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sexta-feira, 12 de junho de 2009

JURID - Reserva de vagas. Sistema de cotas para negros e índios. [12/06/09] - Jurisprudência


Aprovação em exame vestibular. Não convocação para matrícula. Reserva de vagas. Sistema de cotas para negros e índios. Princípio da isonomia.
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Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul - TJMS.

19.5.2009

Quarta Turma Cível

Apelação Cível - Lei Especial - N. 2009.003055-0/0000-00 - Paranaíba.

Relator - Exmo. Sr. Des. Paschoal Carmello Leandro.

Apelante - Fernanda Ribeiro Faquineti.

Advogados - Fredson Freitas da Costa e outro.

Apelado - Pró - Reitor de Ensino da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

Procurador - Alender Max de Souza Moraes .

E M E N T A - APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA - DECADÊNCIA - ATO COMPLEXO - AFASTADA - MÉRITO - APROVAÇÃO EM EXAME VESTIBULAR - NÃO CONVOCAÇÃO PARA MATRÍCULA - RESERVA DE VAGAS - SISTEMA DE COTAS PARA NEGROS E ÍNDIOS - PRINCÍPIO DA ISONOMIA - AUSÊNCIA DE AFRONTA - CONSTITUCIONALIDADE - AÇÕES AFIRMATIVAS - IGUALDADE MATERIAL - SEGURANÇA DENEGADA.

Tratando-se de ato complexo, o termo inicial para configuração da decadência conta-se da ciência inequívoca do titular do direito substancial em jogo, quanto à glosa verificada.

Não há inconstitucionalidade nas normas legais que preveem o sistema de cotas raciais, porque a reserva de vagas para negros e índios em universidades públicas se constitui em uma ação afirmativa que tem por escopo a concretização do princípio da isonomia em seu aspecto material, tendo em vista o real conteúdo e profundidade do postulado constitucional.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Quarta Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, afastar a preliminar de decadência e no mérito, contra o parecer, denegar a segurança, nos termos do voto do relator.

Campo Grande, 19 de maio de 2009.

Des. Paschoal Carmello Leandro - Relator

RELATÓRIO

O Sr. Des. Paschoal Carmello Leandro

Fernanda Ribeiro Faquineti, inconformada com a sentença que reconheceu a decadência e extinguiu com resolução do mérito o mandado de segurança que impetrou contra ato praticado pelo Pró-Reitor de Ensino da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, interpõe apelação. Aduz, em síntese, que: o prazo decadencial tem início a partir do momento em que a impetrante tiver ciência do ato a ser impugnado; a impetrante tomou conhecimento que fora prejudicada no dia 8.1.2008, data em que foi publicado o resultado do vestibular; na data da publicação do Edital era impossível para a impetrante vislumbrar que seria prejudicada pelas normas atacadas, já que não havia maneira de saber se a sua pontuação atingiria a nota mínima.

Ao final, requer provimento ao recurso para, reformando a sentença, conceder a segurança pleiteada, a fim de determinar à autoridade coatora que efetue sua matrícula no primeiro ano do Curso de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS, unidade de Paranaíba.

Em contrarrazões, o recorrido pugna o improvimento do recurso.

A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer, opina pelo provimento do recurso, a fim de que seja afastada a prejudicial de decadência e concedida a segurança, determinando-se a realização da matrícula da impetrante, por ter sido aprovada no certame vestibular dentre as 40 vagas previstas para o Curso de Direito, reconhecendo-se a inconstitucionalidade incidenter tantum das Leis Estaduais n. 2.589/2002 e n. 2.605/2003.

VOTO

O Sr. Des. Paschoal Carmello Leandro (Relator)

Trata-se de apelação cível contra a sentença que acolheu a prejudicial de decadência e extinguiu com resolução do mérito o mandado de segurança que Fernanda Ribeiro Faquineti impetrou contra ato praticado pelo Pró-Reitor de Ensino da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

Inicialmente, no que se refere à prejudicial de decadência, entendo que não agiu com o costumeiro acerto a magistrada a quo.

Ao que se extrai dos autos, a impetrante ingressou em juízo com o presente mandamus visando ver assegurada sua matrícula no curso de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS, unidade de Paranaíba, por ter alcançado aprovação dentro do número de vagas disponibilizadas, entretanto o sistema de cotas raciais lhe vedou o direito conquistado no certame de vestibular.

O entendimento esposado pela julgadora singular, data vênia, não levou em consideração as peculiaridades inerentes ao processo vestibular, ato indiscutivelmente complexo.

No caso dos autos, a data de publicação do edital de abertura do vestibular não deve ser entendida como o termo inicial para a contagem do prazo decadencial, uma vez que de nada adiantaria a impetrante impugnar a lei do certame neste momento, consubstanciada na incerteza de que seu nome figuraria entre os aprovados dentro do número de vagas oferecidas.

A toda evidência, o ato tido por coator se deu em 8.1.2008, com a publicação do resultado do vestibular (f. 75), o qual deixou de convocar a impetrante para a realização da matrícula, apesar de ela ter alcançado aprovação dentro do número de 40 vagas inicialmente disponibilizadas, em razão da aplicação do impugnado sistema de cotas raciais.

Assim, considerando que a impetração data de 22.1.2008 (f. 2), evidentemente que não se consumou o prazo decadencial de 120 dias previsto no art. 18 da Lei n.1.533/51, deve, portanto, ser afastada a prejudicial de decadência.

A respeito, colha-se o seguinte aresto emanado do Colendo STJ:

"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AVISO DE INSCRIÇÃO REALIZADO COM OBJETIVO DE FORMALIZAR PERMISSÃO. EXAME DE SANIDADE FÍSICA E MENTAL. HABILITAÇÃO DE MOTORISTAS. PROCEDIMENTO COMPLEXO. PRAZO DECADENCIAL. TERMO A QUO. CONCLUSÃO DO CERTAME. FUNGIBILIDADE DO MANDADO DE SEGURANÇA. FINALIDADE. SÚMULA Nº 7 DO STJ. 1. Mandado de segurança objetivando a declaração de nulidade de procedimento administrativo licitatório, para escolha de clínica de exame médico e psicotécnico, em razão da inobservância das Leis 8.666/93 e 8.987/95, porquanto inexistiu o Aviso de Inscrição e não se observou as fases de habilitação e classificação de propostas. 2. In casu, o pedido do mandado de segurança é amplo, qual seja, a nulificação do procedimento licitatório, procedimento complexo, que inicia sua fase externa pela publicação de edital, com a decorrente habilitação e classificação dos licitantes, culminando com a homologação e adjudicação do serviço da obra. 3. Deveras, não tendo transcorrido mais de 120 dias entre a data da realização da adjudicação da obra e a propositura do mandamus, não há que se reconhecer a decadência do direito violado. 4. O pedido formulado em sede de mandado de segurança não pode ser analisado com rigidez formal, por se valer de certa fungibilidade no sentido de alcançar o ato abusivo da autoridade, sua maior finalidade, porquanto remédio constitucional. 5. A adjudicação e a homologação são atos terminais do procedimento licitatório, através dos quais é verificado o cumprimento das regras devidas e confirmada a conveniência da contratação (Marçal Justen Filho, Comentários à Lei de Licitações e Contratos, 11ª edição, Editora Dialética, fls. 377). 6. A análise acerca da ausência do aviso de inscrição nos autos, da existência de prova hábil a caracterizar a apontada ilegalidade, e ainda da impugnação ou não do edital pelos impetrantes, restam obstadas pelo teor da Súmula nº 7 desta Corte, conquanto se trate de mandado de segurança, cuja dilação probatória já resta vedada por sua Lei de Regência. 7. Recursos Especiais desprovidos." (STJ; REsp 279.325; Proc. 2000/0097346-7; MG; Primeira Turma; Rel. Min. Francisco Cândido de Melo Falcão Neto; Julg. 15/8/2006; DJU 16/10/2006; Pág. 293).

Ao analisar situação análoga, esta 4ª Turma Cível já teve oportunidade de se manifestar, em julgado de minha relatoria:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA - DEFERIMENTO DE LIMINAR - DECADÊNCIA - ATO COMPLEXO - AFASTADA - PODER GERAL DE CAUTELA E LIVRE CONVENCIMENTO DO JULGADOR - MEDIDA DE CARÁTER PROVISÓRIO - NÃO PROVIDO.

Tratando-se de ato complexo o termo inicial para configuração da decadência conta-se da ciência inequívoca do titular do direito substancial em jogo quanto à glosa verificada.

O deferimento ou o indeferimento da liminar na ação mandamental decorre do poder de cautela e do livre convencimento do julgador, e deve ser modificada somente mediante a demonstração inequívoca do desacerto em face de seu caráter provisório". (Agravo de Instrumento n. 2008.004748-0, j. 22.4.2008).

Desse modo, merece o recurso ser provido para, reformando a sentença, afastar a prejudicial de decadência.

Passo à análise do mérito, o que faço com fulcro no art. 515, § 3°, do CPC, que prevê a teoria da causa madura.

Neste particular, vale ressaltar a lição do mestre Nelson Nery Junior, segundo a qual "Caso na sentença tenha o juiz pronunciado a prescrição ou decadência, houve julgamento do mérito, por força de disposição expressa do CPC 269 IV. Evidentemente, com o decreto da prescrição ou decadência, as demais partes do mérito restaram prejudicadas, sem o exame explícito do juiz. Como o efeito devolutivo da apelação faz com que todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que o juiz não as tenha julgado por inteiro, como no caso do julgamento parcial do mérito com a pronúncia da decadência ou prescrição, sejam devolvidas ao conhecimento do tribunal, é imperioso concluir que o mérito como um todo pode ser decidido pelo tribunal quando do julgamento da apelação, caso dê provimento ao recurso para afastar a prescrição ou decadência. (...) O importante é salientar que ao tribunal é lícito julgar todo o mérito, não estando impedido de fazê-lo". ("Código de Processo Civil Comentado", 9ª ed., ed. RT, p. 742).

Como visto, a impetrante, ora apelante, veio a juízo pleiteando ver assegurada judicialmente sua matrícula no curso de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS, unidade de Paranaíba, aduziu, para tanto, ter alcançado aprovação dentro do número de 40 vagas inicialmente disponibilizadas, entretanto o sistema de cotas raciais lhe vedou o direito conquistado no certame de vestibular.

Com efeito, o sistema de cotas étnicas para concursos vestibulares foi implementado no âmbito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS mediante a edição das Leis Estaduais n. 2.589/2002 e 2.605/2003, que preveem reserva de vagas para índios e negros respectivamente, as quais têm por finalidade, de acordo com a exposição de motivos, facilitar o acesso dos menos favorecidos ao ensino superior.

Segundo a impetrante, referido sistema de cotas afigura-se inconstitucional na medida em que desrespeita o princípio da isonomia, consagrado no caput do art. 5° da Carta Magna, ferindo, consequentemente, seu direito líquido e certo ao ingresso no curso superior para o qual foi aprovada.

Como é cediço, a igualdade prescrita no aludido artigo 5º, caput, da Constituição Federal, por diversas vezes, exige o tratamento formal diferenciado entre os indivíduos para se alcançar a igualdade real, e, por consequência, a efetividade da norma constitucional.

Desta feita, o que se veda são normas que criem diferenciações despropositadas, mostrando-se incompatíveis com o postulado na Carta da República.

Nesse sentido, convém trazer à colação a doutrina do eminente constitucionalista Alexandre de Moraes:

"A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém, como ressalvado por Fábio Konder Comparato, que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal. A igualdade se configura como uma eficácia transcendente de modo que toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não recepcionada, se não demonstrar compatibilidade com os valores que a constituição, como norma suprema, proclama. O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social. A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Assim, os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado. Importante, igualmente, apontar a tríplice finalidade limitadora do princípio da igualdade - limitação ao legislador, ao intérprete/autoridade pública e ao particular. O legislador, no exercício de sua função constitucional de edição normativa, não poderá afastar-se do princípio da igualdade, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. Assim, normas que criem diferenciações abusivas, arbitrárias, sem qualquer finalidade lícita, serão incompatíveis com a Constituição Federal". (in "Direito Constitucional", ed. Atlas, 11ª ed., p. 64-65. Destaquei).

Insta salientar, ainda, que entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil encontra-se o de "reduzir as desigualdades sociais e regionais" (art. 3º).

Assim, não se vislumbra a alegada inconstitucionalidade das normas legais atacadas pela impetrante, justamente porque a reserva de vagas para negros e índios em universidades públicas se constitui em uma ação afirmativa, que tem por escopo a concretização do princípio da isonomia em seu aspecto material, tendo em vista o real conteúdo e profundidade do postulado constitucional.

Nesta esteira, veja-se que recentemente esta Corte de Justiça já decidiu:

"APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA - APROVAÇÃO EM VESTIBULAR - VAGAS PREENCHIDAS - COTAS PARA NEGROS E INDÍGENAS - PRINCÍPIO DA IGUALDADE - NÃO AFRONTA - RECURSO NÃO PROVIDO.

O tratamento igual dos iguais e desigual dos desiguais garante a constitucional igualdade real.

Não há obrigatoriedade da convocação de candidato que não obteve classificação dentro do número de vagas ofertada". (Apelação Cível n. 2005.010356-9, rel. Des. Vladimir Abreu da Silva, 5ª Turma Cível, j. 30.4.2009).

Outrossim, conforme bem anotado pelo Des. Elpídio Helvécio Chaves Martins, no julgamento da Apelação Cível n. 2008.035414-1, "A Lei que fundamenta o sistema de cotas para negros e índios é atualmente reputada constitucional na Corte Máxima do País, devendo tal posicionamento ser respeitado até a definição final da questão, evitando decisões conflitantes e os nocivos efeitos multiplicadores de liminares inócuas, porquanto agressoras do posicionamento emanado de Órgão Superior, responsável pelo controle concentrado do debate envolvendo a lide individual".

Destarte, não demonstrada a ocorrência de lesão a direito líquido e certo da impetrante, a denegação da segurança é medida que se impõe.

Ante o exposto, com o parecer, afasto a prejudicial de decadência e, quanto ao mérito, apreciado com fundamento no art. 515, § 3°, do CPC, denego a segurança, contra o parecer. Custas processuais pela impetrante, diferidas na forma do art. 12 da Lei n. 1.060/50. Sem honorários advocatícios, porque incabíveis à espécie (Súmulas n. 105/STJ e n. 512/STF).

DECISÃO

Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:

POR UNANIMIDADE, AFASTARAM A PRELIMINAR DE DECADÊNCIA E NO MÉRITO, CONTRA O PARECER, DENEGARAM A SEGURANÇA, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

Presidência do Exmo. Sr. Des. Dorival Renato Pavan.

Relator, o Exmo. Sr. Des. Paschoal Carmello Leandro.

Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Paschoal Carmello Leandro, Dorival Renato Pavan e Rêmolo Letteriello.

Campo Grande, 19 de maio de 2009.

Publicado em 08/06/2009




JURID - Reserva de vagas. Sistema de cotas para negros e índios. [12/06/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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