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segunda-feira, 15 de junho de 2009

JURID - Sequestro relâmpago. Saques bancários. Dano moral. [15/06/09] - Jurisprudência


Sequestro relâmpago. Saques bancários. Dano moral. Dever de indenizar.

Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.

Número do processo: 1.0024.07.758908-3/001(1)

Relator: SELMA MARQUES

Relator do Acórdão: SELMA MARQUES

Data do Julgamento: 15/04/2009

Data da Publicação: 01/06/2009

Inteiro Teor:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - SEQUESTRO RELÂMPAGO - SAQUES BANCÁRIOS - DANO MORAL - DEVER DE INDENIZAR - ARBITRAMENTO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO PELO MAGISTRADO - OBSERVÂNCIA DA RAZOABILIDADE. VOTO VENCIDO PARCIALMENTE. A fixação do valor pecuniário da indenização a título de danos morais deve ser realizada pelo Magistrado, levando-se em consideração as peculiaridades do caso concreto e a extensão dos prejuízos gerados.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.07.758908-3/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): BANCO BRASIL S/A - APELADO(A)(S): VALDEIR ESTEVÃO CORDEIRO - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. SELMA MARQUES

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM REJEITAR PRELIMINAR E DAR PARCIAL PROVIMENTO NOS TERMOS DO VOTO DO REVISOR.

Belo Horizonte, 15 de abril de 2009.

DESª. SELMA MARQUES - Relatora

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

SESSÃO DO DIA 01/04/2009

A SRª. DESª. SELMA MARQUES:

VOTO

Cuida-se de apelação interposta contra a r. sentença de f. 86/91que nos autos da ação de indenização por danos materiais ajuizada por Valdeir Estevão Cordeiro contra Banco do Brasil S/A julgou procedente o pedido inicial para condenar a instituição financeira a ressarcir a parte autora a quantia de R$41.000,00 (quarenta e um mil reais), bem como os valores sobre ela incidentes (CPMF e juros de cheque especial).

Inconformada, apela a parte ré às f. 92/101, suscitando inicialmente preliminar de ilegitimidade passiva, posto que a responsabilidade pelo episódio criminoso vivenciado pelo autor se deve à falta de segurança nas ruas de Belo Horizonte. Neste mesmo sentido sustenta ainda que o autor entrou pessoalmente nas agências do réu e realizou os saques em sua conta bancária, o que por si só afastaria a negligência da instituição financeira. No mérito registra que "os documentos juntados pelo apelado a fls. 76/78 se referem as informações de seus limites para realização de saques, não foi juntado nenhum documento que comprove acerca da habitualidade do apelado no que tange a saques efetuados". Anota assim que não restou demonstrada a sistemática dos saques habituais do autor. Frisa que os saques de grandes montas são realizados na 'boca do caixa' exatamente por ser o local mais segura da agência. Lado outro, afirma que não restou comprovado ter sido o autor vítima de seqüestro. Diz que o contexto das referidas operações de saque não permitia que se inferisse estar sendo o autor vítima de coação. Sustenta que estando o autor dentro da agência, repleta de seguranças da instituição financeira, e, ainda equipada com detector de metais, poderia sem maiores dificuldades ter solicitado ajuda e evitado os saques realizados em sua conta. Aduz que não compete ao Banco a discricionariedade no sentido de entregar ou não o dinheiro ao titular da conta em que está depositado.

A resposta ao recurso foi ofertada às f. 105/113 dos autos.

Conheço do recurso, porque presentes seus pressupostos de admissibilidade.

Importa registrar que somente aquele que pode ser titular de direitos e deveres no plano do direito material possui legitimidade para ser parte, ou seja, para tutelar em juízo passiva ou ativamente tais direitos e deveres. Por isso, não restam dúvidas de que a noção de legitimidade para a causa deve ser extraída do plano material, de modo que a titularidade da relação do direito material seja convertida em realidade processual, protagonizada pelas partes, que são aqueles que pedem e contra quem se pede algo. Assim, se o autor indicar como réu pessoa diversa daquela que, segundo a descrição fática por ele mesmo feita, integra a relação substancial objeto da lide, estará configurada a ilegitimidade. Frise-se que para restar configurada a legitimidade é indispensável haver identidade entre a pessoa que segundo o autor deve suportar os efeitos da sentença e o sujeito que integra a relação substancial controvertida.

Nesse sentido:

"A legitimidade, portanto, está ligada a situação processual - situação legitimante - cujas raízes estão no direito material. Autor e réu são legitimados se inseridos na relação jurídica que constitui o fundamento da pretensão. Essa situação, segundo alguns, destaca-se daquela de direito material, cuja existência ou não será determinada mediante juízo de mérito. A situação legitimante seria jurídico-processual, pois emergente da simples afirmação no processo e equiparada, para fins processuais, à situação de direito material com a qual está conectada.

(...)

Há legitimidade se entre as partes e o objeto do processo existir relação de adequação, consubstanciada na possibilidade de o julgamento influir na sua esfera jurídica ou não. Enquanto a noção de "parte" está ligada exclusivamente à relação processual, a de "parte legítima" leva em conta a situação substancial" (José Roberto dos Santos Bedaque. Efetividade e Técnica Processual. 2006. p. 281/282).

Assim, tendo a relação jurídica consubstanciada no contrato de depósito/conta corrente se desenvolvido entre o demandante e o Banco réu, que foi quem teria apresentado falha nos serviços que presta ao permitir a realização de saques na situação de "seqüestro relâmpago", não suscita maiores dúvidas a configuração da situação legitimante do recorrente para figurar no pólo passivo do processo.

Demais disto, como bem ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, quando se trata da responsabilidade estatal por omissão no desempenho dos encargos que lhe são inerentes sua configuração é subjetiva, sendo necessária a comprovação da falha de segurança estatal no evento específico que acometeu o autor. Por isto, é inviável a pretensão recursal no sentido de que a priori a responsabilidade estatal pela falha nos serviços de segurança prestados aos cidadãos excluiria sua situação legitimante.

Isso posto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada.

O SR. DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT:

VOTO

De acordo.

O SR. DES. DUARTE DE PAULA:

VOTO

De acordo.

A SRª. DESª. SELMA MARQUES:

VOTO

No mérito, cumpre anotar que o autor ajuizou a presente ação visando à configuração da responsabilidade civil da instituição ré e a conseqüente condenação ao pagamento de indenização a título de danos materiais que alega ter experimentado, pelo fato de ter sido vítima de seqüestro relâmpago, ocasião em que teria sido sacado R$41.000,00 (quarenta e um mil reais), de forma indevida da conta corrente que mantem junto ao Banco demandado.

Necessário destacar inicialmente que no caso específico não se está discutindo contratos bancários atinentes à disponibilização de crédito ou outras operações congêneres, mas sim a prestação de serviços de guarda e proteção do patrimônio alheio ofertados pelas instituições financeiras. Por isto, em se tratando de prestações de serviços completamente dissociados do crédito entendo ser aplicável as disposições do CDC, como, aliás, venho decidindo em casos semelhantes.

Feita tal ponderação insta ressaltar o disposto no enunciado art. 14 do Código de Defesa do Consumidor onde resta expresso que o "fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos". Estabelece ainda o parágrafo primeiro que o "serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais", I) o modo de seu fornecimento, II) e o resultado e os riscos que razoavelmente se esperam. Merece destaque ainda o disposto no parágrafo 3º, por meio do qual o fornecedor dos serviços não será responsabilizado quando provar que inexistiu qualquer defeito, ou ainda a culpa exclusiva do consumidor ou do terceiro.

Frise-se que a incidência do referido dispositivo do CDC quando se trata da prestação se serviços atinentes à relação de depósito bancário já foi abordada pelo STJ:

"O caso sub judice trata de hipótese típica de prestação de serviço bancário, atraindo, portanto, a incidência do Código de Defesa do Consumidor, que, em seu artigo 14, determina que "o fornecedor responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços" (REsp 710021, julgado em 23 de março de 2006, da lavra do Min. Ari Pargendler).

E ainda:

"Consumidor. Saque indevido em conta corrente. Cartão bancário. Responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços. Inversão do ônus da prova. - Debate referente ao ônus de provar a autoria de saque em conta corrente, efetuado mediante cartão bancário, quando o correntista, apesar de deter a guarda do cartão, nega a autoria dos saques. - Reconhecida a possibilidade de violação do sistema eletrônico e, tratando-se de sistema próprio das instituições financeiras, ocorrendo a retirada de numerário da conta corrente do cliente, não reconhecida por este, impõe-se o reconhecimento da responsabilidade objetiva do fornecedor do serviço, somente passível de ser ilidida nas hipóteses do §3º do art. 14 do CDC" (REsp nº. 557.030, RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi).

Posta a questão da incidência do art. 14 do CDC, importa anotar que a "responsabilidade civil pelo fato do produto ou do serviço consiste no efeito de imputação ao fornecedor, de sua responsabilização em razão dos danos causados em razão do defeito na concepção ou fornecimento de produto ou serviço, determinando seu dever de indenizar pela violação do dever geral de segurança inerente a sua atuação no mercado de consumo". Todavia, insta enfatizar que os "requisitos ou pressupostos essenciais do sistema tradicional da responsabilidade civil não são totalmente afastados do sistema de responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço. Neste sentido, os pressupostos lógico-jurídicos da responsabilidade mantêm-se exigíveis em qualquer dos sistemas de atribuição de responsabilidade: conduta, dano e nexo de causalidade entre ambos" (Bruno Miragem. Direito do Consumidor. 2008, p. 260 e 262).

Lado outro, importa também registrar ser entendimento chave para o sistema de responsabilidade pelo fato do serviço previsto no CDC, o conceito de defeito. Isto porque, exige-se "no sistema do CDC, por expressa influência do direito europeu sobre o tema, a existência de defeito de defeito para que se possa indicar a imputação de responsabilidade civil ao fornecedor pelos danos causados em razão de acidente de consumo. Em matéria de responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, não há se falar em imputação do dever de indenizar sem a demonstração do defeito, que por isso, aparece como pressuposto específico do regime de responsabilidade civil estabelecido pelo CDC". Frise-se que o "defeito, como pressuposto da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, é uma falha no atendimento do dever de segurança imputado aos fornecedores de produtos e serviços no mercado de consumo" (Bruno Miragem. Direito do Consumidor. 2008, p. 266 e 267).

Deste modo para que reste configurada a responsabilidade civil na espécie e o consequente dever de ressarcimento pela perda material experimentada pela parte autora, imprescindível seja estabelecido um nexo de causalidade entre o dano sofrido e uma conduta do Banco réu que possa ser enquadrada como defeituosa.

Pois bem. Na espécie a conjugação de elementos entre os quais a não impugnação específica em relação a alguns fatos da inicial relatando o contexto em que se desenvolveram os acontecimentos narrados pelo autor e o boletim de ocorrência de f. 21/22, confeccionado no período da tarde do mesmo dia em cuja manha teria sido o autor vítima de "seqüestro relâmpago", sendo obrigado a sacar em benefício dos criminosos mais de quarenta mil reais, demonstra de forma suficiente a veracidade das alegações autorais no que toca ao episódio em si considerado.

A discussão ensejada pela parte demandada gira em torno do fato de que não obstante os saques realizados em suas agências bancárias pelo autor, que estava sob a coação de bandidos, não teria qualquer responsabilidade pelo evento.

Tal situação resta clara quando se tem em consideração trechos da contestação onde a parte ré assevera, por exemplo:

"Vale dizer que o autor foi abordado em frente à sua casa, e não na Agência do requerido, e depois que entrava nas mesmas, seguia todos os trâmites e formalidades para retirada do dinheiro". (f. 29).

(...)

"Não há como responsabilizar o banco requerido pelo seqüestro relâmpago ocorrido com o autor em frente à sua casa" (f. 30).

Deste modo o dano experimentado pelo autor na importância de R$41.000,00 (quarenta e um mil reais), se faz inequívoco, posto que nos termos em que desenvolvido o processo é inconteste que tal saque se deveu à situação à qual submetido o autor por figuras delinqüentes.

Resta então analisar se é possível estabelecer um liame fático jurídico a alguma conduta, (ação/omissão), do Banco réu, caracterizada como defeituosa no que toca à segurança que legitimamente se espera dos serviços prestados por uma instituição do porte do Banco do Brasil.

Neste aspecto é imprescindível o reconhecimento da normatividade inerente à cláusula geral da boa fé objetiva ínsito aos sistemas contratuais, situação que ademais não suscita maiores complexidades. Isto porque o "legislador brasileiro, segundo a orientação e as experiências de outros países, principalmente os da Europa, diante do quadro de insuficiência causado pelas limitações das leis para solucionar os problemas atuais, que os americanos chamam hard cases, adota a cláusula geral como método legislativo, deixando a norma em aberto, quanto ao conteúdo, para que seja implementada pelo intérprete e pelo juiz no caso concreto.

"Simultaneamente à adoção da cláusula geral, a impotência da lei perante as necessidades de garantia e efetivação dos direitos fundamentais da pessoa levou os estudiosos a penas em uma adequada hermenêutica, que submeta a interpretação das 'relações interprivativas' à luz da ordem 'principiológica' constitucional e não limitada apenas à codificação infraconstitucional e seus conceitos específicos.

Dessa forma, as cláusulas gerais contribuem para manter o diploma legal adequado a seu tempo, coevo, e devem ser aplicadas aos caso concreto, não se permitindo imaginar que se trate apenas de norma de propósitos". (Fátima Nancy Andrighi. Cláusulas Gerais e Proteção da Pessoa. In: Direito Civil Contemporâneo. Coord. Gustavo Tepedino. 2008, p. 290).

Deste modo, reconhecido caráter normativo das cláusulas gerais para regulamentar as "relações interprivativas" desenvolvidas no cotidiano, necessário asseverar que o princípio da boa fé objetiva no âmbito contratual impõe aos contratantes um padrão de conduta no sentido de recíproca cooperação na satisfação dos interesses comuns, tendo três especializações funcionais como destaque, quais sejam: 1)interpretação e integração do vínculo firmado, 2)criação de deveres jurídicos anexos e 3)limitação ao exercício de direitos subjetivos.

Merece destaque a segunda das funções referidas, que dá origem a deveres laterais, que, apesar de não guardarem referência direta com o objeto central do contrato, funcionam como verdadeira fonte obrigacional, impondo aos contratantes, mormente na execução do contrato, muito mais do que um simples não prejudicar. Isto porque nesta concepção a boa fé implica uma série de deveres mutuamente exigíveis e que independem da vontade um do outro, ou mesmo do fato de estarem expressamente estabelecidos.

Tais deveres "não abrgangidos pela prestação principal que compõe o objeto do vínculo obrigacional, caracterizam a correção do comportamento dos contratantes, um em relação ao outro, tendo em vista que o vínculo obrigacional deve traduzir uma ordem de cooperação, exigindo-se de ambos os obrigados que atuem em favor da consecução da finalidade que, afinal, justificou a formação daquele vínculo" (Teresa Negreiros. Teoria do Contrato: Novos Paradigmas. 2006. p. 150).

Deste modo "são observados não apenas os deveres principais da relação obrigacional (o dever de pagar o preço ou entregar a coisa, por exemplo), mas também deveres anexos ou laterais, que não dizem respeito diretamente com a obrigação principal, mas sim com a satisfação de interesses globais das partes, como os deveres de cuidado, previdência, segurança, informação, ou mesmo os deveres de proteção e cuidado relativos à pessoa e ao patrimônio da outra parte" (Bruno Miragem. Direito do Consumidor. 2008, p. 73).

Na espécie é latente a violação aos deveres anexos de cuidado e proteção que a instituição financeira deveria ter em relação ao cliente. Ora, na sociedade brasileira contemporânea onde são inequívocos os problemas relacionados a segurança pública, cujas falhas sistemáticas e generalizadas na implementação de políticas efetivas por parte do Estado, podem sujeitar todos os cidadãos, é indubitável a obrigação das instituições financeiras zelarem pelos depósitos que lhe são confiados, ao menos acompanhando as movimentações financeiras como forma de detectar alguma situação anômala, que possa resultar prejuízo para pessoa cujo patrimônio deve zelar pela proteção.

Neste sentido cumpre anotar que os extratos juntados à f. 18 são uma verdadeira prova de descaso do Banco réu, que reconhece de forma expressa na prova oral produzida às f. 52/53, por meio de seu representante legal, que o perfil de cada cliente é sim fator limitador de saque perante os caixas de suas agências, posto que pode implicar na necessidade de solicitação prévia. No entanto, concomitantemente, afirma desconhecer o perfil do autor, que segundo infere-se da prova oral teria, a priori, o princípio de quem de forma corriqueira implementa movimentações financeiras como aquelas da manhã do dia 27 de setembro de 2007.

Todavia o perfil econômico financeiro do autor não parece difícil de ser analisado e tampouco combina com o saque de R$41.000,00 (quarenta e um mil reais), numa única manhã em diferentes agências, na mesma manhã, aliás, em que providenciou o resgate de toda a quantia, qual seja, R$35.643,45, (trinta e cinco mil, seiscentos e quarenta e três reais e quarenta e cinco centavos), que possuía no CDB do Banco do Brasil.

Observe-se que o autor é funcionário público aposentado cujos proventos totalizam cerca de três mil e novecentos reais, não tendo, pois, definitivamente o perfil de quem se deslocaria por quatro agências bancárias para sacar a quantia já referida. Chama atenção, ainda, o fato de que todos os saques realizados pelo autor, nos termos em que fora estabelecida a verdade pelo processo, (art. 302, caput, do CPC), o foram na companhia de um dos seqüestradores, que num dos saques até mesmo questionou a um dos funcionários do réu, como bem consignado pelo i. juízo sentenciante, se haveria a possibilidade de serem sacadas grandes quantias.

Necessário apontar que o autor não foi sequer indagado pelos funcionários das quatro agências em que esteve sobre as razões de uma conduta tão estranha e definitivamente incompatível com seu perfil.

Assim, a inobservância do dever de cuidado com o patrimônio alheio, inerente à boa-fé objetiva, a partir da transferência das aplicações do CDB e do saque da totalidade do montante existente na conta do autor, em circunstâncias mínimo suspeitas, haja vista o deslocamento por quatro agências distintas no mesmo período, configuram sim um defeito na prestação dos serviços que legitimamente podem ser esperados do Banco do Brasil, cujos sistemas de proteção e cuidado não podem estar dissociados da dinâmica social, que de fato em termos nacionais resta impregnada pela violência urbana, fazendo corriqueiras situações como a vivenciada pela parte autora, impotente diante do seqüestro sofrido em frente sua residência por homens armados, que segundo lê-se da inicial teriam ameaçado até mesmo sua família.

Frise-se que não se está aqui buscando a configuração da culpa do réu, não se trata disto, posto que já consignada a incidência da responsabilidade objetiva nos termos preconizados pelo CDC. Tampouco se trata da prestação de serviços de consultoria para fins de sugestão de mecanismos de segurança aptos a evitaram situações com a desenvolvida nos autos. Enfatize-se, como já salientado, que está-se evidenciado é o defeito na prestação dos serviços legitimamente esperados, o que ante a incidência da boa fé objetiva, e a inobservância dos deveres de acompanhamento e cuidado com o patrimônio alheio, resta sim configurado.

Todavia, lado outro, na linha da argumentação desenvolvida é óbvio que o dever de cuidado em decorrência de movimentações suspeitas junto à conta do autor, não poderia ser desde logo acionado pelo Banco do Brasil, sendo necessário, pois, a fixação de um limite demarcatório para saber-se a partir de quando teria ocorrido a falha no dever anexo à relação principal da instituição financeira. Neste sentido é razoável que somente a partir do primeiro saque na "boca do caixa", da ordem de cinco mil reais, após terem sido sacados R$1.000,00 (um mil reais), no caixa eletrônico, fosse exigida uma conduta ativa do Banco no sentido de cuidado do patrimônio alheio evitando, assim, os sucessivos saques implementados pelo demandante na companhia e sob a coação de criminosos. Anote-se que a quantia de cinco mil reais se mostra tão razoável para fins de acionamento do dever de cuidado, numa dinâmica que por óbvio extrapola os pontos corriqueiros de um contrato de depósito, que após o episódio que ensejou esta demanda, foi o limite, provavelmente em consonância com o perfil do autor, estipulado para a realização de saques nas agências do Banco réu sem necessidade de solicitação prévia, como pode ser observado à f. 78 dos autos.

Por isso a responsabilidade pelo fato do serviço somente deve restar configurada a partir do momento em que insurgir o defeito, advindo da inobservância do dever instrumental de cuidado oriundo da cláusula geral da boa fé objetiva, o que por óbvio extrapola os simples termos expressos no contrato. Assim, somente deve ser restituída ao autor a quantia de R$35.000,00 (trinta e cinco mil reais), com os encargos que lhe forem inerentes, posto que antes disto, em consonância com os fundamentos expostos, embora seja inequívoco o dano, não há como configurar o defeito que rende ensejo à responsabilização pelo fato do serviço, por frustrar a segurança legitimamente esperada.

Isso posto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso para reduzir o valor da condenação ao ressarcimento dos danos materiais experimentados pelo autor para R$35.000,00 (trinta e cinco mil reais), quantia que deve ser acrescida dos encargos que tiverem incidido sobre a movimentação financeira, (CPMF e cheque especial), bem como de correção monetária pelos índices da CGJ desde o ajuizamento da ação e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação.

Custas recursais na proporção de 70% pela parte apelante e 30% pela parte apelada, restando suspensa a exigibilidade do pagamento em relação a esta por litigar amparada pelos benefícios da justiça gratuita.

Custas processuais e honorários advocatícios fixados em 15% da condenação, na proporção de 70% pela parte ré e 30% pela parte autora, suspensa a exigibilidade do pagamento em relação a esta, por ter-lhe sido concedido o benefício da justiça gratuita.

O SR. DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT:

VOTO

Do exame que procedi dos autos em questão, em que pesem os fundamentos trazidos pela eminente Relatora em seu voto, dele discordo no que concerne ao momento que surge a responsabilidade da instituição Agravante.

De acordo com o voto proferido pela ilustre Relatora, o dever de cuidado em decorrência de movimentações suspeitas junto à conta do autor, não poderia ser desde logo acionado pelo Banco do Brasil, sendo necessário, pois, a fixação de um limite demarcatório para saber-se a partir de quando teria ocorrido a falha no dever anexo à relação principal da instituição financeira.

Alega que neste sentido é razoável que somente a partir do primeiro saque na "boca do caixa", da ordem de cinco mil reais, após terem sido sacados R$1.000,00 (um mil reais), no caixa eletrônico, fosse exigida uma conduta ativa do Banco no sentido de cuidado do patrimônio alheio evitando, assim, os sucessivos saques implementados pelo demandante na companhia e sob a coação de criminosos.

Por isso entende que a responsabilidade pelo fato do serviço somente deve restar configurada a partir do momento em que insurgir o defeito, advindo da inobservância do dever instrumental de cuidado oriundo da cláusula geral da boa fé objetiva, o que por óbvio extrapola os simples termos expressos no contrato, pelo que deve ser restituída ao autor a quantia de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), com os encargos que lhe forem inerentes, posto que antes disto, em consonância com os fundamentos expostos, embora seja inequívoco o dano, não há como configurar o defeito que rende ensejo à responsabilização pelo fato do serviço, por frustrar a segurança legitimamente esperada.

Ouso divergir quanto a fixação do limite demarcatório.

Entendo, no mesmo sentido, que o dever de cuidado em decorrência de movimentações suspeitas junto à conta do autor, não poderia ser desde logo acionado pelo Banco do Brasil, sendo necessária a fixação de um limite demarcatório, contudo, ao meu sentir, a partir do primeiro saque de R$1.000,00, feito no caixa eletrônico da instituição recorrente.

Ademais, em análise ao site do Banco do Brasil, especificamente no tópico "segurança - limites e horários", pude constatar que: "Os valores destes limites são padronizados e atribuídos automaticamente, de acordo com o seu perfil de relacionamento com o Banco do Brasil".

Neste caso, conforme dito pela ilustre Relatora, o autor é funcionário público aposentado cujos proventos totalizam cerca de três mil e novecentos reais, não tendo, pois, definitivamente o perfil de quem realizaria um saque de R$1.000,00 no caixa eletrônico para, em menos de uma hora depois, realizar outro saque no valor de R$5.000,00.

Ora, se o autor não foi sequer indagado pelos funcionários das quatro agências em que esteve sobre as razões de uma conduta tão estranha e definitivamente incompatível com seu perfil, cabe a instituição o ressarcimentos pelos danos materiais que, no caso dos autos entendo ser a partir do primeiro saque efetuado.

Logo, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso para reduzir o valor da condenação ao ressarcimento dos danos materiais experimentados pelo autor para R$40.000,00 (quarenta mil reais), quantia que deve ser acrescida dos encargos que tiverem incidido sobre a movimentação financeira (CPMF e cheque especial), bem como de correção monetária pelos índices da CGJ desde o ajuizamento da ação e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação.

Custas recursais na proporção de 70% pela parte apelante e 30% pela parte apelada, restando suspensa a exigibilidade do pagamento em relação a esta por litigar amparada pelos benefícios da justiça gratuita.

Custas processuais e honorários advocatícios fixados em 15% da condenação na proporção de 70% pela parte ré e 30% pela parte autora, suspensa a exigibilidade do pagamento em relação a esta, por ter-lhe sido concedido o benefício da justiça gratuita.

O SR. DES. DUARTE DE PAULA:

Peço vista.

SESSÃO DO DIA 15/04/2009

Assistiu ao julgamento pelo apelado o Dr. Waldemir S. Cordeiro.

O SR. DES. PRESIDENTE:

Este feito veio adiado de sessão do dia 01/04/2009, a pedido do Des. Vogal, no mérito, quando rejeitaram a preliminar, e a Relatora e o Revisor, com divergência, deram parcial provimento ao recurso.

O SR. DES. DUARTE DE PAULA:

VOTO

Com a devida vênia, estou aderindo, por completo, ao entendimento esposado pelo ilustre Revisor, posto que, da análise fática dos autos, verifico que o primeiro saque se deu em um valor condizente com o perfil do autor, mas os demais, em seqüência, numa prática delituosa continuada, que chegaram à quantia de R$41.000,00 (quarenta e um mil reais) num só dia e com pequenos intervalos de tempo, não poderiam deixar de ser notados ou obstaculados pelo apelante, que tem o dever de zelar pela segurança daquilo que lhe é depositado.

No caso em análise, os saques feitos em sequestro relâmpago só se deram pela negligência manifesta do banco apelante e de seus prepostos, como bem situada na prova e analisada nos votos que me antecederam, mesmo porque a continuidade de saques a intervalos miúdos, que não eram costumeiros ao perfil do apelado, em conta de aplicação financeira - investimentos, mantida pelo apelado, devendo situar que após o primeiro saque no valor de R$1.000,00 (um mil reais), pela circunstância em que se deu, é mais justo e consentâneo com os fatos, este excluir da verba reparatória, como o fizera o ilustre Revisor, nos argumentos por ele adotados.

Assim, com a devida vênia do posicionamento da ilustre Relatora, estou a acompanhar o seu judicioso voto, mas balizado nos argumentos expendidos pelo ilustre Revisor, pedindo vênia para referendar o valor proposto por S.Exª. Des. Fernando Caldeira Brant, como valor da reparação a que devem incidir os acessórios legais, como fixados nos votos que me antecederam.

SÚMULA: REJEITARAM PRELIMINAR E DERAM PARCIAL PROVIMENTO NOS TERMOS DO VOTO DO REVISOR.




JURID - Sequestro relâmpago. Saques bancários. Dano moral. [15/06/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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