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sexta-feira, 12 de junho de 2009

Informativo STF 549 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Informativo STF


Brasília, 1º a 5 de junho de 2009 - Nº 549.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO

Plenário
Convenção 158 da OIT e Denúncia Unilateral - 3
Convenção 158 da OIT e Denúncia Unilateral - 4
Convenção 158 da OIT e Denúncia Unilateral - 5
Convenção 158 da OIT e Denúncia Unilateral - 6
Convenção 158 da OIT e Denúncia Unilateral - 7
Indenização por Danos Decorrentes de Acidente do Trabalho e Competência
Requisito Temporal e Concurso para Promotor de Justiça
Praça: Aplicação de Pena Acessória de Perda do Cargo e Tribunal Competente - 1
Praça: Aplicação de Pena Acessória de Perda do Cargo e Tribunal Competente - 2
Repercussão Geral
Promotor: Exercício de Atividade Político-Partidária e Reeleição após a EC 45/2004 - 1
Promotor: Exercício de Atividade Político-Partidária e Reeleição após a EC 45/2004 - 2
1ª Turma
Exercício da Advocacia e Inviolabilidade
Princípio da Insignificância e Furto Privilegiado
Princípio do Juiz Natural e Convocação de Juízes
Remuneração de Juiz de Paz - 1
Remuneração de Juiz de Paz - 2
2ª Turma
Medida de Segurança e Limitação Temporal - 1
Medida de Segurança e Limitação Temporal - 2
Réu Preso: Instrução Processual e Direito de Presença
Roubo: Emprego de Arma de Fogo e Causa de Aumento
Porte Ilegal de Arma e Ausência de Munição
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e Antecipação de Tutela contra o Poder Público - 1
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e Antecipação de Tutela contra o Poder Público - 2
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e Antecipação de Tutela contra o Poder Público - 3
Repercussão Geral
Clipping do DJ
Transcrições
Direito ao Silêncio - Recusa em Colaborar com as Autoridades Públicas - Legitimidade - Descabimento de Prisão Cautelar (HC 99289-MC/RS)
Inovações Legislativas


PLENÁRIO

Convenção 158 da OIT e Denúncia Unilateral - 3

O Tribunal retomou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG e pela Central Única dos Trabalhadores - CUT contra o Decreto 2.100/96, por meio do qual o Presidente da República torna pública a denúncia, pelo Brasil, da Convenção 158 da OIT, relativa ao término da relação de trabalho por iniciativa do empregador — v. Informativos 323 e 421. O Min. Joaquim Barbosa, em voto-vista, julgou o pedido integralmente procedente para declarar a inconstitucionalidade do decreto impugnado por entender não ser possível ao Presidente da República denunciar tratados sem o consentimento do Congresso Nacional. Salientou, inicialmente, que nenhuma das Constituições brasileiras tratou especificamente do tema relativo à denúncia de tratados internacionais e que os artigos 49, I e 84, VIII, da CF/88, embora não admitissem a participação do Congresso Nacional na denúncia dos tratados, também não seriam expressos ao vedar essa participação. Tendo isso em conta, reputou necessário analisar o papel que o Congresso Nacional possuiria historicamente na processualística dos tratados internacionais. No ponto, ressaltou que o papel do Legislativo na história constitucional brasileira não se limitaria a uma postura meramente passiva de aprovação ou reprovação de tratados, e citou ocasiões em que o Poder Legislativo aprovou tratado com ressalvas, ou até mesmo o emendou.
ADI 1625/DF, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, 3.6.2009. (ADI-1625)

Convenção 158 da OIT e Denúncia Unilateral - 4

Em seguida, afirmou que a Constituição de 1988 fortaleceu extremamente o papel do Poder Legislativo em várias áreas, e que, por isso, seria inviável levar adiante um argumento de natureza constitucional que pretendesse dele retirar uma função relevante na denúncia de tratados, ante a ausência total de normas a respeito. Aduziu, também, que o atual texto constitucional — ao estabelecer de maneira sistemática, pela primeira vez na história constitucional, princípios que regem as relações exteriores do Brasil (art. 4º) —, teria reforçado o papel do Parlamento em matéria de política exterior. Cumpriria a todos os Poderes, e não só ao Executivo, portanto, zelar por tais princípios, bem como fiscalizar a atuação da política externa. Dessa forma, impedir que, por exemplo, o Congresso pudesse analisar o descumprimento de um dos princípios constitucionais pela denúncia de um tratado, significaria esvaziar por completo o conteúdo útil do referido art. 4º. Demonstrou, ainda, que o fortalecimento do papel do Parlamento não seria fenômeno isolado no Brasil, e que Constituições de vários outros países já teriam estabelecido a possibilidade da participação do Poder Legislativo na denúncia de tratados internacionais. Observou, ademais, que a tendência, cada vez mais crescente, de textos constitucionais repartirem as competências em matéria de denúncia de tratados representaria o surgimento, no direito comparado, do princípio da “co-participação parlamento-governo em matéria de tratado”, segundo o qual é da própria essência do tratado que ele, para comprometer um Estado interna e externamente, precise da deliberação do órgão parlamentar e do órgão executivo, e que, sendo essa característica da essência do tratado, qualquer ato que vise à desvinculação voluntária deste por um Estado também precisa passar pelo crivo parlamentar.
ADI 1625/DF, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, 3.6.2009. (ADI-1625)

Convenção 158 da OIT e Denúncia Unilateral - 5

O Min. Joaquim Barbosa ressaltou que a processualística dos tratados internacionais no Brasil e a função que o tratado exerce no direito interno brasileiro militariam a favor da tese de que a denúncia não poderia ser unilateral por parte do Poder Executivo, conforme se depreenderia, inclusive, da jurisprudência do Supremo. Registrou que, desde o julgamento do RE 80004/SE (DJU de 29.12.77), o Pleno da Corte consolidou entendimento de que os tratados possuiriam o mesmo nível hierárquico das leis, sendo o pressuposto para admitir essa identidade hierárquica que o tratado possuiria força de lei, ou seja, equiparar-se-ia materialmente às leis. Assim, se os tratados possuem força de lei, eles somente poderiam ser revogados por um ato posterior de idêntica ou superior hierarquia. Por sua vez, reconhecer a possibilidade de um tratado ser denunciado unilateralmente pelo Presidente da República seria reconhecer que seu decreto que torna pública a denúncia teria força de lei. Isso, entretanto, seria contraditório, haja vista a Constituição de 1988 não reconhecer a existência de nenhum ato com força de lei em que o Parlamento não tivesse algum tipo de intervenção. Citou, também, o que decidido pela Corte na ADI 1480 MC/DF (DJU de 18.5.2001), no sentido de que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República (CF, art. 84, VIII). Com base nesse entendimento, frisou que a intervenção do Parlamento no processo de aprovação dos tratados não decorreria apenas da previsão da existência de um controle a ser exercido sobre a atividade do Executivo, isto é, a aprovação, ou reprovação, seria ato de vontade concordante ao conteúdo disposto no tratado. Disso se retirariam pelo menos 3 conseqüências: 1) a intervenção parlamentar seria essencial para que o tratado existisse internamente e, sendo da própria natureza do tratado que o Parlamento atuasse na sua constituição, seria óbvio que também o fizesse na sua desconstituição; 2) se o tratado seria expressão da vontade do Parlamento, o exercício de tal vontade não ocorreria no vácuo, ou seja, quando o Congresso aprovasse um tratado para futura ratificação e incorporação ao direito interno, ele aprovaria o próprio conteúdo de algo que se poderia chamar de “política convencional”. Reconhecer que o Parlamento seria árbitro de uma “política convencional” durante o processo de aprovação implicaria necessariamente que ele deveria ser árbitro dessa mesma “política convencional” durante o processo de denúncia; 3) seria preciso reconhecer que o tratado internacional a que um Estado se vincula seria expressão da vontade atual e efetiva dos órgãos envolvidos. Sendo autônomas as vontades do Executivo e do Legislativo, na formação, elas assim deveriam permanecer até que os dois Poderes, de maneira conjunta e ordenada, decidissem alterar tal vontade, cada um dentro de suas próprias atribuições.
ADI 1625/DF, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, 3.6.2009. (ADI-1625)

Convenção 158 da OIT e Denúncia Unilateral - 6

Considerou o Min. Joaquim Barbosa que a intervenção do Parlamento não significaria, entretanto, o esvaziamento por completo da atuação do Poder Executivo nesse campo, o qual continuaria com a prerrogativa de decidir quais tratados deveriam ser denunciados e o momento de fazê-lo. Ao Congresso Nacional, por sua vez, caberia autorizar a denúncia do tratado que seria, ou não, feita pelo Chefe do Poder Executivo. Essa divisão de competências teria o condão de democratizar a processualística dos tratados internacionais. Acrescentou que, além dessas razões, as circunstâncias concretas do caso deixariam mais evidente a necessidade de reconhecer que os tratados somente poderiam ser denunciados com anuência prévia do Congresso Nacional. Dentre elas, mencionou a forma com que o Congresso Nacional teria aprovado o texto da Convenção 158 da OIT e, ainda, o fato de essa Convenção versar sobre direitos humanos. Quanto à primeira circunstância, observou que o Decreto Legislativo 68/92 por meio do qual aprovada a Convenção 158 da OIT conteria apenas dois artigos, sendo que o parágrafo único do seu art. 1º (“São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão da referida convenção, bem como aqueles que se destinem a estabelecer ajustes complementares.”) teria como objetivo não só impedir que o Poder Executivo viesse a concluir tratados que pudessem emendar ou alterar o tratado original sob a alegação de que se estaria a concluir um acordo do Executivo, mas, principalmente, resguardar a necessidade de o Congresso intervir nos casos de denúncia. Quanto à segunda circunstância, disse que a Convenção sob análise não seria um tratado comum, mas um tratado que versa sobre direitos humanos, apto a inserir direitos sociais no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse contexto, caberia cogitar da aplicação do novo § 3º do art. 5º da CF, introduzido pela EC 45/2004, a essa Convenção. No ponto, afirmou que, apesar de o Decreto que incorporou a Convenção ao direito brasileiro ser de 1996, ainda que não se admitisse a tese de que os tratados de direitos humanos anteriores à EC 45/2004 possuíssem estatura constitucional, seria plausível defender que possuíssem estatura supralegal, porém infraconstitucional. Reconhecido o caráter supralegal aos tratados de direitos humanos e considerando-se a Convenção 158 da OIT como um tratado de direitos humanos, concluir-se-ia não ser possível sua denúncia pelo Poder Executivo sem a intervenção do Congresso Nacional. Do contrário, permitir-se-ia que uma norma de grau hierárquico bastante privilegiado pudesse ser retirada do mundo jurídico sem a intervenção de um órgão legislativo, e, ainda, que o Poder Executivo, por vontade exclusiva, reduzisse de maneira arbitrária o nível de proteção de direitos humanos garantido aos indivíduos no ordenamento jurídico nacional.
ADI 1625/DF, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, 3.6.2009. (ADI-1625)

Convenção 158 da OIT e Denúncia Unilateral - 7

Por fim, o Min. Joaquim Barbosa julgou inadequada a solução de dar interpretação conforme ao Decreto impugnado, tal como feito pelo Min. Maurício Corrêa, relator. Primeiro, reputou equivocado, tecnicamente, falar que a denúncia estaria condicionada à aprovação do Parlamento, visto que o Decreto impugnado não denunciaria o tratado internacional — por ser a denúncia um ato tipicamente internacional e, por isso, impassível de controle jurisdicional pelo Supremo —, mas sim tornaria pública a denúncia feita, a produzir seus efeitos em um determinado tempo. Tendo em conta que a publicação de qualquer ato normativo, inclusive tratados, seria pressuposto necessário para a sua obrigatoriedade, afirmou que a declaração de inconstitucionalidade do Decreto 2.100/96 teria como conseqüência a retirada da publicidade do ato da denúncia, o que levaria à não-obrigatoriedade da denúncia no Brasil, não obstante operativa no plano internacional, e à manutenção da vigência do Decreto que incorporou a Convenção 158 da OIT ao direito interno brasileiro. Assim, a conclusão do relator seria inviável por extrapolar o sentido do Decreto 2.100/96, levando a Corte a cumprir nítida função legislativa. Segundo, entendeu que o uso da técnica da interpretação conforme também seria equivocada por pretender interpretar um ato que violaria não materialmente, mas formalmente a Constituição. Em virtude de a denúncia já estar produzindo efeitos no plano internacional, o Min. Joaquim Barbosa explicitou duas conseqüências advindas da declaração de inconstitucionalidade: 1) a declaração de inconstitucionalidade somente teria o efeito de tornar o ato de denúncia não-obrigatório no Brasil, por falta de publicidade. Como conseqüência, o Decreto que internalizou a Convenção 158 da OIT continuaria em vigor. Caso o Presidente da República desejasse que a denúncia produzisse efeitos também internamente, teria de pedir a autorização do Congresso Nacional e, somente então, promulgar novo decreto dando publicidade da denúncia já efetuada no plano internacional; 2) a declaração de inconstitucionalidade somente atingiria o Decreto que deu a conhecer a denúncia, nada impedindo que o Presidente da República ratificasse novamente a Convenção 158 da OIT. Após, pediu vista dos autos a Min. Ellen Gracie.
ADI 1625/DF, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, 3.6.2009. (ADI-1625)

Indenização por Danos Decorrentes de Acidente do Trabalho e Competência

Compete à Justiça do Trabalho o julgamento de ação de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho. Com base nesse entendimento, o Tribunal resolveu conflito de competência suscitado pelo Tribunal Superior do Trabalho em face do Juízo de Direito da 4ª Vara Cível da Comarca de Joinville e declarou a competência da Justiça laboral para julgar ação de reparação de danos morais decorrentes de acidente de trabalho, com resultado morte, proposta pela companheira e pelos genitores do trabalhador morto. Reconheceu-se, inicialmente, ser do Supremo a competência para dirimir o conflito, com base no disposto no art. 102, I, o, da CF. Em seguida, asseverou-se que, após o advento da EC 45/2004, a orientação da Corte teria se firmado no sentido da competência da Justiça do Trabalho para o julgamento da questão sob análise. Aduziu-se, ademais, que o ajuizamento da ação de indenização pelos sucessores não modificaria a competência da justiça especializada, haja vista ser irrelevante a transferência do direito patrimonial em razão do óbito do empregado. Precedentes citados: RE 509352 AgR/SP (DJE de 1º.8.2008); RE 509353 ED/SP (DJU de 17.8.2007); RE 482797 ED/SP (DJE de 27.6.2008); RE 541755 ED/SP (DJE de 7.3.2008); CC 7204/MG (DJU de 9.12.2005).
CC 7545/SC, rel. Min. Eros Grau, 3.6.2009. (CC-7545)

Requisito Temporal e Concurso para Promotor de Justiça

Em conclusão, o Tribunal, por maioria, julgou prejudicado mandado de segurança impetrado contra ato do Procurador-Geral da República que, em sede de recurso administrativo, mantivera decisão que indeferira a inscrição definitiva do impetrante em concurso para provimento de cargos de Procurador da República, por não ter comprovado o exercício de 3 anos de atividade jurídica privativa de bacharel em Direito, após a colação de grau — v. Informativo 493. Considerou-se o fato de que, por não ter sido deferida a liminar, o impetrante acabara por não participar das provas orais do concurso, realizadas em fevereiro de 2009, já tendo havido, inclusive, conclusão do certame com resultado homologado e a posse dos candidatos aprovados. Vencido o Min. Marco Aurélio, que concedia a ordem.
MS 26696/DF , rel. Min. Gilmar Mendes, 3.6.2009. (MS-26696)

Praça: Aplicação de Pena Acessória de Perda do Cargo e Tribunal Competente - 1

O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso que mantivera condenação a pena acessória de perda do cargo aplicada a praças. Alega-se, na espécie, ofensa ao art. 125, § 4º, da CF, ao fundamento de que o art. 102 do Código Penal Militar - CPM, ao prever como pena acessória a exclusão de praça condenado à pena privativa de liberdade superior a 2 anos, não teria sido recepcionado pela nova ordem constitucional. Sustenta-se, ainda, que a EC 18/98 não teria suprimido, para as praças, a garantia prevista no citado art. 125, § 4º, da CF (“Art. 125. ... § 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.”), já que os incisos VI e VII do § 3º do art. 142 da CF (“Art. 142 ... § 3º ... VI - o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra; VII - o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior;”) fariam referência apenas à perda do posto e da patente por oficiais militares.
RE 447859/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 4.6.2009. (RE-447859)

Praça: Aplicação de Pena Acessória de Perda do Cargo e Tribunal Competente - 2

O Min. Marco Aurélio, relator, desproveu o recurso, no que foi acompanhado pelos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau. Entendeu que a referência à competência do Tribunal, contida no § 4º do art. 125 da CF, remeteria, consideradas as praças, à Justiça Militar, não cabendo ver no preceito a necessidade de processo específico para ocorrer, imposta pena que se enquadrasse no art. 102 do CPM, a exclusão da praça. Observou que, no que concerne aos oficiais, a regência seria diversa (CF, art. 142, § 3º). Do cotejo dessas normas, para o relator, concluir-se-ia haver tratamento diferenciado da matéria em caso de condenação de praça ou oficial pela Justiça Militar à pena privativa de liberdade superior a 2 anos. Ou seja, somente quanto aos oficiais, dar-se-ia o desdobramento, exigido, conforme versado na Carta Magna, pronunciamento em processo específico para chegar-se à perda do posto e da patente. Assim, o art. 102 do CPM seria harmônico com a Constituição Federal, consentâneo com a concentração do exame da matéria, a prescindir, com base na Carta Magna, da abertura de um novo processo. Em divergência, a Min. Cármen Lúcia, deu provimento ao recurso, adotando a orientação firmada pela Corte no julgamento do RE 121533/MG (DJU de 30.11.90), no sentido de que o art. 125, § 4º, da CF, de eficácia plena e imediata, subordina a perda de graduação das praças das polícias militares à decisão do tribunal competente, mediante procedimento específico, não subsistindo, em conseqüência, em relação aos referidos graduados o art. 102 do CPM, que a impunha como pena acessória da condenação criminal a prisão superior a 2 anos. Considerou, ainda, o entendimento fixado no julgamento do RE 358961/MS (DJU de 12.3.2004), que, reafirmando a orientação anterior, acrescentou que a EC 18/98, ao cuidar exclusivamente da perda do posto e da patente do oficial (CF, art. 142, VII), não revogou o art. 125, § 4º, do texto constitucional originário, regra especial nela atinente à situação das praças. Após o voto do Min. Joaquim Barbosa, que seguia a divergência, pediu vista dos autos o Min. Carlos Britto.
RE 447859/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 4.6.2009. (RE-447859)


REPERCUSSÃO GERAL

Promotor: Exercício de Atividade Político-Partidária e Reeleição após a EC 45/2004 - 1

O Tribunal, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal Superior Eleitoral - TSE que, dando provimento a recursos especiais eleitorais, indeferira o registro da candidatura da ora recorrente ao cargo de Prefeita, ao fundamento de ser ela inelegível, em razão de pertencer a Ministério Público estadual, estando dele licenciada, mas não afastada definitivamente. Alegava a recorrente ofensa aos artigos 5º, XXXVI, 14, § 5º, e 128, § 5º, II, e, da CF. Sustentava, em síntese, que os membros do Ministério Público que ingressaram na carreira após 1988 e que já estavam no exercício de mandato eletivo quando do advento da EC 45/2004 possuiriam direito adquirido à reeleição, e que referida emenda, ao estabelecer limitações à atividade político-partidária de membros do Ministério Público, não poderia comprometer esse direito adquirido. Na espécie, a ora recorrente ingressara na carreira do Ministério Público em 14.8.90. Tendo se licenciado do cargo para concorrer às eleições de 2004, exercera o mandato de Prefeita no período de 2005 a 2008. Em 2008, concorrera à reeleição ao cargo, ainda vinculada ao Ministério Público, saindo-se vencedora. O registro da candidatura fora deferido perante o juízo eleitoral e mantido pelo Tribunal Regional Eleitoral - TRE, tendo o TSE cassado essas decisões.
RE 597994/PA, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Eros Grau, 4.6.2009. (RE-597994)

Promotor: Exercício de Atividade Político-Partidária e Reeleição após a EC 45/2004 - 2

Preliminarmente, por votação majoritária, reconheceu-se a repercussão geral da matéria debatida. Asseverou-se haver uma questão constitucional evidente, já que tudo teria sido decidido com base em normas constitucionais, que repercutiria para além dos direitos subjetivos questionados. Considerou-se que não só poderia haver repetição em outros casos, como que, na situação dos autos, cuidar-se-ia, também, do direito de eleitores que exerceram seu direito/dever de votar, acreditando no sistema então vigente. Vencidos, no ponto, a Min. Ellen Gracie, relatora, e os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso, que não vislumbravam a existência dessa repercussão geral e, salientando tratar-se de hipótese excepcionalíssima e irreproduzível, reputavam que a análise do direito adquirido questionado estaria limitada pelo aspecto temporal, não sendo aplicável a eleições posteriores à citada emenda constitucional. Quanto ao mérito, entendeu-se estar-se diante de uma situação especial, ante a ausência de regras de transição para disciplinar a situação fática em questão, não abrangida pelo novo regime jurídico instituído pela EC 45/2004. Tendo em conta que a recorrente estava licenciada, filiada a partido político, já tendo sido eleita para exercer o cargo de Prefeita na data da publicação dessa emenda, concluiu-se que ela teria direito, não adquirido, mas atual à recandidatura, nos termos do § 5º do art. 14 da CF (“O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente.”). Vencidos, no mérito, a Min. Ellen Gracie, relatora, e os Ministros Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e Celso de Mello, que negavam provimento ao recurso. Ressaltaram que, antes da EC 45/2004, admitia-se que, licenciado, o membro do parquet podia se filiar e concorrer, mas que, após tal emenda, em face da absoluta proibição da atividade político-partidária por membros do Ministério Público, prevista no art. 128, § 5º, II, e, da CF, de aplicação imediata e linear, se desejasse exercer atividade político-partidária, deveria exonerar-se ou aposentar-se, não havendo se falar em direito adquirido ao regime anterior à emenda, para beneficiar a recorrente, nem em direito dela ou do eleitorado assegurado pela norma viabilizadora da reeleição. Aduziram que, a cada eleição, para requerer o registro de sua candidatura, o postulante a cargo eletivo deveria demonstrar a satisfação das condições de elegibilidade, o que não se dera no caso.
RE 597994/PA, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Eros Grau, 4.6.2009. (RE-597994)


PRIMEIRA TURMA

Exercício da Advocacia e Inviolabilidade

Por falta de justa causa para a persecução penal, a Turma, em votação majoritária, deferiu habeas corpus para trancar ação penal instaurada em desfavor de advogado acusado pelo crime de calúnia. No caso, o processo-crime se originara de exceção de suspeição apresentada pelo paciente, perante tribunal de justiça local, contra magistrado de determinada comarca, imputando-lhe a prática dos delitos de prevaricação e de advocacia pública, ao argumento de parcialidade deste no julgamento de mandado de segurança no qual aquele atuara como patrono. De início, salientou-se a excepcionalidade do trancamento de ação penal por meio habeas corpus, bem como a jurisprudência do STF no sentido de a inviolabilidade constitucionalmente assegurada ao advogado não se estender ao crime de calúnia. Entretanto, na hipótese dos autos, considerou-se que a denúncia apresentaria deficiência material, porquanto não descreveria os fatos integralizadores dos elementos objetivos e subjetivos do tipo penal em questão. Reputou-se que a peça processual oposta pelo paciente — embora contivesse certo exagero nas indagações formuladas — indicaria o objetivo de levar ao conhecimento da Corte estadual o que lhe parecera uma postura heterodoxa de um membro da magistratura. Desse modo, concluiu-se que a atuação profissional do paciente não teria transbordado a busca da prevalência dos interesses da parte que ele representava. Vencido o Min. Ricardo Lewandowski que, ao enfatizar que a calúnia não estaria inserida dentre as causas de exclusão de crime dispostas no art. 142, I, do CP, denegava o writ por entender configurado, em princípio, o fato delituoso (CP: “Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível: I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;”).
HC 98631/BA, rel. Min. Carlos Britto, 2.6.2009. (HC-98631)

Princípio da Insignificância e Furto Privilegiado

A Turma indeferiu habeas corpus em que se pleiteava a aplicação do princípio da insignificância a condenado por 2 furtos praticados contra vítimas distintas. No caso, o paciente subtraíra para si uma bicicleta — avaliada em R$ 70,00 — e, em ato contínuo, dirigira-se a estabelecimento comercial, onde furtara uma garrafa de uísque — avaliada em R$ 21,80 —, sendo preso em flagrante. Entendeu-se que não estariam presentes os requisitos autorizadores para o reconhecimento desse princípio. Aduziu-se que o paciente, ao cometer 2 crimes de furto em concurso material, com vítimas distintas, demonstrara possuir propensão à prática de pequenos delitos, os quais não poderiam passar despercebidos pelo Estado. Asseverou-se que, embora o reconhecimento da atipicidade penal pela insignificância dependa da constatação de que a conduta seja a tal ponto irrelevante — desvalor da ação e do resultado — que não seja razoável impor-se a sanção penal descrita na lei, isso não ocorreria na espécie. Enfatizou-se que a bicicleta fora furtada de pessoa humilde e de poucas posses, que a utilizava para se deslocar ao seu local de trabalho, de modo a revelar que esse bem era relevante para a vítima, e cuja subtração repercutira expressivamente em seu patrimônio. Por fim, considerou-se que a situação dos autos fora devidamente enquadrada como infração de pequeno valor, na qual incidente causa de diminuição de pena referente ao furto privilegiado (CP, art. 155, § 2º), distinguindo-a, no ponto, da figura da infração insignificante, que permite o reconhecimento da atipicidade da conduta.
HC 96003/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2.6.2009. (HC-96003)

Princípio do Juiz Natural e Convocação de Juízes

A Turma deliberou afetar ao Plenário julgamento de habeas corpus no qual se alega ofensa ao princípio do juiz natural em decorrência da participação de juízes de 1º grau convocados para compor o quórum de câmara julgadora. A impetração reitera o pedido de nulidade do acórdão da Corte de origem que condenara o paciente por furto qualificado (CP, art. 155, § 4º, IV) e aduz que, à exceção do juiz presidente do referido órgão colegiado, todos os demais magistrados teriam sido convocados. Sustenta, também, violação aos artigos 93, III, 94 e 98, I, da CF.
HC 96821/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2.6.2009. (HC-96821)

Remuneração de Juiz de Paz - 1

A Turma manteve acórdão do TRF da 1ª Região que denegara o pleito do ora recorrente de ver declarado seu direito à remuneração pelo exercício da função de juiz de paz, bem como de condenação da União ao ressarcimento por serviços prestados. Na espécie, a Corte de origem aplicara a orientação firmada no julgamento da ADI 1051/SC (DJU de 13.10.95), no sentido de que a remuneração dos juízes de paz somente pode ser fixada em lei de iniciativa exclusiva do tribunal de justiça do Estado-membro. Consignara, ainda, que o exercício da aludida função, com base no Decreto-lei 1.770/80, não geraria direito à remuneração prevista no art. 98 da CF. Registrara, também, que o pedido de indenização por serviços prestados encontraria óbice na ausência de criação da Justiça de Paz no Distrito Federal, na impossibilidade de isonomia com juízes de direito e na falta de comprovação de eventuais prejuízos sofridos no exercício livre, espontâneo e gratuito de múnus público.
RE 480328/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 2.6.2009. (RE-480328)

Remuneração de Juiz de Paz - 2

Inicialmente, enfatizou-se que, no caso, tratar-se-ia de recurso extraordinário e não de mandado de injunção. Tendo isso em conta, aduziu-se que, em momento algum, o Tribunal a quo adotara posicionamento contrário à Constituição. Considerara, na verdade, precedente do STF no qual assentada a necessidade de a remuneração dos juízes de paz ser estabelecida mediante lei de iniciativa do tribunal local. Mais do que isso, esclarecera que o Decreto-lei 1.770/80 criou cargos não remunerados de juiz de paz no Distrito Federal. Salientou-se, ademais, que o art. 98, II, da CF não versa a remuneração, em si, dos juízes de paz, ou seja, muito embora exista a alusão à possibilidade de vir à balha, não ocorre a indispensável fixação. Por sua vez, enfatizou-se que o art. 30 do ADCT remete à legislação própria, cogitando do dia para a eleição prevista no referido inciso II (CF: “Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: ... II - justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face de impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação.”; ADCT: “Art. 30. A legislação que criar a justiça de paz manterá os atuais juízes de paz até a posse dos novos titulares, assegurando-lhes os direitos e atribuições conferidos a estes, e designará o dia para a eleição prevista no art. 98, II, da Constituição.”).
RE 480328/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 2.6.2009. (RE-480328)


SEGUNDA TURMA

Medida de Segurança e Limitação Temporal - 1

Aplica-se à medida de segurança o instituto da prescrição nos termos do art. 109 e seguintes do CP. Com base nesse entendimento e por considerar não consumada a prescrição, a Turma concedeu, em parte, habeas corpus para restabelecer decisão proferida por juiz de primeiro grau no capítulo em que determinara a aplicação do regime de desinternação progressiva pelo prazo de 6 meses da medida de segurança imposta ao paciente — cuja inimputabilidade por doença mental fora reconhecida — em processo instaurado para apurar suposta prática do delito de lesão corporal leve (CP, art. 129). Na espécie, o juízo monocrático reconhecera a prescrição da mencionada medida e ordenara a liberação gradativa do paciente, sendo esta decisão cassada pelo tribunal local, o que ensejara a impetração de habeas denegado pelo STJ. Sustentava a impetração, além da prescrição da medida de segurança, que a CF vedaria a aplicação de penas de caráter perpétuo, de forma que a internação do paciente — a qual perfaz quase 28 anos — não poderia perdurar por tempo indeterminado.
HC 97621/RS, rel. Min. Cezar Peluso, 2.6.2009. (HC-97621)

Medida de Segurança e Limitação Temporal - 2

Tendo em conta o delito imputado ao paciente, cuja pena máxima é de 1 ano, rejeitou-se a alegada ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, pois não transcorrera o prazo de 4 anos entre cada uma das causas interruptivas (CP, art. 109, V). O mesmo se entendeu em relação à prescrição executória, dado que o início da execução interromperia a contagem do prazo prescricional (CP, art. 117, V). Salientou-se, ademais, não se tratar de prescrição pela duração da medida, haja vista que a internação do paciente não teria atingido, ainda, o limite máximo de 30 anos a ela incidente, qualquer que seja o crime, conforme orientação firmada no julgamento do HC 84219/SP (DJU 23.9.2005). Asseverou-se, todavia, que o paciente teria jus à desinternação progressiva, podendo receber alta planejada, uma vez que existiriam indicações de sua melhora, com gradativa absorção pelo meio social. Considerou-se que o paciente cumpriria, em tese, os requisitos para ser beneficiado com indulto, nos termos do Decreto 6.706/2008, sendo necessária, portanto, a manifestação do juízo de primeiro grau a respeito.
HC 97621/RS, rel. Min. Cezar Peluso, 2.6.2009. (HC-97621)

Réu Preso: Instrução Processual e Direito de Presença

Assiste ao réu preso, sob pena de nulidade absoluta, o direito de comparecer, mediante requisição do Poder Judiciário, à audiência de instrução processual em que serão inquiridas testemunhas arroladas pelo Ministério Público. Com base nesse entendimento, a Turma, por maioria, concedeu habeas corpus para cassar decisão proferida por relator de recurso especial e restabelecer acórdão de tribunal local o qual anulara processo-crime que resultara na condenação do paciente por tráfico de drogas (Lei 6.368/76, art.12). No caso, o pleito do paciente de comparecer à audiência de instrução, realizada no juízo deprecado, fora denegado. Assentou-se que essa orientação teria por suporte o reconhecimento de que o direito de audiência, de um lado, e o direito de presença do réu, de outro — esteja ele preso ou não — traduzem prerrogativas jurídicas que derivam da garantia constitucional do due process of law e que asseguram, por isso mesmo, ao acusado, o direito de comparecer aos atos processuais a serem realizados perante o juízo processante, ainda que situado este em local diverso daquele em que esteja custodiado o réu. Ressaltou-se, ademais, serem irrelevantes as alegações do Poder Público concernentes à dificuldade ou inconveniência de proceder à remoção de acusados presos a outros pontos do Estado ou do País, eis que razões de mera conveniência administrativa não teriam precedência sobre as inafastáveis exigências de cumprimento e respeito ao que determina a Constituição. Vencida a Min. Ellen Gracie que, ressalvando apenas a inexorável conclusão de que o processo seria nulo desde a data da audiência de inquirição de determinada testemunha, denegava a ordem por não vislumbrar nos autos elementos suficientes que permitissem aferir que o testemunho teria sido central e indispensável para a formulação do juízo de condenação do paciente. Acrescentou, no ponto, a necessidade de se buscar uma visão global do processo, com a verificação de todos os elementos de prova produzidos durante a instrução, não se revelando suficiente a seleção de determinadas peças processuais — normalmente as que interessam à defesa — para alcançar tal conclusão.
HC 93503/SP, rel. Min. Celso de Mello, 2.6.2009. (HC-93503)

Roubo: Emprego de Arma de Fogo e Causa de Aumento

A Turma, invocando decisão por ela proferida no HC 95142/RS (DJE de 5.12.2008) — segundo a qual não se aplica a causa de aumento prevista no art. 157, § 2º, I, do CP, a título de emprego da arma de fogo, se esta não foi apreendida e nem periciada, sem prova do disparo — e não obstante reconhecendo a existência de entendimento diverso firmado pelo Plenário no HC 96099/RS (DJE de 10.3.2009), deferiu, por maioria, habeas corpus para afastar a mencionada qualificadora e restabelecer a pena proferida pelo tribunal de origem. Na espécie, condenados como incursos nos artigos 157, § 2º, I e II, c/c o art. 14, ambos do CP, pleiteavam o afastamento da qualificadora de emprego de arma de fogo, já que esta não fora devidamente apreendida para comprovar a existência, ou não, de seu potencial lesivo. Vencida a Min. Ellen Gracie que indeferia o writ.
HC 94827/RS, rel. Min. Eros Grau, 2.6.2009. (HC-94827)

Porte Ilegal de Arma e Ausência de Munição

A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se discute a tipicidade, ou não, do porte de arma desmuniciada. Trata-se, na espécie, de habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática do crime previsto no art. 14 da Lei 10.826/03 — Estatuto do Desarmamento —, no qual se pretende a nulidade da sentença condenatória, sob alegação de atipicidade da conduta, em razão de a arma portada estar desmuniciada. A Min. Ellen Gracie, relatora, denegou a ordem por entender que o tipo penal do art. 14 da mencionada lei contempla crime de mera conduta, sendo suficiente a ação de portar ilegalmente a arma de fogo, ainda que desmuniciada (Lei 10.826: “Art. 14 Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:”). Aduziu que o fato de o revólver estar desmuniciado não o desqualificaria como arma, tendo em vista que a ofensividade deste artefato não está apenas na sua capacidade de disparar projéteis, causando ferimentos graves ou mortes, mas também, na grande maioria dos casos, no seu potencial de intimidação. Enfatizou que o crime é de perigo abstrato, não tendo a lei exigido a efetiva exposição de outrem a risco, sendo irrelevante a avaliação subseqüente sobre a ocorrência de perigo à coletividade. Após, pediu vista dos autos o Min. Cezar Peluso.
HC 95073/MS, rel. Min. Ellen Gracie, 2.6.2009. (HC-95073)

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e Antecipação de Tutela contra o Poder Público - 1

A Turma referendou, em maior extensão, decisão proferida pelo Min. Celso de Mello que concedera antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional postulada em recurso extraordinário, do qual relator, interposto pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. No caso, o parquet requerera a antecipação dos efeitos da tutela com objetivo de preservar condições mínimas de subsistência e de dignidade a menor impúbere, a quem reconhecido, pela Turma, o direito à indenização, em decorrência de ato imputável ao Distrito Federal. Em sede de recurso extraordinário, este órgão fracionário assentara a responsabilidade objetiva do ente público na contaminação da genitora do citado menor, por citomegalovírus, com o qual tivera contato durante o período gestacional em função de suas atividades laborais como servidora pública de hospital daquela unidade federativa. Em virtude dessa infecção, a criança nascera com má-formação encefálica, paralisia cerebral, cegueira, tetraplegia e epilepsia.
RE 495740 TA-referendo/DF, rel. Min. Celso de Mello, 2.6.2009. (RE-495740)

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e Antecipação de Tutela contra o Poder Público - 2

Preliminarmente, aduziu-se ser viável a concessão da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional contra o Poder Público. Observou-se que, na realidade, uma vez atendidos os pressupostos legais fixados no art. 273, I e II, do CPC e observadas as restrições estabelecidas no art. 1º da Lei 9.494/97 tornar-se-ia lícito ao magistrado deferir a tutela antecipatória requerida contra a Fazenda Pública. Asseverou-se que o exame dos diplomas legislativos mencionados no preceito em questão evidenciaria que o Judiciário, em tema de antecipação de tutela contra o Poder Público, somente não poderia deferi-la nas hipóteses que importassem em: a) reclassificação funcional ou equiparação de servidores públicos; b) concessão de aumento ou extensão de vantagens pecuniárias; c) outorga ou acréscimo de vencimentos; d) pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor público ou e) esgotamento, total ou parcial, do objeto da ação, desde que esta diga respeito, exclusivamente, a qualquer das matérias acima referidas. Registrou-se, destarte, que a pretensão deduzida não incorreria em qualquer das hipóteses taxativas da restrição legal ao deferimento da tutela antecipada.
RE 495740 TA-referendo/DF, rel. Min. Celso de Mello, 2.6.2009. (RE-495740)

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e Antecipação de Tutela contra o Poder Público - 3

Quanto ao pedido formulado, enfatizou-se, inicialmente, que a antecipação dos efeitos da tutela suporia, para legitimar-se, a ocorrência de determinados requisitos, como a verossimilhança da pretensão do direito material (CPC, art. 273, caput) e o periculum in mora (CPC, art. 273, I). Assentou-se que tais premissas registraram-se na espécie, pois o direito material vindicado em favor de menor impúbere fora plenamente reconhecido pelo próprio Supremo, quando do julgamento da causa, de que resultara a sucumbência integral do Distrito Federal. Enfatizou-se que mais do que a verossimilhança do pleito jurídico, achava-se presente, na espécie, o próprio reconhecimento da postulação de direito material deduzida nos autos, a legitimar, em conseqüência, o atendimento da pretendida antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional. No que tange ao requisito do periculum in mora, ressaltou-se que o Ministério Público justificara de maneira adequada as razões que caracterizariam a concreta ocorrência, na hipótese, da situação de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (CPC, art. 273, I). Considerou-se o gravíssimo quadro que se criara em torno do menor impúbere, que permanentemente necessita de cuidados especiais tão dispendiosos que chegam a comprometer o modesto orçamento doméstico de sua família. Decisão referendada para, além de determinar a inclusão, a partir de 1º.10.2008, na folha de pagamento da entidade pública, do valor mensal referente a 2 salários mínimos a título de pensão enquanto viver o hipossuficiente, também deferir a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional quanto ao pagamento dos valores atrasados da pensão mensal, desde o nascimento do menor, bem como o do valor equivalente a 80 salários-mínimos, a título de indenização por danos morais à servidora, estabelecendo o prazo de 30 dias, sob pena, em caso de descumprimento dessa determinação, de imediata incidência da multa cominatória, de R$ 20.000,00 por dia, nos termos do art. 461, § 5º, do CPC. Determinou-se, ainda, fosse observada a cominação da multa diária em caso de inexecução de qualquer das medidas objeto da presente tutela antecipatória.
RE 495740 TA-referendo/DF, rel. Min. Celso de Mello, 2.6.2009. (RE-495740)

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno3.6.20094.6.2009395
1ª Turma2.6.200915
2ª Turma2.6.2009156



R E P E R C U S S Ã O  G E R A L

DJE de 5 de junho de 2009

REPERCUSSÃO GERAL POR QUEST. ORD. EM RE N. 597.270-RS
RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO
EMENTA: AÇÃO PENAL. Sentença. Condenação. Pena privativa de liberdade. Fixação abaixo do mínimo legal. Inadmissibilidade. Existência apenas de atenuante ou atenuantes genéricas, não de causa especial de redução. Aplicação da pena mínima. Jurisprudência reafirmada, repercussão geral reconhecida e recurso extraordinário improvido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. Circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 597.362-BA
RELATOR: MIN. EROS GRAU
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. COMPETÊNCIA PARA JULGAR CONTAS DO CHEFE DO EXECUTIVO.
A questão posta nos autos — competência exclusiva da Câmara Municipal para julgar as contas do Chefe do Executivo, atuando o Tribunal de Contas como órgão opinativo — nitidamente ultrapassa os interesses subjetivos da causa.

Decisões Publicadas: 2



C L I P P I N G  D O  DJ

5 de junho de 2009
ADI N. 2.801-RS
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei estadual de fixação de política salarial da administração pública. 3. Vício de Iniciativa. 4. Competência legislativa privativa do Chefe do Poder Executivo. 5. Precedentes. 6. Ação julgada procedente.
* noticiado no Informativo 537

HC N. 96.099-RS
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: ROUBO QUALIFICADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. APREENSÃO E PERÍCIA PARA A COMPROVAÇÃO DE SEU POTENCIAL OFENSIVO. DESNECESSIDADE. CIRCUNSTÂNCIA QUE PODE SER EVIDENCIADA POR OUTROS MEIOS DE PROVA. ORDEM DENEGADA. I - Não se mostra necessária a apreensão e perícia da arma de fogo empregada no roubo para comprovar o seu potencial lesivo, visto que tal qualidade integra a própria natureza do artefato. II - Lesividade do instrumento que se encontra in re ipsa. III - A qualificadora do art. 157, § 2º, I, do Código Penal, pode ser evidenciada por qualquer meio de prova, em especial pela palavra da vítima - reduzida à impossibilidade de resistência pelo agente - ou pelo depoimento de testemunha presencial. IV - Se o acusado alegar o contrário ou sustentar a ausência de potencial lesivo da arma empregada para intimidar a vítima, será dele o ônus de produzir tal prova, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal. V - A arma de fogo, mesmo que não tenha o poder de disparar projéteis, pode ser empregada como instrumento contundente, apto a produzir lesões graves. VI - Hipótese que não guarda correspondência com o roubo praticado com arma de brinquedo. VII - Precedente do STF. VIII - Ordem indeferida.
* noticiado no Informativo 536

Inq N. 2.295-MG
RELATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. MENEZES DIREITO
EMENTA: Inquérito. Deputado Federal. Julgamento iniciado. Término do mandato eletivo. Prosseguimento nesta Suprema Corte. Arquivamento. Imunidade parlamentar reconhecida. Precedentes. 1. Uma vez iniciado o julgamento de Parlamentar nesta Suprema Corte, a superveniência do término do mandato eletivo não desloca a competência para outra instância. 2. Nos termos do parecer do Ministério Público Federal, as circunstâncias dos autos revelam a presença da necessária conexão entre os fatos relatados no inquérito e a condição de parlamentar do investigado, a ensejar o reconhecimento da imunidade material (art. 53 da Constituição Federal). 3. Inquérito arquivado.
* noticiado no Informativo 525

QUEST. ORD. EM Rcl N. 1.503-DF
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: QUESTÃO DE ORDEM. RECLAMAÇÃO. PEDIDO DE DESISTÊNCIA. PROCESSO DE JULGAMENTO COLEGIADO INICIADO. COMPETÊNCIA DO PLENÁRIO. HOMOLOGAÇÃO INDEFERIDA. I - Não é admissível o pedido de desistência de feitos cujo julgamento já tenha sido iniciado. II – Preservação da unicidade do julgamento. III – Homologação indeferida.
* noticiado no Informativo 540

RE N. 349.703-RS
RELATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. GILMAR MENDES
PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5O DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002). ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DECRETO-LEI N° 911/69. EQUIPAÇÃO DO DEVEDOR-FIDUCIANTE AO DEPOSITÁRIO. PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR-FIDUCIANTE EM FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. A prisão civil do devedor-fiduciante no âmbito do contrato de alienação fiduciária em garantia viola o princípio da proporcionalidade, visto que: a) o ordenamento jurídico prevê outros meios processuais-executórios postos à disposição do credor-fiduciário para a garantia do crédito, de forma que a prisão civil, como medida extrema de coerção do devedor inadimplente, não passa no exame da proporcionalidade como proibição de excesso, em sua tríplice configuração: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; e b) o Decreto-Lei n° 911/69, ao instituir uma ficção jurídica, equiparando o devedor-fiduciante ao depositário, para todos os efeitos previstos nas leis civis e penais, criou uma figura atípica de depósito, transbordando os limites do conteúdo semântico da expressão “depositário infiel” insculpida no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição e, dessa forma, desfigurando o instituto do depósito em sua conformação constitucional, o que perfaz a violação ao princípio da reserva legal proporcional.
recurso extraordinário conhecido e não provido.
* noticiado no Informativo 498

HC N. 96.696-SP
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. ROUBO. CONSUMAÇÃO INDEPENDENTEMENTE DA POSSE MANSA E PACÍFICA DA COISA. PRECEDENTES. DECISÃO IMPUGNADA. REEXAME DE PROVA. INOCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO À SÚMULA 7 DO STJ. IMPROCEDÊNCIA. HABEAS CORPUS DENEGADO. I - A jurisprudência desta Corte tem entendido que a consumação do roubo ocorre no momento da subtração, com a inversão da posse da res, independentemente, portanto, da posse pacífica e desvigiada da coisa pelo agente. II – No caso em espécie, o STJ não reexaminou matéria de prova ao julgar o recurso especial. Partiu, sim, das premissas fáticas assentadas pelo acórdão recorrido, de forma que não há falar em violação à Súmula 7 daquela Corte. III – Habeas Corpus denegado.

HC N. 96.561-PA
RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO
EMENTA: COMPETÊNCIA. Criminal. Ação penal. Falsificação de Cadernetas de Instrução e Registro (CIRs), expedidas pela Marinha. Licença de natureza civil. Inexistência de prejuízo patrimonial a instituição militar. Infração comum em dano de interesse da União. Incompetência da Justiça Militar. Feito da competência da Justiça Federal. HC concedido. Aplicação dos arts. 21, XXII, 109, IV, e 144, § 1º, III, todos da CF. Precedente. É da Justiça Federal a competência para processar e julgar ação penal por falsificação de Caderneta de Instrução e Registro – CIR, expedida pela Marinha.

Acórdãos Publicados: 417



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Direito ao Silêncio - Recusa em Colaborar com as Autoridades Públicas - Legitimidade - Descabimento de Prisão Cautelar (Transcrições)

HC 99289-MC/RS*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

E M E N T A: “HABEAS CORPUS”. DENEGAÇÃO DE MEDIDA LIMINAR. SÚMULA 691/STF. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL QUE AFASTA, NO CASO, A RESTRIÇÃO SUMULAR. RETARDAMENTO EXCESSIVO (UM ANO E 2 MESES) DO JULGAMENTO, PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DO MÉRITO DO “WRIT” LÁ IMPETRADO. PRISÃO CAUTELAR DECRETADA COM FUNDAMENTO NA GRAVIDADE OBJETIVA DO CRIME E NA RECUSA DA PACIENTE EM RESPONDER AO INTERROGATÓRIO JUDICIAL A QUE FOI SUBMETIDA. INCOMPATIBILIDADE DESSES FUNDAMENTOS COM OS CRITÉRIOS FIRMADOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL. DIREITO DO INDICIADO/RÉU AO SILÊNCIO. DIREITO - QUE TAMBÉM LHE ASSISTE - DE NÃO SER CONSTRANGIDO A PRODUZIR PROVAS CONTRA SI PRÓPRIO. DECISÃO QUE, AO DESRESPEITAR ESSA PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL, DECRETA A PRISÃO PREVENTIVA DA ACUSADA. INADMISSIBILIDADE. NECESSIDADE DE RESPEITO E OBSERVÂNCIA, POR PARTE DE MAGISTRADOS, TRIBUNAIS E ÓRGÃOS DE PERSECUÇÃO PENAL, DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ASSEGURADOS A QUALQUER INVESTIGADO, INDICIADO OU RÉU. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
- O direito ao julgamento sem dilações indevidas qualifica-se como prerrogativa fundamental que decorre da garantia constitucional do “due process of law”.
- O réu - especialmente aquele que se acha sujeito a medidas cautelares de privação da sua liberdade - tem direito subjetivo de ser julgado, pelo Poder Judiciário, dentro de prazo razoável, sem demora excessiva nem dilações indevidas. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência.
- O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário - não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu - traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas, em tempo razoável e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional. Doutrina. Precedentes.
- A recusa em responder ao interrogatório policial e/ou judicial e a falta de cooperação do indiciado ou do réu com as autoridades que o investigam ou que o processam traduzem comportamentos que são inteiramente legitimados pelo princípio constitucional que protege qualquer pessoa contra a auto-incriminação, especialmente a pessoa exposta a atos de persecução penal.
O Estado - que não tem o direito de tratar suspeitos, indiciados ou réus como se culpados fossem (RTJ 176/805-806) - também não pode constrangê-los a produzir provas contra si próprios (RTJ 141/512).
Aquele que sofre persecução penal instaurada pelo Estado tem, dentre outras prerrogativas básicas, o direito (a) de permanecer em silêncio, (b) de não ser compelido a produzir elementos de incriminação contra si próprio nem constrangido a apresentar provas que lhe comprometam a defesa e (c) de se recusar a participar, ativa ou passivamente, de procedimentos probatórios que lhe possam afetar a esfera jurídica, tais como a reprodução simulada do evento delituoso e o fornecimento de padrões gráficos ou de padrões vocais, para efeito de perícia criminal (HC 96.219-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Precedentes.
- O exercício do direito contra a auto-incriminação, além de inteiramente oponível a qualquer autoridade ou agente do Estado, não legitima, por efeito de sua natureza eminentemente constitucional, a adoção de medidas que afetem ou restrinjam a esfera jurídica daquele contra quem se instaurou a “persecutio criminis”, notadamente a decretação de sua prisão cautelar.
- A prática do direito ao silêncio, que se revela insuscetível de qualquer censura policial e/ou judicial, não pode ser desrespeitada nem desconsiderada pelos órgãos e agentes da persecução penal, porque o exercício concreto dessa prerrogativa constitucional – além de não importar em confissão – jamais poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. Precedentes. Medida cautelar deferida.

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida cautelar, impetrado contra decisão emanada de eminente Ministro de Tribunal Superior da União, que, em sede de outra ação de “habeas corpus” ainda em curso no Superior Tribunal de Justiça (HC 103.446/RS), denegou medida liminar que lhe havia sido requerida em favor da ora paciente.
Presente tal contexto, impende verificar, desde logo, se a situação processual versada nestes autos justifica, ou não, o afastamento, sempre excepcional, da Súmula 691/STF.
Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal, ainda que em caráter extraordinário, tem admitido o afastamento, “hic et nunc”, da Súmula 691/STF, em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante nesta Corte ou, então, veicule situações configuradoras de abuso de poder ou de manifesta ilegalidade (HC 85.185/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 86.634-MC/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 86.864-MC/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – HC  87.468/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 89.025-MC-AgR/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - HC 90.112-MC/PR, Rel. Min. CEZAR PELUSO, v.g.).
Parece-me que a situação exposta nesta impetração ajusta-se às hipóteses que autorizam a superação do obstáculo representado pela Súmula 691/STF. Passo, em conseqüência, a examinar a postulação cautelar ora deduzida nesta sede processual.
Os fundamentos em que se apóia esta impetração revestem-se de inquestionável relevo jurídico, especialmente se se examinar o presente “writ” sob os seguintes aspectos: (a) existência de excesso de prazo (um ano e dois meses) no julgamento da ação de “habeas corpus” pelo Superior Tribunal de Justiça e (b) incompatibilidade das razões subjacentes ao decreto judicial de prisão cautelar da ora paciente com os critérios jurisprudenciais firmados pelo Supremo Tribunal Federal.
Verifica-se, preliminarmente, que o HC 103.446/RS, impetrado em favor da ora paciente, foi distribuído a eminente Ministro do E. Superior Tribunal de Justiça em 02/04/2008 e, passados mais de 01 (um) ano e 02 (dois) meses, ainda não foi julgado por aquela Alta Corte judiciária (fls. 43).
Tenho ressaltado, em diversos julgamentos, que o réu - especialmente aquele que se acha sujeito, como sucede com a ora paciente, a medidas cautelares de privação de sua liberdade - tem o direito público subjetivo de ser julgado, pelo Poder Público, dentro de um prazo razoável, sob pena de caracterizar-se situação de injusto constrangimento ao seu “status libertatis” (HC 84.254/PI, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Como bem acentua JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI (“Tempo e Processo - Uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual - civil e penal”, p. 87/88, item n. 3.5, 1998, RT), “o direito ao processo sem dilações indevidas” - além de qualificar-se como prerrogativa reconhecida por importantes Declarações de Direitos (Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 7º, n. 5 e 6; Convenção Européia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, art. 5, n. 3, v.g.) - representa expressiva conseqüência de ordem jurídica que decorre da cláusula constitucional que a todos assegura a garantia do devido processo legal.
Isso significa, portanto, que o excesso de prazo, analisado na perspectiva dos efeitos lesivos que dele emanam - notadamente daqueles que afetam, de maneira grave, a posição jurídica de quem se acha cautelarmente privado de sua liberdade - traduz, na concreção de seu alcance, situação configuradora de injusta restrição à garantia constitucional do “due process of law”, pois evidencia, de um lado, a incapacidade do Poder Público de cumprir o seu dever de conferir celeridade aos procedimentos judiciais e representa, de outro, ofensa inequívoca ao “status libertatis” de quem sofre a persecução penal movida pelo Estado.
Esse entendimento encontra pleno apoio na jurisprudência constitucional que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em exame:

“O JULGAMENTO SEM DILAÇÕES INDEVIDAS CONSTITUI PROJEÇÃO DO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.
- O direito ao julgamento, sem dilações indevidas, qualifica-se como prerrogativa fundamental que decorre da garantia constitucional do ‘due process of law’.
O réu - especialmente aquele que se acha sujeito a medidas cautelares de privação da sua liberdade - tem o direito público subjetivo de ser julgado, pelo Poder Público, dentro de prazo razoável, sem demora excessiva nem dilações indevidas. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência.
- O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário - não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu - traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional. (...).”
(RTJ 187/933-934, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Cumpre registrar, ainda, por necessário, que o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no sentido de conceder ordem de “habeas corpus”, para determinar, ao órgão apontado como coator, que proceda ao imediato julgamento da causa cuja demora injustificada provoca, por ausência de apreciação em tempo razoável, situação caracterizadora de injusto constrangimento ao “status libertatis” do paciente (HC 91.041/PE, Rel. p/ o acórdão Min. CARLOS BRITTO – HC 91.986/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – HC 95.067/RS, Rel. Min. EROS GRAU):

“‘HABEAS CORPUS’. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. DEMORA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
Em que pese o elevado número de processos nesta Corte e no Superior Tribunal de Justiça, a demora em julgar ‘habeas corpus’ lá impetrado há dois e três anos configura constrangimento ilegal consubstanciado na incerteza de provimento jurisdicional eventualmente ainda útil à pretensão defensiva, especialmente porque se trata de paciente presa.
Ordem concedida.”
(HC 93.424/SP, Rel. Min. EROS GRAU - grifei)

“‘HABEAS CORPUS’. ALEGAÇÃO DE DEMORA DE JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Deferimento do pedido para recomendar ao Relator a adoção de providências necessárias a que o recurso especial seja levado a julgamento, com a máxima urgência.”
(HC 74.138/SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - grifei)

“‘Habeas-corpus’: demora injustificada no julgamento de apelação de réu preso: ordem deferida para determinar a pronta decisão do recurso.”
(HC 71.759/PA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)

Essa circunstância – retardamento excessivo, pelo Superior Tribunal de Justiça, do julgamento da ação de “habeas corpus” – revela-se apta, por si só, para justificar o afastamento, sempre excepcional, da Súmula 691 e possibilitar, conseqüentemente, a imediata apreciação do pedido formulado na presente sede processual.
E, ao proceder a tal exame, verifico que a decretação da prisão preventiva da ora paciente não se ajusta à orientação jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou em tema de prisão cautelar.
Eis, no ponto, o teor da decisão, que, emanada da ilustre Juíza de Direito da 2ª Vara do Júri da comarca de Porto Alegre/RS, motivou as sucessivas impetrações de “habeas corpus” em favor da ora paciente (Apenso, fls. 491/494):

“A seguir, pela Doutora Juíza foi dito que, nesse momento, passava a reapreciar o pedido de prisão preventiva formulado em relação aos acusados já quando do oferecimento da denúncia a folha 07 (...). Em relação à acusada Maria Aparecida Dambrós de Castilhos (...), Optou, em data de hoje, pelo silêncio, desfazendo, então, a fundamentação anterior no sentido de que estaria a colaborar com as investigações naquele passo (...). A Doutora Promotora de Justiça signatária denuncial bem pontuou, em relação à acusada ora em análise, que os elementos indiciários que até então haviam aportado demonstravam a maneira abjeta com que fora o fato planejado, culminando por ceifar a morte de seu esposo, que retornava após longos anos em país diverso, trabalhando exatamente com a finalidade de trazer dinheiro aos seus filhos, ceifando-o de um convívio, ainda que breve, com esses descendentes que se encontravam no litoral deste Estado. Tudo isso, com o objetivo, ao que parece, de apoderar-se do patrimônio da vítima, com quem mantinha relacionamento desde longa data. Os ofícios que aportaram ao processo em momento recente dão conta, efetivamente, da remessa de numerário que era procedida pela vítima Anísio Nunes de Castilhos, o que corrobora o que existe no processo até o momento no sentido de que a intenção era efetivamente a de seguir o relacionamento havido com o também acusado Júnior Cezar, apoderando-se do numerário obtido licitamente por seu marido e pai dos seus filhos no exterior. São esses elementos, então, que fazem com que, neste momento, seja revisto o posicionamento anterior no sentido de se decretar a prisão preventiva, neste feito (...), da acusada Maria Aparecida Dambrós de Castilhos devendo ser expedido, imediatamente, mandado prisional (...).” (grifei)

Tenho para mim que a decisão em referência, ao decretar a prisão cautelar da ora paciente, nos termos em que o fez, transgrediu, de modo frontal, a própria declaração constitucional de direitos, pois teve como razão preponderante o fato de a acusada em questão - invocando uma prerrogativa que a Constituição lhe assegura - haver exercido o direito ao silêncio, recusando-se, em conseqüência, de maneira plenamente legítima, a responder ao interrogatório judicial a que foi submetida.
Não se justificava, presente referido contexto, que a magistrada processante, em inadmissível reação ao exercício dessa prerrogativa constitucional, viesse a decretar a prisão cautelar da ora paciente, desrespeitando-lhe, desse modo, sem causa legítima, o direito ao silêncio que o ordenamento positivo garante a todo e qualquer acusado, independentemente da natureza do delito que lhe haja sido atribuído.
O exame do ato decisório em questão permite assim resumir, em seus aspectos essenciais, os fundamentos em que se sustenta a prisão cautelar ora questionada: (a) gravidade do crime e (b) recusa da paciente em colaborar com o Juízo processante, em razão do exercício, por ela, do seu direito constitucional ao silêncio.
Revela-se inconsistente o primeiro fundamento que dá suporte à prisão cautelar em referência, cuja utilização, na espécie, desviou-se da verdadeira função que condiciona o emprego adequado desse excepcional instrumento de tutela cautelar penal.
A invocação, por juízes ou Tribunais, dos próprios fatos que constituem objeto da acusação penal não pode justificar a adoção, pelo Judiciário, da medida extrema da privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu.
Impõe-se advertir, por isso mesmo, que a prisão cautelar (“carcer ad custodiam”) - que não se confunde com a prisão penal (“carcer ad poenam”) - não pode ser utilizada com o objetivo de infligir punição à pessoa que sofre a sua decretação. Não traduz, a prisão cautelar, em face da estrita finalidade a que se destina, qualquer idéia de sanção. Constitui, ao contrário, instrumento destinado a atuar “em benefício da atividade desenvolvida no processo penal” (BASILEU GARCIA, “Comentários ao Código de Processo Penal”, vol. III/7, item n. 1, 1945, Forense), tal como esta Suprema Corte tem proclamado:

“A PRISÃO PREVENTIVA - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO TEM POR OBJETIVO INFLIGIR PUNIÇÃO ANTECIPADA AO INDICIADO OU AO RÉU.
- A prisão preventiva não pode - e não deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.
A prisão preventiva - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.”
(RTJ 180/262-264, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Daí a clara advertência do Supremo Tribunal Federal, que tem sido reiterada em diversos julgados, no sentido de que se revela absolutamente inconstitucional a utilização, com fins punitivos, da prisão cautelar, pois esta não se destina a punir o indiciado ou o réu, sob pena de manifesta ofensa às garantias constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal, com a conseqüente (e inadmissível) prevalência da idéia – tão cara aos regimes autocráticos – de supressão da liberdade individual, em um contexto de julgamento sem defesa e de condenação sem processo (HC 93.883/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Isso significa, portanto, que o instituto da prisão cautelar - considerada a função exclusivamente processual que lhe é inerente - não pode ser utilizado com o objetivo de promover a antecipação satisfativa da pretensão punitiva do Estado, pois, se assim fosse lícito entender, subverter-se-ia a finalidade da prisão preventiva, daí resultando grave comprometimento ao princípio da liberdade (HC 89.501/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
É por isso que esta Suprema Corte tem censurado decisões que fundamentam a privação cautelar da liberdade na gravidade objetiva do delito ou, então, no reconhecimento de fatos que se subsumem à própria descrição abstrata dos elementos que compõem a estrutura jurídica do tipo penal:

“(...) PRISÃO PREVENTIVA - NÚCLEOS DA TIPOLOGIA - IMPROPRIEDADE. Os elementos próprios à tipologia bem como as circunstâncias da prática delituosa não são suficientes a respaldar a prisão preventiva, sob pena de, em última análise, antecipar-se o cumprimento de pena ainda não imposta (...).”
(HC 83.943/MG, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei)

Essa asserção permite compreender o rigor com que o Supremo Tribunal Federal tem examinado a utilização, por magistrados e Tribunais, do instituto da tutela cautelar penal, em ordem a impedir a subsistência dessa excepcional medida privativa da liberdade, quando inocorrente hipótese que possa justificá-la:

“Não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual (...) ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).
O processo penal, enquanto corre, destina-se a apurar uma responsabilidade penal; jamais a antecipar-lhe as conseqüências.
Por tudo isso, é incontornável a exigência de que a fundamentação da prisão processual seja adequada à demonstração da sua necessidade, enquanto medida cautelar, o que (...) não pode reduzir-se ao mero apelo à gravidade objetiva do fato (...).”
(RTJ 137/287, 295, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)

Entendo, por tal razão, que os fundamentos subjacentes ao ato decisório emanado da ilustre magistrada de primeira instância, que decretou a prisão cautelar da ora paciente, conflitam com os estritos critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consagrou nessa matéria.
Inquestionável, desse modo, que a gravidade do crime não basta, por si só, para justificar a privação cautelar da liberdade individual do paciente.
O Supremo Tribunal Federal tem advertido que a natureza da infração penal não se revela circunstância apta, só por si, para legitimar a prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.
Esse entendimento vem sendo observado em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, ainda que o delito imputado ao réu seja legalmente classificado como crime hediondo (RTJ 172/184, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RTJ 182/601-602, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – HC 89.503/RS, Rel. Min. CEZAR PELUSO - RHC 71.954/PA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):

“A gravidade do crime imputado, um dos malsinados ‘crimes hediondos’ (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).”
(RTJ 137/287, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)

“A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU.
- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.”
(RTJ 187/933-934, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Há, ainda, outro grave equívoco em que incidiu, na espécie, a magistrada local, pois apoiou o decreto de prisão cautelar no fato de a acusada, ora paciente, haver exercido o direito ao silêncio, abstendo-se, legitimamente, desse modo, por efeito do concreto exercício de uma prerrogativa constitucional, de cooperar com o juízo processante.
Com efeito, o decreto de prisão cautelar da ora paciente apoiou-se, extensamente, no fato de essa acusada haver exercido a prerrogativa constitucional de permanecer em silêncio, ainda que perante a própria autoridade judiciária processante (Apenso 03, fls. 492).
Cabe advertir, presentes tais razões, que esses fundamentos – ausência de colaboração da ré com as autoridades públicas e exercício da prerrogativa constitucional contra a auto-incriminação - não podem erigir-se em fator subordinante da decretação ou da preservação da prisão cautelar de qualquer réu, como resulta claro da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

“(...) PRISÃO PREVENTIVA - APLICAÇÃO DA LEI PENAL - POSTURA DO ACUSADO - AUSÊNCIA DE COLABORAÇÃO. O direito natural afasta, por si só, a possibilidade de exigir-se que o acusado colabore nas investigações. A garantia constitucional do silêncio encerra que ninguém está compelido a auto-incriminar-se. Não há como decretar a preventiva com base em postura do acusado reveladora de não estar disposto a colaborar com as investigações e com a instrução processual. (...).”
(HC 83.943/MG, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei)

Ao assim proceder, a ilustre magistrada de primeira instância exigiu, de um réu (a ora paciente), comportamento processual que não lhe podia ser exigido nem imposto, eis que o princípio constitucional contra a auto-incriminação, por revestir-se de conteúdo abrangente, compreende diversas prerrogativas jurídicas, dentre as quais a que protege qualquer pessoa submetida a atos de persecução penal, valendo referir, por expressivo, o direito de não produzir provas contra si mesma (LUIZ FLÁVIO GOMES, “Direito Penal – Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos/Pacto de San José da Costa Rica”, vol. 4/106, em co-autoria com VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI, 2008, RT; SYLVIA HELENA DE FIGUEIREDO STEINER, “A Convenção Americana Sobre Direitos Humanos e Sua Integração ao Processo Penal Brasileiro”, p. 125, item n. 4.4.7, 2000, RT, v.g.).
É importante assinalar, neste ponto, que, em virtude do princípio constitucional que protege qualquer pessoa contra a auto-incriminação, ninguém pode ser constrangido a produzir provas contra si próprio (RTJ 141/512, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 180/1125, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – HC 68.742/DF, Rel. p/ o acórdão Min. ILMAR GALVÃO, v.g.), tanto quanto o Estado, em decorrência desse mesmo postulado, não tem o direito de tratar suspeitos, indiciados ou réus como se culpados (já) fossem (RTJ 176/805-806, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Tais conseqüências – direito individual de não produzir provas contra si mesmo, de um lado, e obrigação estatal de não tratar qualquer pessoa como culpada antes do trânsito em julgado da condenação penal, de outro – qualificam-se como direta emanação da presunção de inocência, hoje expressamente contemplada no texto da vigente Constituição da República (CF, art. 5º, inciso LVII).
Não se pode desconhecer, por relevante, que a presunção de inocência, além de representar importante garantia constitucional estabelecida em favor de qualquer pessoa, não obstante a gravidade do delito por ela supostamente cometido, também impõe significativa limitação ao poder do Estado, pois impede-o de formular, de modo abstrato, e por antecipação, juízo de culpabilidade contra aquele que ainda não sofreu condenação criminal transitada em julgado.
Na realidade, ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu - que nunca se presume culpado, até que sobrevenha irrecorrível sentença condenatória -, o processo penal revela-se instrumento que inibe a opressão estatal e que, condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe, ao órgão acusador, o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta, ao acusado, que jamais necessita demonstrar a sua inocência, o direito de defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos probatórios produzidos pelo Ministério Público.
É sempre necessário registrar que a pessoa sob investigação penal do Estado não está obrigada a responder ao interrogatório das autoridades policiais ou judiciárias, podendo exercer, sempre, de modo inteiramente legítimo, em face dos órgãos estatais, o direito ao silêncio (HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), além de não precisar demonstrar a sua inocência, eis que, como se sabe, incumbe, ao Ministério Público, a comprovação plena da culpabilidade dos que sofrem a “persecutio criminis”:

“(...) AS ACUSAÇÕES PENAIS NÃO SE PRESUMEM PROVADAS: O ÔNUS DA PROVA INCUMBE, EXCLUSIVAMENTE, A QUEM ACUSA.
- Os princípios constitucionais que regem o processo penal põem em evidência o nexo de indiscutível vinculação que existe entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta, de um lado, e o direito individual à ampla defesa, de que dispõe o acusado, de outro. É que, para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos estruturais (‘essentialia delicti’) que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar que é inocente.
É sempre importante reiterar – na linha do magistério jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal consagrou na matéria – que nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento  histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). Precedentes.”
(HC 83.947/AM, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Não custa rememorar que aquele contra quem foi instaurada persecução penal tem, dentre outras prerrogativas básicas, o direito de permanecer em silêncio (HC 75.257/RJ, Rel. Min. MOREIRA ALVES – HC 75.616/SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – HC 78.708/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – HC 79.244/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - HC 79.812-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RE 199.570/MS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO), o direito de não produzir elementos de incriminação contra si próprio, o direito de não ser compelido a apresentar provas que lhe comprometam a defesa nem constrangido a participar, ativa ou passivamente, de procedimentos probatórios que lhe possam afetar a esfera jurídica, tais como a reprodução simulada do evento delituoso (HC 69.026/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RHC 64.354/SP, Rel. Min. SYDNEY SANCHES) e o fornecimento de padrões gráficos (HC 77.135/SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO) ou de padrões vocais (HC 83.096/RJ, Rel. Min. ELLEN GRACIE), para efeito de perícia criminal, consoante adverte a jurisprudência desta Suprema Corte:

“1. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Réu que não compareceu à delegacia de polícia para depoimento. Fato que lhe não autoriza a custódia cautelar decretada. Ofensa à garantia constitucional de não auto-incriminação. Exercício do direito ao silêncio. Constrangimento ilegal caracterizado. HC concedido. Precedentes. Inteligência do art. 5º, LXIII, da CF, e art. 312 do CPP. O só fato de o réu, quando indiciado ou investigado, não ter comparecido à delegacia de polícia para prestar depoimento, não lhe autoriza decreto da prisão preventiva. (...).”
(HC 89.503/RS, Rel. Min. CEZAR PELUSO - grifei)

“PENAL. PROCESSO PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - CPI. DIREITO AO SILÊNCIO. TESTEMUNHA. AUTO-ACUSAÇÃO. LIMINAR DEFERIDA PARA DESOBRIGAR A PACIENTE DA ASSINATURA DE TERMO DE COMPROMISSO. PREJUDICIALIDADE SUPERVENIENTE.
I - É jurisprudência pacífica no Supremo Tribunal Federal a possibilidade do investigado ou acusado permanecer em silêncio, evitando-se a auto-incriminação.
II - Liminar deferida para desobrigar a paciente da assinatura de Termo de Compromisso. (...).”
(HC 89.269/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI - grifei)

Essa orientação, por sua vez, reflete-se no magistério jurisprudencial de outros Tribunais (HC 57.420/BA, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO – HC 82.009/BA, Rel. Min. DENISE ARRUDA, v.g.):

“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DETERMINAÇÃO DO JUÍZO ‘A QUO’ DOS PACIENTES PRODUZIREM PROVA CONTRA SI MESMOS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO – ‘NEMO TENETUR SE DETEGERE’.
1. A auto-incriminação não encontra guarida na norma penal brasileira, nem na doutrina, muito menos na jurisprudência, o que legitima a insurgência dos Pacientes contra a determinação da prática de exercício probatório que possa reverter em eventual condenação penal. 2. Através do princípio ‘nemo tenetur se detegere’, visa-se proteger qualquer pessoa indiciada ou acusada da prática de delito penal, dos excessos e abusos na persecução penal por parte do Estado, preservando-se, na seara dos direitos fundamentais, especialmente neste caso, a liberdade do indivíduo, evitando que o mesmo seja obrigado à compilação de prova contra si mesmo, sob pena de constrangimento ilegal, sanável por ‘habeas corpus’. Cuida-se de prerrogativa inserida constitucionalmente nos princípios da ampla defesa (art. 5º, inciso LV), da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII) e do direito ao silêncio (art. 5º, inciso LXIII).”
(HC 2005.04.01.023325-6/PR, Rel. Des. Federal TADAAQUI HIROSE - TRF/4ª Região - grifei)

Mostra-se extremamente precisa, neste ponto a respeito da inadmissibilidade de o Poder Público constranger o indiciado ou acusado a cooperar na investigação penal dos fatos e a produzir provas contra si próprio, a lição ministrada pelo eminente Professor ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO (“O Princípio da Presunção de Inocência na Constituição de 1988 e na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica”, “in” Revista do Advogado/AASP nº 42, p. 30/34, 31/32, 1994):

“Outra decorrência do preceito constitucional, ainda no terreno da prova, diz respeito à impossibilidade de se obrigar o acusado a colaborar na apuração dos fatos. O direito ao silêncio, também erigido à categoria de dogma constitucional pela Constituição de 1988 (artigo 5º, LXIII), representa exigência inafastável do processo penal informado pela presunção de inocência, pois admitir-se o contrário equivaleria a transformar o acusado em objeto da investigação, quando sua participação só pode ser entendida na perspectiva da defesa, como sujeito processual. Diante disso, evidente que o seu silêncio jamais pode ser interpretado desfavoravelmente (...).” (grifei)

Não constitui demasia assinalar, por necessário, analisada a função defensiva sob uma perspectiva global, que o direito do réu à não auto-incriminação e à presunção de inocência, especialmente quando preso, além de traduzir expressão concreta do direito de defesa (mais especificamente da prerrogativa de autodefesa), também encontra suporte legitimador em convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual, que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal, mesmo que se trate de réu processado por suposta prática de crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados.
A justa preocupação da comunidade internacional com a preservação da integridade das garantias processuais básicas reconhecidas às pessoas meramente acusadas de práticas delituosas tem representado, em tema de proteção aos direitos humanos, um dos tópicos mais sensíveis e delicados da agenda dos organismos internacionais, seja em âmbito regional, como o Pacto de São José da Costa Rica (Artigo 8º, § 2º, “g”), aplicável ao sistema interamericano, seja em âmbito universal, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Artigo 14, n. 2), celebrado sob a égide da Organização das Nações Unidas, instrumentos que reconhecem, a qualquer réu, dentre outras prerrogativas eminentes, o direito de não produzir provas contra si próprio e o de não ser considerado culpado pelo Estado antes do trânsito em julgado da condenação penal, cabendo referir, por relevante, nesse sentido, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia (Artigo 48, n. 1) e a Convenção Européia dos Direitos Humanos (Artigo 6º, n. 2).
Vale registrar, ainda, expressivo fragmento extraído do “Livro Verde” apresentado pela Comissão das Comunidades Européias (Bruxelas, 26.4.2006, p. 5 e 6), que analisa, precisamente, o tema concernente ao princípio da presunção de inocência no âmbito da União Européia:

“A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (‘TEDH’) compreende orientações respeitantes aos elementos constitutivos da presunção de inocência. Apenas a pessoa ‘objecto de uma acusação penal’ dela pode beneficiar. Os arguidos devem ser tratados como inocentes até que o Estado, através das autoridades responsáveis pela acção penal, reúna elementos de prova suficientes para convencer um tribunal independente e imparcial da sua culpabilidade. A presunção de inocência ‘exige [...] que os membros de um tribunal não partam da idéia pré-concebida de que o arguido cometeu a infracção que lhe é imputada’. O órgão jurisdicional não pode declarar um arguido culpado antes de estar efectivamente provada a sua culpabilidade. Um arguido não deve ser detido preventivamente excepto por razões imperiosas. Se uma pessoa for sujeita a prisão preventiva, deve beneficiar de condições de detenção compatíveis com a sua inocência presumida. O ónus da prova da sua culpabilidade incumbe ao Estado e todas as dúvidas devem ser interpretadas a favor do arguido. Este deve ter a possibilidade de se recusar a responder a quaisquer perguntas. Normalmente o arguido não deve contribuir para a sua própria incriminação. Os seus bens não devem ser confiscados sem um processo equitativo.” (grifei)

Em suma: a invocação do direito ao silêncio é inteiramente oponível a qualquer autoridade ou agente do Estado, e o exercício dessa prerrogativa constitucional não legitima a adoção de medidas que afetem ou restrinjam a esfera jurídica daquele contra quem se instaurou a “persecutio criminis”, notadamente a decretação de sua prisão cautelar.
Essa é a razão pela qual não tem sentido decretar-se a prisão cautelar de alguém, como sucedeu na espécie em exame, sob o fundamento (absolutamente equivocado) de que o réu não se mostrou disposto a colaborar com o Estado, recusando-se, até mesmo, a expor a sua versão para os fatos que lhe foram imputados.
Em caso virtualmente idêntico ao que se examina na presente impetração, tive o ensejo de proferir decisão que restou assim ementada:

“PRISÃO CAUTELAR. INCONSISTÊNCIA DOS FUNDAMENTOS EM QUE SE APÓIA A DECISÃO QUE A DECRETOU: GRAVIDADE OBJETIVA DO CRIME, NÃO-VINCULAÇÃO DO RÉU AO DISTRITO DA CULPA E RECUSA DO ACUSADO EM APRESENTAR A SUA VERSÃO PARA OS FATOS DELITUOSOS. INCOMPATIBILIDADE DESSES FUNDAMENTOS COM OS CRITÉRIOS FIRMADOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL. DIREITO DO INDICIADO/RÉU DE NÃO SER CONSTRANGIDO A PRODUZIR PROVAS CONTRA SI PRÓPRIO. DECISÃO QUE, AO DESRESPEITAR ESSA PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL, DECRETA A PRISÃO PREVENTIVA DO ACUSADO. INADMISSIBILIDADE. NATUREZA JURÍDICA E FUNÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR. DOUTRINA. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
- A privação cautelar da liberdade individual – qualquer que seja a modalidade autorizada pelo ordenamento positivo (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de decisão de pronúncia e prisão resultante de condenação penal recorrível) – não se destina a infligir punição antecipada à pessoa contra quem essa medida excepcional é decretada ou efetivada. É que a idéia de sanção é absolutamente estranha à prisão cautelar (‘carcer ad custodiam’), que não se confunde com a prisão penal (‘carcer ad poenam’). Doutrina. Precedentes.
- A utilização da prisão cautelar com fins punitivos traduz deformação desse instituto de direito processual, eis que o desvio arbitrário de sua finalidade importa em manifesta ofensa às garantias constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal. Precedentes.
- A gravidade em abstrato do crime não basta, por si só, para justificar a privação cautelar da liberdade individual do suposto autor do fato delituoso.
O Supremo Tribunal Federal tem advertido que a natureza da infração penal não se revela circunstância apta a legitimar a prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Precedentes.
- A ausência de vinculação do indiciado ou do réu ao distrito da culpa não constitui, só por si, motivo autorizador da decretação da sua prisão cautelar. Precedentes.
- A recusa em responder ao interrogatório policial e/ou judicial e a falta de cooperação do indiciado ou do réu com as autoridades que o investigam ou que o processam traduzem comportamentos que são inteiramente legitimados pelo princípio constitucional que protege qualquer pessoa contra a auto-incriminação, especialmente aquela exposta a atos de persecução penal.
O Estado - que não tem o direito de tratar suspeitos, indiciados ou réus como se culpados fossem (RTJ 176/805-806) - também não pode constrangê-los a produzir provas contra si próprios (RTJ 141/512).
Aquele que sofre persecução penal instaurada pelo Estado tem, dentre outras prerrogativas básicas, o direito (a) de permanecer em silêncio, (b) de não ser compelido a produzir elementos de incriminação contra si próprio nem constrangido a apresentar provas que lhe comprometam a defesa e (c) de se recusar a participar, ativa ou passivamente, de procedimentos probatórios que lhe possam afetar a esfera jurídica, tais como a reprodução simulada do evento delituoso e o fornecimento de padrões gráficos ou de padrões vocais, para efeito de perícia criminal. Precedentes.
- O exercício do direito contra a auto-incriminação, além de inteiramente oponível a qualquer autoridade ou agente do Estado, não legitima, por efeito de sua natureza constitucional, a adoção de medidas que afetem ou restrinjam a esfera jurídica daquele contra quem se instaurou a ‘persecutio criminis’. Medida cautelar deferida.”
(HC 96.219-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “in” Informativo/STF nº 523/2008)

Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, para, até final julgamento desta ação  de “habeas corpus”, suspender, cautelarmente, a eficácia da  decisão que decretou a prisão preventiva da ora paciente (Processo nº 001/2.07.0045908-2, 2ª Vara do Júri – 2º Juizado da comarca de Porto Alegre/RS, Apenso 03, fls. 487), não obstante mantida pela decisão de pronúncia, que se limitou a reiterar os mesmos (e equivocados) fundamentos (fls. 47/48), expedindo-se, imediatamente, em favor dessa mesma paciente, se por al não estiver presa, o pertinente alvará de soltura.
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 103.446/RS), ao E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (HC 70023011448 – fls. 37) e à MM. Juíza de Direito da 2ª Vara do Júri – 2º Juizado da comarca de Porto Alegre/RS (Processo nº 001/2.07.0045908-2).

Publique-se.

Brasília, 02 de junho de 2009.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão publicada no DJE de 5.6.2009


INOVAÇÕES LEGISLATIVAS

1º a 5 de junho de 2009

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ)
Processo Eletrônico - Execução Fiscal
Portaria nº 494/CNJ, de 18 de março de 2009 - Institui Grupo de Trabalho para o desenvolvimento e implantação do Sistema e-Fiscal. Publicada no DJE/CNJ de 1/6/2009, n. 87, p. 2 e no DOU de 1/6/2009, Seção 1, p. 102.

Poder Judiciário - Obra Civil
Portaria nº 524/CNJ, de 28 de abril de 2009 - Institui Grupo de Trabalho para monitoramento de obras e padronização de critérios e layout para construção de imóveis no Poder Judiciário. Publicada no DJE/CNJ de 1/6/2009, n. 87, p. 3 e no DOU de 1/6/2009, Seção 1, p. 102.

LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA - Alteração
Lei nº 11.945, de 4 de junho de 2009 - Altera a legislação tributária federal e dá outras providências. Publicada no DOU de 5/6/2009, Seção 1, p. 1.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) - Brasil - Cooperação
Decreto de 4 de junho de 2009 - Institui Comitê Executivo para estabelecer programa de cooperação técnica objetivando a construção de agenda de promoção do trabalho decente, de acordo com o Memorando de Entendimento firmado entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Organização Internacional do Trabalho - OIT, datado de 2 de junho de 2003. Publicado no DOU de 5/6/2009, Seção 1, p. 84.

PLANO NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL (PLANAPIR) - Aprovação
Decreto nº 6.872, de 4 de junho de 2009 - Aprova o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial - PLANAPIR, e institui o seu Comitê de Articulação e Monitoramento. Publicado no DOU de 5/6/2009, Seção 1, p. 29.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)
Estágio - Estudante - Estrangeiro
Resolução nº 400/STF, de 29 de maio de 2009 - Institui o Programa de Estágio não remunerado realizado por estudantes estrangeiros no Supremo Tribunal Federal e dá outras providências. Publicada no DJE/STF de 2/6/2009, n. 101, p. 1.

Prazo Processual - Feriado Forense
Portaria nº 152/STF, de 29 de maio de 2009 - Comunica que não haverá expediente na Secretaria do Tribunal no dia 11 de junho de 2009, ponto facultativo, consoante o disposto no artigo 1º, inciso VIII, da Portaria nº 525, de 6 de novembro de 2008, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, publicada no Diário Oficial da União, Seção 1, em 7 de novembro de 2008 e que os prazos que porventura devam iniciar-se ou completar-se nesse dia ficam automaticamente prorrogados para o dia 12 subsequente. Publicada no DJE/STF de 4/6/2009, n. 103, p. 144.

Regimento Interno (RI) - Alteração - Matéria Infraconstitucional - Repercussão Geral
Emenda Regimental nº 31/STF, de 29 de maio de 2009 - Altera a redação do artigo 324 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Publicada no DJE/STF de 4/6/2009, n. 103, p. 1.

EMENDA REGIMENTAL Nº 31, DE 29 DE MAIO DE 2009

Altera a redação do artigo 324 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

O PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL faz editar a Emenda Regimental, aprovada pelos Senhores Membros da Corte em Sessão Administrativa realizada em 28 de maio de 2009, nos termos do art. 361, inciso I, alínea a, do Regimento Interno.

Art. 1º O artigo 324 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 324. Recebida a manifestação do(a) Relator(a), os demais ministros encaminhar-lhe-ão, também por meio eletrônico, no prazo comum de 20 (vinte) dias, manifestação sobre a questão da repercussão geral.
§1º Decorrido o prazo sem manifestações suficientes para recusa do recurso, reputar-se-á existente a repercussão geral.
§2º Não incide o disposto no parágrafo anterior quando o Relator declare que a matéria é infraconstitucional, caso em que a ausência de pronunciamento no prazo será considerada como manifestação de inexistência de repercussão geral, autorizando a aplicação do art. 543-A, § 5°, do Código de Processo Civil.”

Art. 2º Esta Emenda Regimental entra em vigor na data de sua publicação.

Ministro GILMAR MENDES

Regimento Interno (RI) - Alteração -Relator - Competência
Emenda Regimental nº 30/STF, de 29 de maio de 2009 - Dá nova redação ao art. 192 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Publicada no DJE/STF de 4/6/2009, n. 103, p. 1.

EMENDA REGIMENTAL Nº 30, DE 29 DE MAIO DE 2009

Dá nova redação ao art. 192 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

O PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL faz editar a Emenda Regimental, aprovada pelos Senhores Membros da Corte em Sessão Administrativa realizada em 28 de maio de 2009, nos termos do art. 361, inciso I, alínea a, do Regimento Interno.

Art. 1º O artigo 192 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 192. Quando a matéria for objeto de jurisprudência consolidada do Tribunal, o Relator poderá desde logo denegar ou conceder a ordem, ainda que de ofício, à vista da documentação da petição inicial ou do teor das informações.
§ 1º Não se verificando a hipótese do caput, instruído o processo e ouvido o Procurador-Geral em dois (2) dias, o Relator apresentará o feito em mesa para julgamento na primeira sessão da Turma ou do Plenário, observando-se, quanto à votação, o disposto nos arts. 146. § único, e 150, § 3º.
§ 2º Não apresentado o processo na primeira sessão, o impetrante poderá requerer seja cientificado pelo Gabinete, por qualquer via, da data do julgamento.
§ 3º Não se conhecerá de pedido desautorizado pelo paciente.”

Art. 2º Esta Emenda Regimental entra em vigor na data de sua publicação.

Ministro GILMAR MENDES


Assessora responsável pelo Informativo

Anna Daniela de A. M. dos Santos
informativo@stf.jus.br

 
Praça dos Três Poderes - Brasília - DF - CEP 70175-900 Telefone: 61.3217.3000

Informativo STF - 549 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

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