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sexta-feira, 12 de junho de 2009

JURID - DF vai indenizar mulher inocente. [12/06/09] - Jurisprudência


DF vai indenizar mulher inocente que foi julgada no lugar da irmã.


Circunscrição:1 - BRASÍLIA

Processo: 2007.01.1.075135-8

Vara: 118 - OITAVA VARA DE FAZENDA PUBLICA

SENTENÇA

Vistos etc...

TATIANE DA SILVA SOUZA ajuizou ação de reparação de danos em desfavor do DISTRITO FEDERAL, partes qualificadas nos autos. Afirma a autora que, em 08-02-2005, compareceu à Delegacia de Polícia de Planaltina para informar acerca da ocorrência de um crime tomando conhecimento, na oportunidade, de que havia sido expedido, em seu desfavor, mandado de prisão em razão de condenação no processo n. 2004.01.1.028259-9 decorrente do crime de furto que, em verdade, foi cometido por sua irmã Cristina da Silva Souza.

Aduz a autora que sua irmã Cristiane, ao ser presa em flagrante, identificou-se como sendo a autora passando a responder todo o processo nessa condição. Assevera que, em 16-02-2005, através da Defensoria Pública, peticionou nos referidos autos comunicando o equívoco e requerendo a confrontação do seu prontuário civil com o de sua irmã Cristiane. Esclarece que somente após um ano foi reconhecida a sua inocência passando, nesse período, por inúmeras situações vexatórias e humilhantes. Acrescenta que estaria gestante no período e seu temor de ser presa injustamente lhe impingiu dano moral. Tece considerações de direito sobre a responsabilidade do Estado, argumentando que a identificação criminal disciplinada na Lei 10.054/2000 exige a juntada de cópia do documento de identificação civil nos autos de prisão em flagrante, o que não foi observado pela autoridade policial que, mesmo diante da inexistência de documento civil, não procedeu à identificação criminal. Ao final, pede a condenação do réu ao pagamento da importância equivalente a cinqüenta salários mínimos, a título de danos morais.A inicial foi instruída com os documentos de fls. 14/203.

O Distrito Federal apresentou resposta às fls. 210/224. Afirma que no caso dos autos não há que se aplicar a teoria da responsabilidade objetiva vez que não houve nenhum ato de agente do Distrito Federal e sim da própria irmã da autora. Argumenta que "Se a Sra Tatiane vinha-se esquivando da Polícia, assim como diz, é porque já sabia bem antes de fevereiro de 2005, data do registro da ocorrência de que teria sido vítima de furto (fl. 166), das falcatruas de sua irmã Cristiane usando a identidade da ora Autora mas, apesar disso, nenhuma providência tomou no âmbito policial e/ou judicial, o que torna ininteligível sua versão." (fls. 212).

Sustenta a inexistência de abuso, arbitrariedade, ilegalidade, excesso, imprudência e/ou negligência nas ações praticas pelos policiais. Requer a improcedência do pedido. Junta à sua resposta os documentos de fls. 210/224

Réplica às fls. 270/275.

A audiência de instrução e julgamento transcorreu segundo o termo de fls. 310.

Alegações finais, através de memoriais, da autora às fls. 314 verso e do réu às fls. 316/320.

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

Cuida-se de ação de reparação de danos morais proposta por Tatiane da Silva Souza contra o Distrito Federal.

Presentes as condições da ação bem como os pressupostos processuais, passo à análise do mérito da demanda.

É sabido que, após longa evolução teórica e legislativa, passando da irresponsabilidade total do Estado para a adoção da teoria da responsabilidade objetiva, hoje, no Brasil, é aplicada segundo o último enfoque a teoria do risco administrativo.

Tal pode ser observado pelo que preceitua o artigo 37, §6º da Constituição Federal:

"§6ºAs pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

A responsabilidade do Estado, assim, resta caracterizada em todos os casos em que houver prova do dano, do prejuízo e do pertinente nexo de causalidade entre ambos, independentemente da prova de culpa ou dolo. Há de se considerar que a responsabilidade de indenizar do Estado só poderá ser afastada por comprovada culpa da vítima ou na hipótese de força maior ou caso fortuito, excludentes cuja prova é de inteira responsabilidade do Poder Público e não do particular.

Nesse sentido as seguintes lições de Hely Lopes Meyrelles:

"O risco administrativo não significa que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa, apenas e tão-somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente da indenização."(Direito Administrativo Brasileiro, 19ª ed. Malheiros Editores, pág. 558).

Na hipótese em tela, há de ser aplicada a teoria da responsabilidade objetiva do Estado.

Segundo a inicial, a autora, ao comparecer à Delegacia de Planaltina, em 08-02-2005, tomou conhecimento de que havia sido expedido mandado de prisão contra si e que, ainda, tramitava ação penal tendo por objeto crime de furto, em verdade, praticado por sua irmã Cristiane que, ao ser presa, identificou-se como a autora.

Assim, o cerne da questão a ser dirimida diz respeito à prática ou não, pela autoridade policial, dos atos concernentes à identificação civil e criminal da verdadeira autora do fato delituoso.

É incontroverso nos autos que, em 06 de abril de 2005, foi recebida denúncia contra a ora autora tendo por objeto o crime de furto qualificado pelo concurso de pessoa, na sua forma tentada. Vê-se do flagrante de fls. 23/55, que no dia 23-03-2004, a Sra. Cristiane da Silva Souza, irmã da autora, foi conduzida à 2ª DP e presa em flagrante, juntamente com Maria Pereira da Silva que, não apresentando documento de identificação civil e não sabendo informar a data e local de nascimento foi identificada criminalmente, conforme fls. 27 e 47.

Consta que foi requerida e deferida a suspensão condicional do processo n. 2004.01.1.028259-9 (fls. 114/115), por dois anos, benefício este não cumprido pela ré (fls. 151), o que acarretou a revogação da suspensão condicional do processo e o prosseguimento do feito criminal (fls. 164).

Em fevereiro de 2005, na ação penal, consta petição de Tatiane da Silva Souza, através da Defensoria Pública, pugnando pelo confronto do seu prontuário civil com o de sua irmã Cristina da Silva Souza (fls. 167) o que foi efetivado tendo sido recebido, em audiência, o aditamento da denúncia para fazer constar na ação penal o verdadeiro nome da denunciada como Cristiane da Silva Souza, fls. 195, em 07 de novembro de 2005.

No caso vertente, não se está perquirindo acerca da conduta da Sra. Cristiane mas sim se o DF portou segundo os ditames legais ou, caso contrário, por omissão ou ação, se há nexo causal entre a conduta e o dano alegado.

É bem de ver-se, pois, que a ré Cristiane da Silva Souza não foi submetida à identificação criminal e a comunicação de ocorrência policial, juntada aos autos às fls. 54, consta informações de que as autuadas não apresentaram documento de identificação civil.

Com efeito, tem-se que a acusada Maria Pereira da Silva, analfabeta e não sabendo declinar data e local de nascimento, foi identificada criminalmente, o que não ocorreu com a irmã da autora. Embora a acusada Maria Pereira, no curso da ação penal, tenha reconhecido ter dano nome de outrem, certo é que foi realizada a identificação criminal não podendo ser ao DF imputada qualquer incúria, diga-se de passagem.

O mesmo não ocorreu em relação à acusada Cristiane que, sem portar documento de identificação civil mas sabendo declinar os dados civis de sua irmã acabou se passando por outra pessoa.

Não se olvida da possibilidade de, mesmo em se realizando a identificação criminal não ser preliminarmente apurada a verdadeira identidade do acusado porém, nesse caso, restaria comprovado que o Estado teria envidado todos os seus esforços ao bem cumprimento das normas legais.

Assim dispõe a Lei 10.054/2000 sobre a identificação criminal:

"Art. 1º O preso em flagrante delito, o indiciado em inquérito policial, aquele que pratica infração penal de menor gravidade (art. 61, caput e parágrafo único do art. 69 da Lei nº 9099, de 26 de setembro de 1995(, assim como aqueles contra os quais tenha sido expedido mandado de prisão judicial, desde que não identificados civilmente, serão submetidos à identificação criminal, inclusive pelo processo datiloscópico e fotográfico.

Parágrafo único. Sendo identificado criminalmente, a autoridade policial providenciará juntada dos materiais datiloscópico e fotográfico nos autos da comunicação da prisão em flagrante ou nos do inquérito policial.

Art. 2º A prova de identificação civil far-se-á mediante apresentação de documento de identidade reconhecido pela legislação.

Art. 3º O civilmente identificado por documento original não será submetido à identificação criminal, exceto quando:

I - estiver indiciado ou acusado pela prática de homicídio doloso, crimes contra o patrimônio praticados mediante violência ou grave ameaça, crime de receptação qualificada, crimes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de documento público;

II - houver fundada suspeita de falsificação ou adulteração do documento de identidade;

III - o estado de conservação ou a distância temporal da expedição de documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais;

IV - constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações;

V - houver registro de extravio do documento de identidade

VI - o indiciado ou acusado não comprovar, em quarenta e oito horas, sua identificação civil.

Art. 4º Cópia do documento de identificação civil apresentada deverá ser mantida nos autos de prisão em flagrante, quando houver, e no inquérito policial, em quantidade de vias necessárias."

Conforme se vê dos autos, a autoridade policial não acostou aos autos de prisão em flagrante cópia do documento de identificação civil porventura apresentado, o que mais uma vez corrobora a informação constante da ocorrência policial de que as acusadas não portavam documento de identificação civil bem como a de que a identificação foi feita apenas com os dados fornecidos verbalmente pela acusada, o que não seria difícil pois esta é irmã da autora.

Resta evidente, pois, o nexo causal entre a omissão do réu no cumprimento de seu dever legal e o dano alegado pela autora consistente nos inúmeros constrangimentos advindos de sua indevida indicação como acusada e, posteriormente, ré em ação penal. É indubitável a amargura e o temor de vir a sofrer, inclusive e a qualquer momento, restrição à liberdade. Embora não tenha sido expedido efetivamente um mandado de prisão qualquer pessoa, ainda mais sem conhecimentos jurídicos, sofreria com a possibilidade da concretização de tal medida.

Como é sabido, o dano moral refere-se aos direitos da personalidade, ou seja, à intimidade, à honra, à boa-fama, entre outros. A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso V, dispõe acerca do dano moral ao preceituar que é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.

O novo Código Civil assim assevera, em seu art. 186: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

São requisitos para a reparação do dano moral, a culpa e o nexo de causalidade entre o ato omissivo ou comissivo e o dano. Vale frisar que o prejuízo no dano moral é presumido, independendo de prova. Os fatos é que devem ser provados, é o que se extrai do aresto que trago à colação:

"A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação (danum in re ipsa). Verificado o evento danoso, surge a necessidade da reparação, não havendo se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais para que haja a responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa)."(STJ Resp 23.575/DF, Quarta Turma, Rel. Min. César Asfor Rocha, DJU 01-09-1997).

Na hipótese vertente, despiciendas maiores considerações acerca da existência do dano moral que restam evidentes.

Certo o dano moral, cumpre seja o seu valor arbitrado, segundo prudente análise.

É curial que o valor do dano moral representa uma compensação para aquele que sofreu o prejuízo e uma punição àquele que provocou o dano, tendo assim, o valor, caráter pedagógico, para que a conduta ilícita não volte a acontecer.

Ademais, observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, o valor deve levar em consideração a capacidade econômica das partes.

O valor também não pode ser exagerado, representando verdadeiro enriquecimento sem causa nem, segundo a teoria do desestímulo, ser irrisória a ponto de não inibir novos ilícitos. Assim, o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) mostra-se totalmente consentâneo com os requisitos delineados para o arbitramento do valor devido.

Ante o exposto, julgo procedente o pedido para condenar o Distrito Federal a pagar à autora o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a título de danos morais, valor a ser corrigido a partir da data da presente sentença, termo da fixação do quantum da indenização, incidindo juros legais de 1% ao mês a partir da citação.

Com apoio no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, declaro resolvido o mérito da demanda. Sem custas vez que a autora milita sob o pálio da justiça gratuita e o réu é isento. Sem honorários pois a autora é patrocinada pela Defensoria Pública do DF. Sentença não sujeita à remessa necessária.

P.R.I.

Brasília/DF, 1º de junho de 2009.

GISLAINE CARNEIRO CAMPOS REIS

JUÍZA DE DIREITO SUBSTITUTA

Processo Incluído em pauta: 02/06/2009



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