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terça-feira, 9 de junho de 2009

JURID - Obrigações. Responsabilidade civil. Urna funerária vendida. [09/06/09] - Jurisprudência


Obrigações. Responsabilidade civil. Urna funerária vendida. Retomada da coisa a manu militari durante o velório.

Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Apelação Cível n. 2007.020929-0, de Lages

Relator: Des. Monteiro Rocha

DIREITO CIVIL - OBRIGAÇÕES - RESPONSABILIDADE CIVIL - URNA FUNERÁRIA VENDIDA - RETOMADA DA COISA A MANU MILITARI DURANTE O VELÓRIO - INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS - PROCEDÊNCIA EM 1º GRAU - RECURSO DA RÉ - AGRAVO RETIDO - INDEFERIMENTO DE PROVA PERÍCIAL - IRRESIGNAÇÃO - PROVA DESNECESSÁRIA - CONFISSÃO FICTA - PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE DOS FATOS ALEGADOS PELA PARTE CONTRÁRIA - COMPRA E VENDA DE URNA FUNERÁRIA - NEGÓCIO JURÍDICO QUE SE CONCRETIZA COM A TRADIÇÃO - DIREITO DO CREDOR LIMITADO À COBRANÇA DO PREÇO - DANO MORAL CARACTERIZADO - MINORAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA - LIMITAÇÃO DO ARBITRAMENTO EM 15% - AFASTAMENTO - PRINCÍPIO DA ISONOMIA - RECURSO DESPROVIDO - SENTENÇA MANTIDA.

Desnecessária é a prova pericial acerca de fatos que podem ser comprovados por outros meios probatórios.

A pena de confissão ficta à autora não gera presunção absoluta da veracidade dos fatos alegados pela parte contrária, mormente quando presentes elementos que afastem esta versão.

Na compra e venda de bem móvel, com a tradição da coisa resta perfectibilizado o negócio, deve o credor cobrar o preço e não reaver a coisa a manu militari durante o velório, sob pena de danos morais decorrentes de seu ilícito.

Mantém-se o montante indenizatório quando em conformidade com os parâmetros objetivos e subjetivos de quantificação dos danos morais.

Porque as partes devem receber tratamento igualitário, não se limita a verba honorária em favor do assistente judiciário em apenas 15% sobre o valor condenatório, pois o advogado constituído pode receber, em tese, até 20% sobre a condenação.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.020929-0, da comarca de Lages (4ª Vara Cível), em que é apelante Funerária Anjo da Guarda Ltda Me, sendo apelada Maria Enedina de Souza:

ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Civil, por votação unânime, resolve conhecer do agravo retido e desprovê-lo, afastadas as preliminares aduzidas, com o improvimento do recurso da ré. Custas legais.

RELATÓRIO

Maria Edina de Souza, qualificada nos autos, propôs Ação de Indenização por Dano Moral contra Funerária Anjo da Guarda.

Aduziu que sua irmã Valdevina Maria de Souza, com quem residia há mais de vinte anos, faleceu em 01/09/2006, vítima de câncer.

Alegou que a falecida era segurada pela Sul América Aetna, Seguro de Assistência Familiar - com cobertura de auxílio funerário -, e que contactou a empresa demandada a fim de efetuar os preparativos para o velório e enterro.

Argumentou que por volta das 23h, o proprietário da empresa ré, Roberto Reinaldo, adentrou na Igreja Assembléia de Deus, local onde ocorria o velório, exigindo o caixão de volta, em virtude de problemas com o seguro.

Sustentou que, inobstante sua resistência, o proprietário da demandada, sem nenhum constrangimento, retirou o corpo do caixão.

Arguiu que para solucionar o problema, junto a outros familiares, em caráter de urgência, conseguiu um caixão doado pela Prefeitura - de pior qualidade e sem vedação - para colocar o corpo.

Assim discorrendo, pugnou pela condenação da ré ao pagamento de danos morais, acrescidos de custas e honorários advocatícios.

Citada, a ré apresentou contestação. Assinalou que a autora e seus familiares, em 31-8-2006, contactaram diretamente a empresa funerária demandada, dizendo que eram seguradas da empresa Sul América Aetna.

Informou que, embora a autora devesse ter contactado primeiramente à seguradora, os prepostos da ré efetuaram ligações para a Sul América a fim de concretizar os procedimentos da cobertura securitária supostamente contratada, todavia, neste dia, houve queda do sistema telefônico.

Por conseguinte, ainda na esperança de conseguir contactar a seguradora, as partes pactuaram a compra e venda do caixão e a prestação dos serviços funerários pelo valor de R$ 1.500,00, tendo a empresa iniciado a prestação do serviço com a preparação do corpo e do velório.

Aduziu que na manhã do dia 01-09-2006, conseguiu contacto com a seguradora, a qual se negou a cobrir as despesas, face à suposta desistência do seguro.

Diante desta situação, alega que a própria autora e seus familiares sugeriram devolver o caixão e, para tanto, obtiveram outra urna mais simples, doada pela Prefeitura Municipal, a qual, inclusive, já estava ao lado da urna adquirida da empresa demanda no momento em que houve a transferência durante o velório.

Réplica às fls. 56/58.

A prova pericial requerida pela empresa demandada para discriminar as ligações telefônicas efetuadas para a seguradora foi indeferida pelo juiz a quo (fls. 66/67).

A ré interpôs recurso de agravo retido contra esta decisão.

Em audiência de instrução e julgamento, diante da ausência da autora, foi-lhe aplicada a pena de confissão (fl. 70).

Proferida a sentença, o magistrado a quo julgou procedente a inaugural, condenando a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 4.000,00, acrescidos de custas e honorários advocatícios em 20% sobre o valor da condenação (fls. 70/73)

Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a ré interpôs recurso, requerendo, preliminarmente, a análise do agravo retido interposto contra decisão que indeferiu a prova pericial, bem como a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, em virtude de não ter sido oportunizada a apresentação de alegações finais. No mérito, argumentou que diante da pena de confissão aplicada à autora, deve ser considerada verdadeira sua versão. Sucessivamente, pugnou pela minoração do dano moral e pela limitação dos honorários advocatícios em 15% sobre o valor da condenação por força do art. 11, § 1º, da Lei n. 1.060/50.

Contra-arrazoados, os autos ascenderam a esta superior Instância.

É o relatório.

VOTO

a) Agravo Retido

O recorrente interpôs agravo retido contra decisão interlocutória que indeferiu a produção de prova pericial.

Aduz o agravante que a prova pericial é imprescindível para comprovar que efetuou diversas ligações para a seguradora objetivando a liberação do seguro funerário da família.

Argumenta que o histórico das ligações comprovaria a sua boa-fé contratual, porquanto demonstraria que por ocasião do óbito e no dia posterior, contactou diversas vezes a seguradora, tendo esta negado a cobertura securitária.

Não assiste razão à recorrente.

A prova pericial no caso em apreço é dispensável, pois é possível ao réu comprovar as ligações, via DDD, efetuadas por meio de prova documental, com a juntada do extrato telefônico.

Ademais, a prova pleiteada é irrelevante para a solução do litígio, pois a existência ou não dos contatos telefônicos da ré com a seguradora não esclareceria o ilícito, como adiante será analisado.

O cerne do litígio incide sobre a possibilidade ou não da ré reaver a urna funerária que já havia entregue à autora, sendo, neste ponto, irrelevante a suposta negativa da seguradora em liberar o seguro.

Conforme leciona Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery "o objeto da prova pericial é o fato ou os fatos que foram alegados na inicial ou na contestação que careçam de perícia para sua cabal demonstração. Se a alegação do fato surgiu durante o processo, de forma fugaz e pouco consistente, apenas como recurso de retórica, não pode ter o condão de impor a necessidade de produção de prova" (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 10. ed., RT: São Paulo, 2007, p. 647).

Desta forma, nega-se provimento ao agravo retido, mantendo-se incólume o decisum interlocutório.

b) Nulidade - Ausência de Alegações Finais:

Sustenta a apelante a nulidade da sentença a quo, pois não lhe foi oportunizada a apresentação de alegações finais.

É cediço que o inconformismo quanto às irregularidades processuais, mormente tratado-se de nulidades relativas, devem ser manifestados na primeira oportunidade em que a parte intervier no feito, sob pena de preclusão.

In casu, a oportunidade de manifestar-se acerca da negativa da apresentação das alegações finais era na própria audiência de instrução e julgamento, na qual o juiz prolatou a sentença. O silêncio da ré naquela oportunidade acarretou a preclusão de seu direito, razão pela qual não pode requerer o reconhecimento dessa nulidade.

Assim, afasta-se a nulidade aventada.

c) Mérito:

Pugna a recorrente pela reforma do decisum a quo sob o fundamento de que a demandante autorizou a troca do caixão, pois, em virtude do problema que ocorreu com a liberação do seguro, não dispunha de dinheiro para adquiri-lo.

Inicialmente, aduz o apelante que foi aplicada a pena de confissão ficta à autora, acarretando, por conseguinte, a veracidade das alegações da parte contrária e desincumbindo-a de comprovar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito da autora, mormente porque esta sequer comprovou os fatos constitutivos de seus direitos.

Conforme asseverou o Ministro Raphael de Barros Monteiro "a pena de confissão não gera presunção absoluta, de forma a excluir a apreciação do Juiz acerca de outros elementos probatórios". (STJ, 4ª Turma, REsp 161438/SP. J. em 06/10/2005).

Acerca do assunto, extrai-se de julgado deste Tribunal:

"A pena de confissão, como meio de prova que é, não goza de presunção absoluta, pelo que, lançando ela reflexos apenas relativos acerca da veracidade dos fatos alegados pela parte contrária, não gera esses efeitos quando tem a infirmá-la elementos probantes de maior vulto e precisão" (2ª Cam. Dir. Com., rel. Des. Trindade dos Santos, Ap. Civ. n. 2002.013886-5, j. em 18-3-2004).

Neste contexto, a imposição da pena de confissão à autora não exonera o réu de demonstrar, ao menos indiciariamente, a veracidade de suas alegações.

In casu, a prova documental relata que o representante da empresa demandada, motivado por suposto problema com a liberação do seguro e após informar à autora desta situação, dirigiu-se à Igreja onde estava sendo velado o corpo da falecida.

Neste local, enquanto o corpo estava sendo velado, o representante da ré/dono da funerária retirou arbitrariamente o corpo da irmã da autora da urna que a autora havia adquirido para homenagear sua irmã falecida. O representante da apelante transferiu o cadáver para outra urna, conseguida junto à Prefeitura Municipal, de qualidade inferior e que não fechava bem.

Acerca do ocorrido, o pastor da Igreja Assembléia de Deus onde estava sendo velado o corpo, consternado, declarou na oportunidade à imprensa escrita que jamais havia visto cena tão deprimente e humilhante, que não respeitaram a dor da família.

Preceituam os artigos 481 e 482 do CC/02, aplicáveis ao caso:

"Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro".

"A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no preço e no objeto.

Conforme bem asseverou o magistrado a quo, não havendo a ré comprovado que a autora concordou com a devolução da urna funerária, a premissa é a de que, acertado o objeto e o preço - a ser pago pela seguradora - e com a tradição, o contrato de compra e venda se concretizou, sendo incabível à ré reaver a manu militari, a posse da coisa que alienou.

Inexistindo cláusula resolutiva expressa, a falta de pagamento enseja para o autor o direito de cobrar o preço e não o de perseguir a coisa, mormente através de meio vexatório e humilhante.

Neste sentido, extrai-se de julgado deste Tribunal excerto que entendo aplicável ao caso:

"O ordenamento jurídico pátrio determina àquele que deve a obrigação de responder pela dívida contraída perante seu credor. Mas tal preceito não confere a esse o direito de cobrar seu crédito usando de meio gravoso ou vexatório, pois o devedor só responde com seu patrimônio material, restando a salvo o de ordem moral, que também é tutelado pelo direito positivo.

'Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça (art. 42 do CDC) (1ª Cam. Dir. Civ., Rel. Des. Orli Ataíde Rodrigues, Ap. Civ. n. 2001.006056-6, de Lages, j. em 26-02-2002).

Logo, mesmo que verídica a tese da ré de que houve empecilhos com a liberação do seguro, todos estes trâmites deveriam ter sido resolvidos antes da tradição do caixão funerário.

Perfectibilizando-se a compra e venda com a tradição da urna, incabível à ré reaver a posse da coisa sem se utilizar dos meios legais.

O dano moral decorrente dos fatos narrados é evidente. O constrangimento pelo qual passou a autora com a transposição do corpo de sua irmã falecida do caixão adquirido para outra urna de inferior qualidade e adquirida às pressas com a Prefeitura Municipal é imensurável.

Inquestionável que o ato arbitrário e desmesurado do representante da empresa ré desrespeitou imensuravelmente a autora, que já sofria intensamente com a perda de sua irmã.

Não bastasse o raciocínio supra, houve o grave desrespeito a um corpo que estava sendo velado em sua hora extrema perante a assistência de numerosas pessoas.

No tocante à quantificação dos danos morais, pelo regime aberto, esta deve ser operada através de livre arbítrio judicial fundamentado, tendo como parâmetros a posição econômica e social das partes, a gravidade da culpa do agente e as múltiplas repercussões da ofensa na vida do autor, não devendo a indenização desfigurar a essência moral do direito.

A autora é pessoa economicamente simples e não há maiores elementos de convicção sobre as condições econômicas da ré. A culpa da ré foi grave, pois seu representante retomou arbitrariamente a urna funerária que havia vendido durante o velório da irmã da autora. A ofensa acarretou vexame e humilhação à autora, que foi profundamente desrespeitada em momento de grande dor e consternação.

Neste contexto, incabível a minoração pretendida pela recorrente, porque o valor arbitrado na sentença monocrática não é excessivo, passível, inclusive, de majoração se houvesse recurso nesse sentido.

d) Honorários Advocatícios:

Alega a ré que os honorários advocatícios arbitrados em favor da autora devem ser limitados ao patamar máximo de 15% sobre o valor da condenação, pois a demandante é beneficiária da justiça gratuita, incindindo a limitação prevista no artigo 11, § 1º, da Lei nº 1.060/50.

Despiciendas as alegações da recorrente, pois não deve ocorrer diferenciação na fixação entre os honorários advocatícios daquele que patrocina a causa como assistente judiciário gratuito com aquele que é advogado constituído, por violar o princípio constitucional da igualdade entre as partes.

Ante o exposto, conhece-se do agravo retido para improvê-lo, afastam-se as preliminares argüidas e nega-se provimento ao recurso da ré.

DECISÃO

Nos termos do voto do relator, esta Quarta Câmara de Direito Civil, à unanimidade de votos, resolve conhecer do agravo retido e desprovê-lo, afastadas as preliminares aduzidas, com o improvimento do recurso da ré.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Desembargadores Victor Ferreira e Ronaldo Moritz Martins da Silva.

Florianópolis, 23 de abril de 2009

Monteiro Rocha
RELATOR E PRESIDENTE

Publicado 26/05/09




JURID - Obrigações. Responsabilidade civil. Urna funerária vendida. [09/06/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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