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segunda-feira, 15 de junho de 2009

JURID - Consumidor. Prática abusiva da empresa fornecedora. [15/06/09] - Jurisprudência


Consumidor. Prática abusiva da empresa fornecedora. Dano moral configurado. Litigância de má-fé.


Tribunal de Justiça do Distrito Federal - TJDF.

Órgão: 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais

Classe: ACJ - Apelação Cível no Juizado Especial

N. Processo: 2007.11.1.003460-2

Apelante: LUIZ GUARACI DAVID

Apelado: GASOL COMBUSTÍVEIS AUTOMOTIVOS LTDA

Relatora Juíza: SANDRA REVES

EMENTA

CONSUMIDOR. PRÁTICA ABUSIVA DA EMPRESA FORNECEDORA. DANO MORAL CONFIGURADO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. REQUISITOS. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA.

1. A recusa de pagamento por meio de cheque e a retenção posterior de documentos do consumidor, se impossível o pagamento por meio de cartão de crédito em decorrência de defeito na máquina do fornecedor, contraria o princípio ético da boa-fé objetiva, viola atributo da personalidade do consumidor, rendendo ensejo à pretensão indenizatória pelos danos morais decorrentes.

2. A litigância de má-fé pela alteração da verdade dos fatos não se presume e exige prova adequada e pertinente do dolo processual.

3. Recurso conhecido e provido para excluir a aplicação das penas de litigância de má-fé imposta ao apelante, e para condenar a empresa ré apelada ao pagamento dos danos morais sofridos pelo consumidor.

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Juízes da 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal, SANDRA REVES - Relatora, FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA - Vogal, GISELLE RAPOSO - Vogal, sob a presidência da Juíza SANDRA REVES, em CONHECER. PROVER O RECURSO. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 19 de maio de 2009.

SANDRA REVES
Relatora

RELATÓRIO

O Autor, ora apelante, ajuizou ação perante os Juizados Especiais de deduzindo pretensão indenizatória por danos morais que alega haver sofrido em decorrência de ato ilícito da empresa apelada. Fundamentou sua pretensão no fato de que após haver abastecido seu veículo no estabelecimento da ré, o cartão de crédito Petrobrás que possuía não foi aceito em decorrência de defeito na máquina, oportunidade em que foi informado que não aceitavam cheques e que o pagamento deveria ser realizado de outra forma ou seria efetuada a retirada do combustível. Ao negar a retirada do combustível de seu veículo lhe foi solicitado que deixasse no local o cartão da Petrobrás e um cheque caução no valor do débito.

A r. sentença julgou improcedente o pedido e condenou o autor nas penas de litigância de má-fé por alteração da verdade dos fatos.

Inconformado o autor interpõe o presente recurso inominado, pretendendo a reforma da sentença proferida, para condenar a empresa no pagamento da indenização pleiteada na inicial e no que se refere à litigância de má-fé, afirma inexistentes os fatos que ensejaram a aplicação das penas do art. 18 do CPC.

Contrarrazões às fls. 162 e seguintes pugnando pela manutenção da sentença proferida.

É o relatório.

VOTOS

A Senhora Juíza SANDRA REVES - Relatora

Da detida análise da peça recursal concluo pelo provimento do recurso interposto, com a mais respeitosa vênia ao prolator da sentença proferida.

Do dano moral

A controvérsia deve ser solucionada sob o prisma do sistema instituído pelo Código de Defesa do Consumidor, porquanto a relação jurídica havida entre as partes é qualificada como de consumo nos termos dos artigos 2° e 3° da Lei n° 8078/90.

Restou incontroverso nos autos que o ator, ora apelante, após haver abastecido seu veículo no estabelecimento da ré, o cartão de crédito Petrobrás que possuía para pagamento de tais despesas, não foi aceito em decorrência de defeito na máquina do estabelecimento da empresa Ré. E que o resultado de tal quadro foi deixar no estabelecimento seu cartão da Petrobrás e um cheque caução no valor do débito.

Como bem salientado pelo próprio Juízo de origem é absolutamente irregular a prática de retenção de documentos do consumidor para que seja garantido pagamento de dívida, que, na hipótese, não foi adimplida por defeito na prestação de serviço pelo fornecedor.

Ao disponibilizar em seu estabelecimento comercial a possibilidade de pagamento mediante cartão de crédito da Petrobrás, deve zelar para que eventual impossibilidade de pagamento por tal meio não cause qualquer dano aos consumidores de seus produtos.

Após abastecido o veículo do autor, verificou o estabelecimento que sua máquina estava com defeito, assim descortinaram-se várias possibilidades à empresa, tendo optado todavia em transferir o problema ao consumidor. Ressalte-se que a empresa deveria, necessariamente, ou receber o cheque de que dispunha o consumidor para pagamento ou viabilizar seu retorno posterior para pagamento, desde que assim concordasse o consumidor, sem lhe reter, todavia, qualquer documento.

A conduta da empresa ré, ora apelada, portanto, configurou evidente prática abusiva em absoluto desacordo com as normas protetivas do Código do Consumidor. A recusa de pagamento por meio de cheque e a retenção posterior de documentos, se impossível o pagamento por meio de cartão em decorrência de defeito na máquina do fornecedor, contraria o princípio ético da boa-fé objetiva

Não é demais repetir que os contratantes são obrigados a guardar os princípios da probidade e da boa-fé na conclusão e na execução do contrato, segundo a expressa disposição normativa do art. 4º, III, da Lei n.8.078/90 e do art. 422 do CC.

O consumidor abasteceu seu veículo e pretendeu pagar o débito. Impossibilitado em decorrência de defeito na máquina da empresa fornecedora, esta lhe reteve os documentos e não aceitou outra forma de pagamento violando o dever de lealdade imposto a ambos os contratantes ao impedir, ilicitamente, a pagamento por outro meio e ao reter, também ilicitamente, documentos de titularidade do consumidor sob a injustificada ameaça de retirada do combustível do veículo.

Tal quadro fático importou em evidente violação a atributo da personalidade do consumidor, que teve sua dignidade injustamente afrontada.

Com efeito, o especial descaso com que se houve a empresa fornecedora na relação jurídica havida com o recorrente, resultou em aviltamento da dignidade do consumidor, merecendo amparo a indenização pelos danos morais sofridos, na forma preconizada pelo art. 14 da Lei n. 8.078/90.

Tenho, na hipótese, diante das circunstâncias narradas, da condição socioeconômica das partes, bem como o grau de culpa do causador do dano, a gravidade e intensidade da ofensa moral, que o valor de três mil reais observa os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O valor em referência não diverge da hodierna Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, detentor da atribuição de pacificar a interpretação da legislação infraconstitucional. Destaco o importante precedente:

"RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. COBRANÇA INDEVIDA EM FATURA DE CARTÃO DE CRÉDITO. O valor arbitrado a título de indenização a título de danos morais não se revela irrisório ou desproporcional às peculiaridades da espécie, não justificando a excepcional intervenção desta Corte para rever o quantum indenizatório. Recurso especial não conhecido. (Notas: Indenização por dano moral mantida em R$ 3.000,00 (três mil reais)." (REsp 577743 / PB RECURSO ESPECIAL 2003/0145031-5 Ministro CESAR ASFOR ROCHA T4 - QUARTA TURMA DJ 02/08/2004 p. 409).

Da litigância de má-fé

Concluiu o Juízo de origem pela litigância de má-fé em decorrência da divergência entre o depoimento pessoal do autor, em que afirmou litteris "Que o depoente dispõe de outro cartão de crédito, mas no momento do ocorrido o único cartão de que dispunha era o da Petrobrás, para abastecimento; Que as compras em Goiânia foram pagas em cheques de emissão da esposa do depoente"; e as provas documentais produzidas pelo próprio apelante que demonstram haver efetuado compras por meio de outro cartão de crédito de sua titularidade em diversos estabelecimentos comerciais do Estado de Goiás (fls. 46/47), no mesmo dia dos fatos que embasam a pretensão indenizatória.

De início revela-se oportuna a lição de Albanese: "É conhecida - escreve Luso Soares - a lúcida constatação de Albanese logo no umbral do seu ainda belo livro sobre o dolo processual: 'Como toda relação jurídica ou social, a relação processual deve manter-se dominada pela boa-fé, recusando-se a mente a conceber que o processo, destinado a desmascarar o dolo substancial, se veja permeado, ele próprio, pelo vício que pretende combater." (A responsabilidade processual civil, Coimbra, Almedina, 1987, p.33. V., apud Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomelogia processual (civil e penal), José Rogério Cruz e Tucci - São Paulo: RT, 1997, p.123).

A par de tal quadro, tenho que não restaram configurados, na hipótese, os requisitos do art. 17, II, do CPC.

Com efeito, o autor, tecnicamente hipossuficiente na relação de consumo travada entre as partes, apenas afirmou que não estava em seu poder outro cartão de crédito no momento dos fatos e que sua esposa teria emitido cheques para pagamento de compras em outros estabelecimentos comerciais após o ocorrido. Tais afirmações, ainda que esteja demonstrado nos autos que o próprio autor haja utilizado outro cartão de crédito após o ocorrido, não provam a má-fé do requerente.

Ressalte-se, por pertinente, que as referidas afirmações não poderiam influenciar o resultado do processo. Reputo, na espécie, portanto, inadequada a aplicação das penas do art. 18 do CPC. Não obstante o inafastável dever de lealdade e boa-fé dos sujeitos processuais, não se pode presumir o dolo e a má-fé pelas alegações constantes do depoimento do autor,(1) todas dirigidas à legítima defesa do direito que entendia possuir.

Sobre a matéria, destaco precedente do Superior Tribunal de Justiça, na lição autorizada da Ministra NANCY ANDRIGHI, quando do julgamento do AgRg no REsp 645594 / ES - DJe 03/02/2009:

"Direito civil e processual civil. Alimentos. Incidência sobre o 13º salário. Questões processuais. Litigância de má-fé. Exclusão da multa. - A luta da parte para ter uma resposta de cunho processual do Poder Judiciário a respeito de questão jurídica que entende salutar, ainda que já apreciada anteriormente, tem o condão de apenas atrair o instituto da preclusão. - Meros óbices processuais, portanto, devem ser resolvidos de forma menos gravosa às partes; muito embora não detenha o litigante a possibilidade de alcançar o direito subjetivo pretendido, porquanto é sabido que incide a verba alimentar sobre o 13º salário, não merece ter contra si imposta multa por litigância de má-fé, notadamente quando apenas perseverou na busca da prestação jurisdicional a que entendia fazer jus. - A ausência de dolo exclui a possibilidade de declaração de litigância de má-fé. Decisão reconsiderada para conhecer do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento, para afastar a multa por litigância de má-fé. "

Confira-se, ainda, acórdão de Relatoria da Desembargadora Haydevalda Sampaio:

"AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÈ. 1 - PARA QUE O DANO MORAL RESTE CARACTERIZADO, MISTER QUE HAJA INTENSO DESCONFORTO EMOCIONAL NA PESSOA LESADA, CAUSADO POR CONDUTA ILÍCITA DE TERCEIRO. 2 - A APLICAÇÃO DE MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ, DEVE SER IMPOSTA SOMENTE NOS CASOS EM QUE O JULGADOR CONSTATA QUE A ATITUDE DA PARTE EXTRAPOLA OS LIMITES DO RAZOÁVEL, PASSANDO A UTILIZAR A NOR MA PROCESSUAL COMO ESCUDO PARA ATOS QUE, EM VERDADE, COMPROMETEM A PRÓPRIA DIGNIDADE DA JUSTIÇA. 3 - RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO." (20060111145276APC DF Registro do Acórdão Número: 306933 Data de Julgamento: 21/05/2008 Órgão Julgador: 5ª Turma Cível Relator: Publicação no DJU: 05/06/2008 Pág.: 92)

Com essas razões, dou provimento ao recurso para excluir a aplicação das penas de litigância de má-fé imposta ao apelante, e para condenar a empresa ré apelada ao pagamento da quantia líquida de R$3.000,00 (três mil reais), a título de danos morais, devidamente corrigida a partir desta decisão e, acrescida de juros moratórios mensais de 1% a partir da citação inicial. Sem custas e sem honorários.

É como voto.

O Senhor Juiz FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA - Vogal

Com a Relatora.

A Senhora Juíza GISELLE RAPOSO - Vogal

Com a Turma.

DECISÃO

Conhecido. Provido. Unânime.



Notas:

1 - Em recente acórdão do TJDFT de Relatoria da Desembargadora Ana Maria Duarte Amarante Brito consignou-se com propriedade técnica que: "(...) A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ, PARA O FIM DE APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 18 DO CPC, HÁ DE SER COMPROVADA, NÃO BASTANDO, PARA ISSO, A MERA PRESUNÇÃO. (...)" (20040110404417APC DF Registro do Acórdão Número: 343600 Data de Julgamento: 18/02/2009 Órgão Julgador: 6ª Turma Cível Publicação no DJU: 26/02/2009 Pág.: 108) [Voltar]




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