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quarta-feira, 10 de junho de 2009

JURID - Alienação de veículo sem registro no órgão. [10/06/09] - Jurisprudência


Alienação de veículo sem registro no órgão de trânsito competente. Cobrança, pelo antigo dono, de multas e encargos fiscais posteriores à alienação. Legitimidade passiva ad casusam da instituição financeira.


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.025.928 - RS (2007/0202012-8)

RELATOR: MINISTRO MASSAMI UYEDA

RECORRENTE: ALVORADA CARTÕES CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A

ADVOGADO: DIEGO ALBORNOZ PEREIRA E OUTRO(S)

RECORRIDO: IVAN CARLOS CRESTANI

ADVOGADO: VILMAR JOSÉ PEREIRA FERNANDES E OUTRO(S)

INTERES.: LEIA NUNES DE FARIA

EMENTA

RECURSO ESPECIAL - DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL - ALIENAÇÃO DE VEÍCULO SEM REGISTRO NO ÓRGÃO DE TRÂNSITO COMPETENTE - COBRANÇA, PELO ANTIGO DONO, DE MULTAS E ENCARGOS FISCAIS POSTERIORES À ALIENAÇÃO - LEGITIMIDADE PASSIVA AD CASUSAM DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE, COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA NÃO REGISTRADA, EMPRESTOU AO ADQUIRENTE OS RECURSOS UTILIZADOS NA AQUISIÇÃO DO AUTOMÓVEL - INEXISTÊNCIA - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Havendo a concessão de financiamento com cláusula de alienação fiduciária em garantia para a aquisição de veículo, tem-se a existência de dois negócios jurídicos autônomos: (a) o de compra e venda, firmado entre o alienante e o adquirente e (b) o de mútuo com alienação fiduciária em garantia, celebrado entre o adquirente e a instituição financeira.

2. Ante a autonomia dos negócios, não há qualquer vínculo jurídico entre o alienante e a instituição financeira a autorizar a inclusão desta no pólo passivo de demanda destinada a cobrar o pagamento das multas e tributos incidentes sobre o veículo posteriormente à alienação.

3. É desinfluente a ausência de registro, no DETRAN, da transferência do veículo ou da garantia fiduciária, pois esses atos jurídicos nasceram de relações jurídicas das quais jamais foram, concomitantemente, partes a instituição financeira e o alienante.

4. O banco que, com garantia de alienação fiduciária, financia a aquisição de um veículo sem o registro da transferência e da propriedade fiduciária no DETRAN não é parte legítima para ação movida pelo antigo proprietário, que busca o pagamento dos débitos fiscais e de multas contraídos após a venda.

5. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, a Turma, por unanimidade, dar provimento do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Impedido o Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS).

Brasília, 26 de maio de 2009(data do julgamento)

MINISTRO MASSAMI UYEDA
Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por ALVORADA CARTÕES CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A.

Verifica-se, da análise dos autos, que IVAN CARLOS CRESTANI propôs ação cominatória contra o Banco Bilbao Vizcaya Brasil S/A (sucessor do Banco Excel e sucedido pela financeira Alvorada Cartões, Crédito, Financiamento e Investimentos S/A), alegando, em suma, que, no ano de 1996, deixou veículo de sua propriedade à venda perante a empresa revendedora "American Veículos Ltda". Aduz que, no mesmo ano, a sra. LEIA NUNES DE FARIA compareceu à empresa revendedora para adquirir o referido automóvel. Sustenta que a sra. Leia, então, obteve do Banco Excel (hoje, Alvorada Cartões, Crédito, Financiamento e Investimentos S/A) financiamento com cláusula de alienação fiduciária do veículo em garantia. Assevera que, no cadastro do veículo perante o DETRAN, não foi registrada a alienação nem a garantia fiduciária. Afirma que, por isso, o seu nome foi negativado nos cadastros do Tesouro Estadual em razão do fato de a sra. Leia e a instituição financeira não terem pagos os encargos incidentes sobre o carro (multas e IPVA) após a venda. Noticia, ademais, que a instituição financeira ajuizara contra a sra. Leia ação de busca e apreensão, a qual foi julgada procedente, com a consequente consolidação da propriedade do veículo em favor da financeira. Requer, assim, a condenação do banco e da sra. Leia ao pagamento dos débitos relativos ao veículo e à realização do registro da transferência do veículo.

O r. juízo de primeiro grau julgou procedente a demanda contra a instituição financeira e a sra. Leia (fls. 134/136). Ademais, condenou-as "a arcarem com as custas judiciais e honorários advocatícios do procurador do autor", fixados, "com fundamento no art. 20, § 4º, do CPC, e dado o baixo valor em discussão e a desnecessidade de produzir outras provas, em R$ 800,00" (fl. 135).

Interposta apelação pela instituição financeira, a egrégia Corte de origem negou-lhe provimento em aresto assim ementado:

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COMINATÓRIA. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PROPRIEDADE RESOLÚVEL. LIBERAÇÃO DO FINANCIAMENTO SEM A TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE E O REGISTRO DA GARANTIA NO DETRAN. RESPONSABILIDADE DO FINANCIADOR PELO PAGAMENTO DAS MULTAS E IMPOSTOS POSTERIORES À REALIZAÇÃO DO FINANCIAMENTO. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO." (fl. 156)

Opostos embargos de declaração pela instituição financeira, a Corte de origem os rejeitou (fls. 164/165).

No recurso especial, fundado no art. 105, III, alínea "a", da Constituição Federal, a instituição financeira alega ofensa aos arts. 267, VI, 295, II, 458, II, e 535, II, do CPC. Aduz, em síntese, que não possui qualquer relação jurídica com o sr. Ivan, razão por que não detém legitimidade passiva ad causam para o feito. Afirma que não adquiriu a propriedade do veículo, mas apenas concedeu financiamento à sra. Célia para que esta o comprasse. Aduz, ainda, que não possuía qualquer obrigação de promover, no DETRAN, o registro da transferência do veículo, pois tal é responsabilidade da adquirente, ou seja, da sra. Célia. Noticia, ainda, que "nunca teve a posse direta do bem, vez que a Ação de Busca e Apreensão intentada restou procedente; contudo, o veículo nunca foi localizado" (fl. 176).

O sr. Ivan apresentou contra-razões às fls. 180/183.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):

O inconformismo merece prosperar.

Com efeito.

Inicialmente, em referência à pretensa desatenção aos arts. 458, II, e 535, II, do CPC, não se verifica qualquer omissão no seio do aresto a quo, porquanto todas as questões fundamentais ao deslinde da controvérsia foram apreciadas naquilo que pareceu relevante à turma julgadora de origem. Realmente, a Corte de origem abordou, satisfatoriamente, a questão da legitimidade passiva da instituição financeira ora recorrente, de maneira que não há falar em omissão no seio do aresto a quo.

No mais, a celeuma instaurada no recurso especial centra-se em saber se o banco que, com garantia de alienação fiduciária, financia a aquisição de um veículo sem o registro da transferência no DETRAN é ou não parte legítima para ação movida pelo antigo proprietário, que busca o pagamento dos débitos fiscais e punitivos contraídos após a venda.

Bem de ver que, na situação sub judice, é possível constatar a existência de dois negócios jurídicos distintos:

a) compra e venda de veículos - negócio firmado entre o sr. Ivan e a sra. Leia;

b) mútuo com garantia de alienação fiduciária - avença celebrada entre a sra. Leia e a instituição financeira.

De fato, a obrigação de registrar a transferência do veículo se reporta ao primeiro negócio jurídico (ou seja, o de compra e venda), do qual a instituição financeira não faz parte. Assim, inexistia qualquer dever desta em promover o registro da transferência.

Por outro lado, é certo que o registro da alienação fiduciária em garantia perante o DETRAN diz respeito ao segundo negócio (vale dizer, o mútuo com garantia de alienação fiduciária), do qual o sr. Ivan não faz parte. Por essa razão, revela-se descabido pretender, com base na falta do registro da garantia, responsabilizar a instituição financeira pelos débitos incidentes sobre o veículo posteriormente à data da venda.

Acresça-se que os dois negócios supracitados são autônomos. Eles poderiam ter sido celebrados até em épocas diferentes. Tal ocorreria, por exemplo, se a sra. Leia tivesse adquirido o veículo com recursos próprios e, futuramente, para obter um empréstimo com uma instituição financeira, celebrasse um contrato de mútuo com garantia de alienação fiduciária do veículo.

Não descaracteriza essa autonomia dos negócios o fato de o pagamento do financiamento ter sido feito diretamente ao sr. Ivan (representado pela empresa revendedora), pois do negócio de mútuo apenas fazem partes a sra. Leia e a instituição financeira.

A corroborar tal assertiva, observa-se que, no caso hipotético supracitado - em que os dois negócios teriam sido celebrados em épocas distintas -, é certo que não se negaria a autonomia do negócio de mútuo pelo simples fato de a sra. Leia indicar uma terceira pessoa como destinatária dos valores emprestados.

Assim, ante a autonomia dos negócios jurídicos, flagra-se que o sr. Ivan não possui com a instituição financeira qualquer vínculo jurídico hábil a carrear a esta a legitimidade passiva ad causam para o presente feito.

É desinfluente, para tal efeito, a ausência de registro, no DETRAN, da transferência do veículo ou da garantia fiduciária, pois esses atos jurídicos nasceram de relações jurídicas das quais jamais foram, concomitantemente, partes a instituição financeira e o alienante.

Portanto, é de excluir-se a instituição financeira da presente lide.

Dá-se, pois, provimento ao recurso especial, para - reconhecendo a ilegitimidade passiva da ora recorrente, ALVORADA CARTÕES CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A - extinguir o feito em relação a ela sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, IV, do CPC.

Em razão disso, os ônus de sucumbência devem ser assim repartidos: (a) a sra. Leia arcará com metade das custas judiciais computadas até a prolação da sentença e pagará R$ 400,00 (quatrocentos reais) a título de honorários advocatícios devidos ao patrono do sr. Ivan, ao passo que (b) o sr. Ivan suportará o restante das custas judiciais e as verbas honorárias dos patronos da instituição financeira Alvorada, as quais são fixadas em R$ 400,00 (quatrocentos reais).

É o voto.

MINISTRO MASSAMI UYEDA
Relator

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2007/0202012-8 REsp 1025928 / RS

Números Origem: 10501512202 113018437 70016281180 70019272608

PAUTA: 26/05/2009 JULGADO: 26/05/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA

Ministro Impedido
Exmo. Sr. Ministro: VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS)

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO

Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: ALVORADA CARTÕES CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A

ADVOGADO: DIEGO ALBORNOZ PEREIRA E OUTRO(S)

RECORRIDO: IVAN CARLOS CRESTANI

ADVOGADO: VILMAR JOSÉ PEREIRA FERNANDES E OUTRO(S)

INTERES.: LEIA NUNES DE FARIA

ASSUNTO: Ação Cominatória

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, deu provimento do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Impedido o Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS).

Brasília, 26 de maio de 2009

MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
Secretária

Documento: 887607

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 08/06/2009




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