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terça-feira, 2 de junho de 2009

JURID - Direito à saúde. Art. 196 da Constituição Federal. [02/06/09] - Jurisprudência


Agravo de instrumento. Ação civil pública. Decisão que garantiu, em sede liminar, o fornecimento de medicamentos pelo Estado. Direito à saúde. Art. 196 da Constituição Federal.
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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN.

Processo: 2008.003320-9

Julgamento: 19/05/2009

Órgão Julgador: 1ª Câmara Cível

Classe: Agravo de Instrumento com Suspensividade

Agravo de Instrumento n° 2008.003320-9.

Origem: Vara Única da Comarca de Campo Grande-RN.

Agravante: Estado do Rio Grande do Norte.

Procurador: Dr. Dario Paiva de Macedo (4291/RN).

Agravado: Ministério Público.

Relator: Desembargador Expedito Ferreira

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECISÃO QUE GARANTIU, EM SEDE LIMINAR, O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. DIREITO À SAÚDE. ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA E INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. INOCORRÊNCIA. ENTE PÚBLICO QUE SE MOSTRA LEGITIMADO A SOFRER OS EFEITOS DA DECISÃO RECORRIDA. MINISTÉRIO PÚBLICO QUE ATUA NA DEFESA DE INTERESSES COLETIVOS E DIFUSOS. NULIDADE QUE NÃO SE RECONHECE. ESSENCIALIDADE DO COMPOSTO FARMACOLÓGICO NÃO DEMONSTRADA PARA O TRATAMENTO EM LARGA ESCALA DO GRAVAME DE SAÚDE. MEDICAMENTO QUE SE MOSTRA ÚTIL, DE FORMA PARTICULAR, A PACIENTE SINGULARIZADO NA PETIÇÃO INICIAL. LASTRO PROBATÓRIO QUE NÃO DEMONSTRA A EXCLUSIVIDADE DE SUA UTILIZAÇÃO. NECESSIDADE DE MAIOR DILAÇÃO PROBATÓRIA NESTE SENTIDO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA O DEFERIMENTO DA MEDIDA LIMINAR. RECURSO CONHECIDO PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Agravo de Instrumento, entre as partes em referência,

ACORDAM os Desembargadores da 1ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça, por à unanimidade de votos, em dissonância com o parecer da 16ª Procuradoria de Justiça, conhecer e dar provimento ao recurso, reformando integralmente a decisão recorrida, nos termos do voto do relator.

RELATÓRIO

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo Estado do Rio Grande do Norte em face de decisão proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Campo Grande-RN, que, nos autos da Ação Civil Pública, autuada sob o nº 123.08000204-3, deferiu o pedido liminar, determinando que o Estado do Rio Grande do Norte adquira e garanta, no máximo de 10 (dez) dias, o fornecimento regular do medicamento Transtuzumab - Herceptin® a todas as pessoas usuárias do Sistema Único de Saúde - SUS que não disponham de condições financeiras suficientes ao seu custeio e que o solicitarem através da Secretaria Estadual de Saúde, mediante prescrição médica, sob pena de multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Em suas razões recursais, sustenta o ente público recorrente a inadequação da via judicial utilizada pelo Ministério Público, bem como a ilegitimidade ativa do órgão ministerial para promover a presente ação.

Explicita que a responsabilidade pelo cumprimento da medida hostilizada seria solidaria entre todos os demais entes da federação, reputando se tratar a hipótese dos autos de litisconsórcio passivo necessário.

Alega em seu favor o princípio da reserva do possível, tendo em vista não ser viável o cumprimento da medida liminar exarada na instância de origem.

Aduz que a decisão combatida contraria recente pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, que, discorrendo sobre o alcance do art. 196 da Constituição Federal, fixou o entendimento de que ao Estado caberia oferecer o serviço público de saúde de maneira adequada, observando os tratamentos e medicamentos disponíveis e adquiridos por meio do orçamento público.

Pontifica que o decisum combatido afronta a independência dos Poderes, uma vez que não cabe ao Judiciário determinar a efetivação de políticas públicas, muito menos intervir em questão de competência exclusiva do Poder Executivo.

Ressalta não ser tarefa própria do Poder Judiciário "adentrar no mérito administrativo da escolha feita ao determinar que seriam tratadas apenas algumas mazelas e através de determinadas drogas".

Consignou a existência de outros medicamentos com a mesma função daquele destacado no juízo originário.

Alegou a inconstitucionalidade da cominação de multa ao Secretário de Saúde, bem como sua imputação à Governadora do Estado em caso de descumprimento da medida.

Requereu, liminarmente, a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, para, no mérito, pugnar pelo provimento do agravo de instrumento, com a reforma da decisão hostilizada.

O efeito suspensivo foi indeferido, conforme se verifica às fls. 61-65.

Intimado, o Ministério Público apresentou contra-razões às fls. 71-99, nas quais informa que o ente público recorrente não vem disponibilizando o medicamento descrito na vestibular aos pacientes que dele necessitam.

Ressalta que o composto farmacológico tem utilidade no tratamento de determinadas espécies de câncer, sendo vital para o controle da doença.

Pondera sobre sua legitimidade para figurar no pólo passivo da presente demanda, tendo em vista que os direitos postos em litígio versam sobre interesses difusos e coletivos.

Registra não ser obrigatória a formação do litisconsórcio passivo, sobretudo em face da solidariedade dos entes públicos na obrigação em referência.

Destaca a possibilidade de controle dos atos administrativos por via da ação civil pública, não havendo qualquer irregularidade no procedimento instaurado no juízo de primeiro grau.

Reitera ser dever imposto ao ente público recorrente garantir o atendimento médico necessário aos pacientes integrantes do sistema SUS, mesmo em relação ao fornecimento de medicamentos.

Acresce que a concessão do direito postulado não encontra óbice no princípio da legalidade orçamentária.

Assegura ser possível a fixação de multa pelo descumprimento da decisão judicial em face da Fazenda Pública.

Termina requerendo o desprovimento do agravo de instrumento interposto.

Instado a se manifestar, o Ministério Público com atribuições nesta instância recursal, por sua 16ª Procuradoria de Justiça, às fls. 105-117, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, voto pelo conhecimento do recurso.

Inicialmente, conforme relatado precedentemente, suscitou o ente público Agravante a inadequação da via judicial eleita pelo Ministério Público.

Sob este enfoque, assegura que o órgão ministerial estaria promovendo a defesa de direito individual de paciente, não sendo legítima a apresentação de referida pretensão através de ação civil pública.

Contudo, compulsando-se os autos, percebe-se que a pretensão autoral dirige-se em favor de todos os pacientes sujeitos a tratamento terapêutico com prescrição do medicamento Transtuzumab - Herceptin®, não havendo restrição particularizada do pedido neste sentido.

Neste contexto, tem-se que o órgão ministerial encampa a defesa de direito constitucional à saúde, com natureza patente para a salvaguarda de interesses difusos e coletivos.

Sobre o tema, cite-se o seguinte precedente desta Corte de Justiça:

EMENTA: CONSTITUCIONAL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DECISÃO SINGULAR QUE GARANTIU O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS POR PARTE DO MUNICÍPIO, À PESSOA IDOSA - PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, POR AUSÊNCIA DE CERTIDÃO DE INTIMAÇÃO - REJEIÇÃO - MÉRITO: DIREITO À SAÚDE E À VIDA - ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 15, § 2º DO ESTATUTO DO IDOSO - COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DO MEDICAMENTO PARA O TRATAMENTO DO PACIENTE - OBRIGATORIEDADE DO FORNECIMENTO PELO ENTE MUNICIPAL - PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS - AGRAVO CONHECIDO E DESPROVIDO. (AI n.º 2008.008680-8, da 2ª Câmara Cível do TJRN. Relª. Drª. Maria Zeneide Bezerra (Juiza Convocada). J. 16/12/2008)

Portanto, pelo menos neste instante processual, não se verifica inadequação na via eleita pelo Ministério Público, não merecendo acolhimento a pretensão recursal neste sentido.

Por outro lado, suscita também o recorrente a necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário, chamando-se ao feito o Município de Campo Grande-RN e a União Federal.

Ocorre que, no caso em tela, não se trata de circunstância que determine a formação do litisconsórcio passivo, não havendo, porquanto, a imprescindibilidade de figurar também no pólo passivo da demanda a União e o Município de Campo Grande-RN.

Dispõe a Constituição Federal, em seu art. 198, § 1º, sobre o Sistema Único de Saúde, estabelecendo in litteris:

Art. 198. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

Da análise do dispositivo mencionado, constata-se que a obrigação de prestação de serviços e a prática de ações que visem a resguardar a saúde dos cidadãos seria solidária entre a União, os Estados, os Municípios e Distrito Federal, podendo, portanto, ser exigida de cada um dos entes ora elencados isoladamente.

Neste sentido, é o entendimento desta Corte de Justiça:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA LIMINAR QUE DETERMINOU O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PELO ESTADO - PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM E LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO DA UNIÃO TRANSFERIDAS PARA O MÉRITO. MÉRITO: OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS QUANTO AO PROVIMENTO DE REMÉDIOS À POPULAÇÃO - RESPONSABILIDADE QUE PODE SER EXIGIDA EM CONJUNTO OU ISOLADAMENTE - LEI ESTADUAL DE Nº 8.607/04 QUE IMPÕE AO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE O DEVER DE DISPONIBILIZAR MEDICAMENTOS PRA O CONTROLE DO DIABETES, INCLUSIVE COM ORDEM DE PREVISÃO DA DESPESA NA DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA - PRECEDENTES DA CORTE E DO STF - RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO" (AC nº 2006.001108-7, da 3ª Câmara Cível do TJRN, Rel. Des. Aécio Marinho, j. 20.07.06).

Desse modo, quando o constituinte originário estatuiu, no artigo 196 da Constituição Federal de 1998, a solidariedade na promoção da saúde da população, em cada nível da Federação, deixou claro que qualquer um deles é responsável pelo alcance das políticas sociais e econômicas que visem ao acesso universal e igualitário das ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde.

Importante salientar que o Egrégio Superior Tribunal de Justiça firmou esse posicionamento, como se constata do seguinte aresto:

"EMENTA - PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS N. 282 E 356 DO STF. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. LEI N. 8.080/90. PRECEDENTES.

1. Aplicam-se os óbices previstos nas Súmulas n. 282 e 356 do STF quando a matéria suscitada no recurso especial não foi debatida no acórdão recorrido e nem, a respeito, foram opostos embargos de declaração.

2. Sendo o Sistema Único de Saúde (SUS) composto pela União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, impõe-se o reconhecimento da responsabilidade solidária dos aludidos entes federativos, de modo que qualquer deles tem legitimidade para figurar no pólo passivo das demandas que objetivam assegurar o acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros.

3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido". (Resp 772264 / RJ, DA 2ª TURMA, MIN. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA DO STJ, publicado no DJ 09.05.2006, p. 207). Grifos intencionais.

Destarte, visto ser o Estado do Rio Grande do Norte legitimado a sofrer os efeitos da decisão impugnada, impõe-se reconhecer também sua legitimidade para figurar no pólo passivo da presente relação processual, inexistindo a necessidade de formação do litisconsórcio passivo necessário.

Noutro quadrante, impende verificar a existência de obrigação do Estado em fornecer a medicação almejada pela parte apelada.

Insta examinar, portanto, se teriam sido demonstrado os elementos que autorizariam a concessão da medida liminar requestada em primeiro grau.

Conforme relatado precedentemente, resta suficientemente demonstrado que o medicamento discriminado na peça vestibular estaria adequado, útil e necessário ao tratamento da paciente Maria de Fátima Veras, sobretudo em razão da prescrição do fármaco por profissional médico responsável.

Contudo, tendo em vista a natureza e o alcance da pretensão liminar pretendida pelo órgão ministerial, impunha-se a demonstração concreta da eficácia do medicamento para universo de usuários mais amplo, de sorte a convencer o magistrado acerca da sua essencialidade para o tratamento de número significativos de pacientes atendidos pelo Sistema SUS.

Nesta condição, não se mostra legítimo inferir que medicamento seria recomendado para significativo percentual dos pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde de forma prioritária, de sorte a recomendar sua aquisição para tratamento daqueles que não teriam condições de adquirí-los na rede regular de comércio por seus próprios meios.

Assim sendo, no que concerne à análise do pedido liminar, para possibilitar o fornecimento do medicamento Transtuzumab - Herceptin® pela Secretaria Estadual de Saúde a todas as pessoas usuárias do Sistema Único de Saúde - SUS e que não disponham de condições financeiras suficientes para arcar com a sua aquisição, mostra-se temerário seu deferimento neste instante processual.

Percebe-se que assiste razão à parte recorrente, pelo em sede de juízo sumário, sobretudo por carecer o caderno processual de lastro probatório que permita firmar a convicção do julgador sobre a essencialidade dos compostos para o tratamento de grande parte dos casos.

Não se deve jamais perder de vista que a própria sistemática do Sistema Único de Saúde tem por caraterística a universalidade, razão que exige a apreciação do direito posto em litígio com ênfase na verificação sobre: (a) essencialidade do medicamento; (b) interesse público na inclusão do novo medicamento na RENAME; (c) possibilidade orçamentária de o Estado fornecer o medicamento para todos os doentes que se encontrem em idêntica situação; (d) se o medicamento atende à regulamentação sanitária de medicamentos, e, ainda, se é seguro, eficaz e atua no corpo humano da forma a atender as finalidades para que propõe de maneira relativamente uniforme.

Entrementes, não fez o recorrido prova suficiente neste sentido, sendo carente o lastro probatório reunido até o presente momento neste específico.

Em razão de tais fatos, sendo necessária a instauração da fase probatória do feito, no juízo originário, para a elisão dos pontos destacados, não se tem por evidenciados todos os requisitos para que, de plano, seja obrigado o ente público a cumprir a medida de urgência, sendo temeroso conceder liminar sob a alegação genérica e individualizada sobre a eficácia do medicamento para o tratamento do câncer.

Noutro aspecto, verifica-se presente, in casu, a hipótese de dano irreparável ou de difícil reparação, uma vez que, permanecendo a decisão de primeiro grau, poderá ser afetado o erário estadual, pela aquisição de grande quantidade de compostos farmacológicos sem a devida demonstração de sua necessidade e utilidade.

Na situação em apreço, conforme acentua o próprio Ministério Público, existe distribuição regular de medicamentos para o tratamento de câncer através da rede pública, repercutindo a questão sobre qual seria o composto mais indicado para terapêutica utilizada sobre grande contingente de usuários, hipótese ainda não demonstrada satisfatoriamente no feito.

Ademais, registre-se, por oportuno, que a destinação dos recursos público para atendimento à saúde, não deve ser feita de modo arbitrário e aleatório, havendo necessidade de prévio estudo criteriosos, bem como previsão orçamentária.

Ante o exposto, em dissonância com o parecer da 16ª Procuradoria de Justiça, voto pelo conhecimento e provimento do recurso interposto, para reformar integralmente a decisão recorrida.

É como voto.

Natal, 19 de maio de 2009.

DESEMBARGADOR CRISTÓVAM PRAXEDES
Presidente

DESEMBARGADOR EXPEDITO FERREIRA
Relator

Dra. GERALDA FRANCINY PEREIRA CALDAS
10ª Procuradora de Justiça




JURID - Direito à saúde. Art. 196 da Constituição Federal. [02/06/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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