesse passo seguiu a sentença:

A defesa da requerida centra-se, então, na suposta banalização do dano moral. Ou seja, embora sua atitude tenha sido equivocada, não teria havido prejuízo algum à autora.

Ocorre que, malgrado não se possa, de fato, ter a conduta da ré como dolosa, certo é que houve negligência da mesma em reparar de pronto seu equívoco, o que, ao contrário do sustentado, ensejou, sim, transtornos e prejuízos à demandante, os quais merecem reparo.

Com efeito, consta dos autos inúmeros e-mails autora reclamando sobre a duplicidade de cobrança de valores, como se lê a fls. 23/5, o que demonstra que a autora foi incansável em buscar uma composição amigável para o incidente.

A ré, entrementes, agiu de forma displicente, ora reconhecendo seu erro, ora tratando o mesmo como se fosse um segundo pedido da autora, para o qual a requerente, após, teria postulado cancelamento. Houve nítida confusão, reiterada pela ré, que refere a existência de outro pedido, sob n. 29169458, fls. 21 e 16/8, dando conta de que, mesmo alertada pela demandante de seu equívoco e reconhecendo-o, não conseguiu saná-lo de forma eficaz.

Então, na medida que a requerida admite expressamente, em sua contestação, a inexistência do segundo pedido, era dever seu dar baixa nesse, para que liberasse o limite do cartão de crédito da autora, indevidamente bloqueado.

Ressalte-se que o valor da compra em questão, R$ 946,67, não é de monta irrisória e, certamente, ter este valor lançado por duas vezes na fatura do cartão de crédito limita, e muito, o uso do crédito disponível.

E, em uma sociedade como a atual, inegável a necessidade de os indivíduos se valerem do crédito. Logo, o injusto provocado pela demandada, que deixou a autora desde o mês de outubro de 2007.

Sinale-se, inclusive, que, como se verifica da fatura de fls. 29, a autora utiliza-se bastante de seu cartão de crédito que, em outubro, sem considerar a cobrança duplicada, ultrapassou dois mil reais, cujas explicações estão na petição de fls. 32/34.

Aliás, a cobrança indevida perdurou até o ajuizamento da presente ação. A própria requerida, quando do reconhecimento de seu erro, dispunha de condições materiais e de conduta para proceder, no mínimo, no cancelamento do débito.

Tanto é verdade que possuía condições para tanto que, tão-logo intimada da medida liminar, a ré, já em contestação, informou ter tomado as medidas cabíveis para sustação do lançamento dúplice na fatura do cartão da demandante.

Diante desse contexto bem apanhado pelo nobre julgador singular, muito respeitando os efeitos jurídicos que sua excelência extraiu, tenho que tal situação é suficiente para causar danos morais e superar um mero dissabor.

Afora o empecilho de desfrutar de aproximadamente um terço do limite de crédito que possuía em seu cartão Diners Club (fl. 29), especialmente para quem reconhecidamente usa bastante dito crédito, a autora também sofreu danos com a necessidade de inúmeros contatos com a ré. São sabidas as dificuldades que o consumidor enfrenta para conseguir contato e/ou esclarecer as dúvidas junto aos fornecedores, sobretudo nas chamadas lojas virtuais, onde invariavelmente o contato é através de correio eletrônico ou por telefone, nunca pessoalmente, dando sensação de impotência ao consumidor, realidade da qual não fugiu o caso concreto. Foram pelo menos quatro e-mails trocados entre as partes (fls. 23/25) e outros dois contatos através de correio eletrônico feito pela ré (fls. 20/21) sem que o impasse chegasse ao fim. O cancelamento das parcelas e a liberação do limite do cartão de crédito da autora só vieram com a intervenção judicial com a tutela antecipada deferida (fl. 40).

A partir desse panorama, renovada vênia do entendimento firmado na origem, entendo que caracterizado dano moral. A este respeito essa Câmara já teve oportunidade de se manifestar:

APELAÇÃO CÍVEL. (...). RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. OPERADORA DE TELEFONIA. COBRANÇA DE VALORES NÃO CONTRATADOS. DIVERSAS RECLAMAÇÕES. DESCASO COM O CONSUMIDOR. DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO. (...). Caso em que, mesmo depois de diversas reclamações através do atendimento por call center a companhia ré manteve a cobrança de serviços não contratados. Dano moral caracterizado. Valor da condenação arbitrado na origem mantido, porque proporcional à extensão do dano e fiel aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade e a natureza jurídica da indenização. APELO NÃO CONHECIDO EM PARTE E, NA EXTENSÃO CONHECIDA, NEGADO PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70022831531, minha relatoria, j. 30/04/2008 - grifei)

Passo ao exame do quantum. No ponto, à vista da inexistência de parâmetros legais, o julgador deve observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade(1). Outrossim, deve atentar para a natureza jurídica da indenização(2), que deve constituir uma pena ao causador do dano e, concomitantemente, compensação ao lesado, além de cumprir seu cunho pedagógico sem caracterizar enriquecimento ilícito. Afora isso, no caso específico dos autos, como já anteriormente referido, foram diversos os contatos com a ré para solucionar o impasse, todos sem êxito, tendo a situação se resolvido apenas em cumprimento à antecipação de tutela.

Assim, a partir de tais premissas, entendo que justa e adequada a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que deverá ser corrigida monetariamente pelo IGP-M a partir da data do acórdão, na forma da Súmula 362 do STJ.

No que se refere ao marco para fluência dos juros legais de mora, seguindo orientação desta Câmara, em casos de indenização por dano moral, onde o valor é estabelecido por critério de equidade pelo julgador, que pondera as condições no momento da fixação, como ocorre no presente caso, deve incidir também a partir da data deste julgamento, pois já sopesadas todas as variáveis capazes de influírem no arbitramento, de modo a permitir uma idéia exata e sem distorção por acréscimo de consectários do valor correto da indenização, sem desprestígio da Súmula 54 do STJ, que tenho, mais se afeiçoa a indenização por dano material, onde os valores normalmente são conhecidos ou a liquidação se dá por fato determinado.

A propósito da incidência de juros em casos como o da espécie, peço vênia para agregar os fundamentos de judicioso voto do ilustre Des. Odone Sanguiné(3), verbis:

"Na hipótese de reparação por dano moral, entendo cabível o início da contagem a partir da fixação do quantum indenizatório, é dizer, a contar do julgamento no qual foi arbitrado o valor da condenação. Considerando que o Magistrado se vale de critérios de eqüidade no arbitramento da reparação, a data do evento danoso e o tempo decorrido até o julgamento são utilizados como parâmetros objetivos na fixação da condenação, de modo que o valor correspondente aos juros integra o montante da indenização.

Destaco que tal posicionamento não afronta o verbete da Súmula nº 54 do STJ. Ao revés, harmoniza-se com o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça (vide: REsp 618940/MA; Rel. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro; Terceira Turma; julgado em 24/05/2005; DJ 08.08.2005 p. 302).

A ultima ratio do enunciado sumular é destacar que a reparação civil por dano moral deve possuir tratamento diferenciado na sua quantificação em relação ao dano material, dado o objetivo pedagógico, punitivo e reparatório da condenação.

Quanto ao arbitramento do dano moral, o termo inicial da contagem deve ser a data do julgamento. O julgador fixa o dies a quo que melhor se ajusta ao caso em concreto, em consonância com os critérios utilizados para a fixação do valor indenizatório. Dessa forma, além de se ter o quantum indenizatório justo e atualizado, evita-se que a morosidade processual ou a demora do ofendido em ingressar com a correspondente ação indenizatória gere prejuízos ao réu, sobretudo, em razão do caráter pecuniário da condenação.

Destarte, impede-se que o montante dos juros, não visível no momento do seu arbitramento e que será futuramente acrescido ao quantum indenizatório, possa acarretar a modificação do valor da justa reparação. Tal posicionamento guarda simetria com o entendimento anteriormente exposto em relação ao termo inicial de incidência da correção monetária.

De todo o exposto, dou provimento ao recurso a efeito de condenar a ré a recompor os danos morais causados à autora, que arbitro em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser atualizado monetariamente pelo IGP-M e acrescido de juros legais de mora de 1% ao mês, ambos a contar da data do acórdão.

Como consequência, redimensiono os ônus sucumbenciais e condeno a ré ao pagamento da integralidade das custas do processo e honorários advocatícios do patrono da parte adversa, estes arbitrados em 20% sobre o valor da condenação, incluído a parcela fixada na sentença e sobre a qual já se operou a preclusão, tudo na forma do artigo 20, § 3º, do CPC.

É o voto.

Des.ª Marilene Bonzanini Bernardi (PRESIDENTE E REVISORA) - De acordo.

Des. Odone Sanguiné - De acordo.

DES.ª MARILENE BONZANINI BERNARDI - Presidente - Apelação Cível nº 70026683938, Comarca de Porto Alegre: "DERAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: EDUARDO JOAO LIMA COSTA



Notas:

1 - REsp 797.836/MG, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, j. 02.05.2006. [Voltar]

2 - "A reparação pecuniária do dano moral é um misto de pena e satisfação compensatória. (...). Penal, constituindo uma sanção imposta ao ofensor. (...). Satisfatória ou compensatória, (...) a reparação pecuniária visa proporcionar ao prejudicado uma satisfação que atenue a ofensa causada." (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 94, V. 7)

"Segundo nosso entendimento a indenização da dor moral, sem descurar desses critérios e circunstâncias que o caso concreto exigir, há de buscar, como regra, duplo objetivo: caráter compensatório e função punitiva da sanção (prevenção e repressão), ou seja: a) condenar o agente causador do dano ao pagamento de certa importância em dinheiro, de modo a puni-lo e desestimulá-lo da prática futura de atos semelhantes; b) compensar a vítima com uma importância mais ou menos aleatória, em valor fixo e pago de uma só vez, pela perda que se mostrar irreparável, ou pela dor e humilhação impostas." (STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo: RT, 2004, p. 1709.) [Voltar]

3 - AC 70019764521. j. 11.07.2007. [Voltar]




JURID - Comércio eletrônico. Compra e venda pela internet. Erro. [01/06/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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