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sexta-feira, 5 de junho de 2009

JURID - Imperícia e negligência de médicos. [05/06/09] - Jurisprudência


Homicídio culposo. Imperícia e negligência de médicos. Autoria colateral.
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Juízo da 8ª Vara Criminal de Belo Horizonte/MG.

Processo nº: 02.664.272-8

Autor: Justiça Pública

Réu: LUIZ HENRIQUE DINIZ SANTOS

VALDIR TOMAZ EDISON

Espécie: Art. 121, § 3º e art. 29, ambos do CP.

Vistos, etc...

1) Do Relatório

O Ministério Público de Minas Gerais ofereceu denúncia contra:

LUIZ HENRIQUE DINIZ SANTOS, brasileiro, casado, nascido em 03/11/1942, natural de São Luiz/MA, filho de Lourival Santos e de Conceição de Maria Diniz Santos, residente na Avenida Serrana, nº 8236, apto. 202, Bairro Serrano, nesta capital, e;

VALDIR TOMAR EDISON, brasileiro, viúvo, nascido em 07/03/1938, natural de Chapada do Norte/MG, filho de Manoel Lourenço da Silva e de Mariana das Dores Rodrigues Soares, residente na Rua Espírito Santo, nº 2006, apto. 04, Bairro de Lourdes, nesta capital; como incursos nas sanções do art. 121, § 3º e art. 29, ambos do Código Penal.

Narra a denúncia que no dia 12/07/2001, por volta das 15:30 horas, nas dependências da maternidade René Guimarães, nesta capital, os acusados, mediante a violação dos deveres de cuidado exigidos na espécie de atitude negligente, deram causa de forma concorrente à morte da vítima Victor Gabriel Moura, fato que veio a consumar-se no dia 05/10/2001.

Aduz que no dia 11/07/2001, Marília Moura Pereira, genitora da vítima, compareceu a Maternidade, sentindo fortes dores. Ao chegar no local, foi atendida por médico, que a avaliou e concluiu estar tudo bem com o bebê. O médico fez pedido de ultra-som, mas Marília não conseguiu realizá-lo, retornando assim para a sua residência.

Chegando em casa, o estado de saúde de Marília piorou, e esta retornou ao Hospital, sendo admitida na madrugada do dia 12/07/2001, quando foi avaliada, no momento da admissão, pelo Dr. Sérgio Luiz que a examinou e disse que estava tudo bem com a criança e que ela já estava com 2 cm de dilatação. Disse ainda que a criança não estava sentada e que o parto seria normal. Por volta das 11:00 horas, Marília foi colocada no soro e, posteriormente, teria sido atendida, segundo a denúncia, pelo Dr. Luiz Alberto, mas na realidade o foi pelo Dr. Luiz Henrique Diniz Santos(observe-se que o Dr. Luiz Alberto foi simplesmente o anestesista, tendo havido uma confusão de nomes por parte da mãe da vítima por ocasião das declarações que constam a fls.03/04), que rompeu a bolsa da paciente (amniotomia) e neste momento foi constatada a presença de líquido meconial. Isso ocorreu às 14:00 horas, e nesta ocasião não foram percebidos os batimentos cárdio-fetais. Às 15:50 horas, o médico Luiz Henrique Diniz Santos realizou um parto normal, isto é, quase duas horas após a avaliação que demonstrava nitidamente que o feto apresentava sofrimento agudo, o que aumentou intensamente, ou irreversivelmente, os riscos para a vida do nascituro.

Narra ainda a denúncia que, como indicado pela literatura médica, dever-se-ia ter realizado uma cesárea de emergência, com intuito de salvar a vida do concepto, não tendo sido adotada tal medida, constatando-se que houve falha na condução do trabalho de parto conduzido pelo Dr. Luiz Henrique Diniz Santos, uma vez que o referido médico não avaliou a paciente de forma adequada e, além disso, deveria ter realizado uma cesárea e não um parto normal.

Após o nascimento da criança, o médico Valdir Tomaz Edison, pediatra presente na sala de parto, não prestou as medidas necessárias para o tratamento adequado em decorrência do sofrimento fetal agudo, ao qual o concepto fora submetido. Não foi feita a aspiração do líquido meconial e tratamento da depressão respiratória após o nascimento. Além disso, não foram tomadas as medidas de suporte para o recém-nascido no berçário, assim como também não foi providenciado o transporte adequado do recém-nascido para o Hospital de Betim, que tinha infra-estrutura para assistência adequada.

O Ministério Público sustentou que os acusados não agiram com as cautelas necessárias exigidas na espécie, uma vez que Marília não recebeu a assistência devida no pré-parto, provocando o sofrimento e óbito do feto. Desta forma, os agentes teriam violado o dever de cuidado objetivo exigível nas circunstâncias, caracterizando-se uma atitude negligente, culposa, consoante preceitua o art. 18, II, do CP.

O inquérito policial é composto, além de outros documentos, pela Portaria de f. 06, certidão de óbito de f. 36, Parecer Médico Legal de fls. 70/73, documentos de fls. 85/100, Parecer Médico Legal Complementar, conclusivo, de fls. 127/133 e boletim de informações policiais de fls. 135/137.

Recebida a denúncia em 01/11/2006, foram os acusados devidamente citados e interrogados (fls. 173/177). A defesa não se manifestou na fase do art. 395, do CPP.

Durante a instrução, foi inquirida uma testemunha arrolada pela acusação (f. 191), sendo dispensada a oitiva das demais.

Na fase do revogado art. 499, o MP não requereu nenhuma diligência. A defesa não se manifestou nesta fase processual.

Em sede de memoriais, o Ministério Público pugnou pela condenação dos acusados, nas penas do art. 129, § 3º, c/c art. 29, ambos do CP. A defesa, por sua vez, requereu a improcedência da denúncia, afirmando que não há, nos autos, prova alguma de negligência, imprudência ou imperícia.

A fls. 240/241 foram juntadas as CAC's dos acusados.

2) Da Fundamentação

Trata-se de ação penal pública incondicionada movida pelo Ministério Público contra os acusados LUIZ HENRIQUE DINIZ DOS SANTOS E VALDIR TOMAZ EDISON, imputando-lhes as condutas tipificadas no art. 121, § 3º, c/c art. 29, ambos do Código Penal.

Não ocorreu, no presente caso, a prescrição da pretensão punitiva.

Havendo supostas questões preliminares suscitadas pela defesa, passo a analisá-las. Detendo-me sobre as razões suscitadas pela defesa, vislumbro que a mesma apresenta como questões preliminares argumentações que adentram no mérito, mais precisamente na ausência de culpa dos acusados. Tenta, neste momento, suscitar possível negligência de outros médicos, mencionando nominalmente os médicos João Batista, que assumiu o plantão após a saída do Dr. Sérgio Luiz Ivar do Sul (ver depoimento de fls. 46) e Luiz Alberto Grandioso. Particularmente com relação à atuação do médico Luiz Alberto Grandioso Torres, ficou provado que o mesmo foi simplesmente o anestesista (cf. documento de fls. 91 e depoimento de fls. 48) e por isso mesmo, corretamente, não foi sequer denunciado pelo Ministério Público, tendo havido, como já ressaltado, uma confusão de nomes por parte da mãe da vítima por ocasião das declarações que constam a fls.03/04.

Desta forma, não vislumbro qualquer vício a ser sanado nos presentes autos. Dito isso e por não existirem preliminares a serem decididas e nem nulidades a serem declaradas, passo às questões de mérito.

A conduta descrita na denúncia se amolda ao tipo previsto no Código Penal como sendo homicídio culposo (§ 3º do artigo 121 do C. P.). Não é o caso de se imputar aos agentes, além do homicídio, o crime de lesões corporais, pois há, no caso, concurso aparente de normas: "No concurso aparente (...) uma ação pode, em tese, configurar mais de um crime; todavia, só uma norma é aplicável, excluídas as demais por princípios lógicos e de valoração jurídica do fato. (...)" (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 374). As lesões corporais sempre antecedem, dentro de um mesmo contexto de ação ou omissão, o homicídio, seja doloso ou culposo. Trata-se de ante-fato impunível. Este "(...) é o caso de ações anteriores ou posteriores que a lei concebe, implícita ou explicitamente, como necessárias, ou aquilo que dentro do sentido de uma figura constitua o que normalmente acontece (...) Trata-se do antefato ou do pós-fato impuníveis (...)". (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. Cit., p. 377). Assim, a imputação do crime de lesões corporais aos acusados é improcedente, mas a imputação de homicídio culposo é plenamente procedente, como passarei a demonstrar.

Além de típico, o fato é antijurídico e culpável, pois não há causas que excluam a ilicitude ou a culpabilidade da ação desenvolvida pelos acusados. A atuação dos mesmos se deu de forma contrária ao dever objetivo de cuidado exigível nas circunstâncias, devendo-se atribuir o falecimento da vítima à imperícia e negligência dos acusados, os quais não seguiram os procedimentos recomendados pela ciência médica para atuar diante da situação que se apresentava.

A prova da materialidade do delito é farta e encontra-se demonstrada pela certidão de óbito de f. 36, Parecer médico-legal de fls. 70/73, documentos de fls. 85/100, Parecer médico-legal complementar de fls. 127/133, Parecer técnico de fls. 144/147, Boletim de Informações Policiais de fls. 135/137, além de outros documentos constantes dos autos.

Da mesma forma, presente o requisito da autoria. O Dr. Luiz Henrique Diniz Santos não nega que tenha rompido a bolsa da paciente e tenha realizado nela um parto normal, assim como o Dr. Valdir Tomaz Edison não nega que tenha sido o pediatra responsável pelos primeiros socorros ao recém-nascido. As inúmeras provas coletadas nos autos apontam, de forma inequívoca, Luiz Henrique e Valdir Tomaz como autores - autoria colateral - do homicídio culposo havido; apesar disso, os mesmos não reconheceram a sua imperícia.

Como visto, Marília, a genitora da vítima, deu entrada na Maternidade René Guimarães no dia 12/07/2001 sentido fortes dores. Ao chegar na maternidade, foi atendida por um médico, que a avaliou e disse-lhe que estava tudo bem com o nascituro, aduzindo que não poderia fazer uma internação precoce, apesar dela já ter entrado em trabalho de parto, porque ela não tinha dilatação.

Marília voltou para a casa, ainda sentindo dores. Desta forma, persistindo o trabalho de parto, retornou ao hospital, na madrugada do dia 12.07.2001 (ver documentos de fls. 86/88) sendo atendida na ocasião pelo Dr. Sérgio Luiz, o qual a examinou e afirmou que estava tudo bem com o feto, mas que Marília deveria ser internada. Foi internada por volta de 1:13. O Dr. Sérgio Luiz foi sucedido, no plantão, segundo depoimento de fls. 45/46, pelo médico ginecologista de nome João Batista, mas não há notícia de que o mesmo a tenha examinado.

Marília foi avaliada à admissão, às 6:30 e evoluiu sem qualquer avaliação por mais sete horas e trinta minutos, pois somente foi novamente avaliada às 14:00 horas, pelo Dr. Luiz Henrique Diniz Santos, que foi quem rompeu a bolsa da paciente (ver síntese dos fatos a fls. 131-132 e também a fls. 146-147) e neste momento constatou, como ele próprio afirmou ao ser interrogado em juízo, "que quase não havia líquido amniótico, apenas escorreu um caldo mais denso chamado mecônio, indicativo de sofrimento fetal crônico" (f. 174). Afirmou ainda o acusado Luiz Henrique, na mesma oportunidade, que "nesta fase não se preocupa com os batimentos cárdio-fetais" (f. 174) e que "no caso, não achou recomendável partir para uma cirurgia de emergência, tipo cesariana (...)" (f. 174).

Mesmo depois de ter sido constatado, de forma inequívoca, que o nascituro apresentava sofrimento fetal agudo (a f. 92 lê-se que o Dr. Luiz Henrique constatou a presença de "mecônio grosso"), somente às 15:50 horas (ver documento de fls. 91, 91-verso e 92) o primeiro acusado, Luiz Henrique Diniz Santos, iniciou um parto, curiosamente normal - ao invés de ter realizado uma cesariana de urgência - na paciente, isto sem avaliar, neste interregno, a situação do feto, particularmente os batimentos cardíacos.

O parecer médico-legal complementar ressalta, a fls. 131/133, a impropriedade deste procedimento, assim como também o faz o Parecer Técnico do Ministério Público (ver especialmente fls. 146-147). De acordo com as normas de conduta preconizadas pela ciência médica, o acusado deveria, naquelas circunstâncias, ter adotado um procedimento totalmente diferente. De fato, a conduta a ser seguida deveria ser a de proceder a uma imediata cesariana, uma vez que já se tinha constatado que o bebê apresentada sérios sofrimentos, em razão da aspiração do líquido amniótico contaminado com mecônio.

Como bem salientou o parecer técnico do Ministério Público, subscrito pelo médico Alexandre Resende Fraga, "(...) cerca de duas horas após a avaliação que demonstrava nitidamente que a criança apresentava um sofrimento fetal, neste caso, agudo (aconteceu de forma abrupta)", o médico partiu ao parto normal. Ora, neste caso "era necessário realizar um parto cesariana de urgência com o intuito de salvar a vida do concepto. Portanto, neste houve falha na condução do trabalho de parto pelo Dr. Luiz Henrique Diniz Santos (...)" (Parecer Técnico do Ministério Público, f. 147).

Tal conduta, severamente imperita e imprudente, foi determinante para o péssimo estado de saúde ao nascer e subseqüente morte de Victor Gabriel Moura.

Quanto ao segundo acusado, o médico pediatra Valdir Tomaz Edison, ressalte-se que o mesmo também agiu de maneira imperita; houve, no caso, imperícia e negligência. Embora evidente a grave situação do recém-nascido, deixou o pediatra de observar os cuidados objetivos exigíveis nas circunstâncias, concorrendo decisivamente, ou seja, de forma relevante, para a morte de Victor Gabriel Moura. De fato, o recém-nascido deveria, após os cuidados iniciais, ter sido imediatamente entubado, tendo em vista que apresentada complicações respiratórias gravíssimas e, segundo o próprio cirurgião, Luiz Henrique Diniz Santos, "se apresentava deprimida, hipotônica, com reflexos diminuídos e não chorou (...)" (fls. 174). Contudo, o Dr. Valdir afirmou, em juízo, que "não achou necessário o procedimento de entubação (...)" (f. 177).

Vale transcrever os seguintes trechos do Parecer médico-legal complementar, subscrito pelos médicos-legistas Andréa Vitória Marinho Deschamps e Lena Tereza de Melo Lapertosa (fls. 127-133). Tal parecer, que deve ser considerado juntamente com o anterior (fls. 70-72), realizou uma minuciosa análise técnico-científica de declarações e documentos, e consiste em um detalhado e conclusivo exame de corpo de delito indireto (artigos 158 e 167 do Código de Processo Penal):

A mãe do periciado, primigesta, foi internada com uma gestação a termo de aproximadamente 40 semanas, em trabalho de parto, com bolsa íntegra, batimentos cárdio-fetais positivos às 01:13 horas do dia 12/07/01, tendo permanecido em observação até por volta das 14:00 horas deste mesmo dia, quando foi submetida a amniotomia (rompimento de bolsa, )sendo percebido líquido meconial. Neste período foi avaliada apenas às 6:30 horas, apresentando batimentos cárdio-fetais positivos.A mãe do periciado foi então levada para a sala operatória e submetida pelo anestesista a anestesia pelidural, com execução de parto vaginal às 15:50 horas, com extração de neonato do sexo masculino, impregnado de mecônio. O recém-nascido estava deprimido e recebeu baixas notas de apgar. (...) O neonato não foi entubado na sala de parto e nem durante o tempo que permaneceu no berçário, embora os registros sejam de um recém-nascido extremamente grave e com dificuldade respiratória acentuada, advindas de um quadro de aspiração meconial."( Parecer médico-legal complementar, f. 131).

"(...) conduta de bebês nascidos por meio de fluido contaminado: quando um mecônio espesso, particularmente "sopa de ervilhas" estiver presente, o obstetra deve procurar limpar o nariz e a orofaringe do bebê antes do tórax ser liberado durante o nascimento. Isto pode ser feito com o bulbo da seringa seguida pela passagem de cateter de sucção através do nariz e orofaringe. O recém nascido deve então ser encaminhado ao anestesiologista e pediatra que entuba a traquéia sob laringoscopia direta, se possível antes de esforços respiratórios serem iniciados. Após a entubação, o tubo é ligado à sucção contínua, que é aplicada à medida que o tubo está sendo retirado; este procedimento se repete até que a traquéia esteja limpa; (...)" (Parecer médico-legal complementar, f. 132).

"(...) No caso em tela, a mãe do periciado não recebeu adequada assistência durante o trabalho de parto, sendo avaliada apenas a cada cinco horas, conforme extraído dos documentos enviados. O recém-nascido não foi bem assistido durante o parto e sua primeira assistência para desobstrução das vias aéreas não seguiu os protocolos estabelecidos e seguidos em todo o mundo. Durante o período em que permaneceu no berçário, o neonato não recebeu os cuidados preconizados, não foi entubado apesar de estar em franca insuficiência respiratória, não foi submetido a exames laboratoriais e não recebeu antibioticoterapia. Evoluiu com tanta gravidade que entrou em exaustão, apresentando falência respiratória e bradicardia, mesmo assim não sendo entubado. Foi transportado para o CTI em condições inadequadas chegando muito mal, agravando ainda mais seu prognostico. CONCLUSÃO: Assim, no nosso entender encontramos nos documentos enviados neste processo, evidências de inobservância de regras técnicas e de omissão de cautelas por parte dos médicos que participaram do parto e atenderam o periciado na referida maternidade. (...) (Parecer médico-legal complementar, fls. 132/133)

A propósito da admissibilidade do exame de corpo de delito indireto em casos como o presente, que contém aspectos médico-legais, assim tem decidido o Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - DECISÃO DE PRONÚNCIA - ABORTO PROVOCADO PELA GESTANTE (CP, ART. 124) - CRIME QUE DEIXA VESTÍGIO - PRELIMINAR - NULIDADE ABSOLUTA COM EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO, EM FACE DA FALTA OU VÍCIO DO EXAME DE CORPO DE DELITO - DESCABIMENTO - DESAPARECIDOS OS VESTÍGIOS DO ABORTO - IMPOSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DO EXAME DE CORPO DE DELITO - CPP, ART. 167 - ADMITIDA A PROVA TESTEMUNHAL E LAUDO MÉDICO, CORROBORADOS PELO DEPOIMENTO DA ACUSADA - ACD INDIRETO - ADMISSIBILIDADE - PROCESSO MODERNO - BUSCA DA VERDADE REAL - TODAS AS PROVAS DEVEM SER IGUALMENTE CONSIDERADAS, NÃO EXISTINDO, ENTRE ELAS, HIERARQUIA - LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO MAGISTRADO - MÉRITO - CPP, ART. 408 - IMPRONÚNCIA - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - INVIABILIDADE - INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO 'IN DUBIO PRO SOCIETATE' - INVERSÃO AO NATURAL PRINCÍPIO DO 'IN DUBIO PRO REO' - RESTA COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DO JÚRI (CF/1988, ART. 5, XXXVIII) - PRECEDENTES DO STF, STJ E TJMG. (TJMG - Número do processo: 1.0499.03.900000-9/001(1). Relator: SÉRGIO BRAGA. Data do julgamento: 17/02/2004. Data da Publicação: 26/02/2004).

EMENTA: PENAL - CRIME DE TRÂNSITO - HOMICÍDIO CULPOSO - AUSÊNCIA DE EXAME DE CORPO DE DELITO DIRETO - DEPOIMENTO PESSOAL DO RÉU E CERTIDÃO DE ÓBITO - SUPRIMENTO - POSSIBILIDADE - HORÁRIO DO DELITO - DIVERGÊNCIA MÍNIMA DE HORÁRIOS - INÉPCIA DA DENÚNCIA - INOCORRÊNCIA - REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL - RÉU MAIOR - IMPOSSIBILIDADE - PRELIMINARES QUE SE REJEITAM - INOBSERVÂNCIA DO DEVER DE CUIDADO - VEÍCULO NA CONTRAMÃO DIRECIONAL - IMPRUDÊNCIA - OBSTÁCULO DO QUAL NÃO CONSEGUE SE DESVIAR O CONDUTOR - IMPERÍCIA - FARÓIS DESLIGADOS - NEGLIGÊNCIA - SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR - PROPORCIONALIDADE COM A PENA CORPORAL - NECESSIDADE - RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO. O depoimento do réu, aliado aos termos da Certidão de Óbito, se faz suficiente para suprir a ausência do exame de corpo de delito direto. A divergência de alguns minutos em relação ao horário do delito não inquina de inépcia a denúncia. Não há falar em redução do prazo prescricional, se quando da ocorrência do delito o réu já contava mais de vinte e um anos de idade. Falta com o dever de cuidado, agindo com imprudência, aquele que trafega na contramão direcional. Age com imperícia quem não consegue se desviar de um obstáculo visualizado com antecedência de vinte metros. Incorre em negligência aquele que, mesmo após as 18 horas, mantém apagados os faróis do automotor. Conforme recomendação da jurisprudência, a suspensão da CNH deve guardar proporcionalidade com a pena corporal imposta. Preliminares rejeitadas e recurso parcialmente provido. (TJMG - Número do processo: 2.0000.00.505576-9/000(1). Relator: HÉLCIO VALENTIM. Data do Julgamento: 04/02/2006. Data da Publicação: 04/02/2006).

Vale transcrever ainda, da prova constante nos autos, trechos dos seguintes depoimentos:

"(...) que, a declarante deu a luz a uma criança de nome Vitor Gabriel Moura, que a declarante observou que o bebê não chorava e logo após a enfermeira saiu com a criança da sala, sem informar a declarante o estado de saúde do bebê; (...)" (Marília Moura Pereira, fls. 08/09).

(... )que Marília Pereira de Moura, filha da declarante, começou a passar mal; que levou Marília para o Hospital René Guimarães (...); que era necessária a realização de uma cesariana;que os médicos fizeram um parto forçado em Marília. )" (Erci Pereira de Moura, ouvida mediante carta precatória, fls. 191).

Houve, na verdade, condutas que descumpriram, de forma grosseira, as regras de cuidado objetivo preconizadas pela ciência médica, evidenciando a ocorrência de imperícia grave, apontando os acusados, inequivocamente, como responsáveis pela lamentável morte do recém-nascido. Ressalte-se, ainda, que as normas de cuidado objetivo descumpridas pelos acusados visavam evitar, precisamente, resultados lesivos da natureza do que aconteceu.

Assim, o conjunto probatório constante dos autos comprova, de forma robusta, a existência de injusto culpável e a sua autoria por parte dos réus. De fato, ainda que os acusados não tenham reconhecido a sua culpa pela morte de Vitor Gabriel Moura, suas declarações, juntamente com o exame de corpo de delito indireto, o parecer técnico do Ministério Público e os depoimentos das testemunhas, provam irrefutavelmente a imperícia de ambos (imperícia imprudente no caso de Luiz Henrique - um agir descuidado, fez parto normal quando deveria ter feito uma cesariana - e imperícia negligente - deixou de entubar e tomar outras providências para salvar a criança - no caso de Valmir Tomaz).

Portanto, não há dúvidas quanto à autoria e materialidade do delito. Houve a violação dos deveres objetivos de cuidado exigíveis nas circunstâncias; a produção de um resultado lesivo, que foi a morte do recém-nascido; o nexo de causalidade entre as condutas descuidadas dos agentes e o resultado; a previsibilidade objetiva do resultado, pois qualquer médico médio teria agido, nas circunstâncias, de forma mais cuidadosa e diligente; a conexão entre o desvalor da ação e o desvalor do resultado, podendo-se afirmar, com segurança, que o resultado decorreu precisamente da inobservância do dever objetivo de cautela e consistiu precisamente em um resultado daqueles que a norma de cuidado visava evitar. Além disso, a conduta típica é também ilícita e culpável, sendo possível fazer, com segurança, um juízo de reprovação pessoal aos acusados, afirmando-se, categoricamente, a previsibilidade subjetiva, individual, por parte de cada um deles. Nas circunstâncias em que se encontravam, com a formação médica e os conhecimentos que possuíam, poderiam ter previsto - se é que concretamente não previram - as conseqüências desastrosas das suas condutas. Entretanto, como já amplamente analisado, os acusados foram imperitos e não observaram os procedimentos necessários.

Em casos de imperícia médica comprovada, assim tem decidido o Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: HOMICÍDIO CULPOSO - ERRO MÉDICO - IMPERÍCIA E NEGLIGÊNCIA - PACIENTE COM FORTES DORES NO PEITO ESQUERDO E DORMÊNCIA NO BRAÇO ESQUERDO - IDADE DE RISCO PARA INSUFICIÊNCIA CORONARIANA - NECESSIDADE DE EXAMES COMPLEMENTARES ANTES DA ALTA MÉDICA - DIAGNÓSTICO INCORRETO - INOBSERVÂNCIA DE REGRA TÉCNICA DE PROFISSÃO - CONDENAÇÃO NAS IRAS DO ART. 121, §§ 3º e 4º, DO CP. O erro de diagnóstico provocado pela omissão de procedimentos recomendados ante os sintomas exibidos pelo paciente, pessoa com quase 60 anos, idade de risco para insuficiência coronariana, acarreta responsabilidade médica, nos termos do art. 121, §§ 3º e 4º, do CP, que só pode ser excluída da cadeia causal se houver prova plena de que o agente procurou seguir todas as regras elementares da Medicina sem aumentar o risco permitido pela situação em que se encontrava o paciente. (TJMG - Número do processo: 1.0441.05.002591-1/001(1). Relator: WILLIAM SILVESTRINI. Data do Julgamento: 28/06/2006. Data da Publicação: 08/08/2006).

Dito isto, resta analisar o grau de reprovabilidade da conduta dos acusados, pois a sua condenação é, sem dúvida alguma, a medida acertada para o caso.

3- Do Dispositivo

Pelo exposto e por tudo o mais que dos autos consta, julgo procedente a denúncia e condeno os réus LUIZ HENRIQUE DINIZ SANTOS E VALDIR TOMAZ EDISON nas penas do § 3º do art. 121 do Código Penal, tendo em vista que os mesmos foram responsáveis, em autoria colateral, pela morte de Victor Gabriel Moura.

Passo, então, a dosar-lhes individualmente as penas, nos termos do art. 59 e 68, ambos do CP:

Quanto ao réu Luiz Henrique Diniz Santos:

1- É penalmente imputável e agiu livre de influências que pudessem alterar sua capacidade de conhecer a ilicitude da ação imperita praticada ou de autodeterminar-se. Comprovada de forma cabal a sua culpabilidade: a conduta desenvolvida pelo réu é intensamente reprovável, pois denota desleixo profissional, desatenção, descaso para com a vida humana. Não possui antecedentes criminais. Quanto à sua conduta social, não há nos autos elementos suficientes para auferi-la. A sua personalidade parece ser a de indivíduo desleixado e, além disso, há também elementos nos autos (cf. as informações de registros policiais/judiciais de fls. 150-151 e as certidões de antecedentes criminais de fls. 152 e 240) que fazem supor ser uma personalidade voltada para o crime. Os motivos e as circunstâncias do crime estão associados, precisamente, ao descuido profissional e ao pouco caso para com as vidas alheias. As conseqüências foram gravíssimas, considerando-se que houve o falecimento da vítima, um inocente recém-nascido que, naturalmente, não contribuiu e nem poderia ter contribuído para o evento.

Ponderadas tais circunstâncias judiciais, que são preponderantemente desfavoráveis ao réu, fixo-lhe a pena-base em 2 anos de detenção.

Na segunda fase, constato a presença de duas agravantes a serem consideradas, pois o crime foi praticado com violação de dever inerente à profissão (de médico) (alínea g do inciso II do artigo 61 do C. P.) e contra criança (alínea h do inciso II do mesmo artigo 61), e portanto majoro a pena para dois anos e oito meses de detenção.

Finalmente, na terceira fase, à míngua de causas de aumento ou diminuição (o §4º do artigo 121 do C. P. ainda não estava em vigor à época da prática do delito), CONCRETIZO E TORNO DEFINITIVA A PENA EM 02 (DOIS) ANOS E 08 (OITO) MESES DE DETENÇÃO.

Quanto ao réu Valdir Tomaz Edison:

1- Também é penalmente imputável e agiu livre de influências que pudessem alterar sua capacidade de conhecer a ilicitude da ação imperita praticada ou de autodeterminar-se. Está comprovada, de forma cabal, a sua culpabilidade, constatando-se que a mesma é tão intensa como a do primeiro réu. A conduta desenvolvida pelo acusado Valdir Tomaz é extremamente reprovável, pois denota desleixo profissional, falta de cuidado, descaso para com a vida humana. Não possui antecedentes criminais. Quanto à sua conduta social, não há nos autos elementos suficientes para auferi-la. A sua personalidade, tal como a do primeiro acusado, parece ser a de um indivíduo desleixado, descuidadoso das suas obrigações profissionais e, além disso, há elementos nos autos (cf. as informações de registros policiais/judiciais de fls. 153-154 e as certidões de antecedentes criminais de fls. 155 e 241) que permitem supor ser uma personalidade voltada para o crime. Os motivos e as circunstâncias do crime estão associados, precisamente, ao descuido profissional e ao pouco caso para com as vidas alheias. As conseqüências foram gravíssimas, considerando-se que houve o falecimento da vítima, um inocente recém-nascido que, naturalmente, não contribuiu e nem poderia ter contribuído para o evento.

Ponderadas tais circunstâncias judiciais, que lhe são predominantemente desfavoráveis, fixo-lhe a pena-base em 2 anos de detenção.

Na segunda fase, constato a presença de duas agravantes a serem consideradas, pois o crime foi praticado com violação de dever inerente à profissão (de médico) (alínea g do inciso II do artigo 61 do C. P.) e contra criança (alínea h do inciso II do mesmo artigo 61), e portanto majoro a pena para dois anos e oito meses de detenção.

Finalmente, na terceira fase, à míngua de causas de aumento ou diminuição (o §4º do artigo 121 do C. P. ainda não estava em vigor à época da prática do delito), CONCRETIZO E TORNO DEFINITIVA A PENA EM 02 (DOIS) ANOS E 08 (OITO) MESES DE DETENÇÃO.

Disposições atinentes a ambos os réus:

2 - Os réus cumprirão a pena em regime inicial aberto, conforme disciplina o art. 33, § 2º, "c" do C. P.

3- Estando presentes os requisitos do art. 44 do CP, substituo as penas privativas de liberdade por duas restritivas de direitos. Os réus deverão prestar serviços à comunidade (art. 43, inc. IV) e se submeterem à limitação de fim de semana (art. 43, inc. VI), sendo que ambas as penas terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída.

4- Condeno, ainda, os réus ao pagamento das custas processuais.

5- Suspendo os direitos políticos dos condenados pelo mesmo tempo das condenações, conforme preceitua o art. 15, III da Constituição da República. Havendo o trânsito em julgado, oficie-se ao TRE.

6- Transitada a presente em julgado, faça-se lançar o nome dos réus no rol dos culpados e expeça-se guia à Vara de Execuções Criminais.

7 - Seja enviada cópia da presente sentença ao Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais, para as providências cabíveis.

8 - Seja intimada Marília Moura Pereira, genitora da vítima, por edital, para tomar ciência do conteúdo desta sentença, conforme preceitua o § do artigo 201 do C. P. P.

P.R.I.C.

Belo Horizonte, 31/03/2009.

NARCISO ALVARENGA MONTEIRO DE CASTRO
Juiz de Direito da 8ª Vara Criminal de Belo Horizonte



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