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quarta-feira, 17 de junho de 2009

JURID - Embriaguez ao volante. Sem bafômetro. [17/06/09] - Jurisprudência


Embriaguez ao volante. Sem bafômetro.


Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Apelação Criminal n. 2009.007530-3, de Seara

Relator: Des. Irineu João da Silva

EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DA LEI N. 9.503/97. NECESSIDADE DE DAR INTERPRETAÇÃO HERMENÊUTICA À LEI N. 11.705/2008, PARA ATENDER AOS SEUS PRÓPRIOS FINS. AUSÊNCIA DE TESTE DO BAFÔMETRO. ESTADO ETÍLICO QUE PODE SER DEMONSTRADO POR OUTRAS PROVAS. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO.

Se "o desígnio claríssimo do legislativo foi o de impor maior rigor no combate à embriaguez ao volante, qual o sentido em se infundir óbice à prova testemunhal como suficiente para a constatação do seu estado etílico?!" (ROGER BRUTTI).

Ao operador do direito, atento às incongruências do legislador, outra solução não resta do que lançar mão da hermenêutica jurídica para decifrar a vontade da lei em face da realidade do país e da necessidade de impor maior rigor aos infratores das normas de trânsito, não obstante as imperfeições humanas.

Donde se conclui, na linha esboçada pela doutrina, que, fiel ao que prescreve o art. 291 do CTB, aplicando-se aos crimes de trânsito as normas gerais do Código de Processo Penal, nas infrações que deixam vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito (art. 158), mas, não sendo ele possível, por haverem desaparecidos os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta (art. 167).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2009.007530- 3, da comarca de Seara, em que é apelante A Justiça Púbica, por seu promotor, e apelado Geovani Guisolphi:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e, por maioria, dar-lhe provimento, para cassar a decisão que absolveu sumariamente o apelado, prosseguindo- se a ação penal. Vencido o Exmo. Sr. Des. Túlio José Moura Pinheiro. Custas legais.

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público oficiante na Comarca de Seara ofereceu denúncia contra Geovani Guisolphi, como incurso nas sanções do art. 306 da Lei n. 9.503/1997, pelos seguintes fatos descritos na proemial acusatória (fls. II/III):

No dia 21 de outubro de 2006, por volta das 18 horas, na Rua 3 de abril, Geovani Guisolphi conduziu o veículo GM Ômmega GLS, placas LYB-0809, sob a influência de álcool, conforme Auto de Constatação de Sinais de Embriaguez de fl. 7, expondo a dano potencial a incolumidade alheia, tanto que adentrou na referida rua em sentido proibido, e perdeu o controle do veículo, colidindo em uma árvore.

Concluída a instrução criminal, o acusado foi absolvido sumariamente, com fundamento no art. 397, inciso III, do Código de Processo Penal (fls. 49/53).

Inconformado com a prestação jurisdicional, o Dr. Promotor de Justiça apelou, requerendo a condenação, nos termos da exordial acusatória (fls. 57/62).

Com as contra-razões (fls. 83/87), nesta Instância, a douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Pedro Sérgio Steil, manifestou-se pelo não provimento do apelo (fls. 98/100).

VOTO

As modificações trazidas no Código de Processo Penal no último ano realmente exigem dos operadores do direito esforço no abandono de velhos paradigmas.

É o que acontece com o artigo 397, que trouxe importante novidade no ordenamento processual penal brasileiro, com a possibilidade do juiz, desde logo, julgar antecipadamente o caso, sem necessidade, sequer, de submeter o acusado ao interrogatório e às demais cerimônias de caráter ritualístico. É o que a lei denominou de absolvição sumária, que, obviamente, não deve ser confundida com a absolvição sumária do artigo 415 do Codex Adjetivo Penal, onde a instrução já foi realizada e o juiz tem ao seu dispor várias provas, colhidas em procedimento contraditório.

Consoante o artigo 397, após a resposta preliminar, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:

I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato;

II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade;

III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou

IV - extinta a punibilidade do agente.

Estas hipóteses diferem formal e substancialmente da rejeição liminar da peça acusatória (ou do não recebimento, como prefiram, pois a absolvição sumária é uma decisão de mérito, passível de fazer coisa julgada material (intangível e absolutamente imutável), desafiando o recurso de apelação (art. 593, I).

Feitas tais considerações, sem adentrar no campo das provas, porque a revisão, neste momento, deve se limitar à possibilidade de os fatos se adequarem ao tipo penal do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, tem-se que, no início da noite de 21 de outubro de 2006, na Comarca de Seara, policiais militares registraram a ocorrência envolvendo o réu, Geovani Guisolphi (Boletim de Ocorrência de fls. 4/6), que, após trafegar em sentido contrário, colidiu com seu veículo GM-Ômega em uma árvore da via pública, estando visivelmente embriagado (Auto de Constatação de Sinais de Embriaguez de fl. 7).

Com efeito, é sabido que a embriaguez, por si só, não configura o delito previsto no art. 306 da Lei n. 9.503/97 (Código Brasileiro de Trânsito), porquanto se exige que, desta circunstância, advenha perigo de dano potencial à incolumidade de outrem, consubstanciado em condutas que a denotem, tais como conduzir o veículo em ziguezague, invadir mão em sentido contrário, avançar sinal vermelho de semáforos, etc. Estas condutas, como é sabido, infringem, claramente, o princípio da confiança, que impera nas relações existentes entre todos os usuários de vias terrestres.

O tipo penal é claro: "Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência".

Para a caracterização do delito de embriaguez ao volante devem concorrer quatro requisitos: a) conduzir veículo automotor; b) que o agente esteja sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, com concentração igual ou superior a 6 decigramas; c) que o veículo esteja sendo conduzido na via pública; e, d) que o agente, na condução de veículo automotor, em via pública, exponha a dano potencial a incolumidade de outrem.

Com efeito, data venia de entendimento de parcela significativa da comunidade jurídica, na qual, obviamente, o prolator da sentença absolutória se insere, a ausência do teste do bafômetro ou do exame de sangue não afastam a possibilidade de comprovação da ebriedade por outros meios, pois é sabido que podem ser supridos pelo "exame clínico feito por médico, que atesta ou não o estado de embriaguez, verificando o comportamento do sujeito através de sua fala, seu equilíbrio, seus reflexos etc. Na falta desses exames, a jurisprudência tem admitido a prova testemunhal" (FERNANDO CAPEZ E VICTOR EDUARDO RIOS GONÇALVES, Aspectos criminais do Código de Trânsito Brasileiro, 2ª ed., SP: Saraiva, 1999, p. 45).

E, isso, salvo melhor juízo, mesmo após a edição da Lei n. 11.705/2008, que, para alguns, é "novatio legis in mellius", pois, considerar imprescindível a existência de teste de bafômetro para a tipicidade do crime do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro seria atentar contra vários princípios de do processo penal brasileiro, senão da lógica.

Senão, vejamos. Como constatar a dosagem alcóolica se o infrator não desejar submeter-se ao teste do bafômetro ou ao exame de sangue? E, obviamente que o legislador não se atentou para o fato de que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo.

Ao operador do direito, atento às incongruências do legislador, outra solução não resta do que lançar mão da hermenêutica jurídica para decifrar a vontade da lei em face da realidade do país e da necessidade de impor maior rigor aos infratores das normas de trânsito, não obstante as imperfeições humanas.

Nesse sentido, colhe-se da doutrina virtual (ROGER BRUTTI, A eficácia da prova testemunhal nos delitos de embriaguez ao volante. In http://www.webartig os.com/articles/ 9336/1/a- eficacia- da-prova- testemunhal- nos-delitos- de-embriaguez- ao-volante/ pagina1.html, acesso em 8.5.2009):

Por meio, pois, de uma singela interpretação, estampa-se que o Legislador, quando implementou a reforma em tela, asseverando, reclamando, protestando, anunciando o seu intuito, de forma contextual, no sentido de tornar a Lei mais rigorosa para com o condutor embriagado, fê-lo já no primeiríssimo artigo da Lei n. 11.705/2008, ao utilizar ele a cabal expressão "com a finalidade de estabelecer alcoolemia 0 (zero) e de impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool.

Se, portanto, o desígnio claríssimo do legislativo foi o de impor maior rigor no combate à embriaguez ao volante, qual o sentido em se infundir óbice à prova testemunhal como suficiente para a constatação do seu estado etílico?! (...)

Não seria a embriaguez ao volante, sabidamente, uma das principais causas de acidentes e mortes no trânsito brasileiro? O álcool e as demais substâncias de efeitos embriagantes não atuariam, como é de todos cediço, diretamente sobre o sistema nervoso central, diminuindo sensivelmente a capacidade de reação do condutor de veículo automotor e colocando, assim, a segurança coletiva em irrefutável xeque?

Pois bem. É com tijolos imperfeitos, mais uma vez fornecidos pela Excelsa Olaria do Legislativo, donde surgem os principais materiais necessários à construção e consolidação do Estado democrático e de direito anunciado no art. 1º da CF, que nos compete construir os pilares da Justiça.

De qualquer forma, não há que se olvidar que o teste do bafômetro serve apenas para comprovar a quantidade de bebida alcóolica ingerida pelo condutor do veículo, não comprovando de fato se aquela pessoa está ou não embriagada, pois, "o álcool ingerido por uma pessoa que não é acostumada a beber tem seus efeitos rapidamente demonstrados, já para outras pessoas que consomem bebida alcóolica freqüentemente, os efeitos do álcool demoram a aparecer, quando efetivamente aparecem. Contudo, o bafômetro, no processo penal, no que se refere ao crime de embriaguez do artigo 306 do Código de Trânsito, é inservível, pois, pouco importa a quantidade de bebida alcóolica ingerida pelo condutor de veículo automotor, mas, sim, se este efetivamente ingeriu bebida alcóolica, vez que, o crime exige diversas condutas do agente, entre elas, estar dirigindo veículo automotor, causar dano a incolumidade pública e estar sob a influência de álcool, na falta de qualquer um destes requisitos inexistirá o crime" (FABIANO AUGUSTO VALENTE, A utilização do bafômetro como meio de prova. In: http://www.ambito- juridico. com.br/site/ index.php? n_link=revista_ artigos_leitura&artigo_id=3930, acesso em 8.5.2009).

Donde se conclui, na linha esboçada pela doutrina, que, fiel ao que prescreve o art. 291 do CTB, aplicando-se aos crimes de trânsito as normas gerais do Código de Processo Penal, nas infrações que deixam vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito (art. 158), mas, não sendo ele possível, por haverem desaparecidos os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta (art. 167).

É o caso dos autos, devendo ser acolhido o inconformismo ministerial, para dar prosseguimento à ação penal.

DECISÃO

Diante do exposto, decidiu a Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para cassar a decisão que absolveu sumariamente o apelado, prosseguindo- se a ação penal. Vencido o Exmo. Sr. Des. Túlio José Moura Pinheiro.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Sérgio Paladino, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Túlio José Moura Pinheiro, lavrando parecer, pela douta Procuradoria- Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Pedro Sérgio Steil.

Florianópolis, 19 de maio de 2009.

Irineu João da Silva
Relator

Colaboração de Roger Spode Brutti - http://ministeriopublicobrasil.blogspot.com/2009/05/embriaguez-ao-volante-sem-bafometro.html




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